Como os credores decidem o destino do Congo
por Renaud Vivien e Damien Millet
[*]
Os 19 países credores que constituem o Clube de Paris
[1]
reuniram-se a 18 de Novembro para examinar o caso da República
Democrática do Congo (RDC), após dois relatórios ligados
à revisão do muito controverso contrato chinês. Este
contrato, que hipoteca gigantescas quantidades de minerais em proveito da China
em troca da construção de infraestruturas na RDC, pôde
finalmente ser revisto no sentido desejado pelos prestamistas de fundos
ocidentais representados pelo FMI
[2]
. A seguir a isto, o assunto parecia resolvido: o Clube de Paris iria conceder
as garantias financeiras pedidas pelo FMI para concluir um novo programa de
três anos com o governo congolês daqui até o fim de 2009 e
apagar no princípio de 2010 um parte importante da dívida externa
pública. Longe disso! O Clube de Paris decidiu, por sua vez,
"castigar" a RDC exigindo a manutenção de dois
contratos leoninos assinados com transnacionais ocidentais.
O Clube de Paris prova mais uma vez que é uma instância governada pelo Norte na qual os países do Sul não desempenham senão um papel de figurante. Nenhum membro do governo congolês foi convidado às discussões efectuadas em Bercy, no Ministério francês das Finanças, ou tem sede o Clube de Paris. Este clube define-se como uma "não-instituição", não tendo personalidade jurídica. A vantagem é clara: o Clube de Paris não incorre em nenhuma responsabilidade quanto aos seus actos e não pode portanto ser processado na justiça uma vez que oficialmente não existe!
Contudo, as suas decisões têm consequências pesadas para as populações do Terceiro Mundo pois é no seu seio que é decido, em concerto com o FMI e o Banco Mundial, se um país endividado do Sul "merece" um reescalonamento ou um alívio da dívida. Quando ele dá sinal verde, o país em causa, sempre isolado face a esta frente unida de credores, deve aplicar as medidas neoliberais ditadas pelos prestamistas de fundos, cujos interesses confundem-se com o sector privado.
A 18 de Novembro último, a vítima foi a RDC uma vez que o Clube de Paris decidiu ir além da simples revisão do contrato chinês exigida pelo FMI ingerindo-se ainda mais nos seus contratos mineiros, domínio que entretanto tem a ver com a soberania permanente da RDC, conforme do direito internacional e o artigo 9 da sua Constituição.
Oficialmente, é o risco do aumento da dívida congolesa, ligado à garantia de Estado inicialmente prevista no contrato chinês, que havia justificado a ingerência do FMI nos assuntos internos congoleses.
Mas na realidade, a RDC, a exemplo de outros países africanos cheios de recursos naturais, é o teatro de uma competição encarniçada entre os países ocidentais e a China, cujo apetite não cessa de crescer ao ponto de ser hoje o terceiro parceiro comercial para a África, após os Estados Unidos e a França. O Clube de Paris é portanto o instrumento que os países ocidentais têm utilizado, nomeadamente o Canadá e os Estados Unidos, para exigir do governo congolês que ele volte atrás na sua decisão de rescindir o contrato que deu origem ao consórcio Kingamyambo Musonoi Tailings (KMT) e revise a convenção criando a Tenke Fungurume Mining (TFM), nas quais os Estados Unidos e o Canadá têm interesses importantes.
Os prestamistas de fundos ocidentais aplicam a política do "dois pesos, duas medidas" conforme se trate de um contrato concluído com a China ou com uma empresa ocidental. Os interesses do sector privado prevalecem sobre as considerações de legalidade e de desenvolvimento uma vez que o carácter fraudulento destas duas convenções foi relatado pela Comissão de "revisitação" dos contratos mineiros, estabelecida na RDC em 2007 [3] . Os Estados do Norte servem-se do Clube de Paris e das instituições financeiras internacionais, onde estão sobre-representados, como um cavalo de Tróia para açambarcar os recursos nacionais do Sul.
Foi o trio infernal — Clube de Paris, FMI, Banco Mundial — que a partir de 2002 organizou o branqueamento da dívida odiosa da RDC reestruturando os atrasados deixados pelo ditador Mobutu. Tratava-se na época de emprestar dinheiro ao governo para apurar as velhas dívidas do ditador, permitir ao governo de transição endividar-se de novo mas impondo-lhe políticas anti-sociais, nomeadamente um novo Código Mineiro muito favorável às transnacionais.
Em 2009, a dívida continua a asfixiar o povo congolês cujos direitos humanos fundamentais são espezinhados para assegurar o reembolso do serviço da dívida. Apesar dos efeitos de anúncio dos credores que prometiam uma anulação da dívida congolesa, esta eleva-se hoje a 12,3 mil milhões de dólares, ou seja, o equivalente à soma reclamada à RDC no momento da morte de Laurent Désiré Kabila em 2001... Ora, esta dívida é o arquétipo de uma dívida odiosa, nula em direito internacional pois ela foi contratada por uma ditadura, sem benefício para a população e com a cumplicidade dos credores. O governo congolês poderia portanto repudiá-la, o que lhe permitiria além disso não aceitar os diktats do Clube de Paris.
Para o CADTM, a chantagem do Clube de Paris não é uma surpresa: esta instância ilegítima é, desde a sua criação, ao mesmo tempo juiz e parte. Ela deve portanto pura e simplesmente ser abolida, assim como a dívida da RDC.
Nesse meio tempo, o governo congolês deve suspender unilateralmente o pagamento desta dívida, a exemplo do Equador em Novembro de 2008 e da Argentina que em 2001 havia decretado a mais importante suspensão de pagamento da dívida externa da História, mais de 80 mil milhões de dólares, tanto em relação aos credores privados como em relação ao Clube de Paris, e isto sem que tivesse lugar represálias.
A crise económica necessita actos fortes e imediatos contra a dívida e em proveito dos povos. Para assim fazer, os países do Sul teriam todo o interesse em constituir uma frente unida pelo não pagamento da dívida.
O Clube de Paris prova mais uma vez que é uma instância governada pelo Norte na qual os países do Sul não desempenham senão um papel de figurante. Nenhum membro do governo congolês foi convidado às discussões efectuadas em Bercy, no Ministério francês das Finanças, ou tem sede o Clube de Paris. Este clube define-se como uma "não-instituição", não tendo personalidade jurídica. A vantagem é clara: o Clube de Paris não incorre em nenhuma responsabilidade quanto aos seus actos e não pode portanto ser processado na justiça uma vez que oficialmente não existe!
Contudo, as suas decisões têm consequências pesadas para as populações do Terceiro Mundo pois é no seu seio que é decido, em concerto com o FMI e o Banco Mundial, se um país endividado do Sul "merece" um reescalonamento ou um alívio da dívida. Quando ele dá sinal verde, o país em causa, sempre isolado face a esta frente unida de credores, deve aplicar as medidas neoliberais ditadas pelos prestamistas de fundos, cujos interesses confundem-se com o sector privado.
A 18 de Novembro último, a vítima foi a RDC uma vez que o Clube de Paris decidiu ir além da simples revisão do contrato chinês exigida pelo FMI ingerindo-se ainda mais nos seus contratos mineiros, domínio que entretanto tem a ver com a soberania permanente da RDC, conforme do direito internacional e o artigo 9 da sua Constituição.
Oficialmente, é o risco do aumento da dívida congolesa, ligado à garantia de Estado inicialmente prevista no contrato chinês, que havia justificado a ingerência do FMI nos assuntos internos congoleses.
Mas na realidade, a RDC, a exemplo de outros países africanos cheios de recursos naturais, é o teatro de uma competição encarniçada entre os países ocidentais e a China, cujo apetite não cessa de crescer ao ponto de ser hoje o terceiro parceiro comercial para a África, após os Estados Unidos e a França. O Clube de Paris é portanto o instrumento que os países ocidentais têm utilizado, nomeadamente o Canadá e os Estados Unidos, para exigir do governo congolês que ele volte atrás na sua decisão de rescindir o contrato que deu origem ao consórcio Kingamyambo Musonoi Tailings (KMT) e revise a convenção criando a Tenke Fungurume Mining (TFM), nas quais os Estados Unidos e o Canadá têm interesses importantes.
Os prestamistas de fundos ocidentais aplicam a política do "dois pesos, duas medidas" conforme se trate de um contrato concluído com a China ou com uma empresa ocidental. Os interesses do sector privado prevalecem sobre as considerações de legalidade e de desenvolvimento uma vez que o carácter fraudulento destas duas convenções foi relatado pela Comissão de "revisitação" dos contratos mineiros, estabelecida na RDC em 2007 [3] . Os Estados do Norte servem-se do Clube de Paris e das instituições financeiras internacionais, onde estão sobre-representados, como um cavalo de Tróia para açambarcar os recursos nacionais do Sul.
Foi o trio infernal — Clube de Paris, FMI, Banco Mundial — que a partir de 2002 organizou o branqueamento da dívida odiosa da RDC reestruturando os atrasados deixados pelo ditador Mobutu. Tratava-se na época de emprestar dinheiro ao governo para apurar as velhas dívidas do ditador, permitir ao governo de transição endividar-se de novo mas impondo-lhe políticas anti-sociais, nomeadamente um novo Código Mineiro muito favorável às transnacionais.
Em 2009, a dívida continua a asfixiar o povo congolês cujos direitos humanos fundamentais são espezinhados para assegurar o reembolso do serviço da dívida. Apesar dos efeitos de anúncio dos credores que prometiam uma anulação da dívida congolesa, esta eleva-se hoje a 12,3 mil milhões de dólares, ou seja, o equivalente à soma reclamada à RDC no momento da morte de Laurent Désiré Kabila em 2001... Ora, esta dívida é o arquétipo de uma dívida odiosa, nula em direito internacional pois ela foi contratada por uma ditadura, sem benefício para a população e com a cumplicidade dos credores. O governo congolês poderia portanto repudiá-la, o que lhe permitiria além disso não aceitar os diktats do Clube de Paris.
Para o CADTM, a chantagem do Clube de Paris não é uma surpresa: esta instância ilegítima é, desde a sua criação, ao mesmo tempo juiz e parte. Ela deve portanto pura e simplesmente ser abolida, assim como a dívida da RDC.
Nesse meio tempo, o governo congolês deve suspender unilateralmente o pagamento desta dívida, a exemplo do Equador em Novembro de 2008 e da Argentina que em 2001 havia decretado a mais importante suspensão de pagamento da dívida externa da História, mais de 80 mil milhões de dólares, tanto em relação aos credores privados como em relação ao Clube de Paris, e isto sem que tivesse lugar represálias.
A crise económica necessita actos fortes e imediatos contra a dívida e em proveito dos povos. Para assim fazer, os países do Sul teriam todo o interesse em constituir uma frente unida pelo não pagamento da dívida.
[2] "L'ingérence sournoise du FMI et de la Banque mondiale en République démocratique du Congo " , por Renaud Vivien, Yvonne Ngoyi, Victor Nzuzi, Dani Ndombele, José Mukadi et Luc Mukendi, Réseau Voltaire, 8 octobre 2009.
[3] "Au terme de la revisitation, Contrats miniers : 23 maintenus, 14 résiliés, 2 à finaliser" , Groupe @venir CD, 16 novembre 2009.
[*] Dirigentes do Comité pour l’annulation de la dette du tiers-monde ( CADTM )
O original encontra-se em http://www.voltairenet.org/article163150.html e em
http://www.cadtm.org/Comment-les-pays-creanciers
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .