sábado, 5 de dezembro de 2009

Veja aqui as imagens censuradas pela Folha / UOL



Baixe para seu computador e suba para seu blog ou rede social.

 
 
 
 
O Grupo Folha não vê problema em expor uma ficha falsa da ministra da Casa Civil e candidata do presidente Lula a sua sucessão, Dilma Roussef, na primeira página de um domingo, acusando-a de participar de ações terroristas. Não vê problema também em abrir uma página inteira para Cesar Benjamim expor seus fantasmas político-sexuais (à espera de um Wilhelm Reich) e acusar o presidente Lula de estuprador. Acha também perfeitamente natural chamar de ditabranda a ditadura que sequestrou, torturou e matou inúmeros brasileiros. Mas a Folha e o UOL não gostam de virar vidraça.

O blogueiro Arles publicou uns banners em seu blog convidando os navegantes para que cancelassem suas assinaturas do ex-jornalão e do portal. Recebeu uma notificação para que os retirasse do ar. Eu já os havia reproduzido aqui no blog, com link para as imagens do Arles. Mas sou macaco velho e, embora não acreditasse que o Grupo Folha descesse a tanto, havia providenciado backup das imagens. As publico aqui, convocando-os para que façam o download delas para seus computadores e depois subam-nas para seus blogs ou redes sociais. Eles vão ter que notificar a blogosfera toda. Assim vão aprender que os tempos mudaram e não existe mais informação de mão única. Agora eles mandam de lá e nós respondemos de cá.
http://blogdomello.blogspot.com/

Estupro da Folha é outro tiro no pé

do blog do miro

Neste sábado, dia 5, às 10 horas, o Movimento dos Sem Mídia (MSM) fará uma manifestação em frente ao prédio da Folha de S.Paulo (Rua Barão de Limeira, 425, centro da capital paulista), para protestar contra a publicação de um artigo leviano e irresponsável que acusou o presidente Lula de tentar “subjugar sexualmente” um jovem nos anos 1980. O artigo de uma página inteira, de autoria do ex-petista Cesar Benjamin, atual colunista da Folha, “foi forjado no ódio, na inveja e na covardia e é um estupro ao jornalismo”, afirma Eduardo Guimarães, presidente do MSM.

Sobre o artigo de Cesar Benjamin, que “estuprou” sua própria biografia de profundo conhecedor do Brasil e de intelectual brilhante, muitos já se pronunciaram criticamente – prefiro silenciar na tristeza por mais este ato instintivo e rancoroso. Sugiro apenas a leitura da resposta ponderada e firme do jornalista Gilberto Maringoni, publicada na Carta Maior. Membro do PSOL e crítico de esquerda do governo Lula, ele não poupou críticas ao texto do “Cesinha”, que estaria fazendo o jogo da direita brasileira às vésperas da sucessão presidencial. “Fico envergonhado com o papel que ele está desempenhando. Seu passado não merece isso. Mas a História irá julgá-lo”.

“Um horror” dos herdeiros de Frias

Já com relação ao jornal da famíglia Frias, a publicação do artigo sem qualquer apuração prévia ou rigor jornalístico liquida qualquer ilusão sobre o ecletismo da Folha. Após usar um ex-petista para desferir ataques pessoais ao presidente da República, ela mesma confessou sua leviandade, mas sem fazer autocrítica pública – talvez temendo processos jurídicos. Militantes que estiveram presos com Lula nos cárceres da ditadura, entre abril e maio de 1980, negaram taxativamente a história bizarra. Vale registrar a resposta íntegra de José Maria de Almeida, presidente do PSTU e outro crítico do governo Lula, que qualificou a insinuação de “baixaria”.

O reconhecimento cabal do “estupro” perpetrado pela Folha, porém, ocorreu com a entrevista de João Batista dos Santos, o ex-militante do Movimento pela Emancipação do Proletariado (MEP) que teria sido o alvo da “investida” de Lula na cela. Ele considerou “um horror” o artigo, disse que isso nunca ocorreu e lamentou a publicação do texto sem ouvir os envolvidos no caso. Por ironia da história, Santos trabalhou numa granja da famíglia Frias em São José dos Campos, no interior paulista, na década de 1990. Para ele, se Octavio Frias de Oliveira, o barão da Folha, estivesse vivo (ele faleceu em 2007), “esteve artigo não teria sido publicado”.

Credibilidade e tiragem em queda

Depois de cunhar a expressão “ditabranda” para se referir aos trágicos anos da ditadura militar e de publicar uma “ficha policial” falsa contra a ministra Dilma Rousseff, a Folha dá outro tiro no pé. A publicação do asqueroso artigo fere a pouca credibilidade que ainda resta a este veículo e poderá resultar em novas quedas da sua tiragem. Quando da “ditabranda”, o jornal perdeu mais de 3 mil assinantes, segundo fontes da própria empresa. Já no caso da falsa ficha policial, o jornal foi forçado a reconhecer timidamente o erro, temendo a abertura de um processo criminal.

Entre outros fatores, a perda de credibilidade do jornal da famíglia Frias ajuda a explicar a brutal queda da sua tiragem nos últimos anos. Segundo levantamento do IVC (Instituto Verificador de Circulação), a Folha é hoje o vigésimo quarto jornal em vendas avulsas no país, ficando atrás do Estadão (19º lugar) e de O Globo (15º lugar). Entre janeiro e setembro de 2009, ela vendeu em média 21.849 exemplares nas bancas. Uma tiragem pífia se comparada aos 489 mil exemplares vendidos em suas edições dominicais em outubro de 1996. Atualmente, o jornal só se sustenta graças à publicidade e à venda de assinaturas, que atinge basicamente a chamada classe média.

Com os “estupros” que a Folha insiste em praticar, a tendência é que a sua tiragem despenque ainda mais. O ato organizado pelo MSM poderá servir como mais uma pá de cal neste jornal leviano e golpista, que agride constantemente a democracia e a ética jornalística.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Calamidade em Bhopal-India...


vítimas de Bhopal seguem nascendo

Carlos Gorito - Correio Internacional

BHOPAL, Índia: Bhopal é uma calamidade sem fim. Em 3 de dezembro de 1984, nuvens de veneno vazaram da fábrica de pesticidas Union Carbide matando milhares nessa cidade do centro da Índia. Hoje, um quarto de século depois, as vítimas, desse que é o pior desastre industrial do mundo, continuam nascendo.
Aqui, em bairros onde as pessoas dependem de água contaminada por produtos químicos que vazam da fábrica abandonada e onde muitas mães foram expostas a gases tóxicos quando eram jovens, danos cerebrais e bebês com má formação são 10 vezes mais comuns que a média nacional. Médicos da Clínica Sambhavna de Bhopal [clínica mantida por doações para dar assistência médica gratuita às vítimas do desastre] dizem que nada menos que 1 em 25 bebês ainda está nascendo com defeitos e problemas de desenvolvimento tais como cabeças menores, pés palmados e baixo peso ao nascer.
Aqueles que eram apenas crianças quando a fumaça dominou a cidade de um milhão de habitantes também estão sofrendo. Dolorosas lesões de pele, problemas e feridas estomacais, coceira nos olhos são queixas comuns entre as milhares de famílias, das quais algumas se mudaram para Bhopal apenas em anos recentes. E a clínica da cidade diz que Bhopal agora tem algumas das mais altas taxas de câncer de vesícula e esôfago, tuberculose, anemia e anomalias na tireóide. As meninas começam a menstruar muito mais tarde que o normal e passam por dolorosos problemas ginecológicos, que muitas vezes levam a retirada do útero.
Esses problemas, dizem ativistas tais como os da Bhopal Medical Appeal [BMA, campanha mundial para angariar fundos destinados a ajudar as vítimas do acidente industrial em Bhopal], estão ligados à contínua poluição de partes do suprimento local de água por produtos químicos tais como clorofórmio e tetracloreto de carbono. As famílias não têm escolha a não ser usar água de poços para lavar, cozinhar e beber quando fontes seguras secam, de acordo com uma nova pesquisa que será publicada pela BMA na terça-feira [1/12]. O estudo encontrou níveis mais altos de vários produtos químicos carcinogênicos [que podem causar câncer] nas fontes de água esse ano do que ano passado – sugerindo fortemente que as gerações futuras serão envenenadas a menos que a área seja descontaminada. Isso contraria as afirmações do estado e dos ministros nacionais de que o lugar está limpo.
Enquanto isso, a batalha legal para que o diretor executivo da Union Carbide seja julgado pela alegada negligência de sua companhia não está mais perto do sucesso do que estava há 25 anos. A Anistia Internacional intimará nesta semana o governo da Índia e a Dow Chemicals [corporação estadunidense fabricante de produtos químicos, plásticos e agropecuários], que comprou a Union Carbide em 2001, para que tomem “ações urgentes e decisivas” para garantir que os acusados compareçam no tribunal – mais de 20 anos depois que os mandados de prisão foram emitidos pela primeira vez. A Dow Chemicals continua a negar qualquer responsabilidade pelo caso criminal.
Foi nas primeiras horas do dia 3 de dezembro de 1984 que 27 toneladas de metilisocianteto gasoso – 500 vezes mais tóxico que o cianeto de potássio e usado para fabricar o pesticida Sevin [usado como inseticida em jardins, agricultura e reflorestamento] – começou a vazar da fábrica da Union Carbide para as áreas vizinhas. Centenas de milhares de pessoas foram envenenadas pelo gás enquanto dormiam. Homens, mulheres e crianças que viviam em casebres situados bem ao lado do muro da fábrica acordaram respirando com dificuldade e cegas pelo gás que se dispersou rapidamente.
Acredita-se que cerca de 8 mil pessoas tenham morrido nas primeiras 72 horas. Centenas morreram em suas camas; outras milhares saíram cambaleantes de suas casas para morrer na rua. Estima-se que outras 15 mil pessoas tenham morrido em resultado da exposição ao gás desde então, muitas vezes com danos dolorosos e horrendos aos pulmões, coração, cérebro e outros órgãos, de acordo com a Anistia Internacional. Cerca de três quartos das mulheres grávidas dessa área abortaram espontaneamente seus bebês horas ou dias depois daquela noite. Centenas de bebês têm nascido desde então com deformidades, tais como membros ausentes, órgãos anormais, cabeças malformadas e tumores. Nenhum dos seis sistemas de segurança da fábrica estava operacional naquela noite.
Mesmo hoje, a Anistia Internacional estima que 120 mil pessoas expostas ao gás tenham problemas médicos crônicos. Depois que a fábrica foi fechada em 1985, outras 30 mil pessoas já ficaram doentes por causa da água contaminada por resíduos químicos enterrados ou descartados em lagoas próximas, de acordo com sanitaristas de Bhopal. Crianças e animais domésticos ainda são vistos brincando e pastando na grama que esconde os resíduos porque o governo local tem falhado em proteger a área apropriadamente.
Hazira Bee, de 53 anos, vive em J P Nagar, uma das áreas mais afetadas ao norte da cidade. Na noite do desastre, depois de despertar por causa do cheiro de pimenta queimada, ela e seu marido correram com suas crianças, seus olhos e pulmões ardendo por causa do gás. No pânico, seu filho do meio, Mansoor Ali, de 4 anos, foi deixado para trás. Ele tem passado a maior parte de sua vida dentro e fora de hospitais, enfraquecido severamente pelo dano crônico aos pulmões. A filha de Mansoor, hoje com 3 anos e meio, foi incapaz de manter sua cabeça ereta ou virar para o lado até os 18 meses de idade; ela recém começou a caminhar. Toda a família de Hazira tem sofrido de problemas respiratórios, neurológicos e de pele desde o vazamento.
Hazira disse: “a cena dentro da fábrica era horrível. Eu vi corpos e pessoas machucadas com espuma saindo de suas bocas. Desde o vazamento de gás nós todos estamos doentes. Por causa disso, meus filhos não puderam estudar e agora eles não conseguem bons empregos. Hoje eu sou a única fonte de renda da família. Se esse desastre tivesse acontecido nos Estados Unidos, o governo teria tomado conta de seus cidadãos. Nós queremos que a Union Carbide levem seu resíduo de volta para os Estados Unidos.”
Os relatórios de análise de água da BMA sustentam os estudos do Greenpeace que demonstram que as áreas ao norte da fábrica fechada são as mais afetadas porque a água subterrânea corre nessa direção. A Clínica Sambhavna – fundada há 13 anos com doações privadas – atende 150 pessoas como Hazira e sua família todos os dias. Existem 23 mil pessoas, ou que foram expostas ao gás ou que desde o desastre têm usado suprimentos contaminados de água, registradas com problemas crônicos tais como doenças do fígado, paralisia e anemia severa. Médicos relatam novos pacientes – adultos e crianças – todos os dias na clínica.
De acordo com Satinath Sarangi, um fundador da Clinica Sambhavna, a tuberculose é predominante entre pessoas cujo sistema imunológico tem sido desgastado pela exposição crônica à água envenenada. Câncer cluster [repetida ocorrência de um determinado tipo de câncer em uma determinada comunidade ou bairro] e crianças nascidas com deformidades são outras características distintivas da área, encontradas pelos pesquisadores da clínica que conduziram uma pesquisa de porta em porta nas dezenas de milhares de moradores do local.
No início desse ano, o Conselho Indiano de Pesquisa Médica [sigla em inglês ICMR, organização do governo indiano voltada para a formulação, coordenação e promoção de pesquisas biomédicas], finalmente cedeu à pressão pública e internacional ao reiniciar um programa estatal de pesquisa para entender as taxas alarmantes de natimortos, cânceres, problemas neurológicos e ginecológicos atendidos pelos médicos de Bhopal. Os estudos sobre os problemas de saúde de longo prazo de vítimas da Union Carbide foram deixados a cargo de instituições beneficentes e grupos de pressão depois que o ICRM abandonou seu programa de pesquisa em 1994 de forma polêmica.
O acordo de 470 milhões de dólares [cerca de R$812 milhões] feito pela Union Carbide em 1989 é lembrado como totalmente inadequado pelos profissionais de saúde da cidade e organizações de sobreviventes. Ele foi baseado na estimativa inicial de apenas 3.800 mortos e 102 mil feridos, e a quantia máxima que qualquer vítima recebeu foi de apenas mil dólares [cerca de R$1.700] – cerca de 11 centavos de dólar ao dia por 25 anos [menos de R$0,20]. Se a compensação tivesse sido a mesma daqueles expostos ao amianto sob os tribunais estadunidenses contra réus que também incluíam a Union Carbide, a dívida teria excedido os 10 bilhões de dólares [mais de R$17 bilhões]
A Dow Chemical Company insiste que não tem responsabilidade por esse legado tóxico. No entanto, a correspondência interna, vista pela IoS e a Anistia, entre diferentes ministros indianos (incluindo o Gabinete do Primeiro-ministro) mostra que a companhia continua tentando influenciar ministros numa tentativa de encerrar os processos civis. Esses processos poderiam determinar que a Dow descontaminasse milhares de toneladas de solo poluído.
Colin Toogood, da BMA, disse: “nós queremos ver uma limpeza completa da área do desastre e arredores, incluindo o aqüífero subterrâneo – uma tarefa enorme, mas razoável considerando-se que esse foi o pior desastre industrial no mundo. A compensação desembolsada de 470 milhões de dólares apenas diz respeito às pessoas afetadas pela exposição ao gás naquela noite. Isso não inclui, e nunca incluiu, as crianças nascidas com defeitos terríveis em resultado da exposição de seus pais; as pessoas afetadas pela contaminação do meio ambiente ou da água; e não inclui a própria contaminação do ambiente.”
Tom Sprick, da Union Carbide, declarou: “Nem a Union Carbide nem seus funcionários estão sujeitos à jurisdição da corte indiana já que eles não tiveram nenhum envolvimento na operação da fábrica… O governo da Índia precisa dedicar-se a quaisquer preocupações médicas e de saúde do povo de Bhopal.”
Porém, de acordo com Tim Edwards, um curador da BMA e autor do próximo relatório da Anistia, isso transmite uma idéia de desprezo pelos processos da lei. Ele disse: “em toda forma de sociedade civilizada é o sistema judicial que decide se um acusado tem algo a responder. As cortes da Índia decidiram que a Union Carbide e seu novo dono, a Dow Chemicals, têm de responder à justiça – mas a companhia não gostou nada disso.”
Scot Wheeler, da Dow Chemicals, respondeu: “Tentativas de vincular qualquer responsabilidade a Dow são inapropriadas… como todas as companhias globais, é comum para a Dow ter encontros com líderes e oficiais do governo se nós fazemos negócios e temos planos de crescimento. Também é comum para companhias discutir desafios e oportunidades relacionadas com investimentos.”

Nina Lakhani


Tradução: Aline Oliveira


Para acessar o texto original, clique aqui.

 
Fotografia de  Luca Frediani, retirada daqui

Eleição 2010...

Revolução? 

Wladimir Pomar - Correio da Cidadania

Pelo andar da carruagem, parece que a campanha de 2010 voltará a assistir baixarias da pior espécie. Talvez a utilização do caso Lurian-Mirian Cordeiro, em 1989, se torne brincadeira infantil diante do tipo de acusação assacada por Folha de São Paulo-César Benjamin contra Lula. Sem bandeira, a direita parece disposta a ultrapassar todos os limites, na mesma suposição de Goebbels de que uma mentira, repetida mil vezes, se transforme em verdade. Enquanto uma parte da esquerda flerta com essa aventura de viés fascista, outra amacia a crítica ao período FHC, caracterizando-o como revolução silenciosa. Para compreender o caráter do que chama de nova revolução silenciosa do governo Lula, essa parte da esquerda considera essencial entender os anos dourados do neoliberalismo, que tiveram por base as políticas de liberalização, privatização e desregulação, propugnadas pelo Consenso de Washington e aplicadas pelo FMI e Banco Mundial. Segundo ela, para combater a crise de recessão e desemprego, que se espraiara pelo mundo nos anos 1980. Ainda segundo essa análise, a revolução silenciosa de FHC, cujo maior mote foi "o Estado é mau gestor" e "o Mercado tudo resolve", teve como eixos as reformas estruturais nas contas públicas, impondo a disciplina fiscal, no comércio externo, abrindo o mercado doméstico aos produtos e investimentos estrangeiros no Estado, retirando-o das atividades econômicas através das privatizações, e também na desregulação trabalhista, através da flexibilização das leis do trabalho. Para início de conversa, cabe o reparo sobre as razões do Consenso de Washington. Ele não foi costurado para combater a crise de recessão e desemprego, mas para elevar a taxa média de lucro das corporações transnacionais, mesmo que isto aprofundasse a recessão e o desemprego nas economias nacionais. As políticas de liberalização, privatização e desregulação, aplicadas com denodo por FHC, tinham esse caráter preciso. É verdade que, como todo contra-revolucionário, FHC procurou chamar sua agenda neoliberal de revolução silenciosa. Se os golpistas de 1964 chamaram sua contra-revolução de revolução redentora, por que FHC não teria o direito de fazer o mesmo? No entanto, quando uma parte da esquerda aceita chamar uma contra-revolução de revolução, isso apenas pode significar que ela não leva a sério o conteúdo desses conceitos. Em relação à era FHC, José Luiz Fiori tinha razão em dizer que houve "uma imensa recomposição patrimonial da riqueza brasileira, (...) movida por uma transferência gigantesca de riqueza ou privatização de riqueza". Francisco de Oliveira também estava certo ao afirmar que se assistiu à criação de "uma nova burguesia no país" e que "o governo perdeu boa parte da capacidade que tinha de distribuir favores no Estado entre seus aliados". Portanto, o que a contra-revolução de FHC realizou foi uma brutal reorganização do capitalismo brasileiro, reduzindo a participação do capital estatal na economia. Para o tucanato, o tripé que sustentava o capitalismo desde a era Vargas (capital estatal, capital privado nacional e capital privado estrangeiro), deveria tornar-se um bipé com elefantíase, tendo o capital estrangeiro como principal. Ao Estado caberia apenas o papel de facilitador da relocalização empresarial, ao mesmo tempo em que fingia ser regulador e compensador dos desequilíbrios sociais. Nessas condições, supor que os tucanos apoiavam as políticas neoliberais por acreditarem que esta seria a condição necessária para o crescimento econômico e a inserção competitiva no mercado internacional é o mesmo que acreditar em fadas. Os tucanos e seus associados, do mesmo modo que todos os segmentos sociais e políticos que, em qualquer época, apoiaram a colonização de seu país por invasores estrangeiros, na verdade acreditavam que o neoliberalismo era a salvação de seu grupo particular. Muitos membros desse grupo se transformaram em parte daquela nova burguesia, resultante da recomposição patrimonial da riqueza. Confundir interesses particulares com interesses nacionais é erro primário. Na era FHC o problema não foi somente que o Estado tenha deixado de ser o principal indutor da economia e delegado este papel para o mercado. Ou que ele tenha desregulado, quebrado monopólios, vendido empresas estatais e tentado desmontar a CLT. Ou, ainda, que o país tenha se tornado "o paraíso para investimentos internacionais" e que os movimentos sociais tenham passado a ser criminalizados e desqualificados como forças reacionárias contrárias à modernização. Esse tipo de lista genérica esconde o conteúdo de cada um desses atos. Na verdade, ocorreu uma tentativa criminosa de quebrar o Estado e transformá-lo no principal freio ao desenvolvimento econômico. Ele quebrou somente monopólios estatais, enquanto estimulava a monopolização e a oligopolização privada. A pretensa venda de empresas estatais foi, em geral, uma transferência nebulosa de ativos públicos para o setor privado estrangeiro e nacional, quase no estilo mafioso russo. E os investimentos estrangeiros vieram apenas para lucrar nesses negócios escusos e no cassino das bolsas de valores, ou para fechar indústrias concorrentes. Nessas condições, os anos FHC não foram uma década perdida para seus autores, nem um fracasso para a inserção subordinada do país na economia internacional. Eles conseguiram legar às gerações futuras uma herança contra-revolucionária extremamente complexa, com um Estado quase desmontado, incapaz de planejar e projetar, e com visões econômicas ainda fortes, para as quais políticas industriais estão fora de moda, crescimento e consumo sempre geram inflação e elevar a renda dos pobres é populismo. Essa caminhada só foi momentaneamente paralisada porque os resultados de seu programa de governo introduziram uma cunha profunda na massa da burguesia, ao beneficiarem somente a um pequeno setor dessa classe, e porque os movimentos populares souberam aproveitar-se das contradições no meio da burguesia para derrotar eleitoralmente aquele setor. Assim, a rigor, ao invés de revolução silenciosa de FHC, o que ocorreu foi uma contra-revolução inacabada. E, no caso da vitória de Lula, ela foi, no máximo, uma revolução cultural, o que já é muito para um país em que a hegemonia ideológica e política das classes dominantes ainda é avassaladora.

Wladimir Pomar é escritor e analista político.

Poesia de uma professora indignada....

Os Vinte.

Cinda Saldanha - 17º núcleo do cpers-sindicato




I


Eu vou citar vinte nomes,
são vinte monstros sagrados.
Adolfo, Adilson, Coffy Rodrigues,
na teta mamam deitados.
Brum, Francisco e Westphalen
também estão setenciados.


II


Nélson Júnior,Mauro, Jorge,
juntos nessa relação.
Silvana, Kalil,Giovani,
também levando um quinhão.
Farinha do mesmo saco,
em prol da corrupção.


III


Frederico, Marcos,Luciano,
João Fischer, Pedro Pereira,
outros que somaram força
pra continuar na carreira,
pois arquivando o Processo,
segue impune a roubalheira!


IV


Jerônimo e Carlos Gomes,
a minha lista não para.
Se “escapou por muito pouco
o meu amigo Augusto Lara”...
Mas, a Zilá bem que eu queria,
dar-lhe uns tabefes na cara!!


V


É o nosso Legislativo
da ética e da moral,
onde um cargo,um dinheirinho
não faz ninguem passar mal.
“As instituições tornaram...
o roubo coisa Legal.”


VI


A governadora paulista
só é perita em manobra
pois além de arbitrária
em maldade se desdobra.
Que nem carne de pescoço
e pior que carne de cobra!


VII


Ela encheu o peito de vento,
de morta, ressuscitou
preencheu pequenas rugas
com o dinheiro que roubou,
para mudar o visual...
Até o pescoço encurtou.


VIII


Seu partido contratou
um marqueteiro de coragem,
está fazendo de tudo
pra mudar a sua imagem.
Mas a “face oculta aparece”...
Na bruxa – como miragem!!!


IX


É a nossa marca com ferro
contra o autoritarismo,
das barbáries praticadas
espalhando o terrorismo.
Vamos ver se tu aprende:
“Respeito ao Funcionalismo”.


X


O funcionalismo do Rio Grande
não é de baixar a crista.
Teu problema é bem mais sério
tem prenhez capitalista.
Tu nunca foste farroupilha
és uma ladra paulista.

As mulheres árabes de Israel não precisam sequer de se candidatar a um emprego

É a discriminação e não as especificidades culturais que mantém as famílias árabes na pobreza


por JONATHAN COOK
Em Nazaré

tradução: equipa Todos Por Gaza

Na semana passada, o Ministro das Finanças israelita foi acusado de tentar desviar as atenções das politicas discriminatórias que mantém muitas das famílias árabes do país na pobreza, colocando a culpa para os seus problemas económicos naquilo que descreveu como a “oposição da sociedade árabe ao trabalho feminino”.

Um relatório recente produzido pelo Instituto Nacional de Segurança mostra que metade das famílias árabes em Israel são consideradas pobres comparadas com 14 % das famílias judias.

Yuval Steinitz, Ministro das Finanças israelita, disse durante uma conferência sobre a discriminação no emprego, realizada este mês [novembro] que a falha das mulheres árabes em se tornarem parte da força de trabalho tinha um impacto negativo na economia de Israel. Só dezoito por cento das mulheres árabes estão empregadas, e dessas, apenas metade a tempo inteiro, enquanto que pelo menos 55 % das mulheres judias trabalha.
O ministro atribuiu a baixa taxa de emprego entre esta minoria a “obstáculos culturais, estruturas tradicionais e à crença que as mulheres árabes devem permanecer nas suas cidades de origem”, dizendo ainda que estas restrições são características de todas as sociedades árabes.
Contudo, há investigadores e associações de mulheres que sublinham que o numero de mulheres árabes em Israel é mais baixo do que em quase todos os outros países do mundo árabe, incluído aqueles onde os números do emprego feminino são uma mancha, como sucede na Arábia Saudita e Omã.
“A maior parte das mulheres árabes quer trabalhar, incluindo um grande número de licenciadas, mas o governo tem recusado abordar os vários e grandes obstáculos que lhe têm aparecido no caminho” disse Sawsan Shukhra, da associação Mulheres contra a Violência, uma associação com base em Nazaré.
Esta afirmação é confirmada por um inquérito realizado este mês e que revela que 83 % dos homens de negócios israelitas nas principais profissões (incluindo publicidade, direito, banca, contabilidade e media) admitiram ser contrários à ideia de contratar licenciados árabes, independentemente do seu sexo.

Yousef Jabareen, um urbanista da Universidade Técnica de Technion em Haifa, que realizou um dos maiores inquéritos sobre o emprego das mulheres árabes em Israel, disse que os problemas que estas enfrentam são únicos.
“Em Israel enfrentam uma dupla discriminação, por serem mulheres e por serem árabes” disse.
A média de emprego feminino no mundo árabe é cerca de 40&. Só em Gaza, na Cisjordânia e no Iraque (onde se vive em circunstâncias excepcionais, é que encontramos taxas de emprego entre as mulheres árabes mais baixas do que em Israel.

Jabareen acrescentou que uma série de factores funcionam como obstáculos para as mulheres árabes, entre os quais políticas discriminatórias aplicadas por sucessivos governos para prevenir que a minoria árabe de 1.3 milhões, que constitui cerca de um quinto da população do pais, usufruísse de qualquer tipo de desenvolvimento económico. Estas medidas incluem discriminação generalizada nas políticas de contratação quer no sector privado quer no público, um fracasso em construir zonas industriais e fábricas perto das comunidades árabes, falta de serviço público de apoio à maternidade, quando comparado com aquele que é providenciado às comunidades judias, falta de transportes nas áreas árabes que impedem as mulheres de se deslocar a lugares onde há trabalho e falta de cursos direccionados para as mulheres árabes.

De acordo com um estudo efectuado pela associação Mulheres contra a Violência, 40 por cento das mulheres árabes detentoras de um grau académico não conseguem arranjar emprego. Aquando da entrevista, Mr Jabareen disse que 78% das mulheres desempregadas culpam a falta de oportunidade de emprego pela sua situação.
Maali Abu Roumi, de 24 anos, da cidade de Tamra no norte de Israel, tem procurado emprego como técnica de trabalho social desde que acabou o curso há dois anos. Um relatório elaborado por Sikkuy, uma organização que promove a igualdade cívica em Israel, revelou este mês que a população árabe de Israel recebe cerca de menos 70% de ajuda governamental para serviços sociais do que a população judia, e que os técnicos de serviço social árabes (numa profissão mal paga e que atrai maioritariamente mulheres) tinham uma carga de trabalho superior em 50%.
Maali Abu Roumi disse também que, para além disso, escolas Arabes, ao contrário das escolas judias não podem empregar um trabalhador social porque não têm dinheiro, e que a minoria árabe de Israel não usufruía das instituições de assistência social fundadas por judeus de outros países que ofereciam trabalho a muitos técnicos sociais judeus. “ A maior parte dos judeus com quem estudei já encontraram emprego, enquanto que muito poucos dos árabes do meu curso o conseguiram” disse. “quando um trabalho aparece, é geralmente em part-time e há sempre dúzias de concorrentes”.
O Centro de Planificação Alternativa, uma organização árabe que estuda o uso da terra em Israel, informou que em 2007, apenas 3.5 por centro das zonas industriais do país estavam localizadas em comunidades árabes. A maior parte atraia apenas pequenos negócios como oficinas de reparação de carros ou de carpintaria, que oferecem poucas oportunidade às mulheres.
“O sector privado israelita está quase totalmente fechado ás mulheres árabes devido a práticas discriminatórias dos empregadores que preferem dar emprego a judeus”, disse Mr. Jabareen. Disse ainda que o governo falhou em dar o exemplo: entre os trabalhadores governamentais, menos de 2% são mulheres árabes, apesar de vários ministros pedirem o aumento de emprego para os árabes.

A Sra Sukha sublinha: “ O serviço público é um grande empregador, mas muitos desses trabalhos ficam no centro da cidade, em Tel-Aviv e em Jerusalém, muito longe do norte, onde vive a maioria dos cidadãos árabes.
Para além disso, a maior parte não pode viajar longas distâncias para encontrar trabalho devido à escassez no fornecimento de serviços de apoio às crianças. De 1600 centros de pré-escolar públicos existentes em todo o país só 25 estão junto das comunidades árabes. Shawshan Shukha também critica o ministério do comercio e da industria dizendo que apesar de este investir muito na educação das mulheres judias só 6% das mulheres árabes frequentam cursos, sobretudo os de costura e secretariado.

Jabareen disse que de acordo com este inquérito, 56% das mulheres árabes desempregadas queria trabalhar imediatamente. “Desde 1948 que os governos israelitas culpam as barreiras culturais impedindo as mulheres árabes trabalhar da sua pobreza, mas todas as investigações mostram que o argumento é absurdo” comentou. Há centenas de mulheres árabes que competem pelos trabalhos que aparecem no mercado”.

Acrescentou que os homens árabes também enfrentam discriminação, mas encontram trabalho porque preenchem a necessidade de trabalho pesado e manual que a maior parte dos judeus recusa fazer, e viajando ainda longas distâncias para os locais das obras.
“As mulheres nem sequer têm essa opção” ajuntou. “ Não podem fazer esse tipo de trabalho e precisam de ficar perto das suas comunidades porque têm responsabilidades nas suas casas”.

O urbanista disse ainda que em média as mulheres árabes em Israel têm mais anos de escolarização do que as dos países árabes vizinhos e do que no terceiro mundo. Há até mais mulheres árabes do que homens a estudar na universidade.
“Toda a investigação levada a cabo mostra que quanto mais educada é a população, mais fácil deveria ser encontrar emprego. O caso das mulheres árabes em Israel contraria estes dados. Constituem um caso único”.
Um estudo realizado pelo Banco de Israel e publicado no mês passado sugere razões adicionais para o nível de pobreza das famílias árabes. Mostra que os homens árabes são forçados a reformar-se por volta dos 40 anos, uma década antes dos trabalhadores judeus e dos trabalhadores europeus e americanos.
Os investigadores atribuem o desemprego dos homens árabes ao facto de que a maior parte executa apenas trabalhos físicos muito exigentes e também ao facto destes trabalhadores estarem a ser substituídos por trabalhadores oriundos do terceiro mundo, que recebem menos do que o salário mínimo.


Jonathan Cook é um escritor e jornalista que vive em Nazaré. O seu site é: www.jkcook.net.

(uma versão deste artigo foi originalmente publicada em The National)

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Medicina social cubana...

Médicos do povo para o povo

Emir Sader

Há 10 anos que se estão formando as primeiras gerações de médicos de origem pobre na América Latina. Não estão sendo formados pelas excelentes universidades publicas latinoamericanas, que têm os melhores cursos tradicionais de medicina do continente. Nem falar das universidades privadas.
Eles estão sendo formados pelas Escolas Latinoamericanas de Medicina, projeto iniciado há 10 anos em Cuba e que agora já conta com uma Escola similar na Venezuela e tem projeto de ampliar-se para países como Bolívia e Equador. São selecionados estudantes por cotas de movimentos sociais-originários do movimento camponês, do movimento negro, do movimento sindical, do movimento indígena e de outros movimentos sociais -, se tornam alunos do melhor curso de medicina social do mundo e retornam a seus países para praticar os conhecimentos adquiridos não na medicina privada, mas na medicina social, pública, nos lugares que os nossos países mais precisam, sem contar normalmente com os médicos formados nas universidades tradicionais.
Cuba transformou uma antiga instalação militar - a Academia Naval Granma - em uma universidade médica latinoamericana, para que milhares de jovens privados de estudar medicina nos seus países, possam ter acesso a esse curso em Cuba e retornem a seus países para atender necessidades que não são contempladas pela medicina tradicional.
Além da melhor medicina social que se pode dispor hoje no mundo, os alunos recebem formação histórica sobre o nosso continente, respeitando-se as convicções - políticas, religiosas - de cada aluno. "Médicos dispostos a trabalharem onde for preciso, nos mais remotos cantos do mundo, onde outros não estão dispostos a ir. Esse é o médico que vai ser formar nesta Escola" - dizia Fidel na inauguração da Escola.
A primeira turma se formou em 2005. Formar um médico nos EUA custa não menos de 300 mil dólares. Cuba está formando atualmente mais de 12 mil médicos para países do Terceiro Mundo, em uma contribuição inestimável para os povos desses países. Mesmo passando dificuldades econômicas nas duas ultimas décadas, Cuba não diminuiu nenhuma vaga na Escola
Latinoamericana de Medicina - como, aliás, nenhuma vaga nas escolas cubanas, nem nenhum leito em hospital.
Desde a formação da primeira turma, em 2005, graduaram-se médicos de 45 países e de cerca de 84 povos originários. Formaram-se 1496 médicos em 2005, 1419 em 2006, 1545 em 2007, 1500 em 2008, 1296 em 2009. Os três países que tiveram mais médicos formados na Escola são Honduras, com 569, Guatemala, com 556 e Haiti, com 543. Atualmente mais de 2 mil
alunos estudam na Escola. A procedência social deles é em sua maioria operários e camponeses. As religiões predominantes são a católica e a evangélica.
A Escola em Cuba - em uma cidade contigua a Havana - é integrada por 28 edificações numa área de mais de um milhão de metros quadrados, onde os estudantes recebem o curso pré-medico e os dois primeiros anos do curso de medicina, de ciências básicas. Depois os alunos recebem o "ciclo clínico" nas 13 universidades médicas existentes em Cuba. O corpo geral de professores é de mais de 12 mil.
O Brasil também já conta com cinco gerações de médicos, formados na melhor medicina social, sem que possam exercer a profissão, propiciada pela generosidade de Cuba. Os Colégios Médicos tem conseguido bloquear esse beneficio extraordinário para o povo brasileiro, alegando que o currículo em que se formara, não corresponde exatamente ao das universidades brasileiras - uma forma corporativa de defender seus privilégios.
As nossas universidades públicas costumam ter as vagas ocupadas por alunos que se preparam muito melhor que a grande maioria, por dispor de recursos econômicos que lhes possibilitam ter formação muito superior às dos outros. Assim, em geral tem origem na classe média alta e na burguesia, que desfrutam da melhor formação que as universidades públicas possuem, gratuitamente, sem que a isso corresponda a contrapartida de exercer medicina social, nas regiões em que o país mais necessita.
Essas instituições corporativas não devem se preocupar, as centenas de médicos formados na Escola Latinoamericana de Medicina não abrirão consultórios nos Jardins de São Paulo, na zona sul do Rio ou em outras regiões ricas das capitais brasileiras. Eles irão fazer a medicina social que o Brasil precisa, atendendo a demandas que não são atendidas pelos médicos formados nas melhores universidades públicas brasileiras, mas que derivam seus conhecimentos para atender a clientelas privadas, em condições de pagar consultas e tratamentos caros.
As negociações para o reconhecimento dos diplomas dos jovens médicos solidários formados em Cuba estão em desenvolvimento, com apoio do governo brasileiro, mas ainda não chegaram a uma solução que permita o aporte dessas primeiras gerações de médicos brasileiros de origem popular.

O zapatismo e o multiculturalismo...

Os zapatistas e a ética da diferença 

Guga Dorea - Correio da Cidadania



"Contaram os mais velhos dos mais velhos que povoaram essas terras que os deuses maiores, os que nasceram o mundo, não pensavam todos da mesma maneira. Ou seja, não tinham o mesmo pensamento, cada um tinha o seu próprio pensamento e entre eles se respeitavam e escutavam (...). Dizem os mais velhos dos velhos que por isso o mundo saiu com muitas cores e formas" ¹
 
Esse comunicado, que faz parte de um diálogo do subcomandante Marcos com o lendário Velho Antônio², lança um dos pilares básicos do que venho tratando em artigos publicados pelo Correio da Cidadania nesse ano de 2009. Afinal de contas, o que é ser igual e diferente na sociedade contemporânea? Vejamos então o que esse diálogo tem a nos dizer:
 
"O Velho Antônio me disse que perguntou aos velhos mais velhos como fizeram os deuses primeiros para entrar em um acordo e conversar, se eram tão diferentes os pensamentos que sentiam (....). E então os deuses ficaram calados porque perceberam que, quando cada um dizia ‘os outros’, estava falando de ‘outros’ diferentes. (...). Assim, o primeiro acordo realizado pelos deuses mais primeiros foi reconhecer a diferença e aceitar a existência do outro".
 
O que é então, nesse contexto, aceitar a diferença no outro? Segundo o que nos tem trazido o subcomandante, não se trata de homogeneizar as relações humanas e muito menos de se fechar em guetos instransponíveis no qual o outro passa a não existir mais. Não é, portanto, que todos tenham a mesma cor e forma.
 
Para reconhecer e respeitar a existência do outro, nesse sentido, é preciso realmente escutar e tornar esse outro visível a nossos olhos, não mais o reconhecendo apenas quando suas palavras soam iguais às que "eu" quero ouvir. Não é produzir identidades fechadas, ávidas por criar estigmas a todo instante, escutando o outro somente para reafirmar superioridades frente aos negativamente rotulados como "diferentes".
 
Daí o subcomandante Marcos falar que resistir à homogeneidade não é sinônimo de fazer oposição a ela, passando a lutar para criar uma nova hegemonia dominante. A contribuição dos zapatistas, a meu ver, é justamente a de positivar as diferenças, mas não negativizando os supostos "iguais", aqueles que as estigmatizaram.
 
Ao perceber, reconhecer e respeitar a diferença existente no outro, descobrimos o que tem de diferente em nós mesmos, não mais estabelecendo hierarquias valorativas entre pessoas. Todos são diferentes e assim devem permanecer, mas sempre se diferenciando internamente a partir do encontro com o outro. É como já nos disse Paulo Freire: o eu é sempre o outro.
 
Pensando ainda no que o chamado filósofo da diferença, Gilles Deleuze, nos trouxe, não é mais pensar a diferença no outro e sim no que emerge de diferente em mim diante do que esse outro me revela. É o que Deleuze e também Guattari chamaram de devir outro em mim. Para o Velho Antônio, é no princípio da escuta que realmente conhecemos o outro e consequentemente a nós mesmos:
 
"Depois desse primeiro acordo a discussão continuou, porque uma coisa é reconhecer que existem outros diferentes e outra muito distinta é respeitá-los. (...). Depois todos se calaram, cada um falou de sua diferença e cada outro dos deuses, que escutava, percebeu que, escutando e conhecendo as diferenças do outro, mais e melhor conhecia a si mesmo no que tinha de diferente".
 
Segundo o subcomandante Marcos, nesse diálogo imaginário (ou não), o Velho Antônio saiu do local em que conversavam sem que ele percebesse. Quando notou a sua ausência, disse ele:
 
"O mar já está dormindo e do toquinho de vela resta apenas uma mancha disforme de parafina. Em cima, o céu começa a diluir sua negritude na luz da manhã ...."
 
Não querendo promover aqui nenhuma análise literária de mais esse poético comunicado, talvez seja possível afirmar que o subcomandante prefigurou o que seria um encontro entre dois fenômenos aparentemente distintos: uma espécie de dialética entre a noite e o dia. Realizando um paralelo, pode significar que em um possível encontro, entre formas de ser não hierarquizadas, cada pessoa pode embarcar em sua própria diferença interna, transformando o pressuposto homogeneizante no qual o que prevalece, nos relacionamentos humanos, são interesses individuais e egocêntricos.
 
Como pensar então em relações entre diferenças a partir de contextos em que o outro é invisível? Os zapatistas nos mostram justamente o contrário. Eles dão visibilidade ao outro quando lutam e desejam "um mundo onde caibam todos os mundos". Essa é uma metáfora, invocada a todo instante por eles, em que a diversidade é exaltada, ressaltada, aceita e, sobretudo, reconhecida, podendo nos remeter ainda a um debate filosófico dos mais prementes: o que vem a ser, enfim, a natureza humana? Os seres humanos nascem iguais ou diferentes?
 
Não há uma resposta verdadeira e muito menos científica para este dilema. No entanto, podemos resgatar o sociólogo Edgar Morin: somos iguais como seres humanos e diferentes em nossas singularidades. Nesse contexto, os zapatistas não caem na armadilha de um multiculturalismo em que as diferenças se fecham em si mesmas, não mais reconhecendo o outro em sua diferença não hierarquizada.
 
Os zapatistas não querem homogeneizar e muito menos serem homogeneizados. Eles não buscam, enfim, uma identidade fechada, na qual a presença do outro não faz a menor diferença. O outro, dos zapatistas, não são apenas os indígenas e sim todos aqueles que, por motivos culturais e históricos, não quiseram ou não se adaptaram ao modelo de vida imposto pelo processo "civilizatório" moderno. Nesse sentido, retomando o Velho Antônio,
 
"É bom que haja outros que sejam diferentes e que é preciso escutá-los para conhecer a si mesmo".
 
Notas:
 
¹ Ver "A História dos Outros", in Di Felice, Massimo & Munôz, Cristobal, "A Revolução Invencível: subcomandante Marcos e o Exército Zapatista de Libertação Nacional – Cartas e Comunicados", ed. Boitempo, São Paulo, 1998.
 
² O Velho Antônio foi um indígena mexicano que, através desses diálogos com o subcomandante Marcos, comunicou e divulgou a tradição de seus antepassados. Muitos desses diálogos podem ser interpretações ou mesmo criações do sub, mas o fato é que eles existiram.
 
Guga Dorea é jornalista e cientista político, atualmente integrante do Instituto Futuro Educação e pesquisador colaborador do Projeto Xojobil.

Dependência Congolesa...

Como os credores decidem o destino do Congo

por Renaud Vivien e Damien Millet [*]
Reunião do Clube de Paris. Os 19 países credores que constituem o Clube de Paris [1] reuniram-se a 18 de Novembro para examinar o caso da República Democrática do Congo (RDC), após dois relatórios ligados à revisão do muito controverso contrato chinês. Este contrato, que hipoteca gigantescas quantidades de minerais em proveito da China em troca da construção de infraestruturas na RDC, pôde finalmente ser revisto no sentido desejado pelos prestamistas de fundos ocidentais representados pelo FMI [2] . A seguir a isto, o assunto parecia resolvido: o Clube de Paris iria conceder as garantias financeiras pedidas pelo FMI para concluir um novo programa de três anos com o governo congolês daqui até o fim de 2009 e apagar no princípio de 2010 um parte importante da dívida externa pública. Longe disso! O Clube de Paris decidiu, por sua vez, "castigar" a RDC exigindo a manutenção de dois contratos leoninos assinados com transnacionais ocidentais.

O Clube de Paris prova mais uma vez que é uma instância governada pelo Norte na qual os países do Sul não desempenham senão um papel de figurante. Nenhum membro do governo congolês foi convidado às discussões efectuadas em Bercy, no Ministério francês das Finanças, ou tem sede o Clube de Paris. Este clube define-se como uma "não-instituição", não tendo personalidade jurídica. A vantagem é clara: o Clube de Paris não incorre em nenhuma responsabilidade quanto aos seus actos e não pode portanto ser processado na justiça uma vez que oficialmente não existe!

Contudo, as suas decisões têm consequências pesadas para as populações do Terceiro Mundo pois é no seu seio que é decido, em concerto com o FMI e o Banco Mundial, se um país endividado do Sul "merece" um reescalonamento ou um alívio da dívida. Quando ele dá sinal verde, o país em causa, sempre isolado face a esta frente unida de credores, deve aplicar as medidas neoliberais ditadas pelos prestamistas de fundos, cujos interesses confundem-se com o sector privado.

Hillary Clinton no Congo. A 18 de Novembro último, a vítima foi a RDC uma vez que o Clube de Paris decidiu ir além da simples revisão do contrato chinês exigida pelo FMI ingerindo-se ainda mais nos seus contratos mineiros, domínio que entretanto tem a ver com a soberania permanente da RDC, conforme do direito internacional e o artigo 9 da sua Constituição.

Oficialmente, é o risco do aumento da dívida congolesa, ligado à garantia de Estado inicialmente prevista no contrato chinês, que havia justificado a ingerência do FMI nos assuntos internos congoleses.

Mas na realidade, a RDC, a exemplo de outros países africanos cheios de recursos naturais, é o teatro de uma competição encarniçada entre os países ocidentais e a China, cujo apetite não cessa de crescer ao ponto de ser hoje o terceiro parceiro comercial para a África, após os Estados Unidos e a França. O Clube de Paris é portanto o instrumento que os países ocidentais têm utilizado, nomeadamente o Canadá e os Estados Unidos, para exigir do governo congolês que ele volte atrás na sua decisão de rescindir o contrato que deu origem ao consórcio Kingamyambo Musonoi Tailings (KMT) e revise a convenção criando a Tenke Fungurume Mining (TFM), nas quais os Estados Unidos e o Canadá têm interesses importantes.

Os prestamistas de fundos ocidentais aplicam a política do "dois pesos, duas medidas" conforme se trate de um contrato concluído com a China ou com uma empresa ocidental. Os interesses do sector privado prevalecem sobre as considerações de legalidade e de desenvolvimento uma vez que o carácter fraudulento destas duas convenções foi relatado pela Comissão de "revisitação" dos contratos mineiros, estabelecida na RDC em 2007 [3] . Os Estados do Norte servem-se do Clube de Paris e das instituições financeiras internacionais, onde estão sobre-representados, como um cavalo de Tróia para açambarcar os recursos nacionais do Sul.

Foi o trio infernal — Clube de Paris, FMI, Banco Mundial — que a partir de 2002 organizou o branqueamento da dívida odiosa da RDC reestruturando os atrasados deixados pelo ditador Mobutu. Tratava-se na época de emprestar dinheiro ao governo para apurar as velhas dívidas do ditador, permitir ao governo de transição endividar-se de novo mas impondo-lhe políticas anti-sociais, nomeadamente um novo Código Mineiro muito favorável às transnacionais.

Em 2009, a dívida continua a asfixiar o povo congolês cujos direitos humanos fundamentais são espezinhados para assegurar o reembolso do serviço da dívida. Apesar dos efeitos de anúncio dos credores que prometiam uma anulação da dívida congolesa, esta eleva-se hoje a 12,3 mil milhões de dólares, ou seja, o equivalente à soma reclamada à RDC no momento da morte de Laurent Désiré Kabila em 2001... Ora, esta dívida é o arquétipo de uma dívida odiosa, nula em direito internacional pois ela foi contratada por uma ditadura, sem benefício para a população e com a cumplicidade dos credores. O governo congolês poderia portanto repudiá-la, o que lhe permitiria além disso não aceitar os diktats do Clube de Paris.

Para o CADTM, a chantagem do Clube de Paris não é uma surpresa: esta instância ilegítima é, desde a sua criação, ao mesmo tempo juiz e parte. Ela deve portanto pura e simplesmente ser abolida, assim como a dívida da RDC.

Nesse meio tempo, o governo congolês deve suspender unilateralmente o pagamento desta dívida, a exemplo do Equador em Novembro de 2008 e da Argentina que em 2001 havia decretado a mais importante suspensão de pagamento da dívida externa da História, mais de 80 mil milhões de dólares, tanto em relação aos credores privados como em relação ao Clube de Paris, e isto sem que tivesse lugar represálias.

A crise económica necessita actos fortes e imediatos contra a dívida e em proveito dos povos. Para assim fazer, os países do Sul teriam todo o interesse em constituir uma frente unida pelo não pagamento da dívida.


  [1] Instituição informal que se reuniu pela primeira vez em 1956, composta hoje por 19 países: Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Finlândia, França, Irlanda, Itália, Japão, Noruega, Países Baixos, Reino Unido, Rússia, Suécia e Suíça. Para uma análise pormenorizada, ler Damien Millet e Eric Toussaint, 60 Questions, 60 Réponses sur la dette, le FMI et la Banque mondiale , CADTM-Syllepse, 2008, p 21.
[2] "L'ingérence sournoise du FMI et de la Banque mondiale en République démocratique du Congo " , por Renaud Vivien, Yvonne Ngoyi, Victor Nzuzi, Dani Ndombele, José Mukadi et Luc Mukendi, Réseau Voltaire, 8 octobre 2009.
[3] "Au terme de la revisitation, Contrats miniers : 23 maintenus, 14 résiliés, 2 à finaliser" , Groupe @venir CD, 16 novembre 2009.


[*] Dirigentes do Comité pour l’annulation de la dette du tiers-monde ( CADTM )

O original encontra-se em http://www.voltairenet.org/article163150.html e em
http://www.cadtm.org/Comment-les-pays-creanciers


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

Texto de José Arbex Jr....

A César o que é de César


Por José Arbex Jr, na novaE


Quando comecei a ler o já famoso texto de César Benjamin: “Os filhos do Brasil”, publicado pelo jornal Folha de S. Paulo em 27 de novembro, fiquei orgulhoso de ser da esquerda. E mais ainda: de ter compartilhado com o autor do texto alguns momentos emocionantes de nossa luta comum, como o final da marcha do MST para Brasília, em 1997, quando me encontrei pessoalmente com ele, pela primeira vez. Os parágrafos iniciais do texto são primorosos. Muito bem escritos, compõem uma narrativa densa, sedutora, que vai criando no leitor uma vontade de querer saber mais sobre uma história que nunca foi contada direito: a história da ditadura militar, dos porões, das torturas, das prisões, dos seres humanos condenados à ignomínia. Benjamin soube retratar com grande humanidade os seus companheiros temporários de cela. Resgatou-lhes a história, a identidade, a face profundamente humana.
Mas aí, veio a facada, o golpe inesperado, a decepção, a tristeza profunda. Benjamin relatou, no mesmo texto, uma conversa supostamente mantida com Luís Inácio Lula da Silva, em São Paulo, em 1994, durante a campanha à Presidência do Brasil. Lula teria “confessado”, então, entre amigos, que, na prisão, tentou seduzir, sem sucesso, um militante de uma organização de esquerda. Benjamin faz uma comparação entre o assédio descrito por Lula e o temor que ele mesmo, Benjamin, sentiu, quando preso, de ser “currado” por outros detentos.
Não entendi nada. Li de novo, reli, tentei buscar alguma ironia oculta, algo que justificasse, no plano do próprio texto, o absolutamente injustificável paralelo entre estupradores que pululam nas prisões brasileiras – em geral, seres humanos reduzidos a condições quase completamente animalescas pelo próprio sistema carcerário, e/ou por uma vida anterior mergulhada na mais profunda miséria econômica, ideológica e afetiva – e Lula, que não estuprou ninguém, mas que, supostamente, comentou ter sentido o desejo de manter relações sexuais com um companheiro de cela que não cedeu aos seus desejos. Não quis acreditar que alguém dotado com os recursos intelectuais de Benjamin, adquiridos ao longo de sua longa história de luta pela liberdade e pela dignidade humana, pudesse cair em um pântano tão sórdido e profundo. Mas não encontrei nada no texto de Benjamin que permitisse uma interpretação positiva. Ou melhor: encontrei “o” nada: o vazio absoluto; vazio de sentido, o vazio da total falta de perspectivas, o vazio de um rancor desmedido.
(Antes de prosseguir, esclareço logo: não sou e nunca fui “lulista”; não sou mais já fui petista; não simpatizo com a maioria das medidas de governo adotadas por Lula, e por isso sou totalmente favorável à crítica de esquerda ao seu governo. Mais precisamente, creio que Lula pode e deve ser criticado por aquilo que fez, mas acho muito estranho ele ser atacado por aquilo que NÃO praticou.)
Vamos agora considerar, por um segundo, que Lula realmente fez o que supostamente disse ter feito. Isto é, que em dado momento tentou seduzir – seduzir, note bem, não estuprar -- o colega de cela. E daí? O que se pode concluir disso? Qual seria, nesse caso, o crime de Lula? O exercício, o desejo da homossexualidade? Estaremos, então, diante de um texto homofóbico?
Ainda segundo o próprio Benjamin, como já observado, Lula teria comentado o caso numa roda de amigos. Estamos, então, diante de um gravíssimo precedente, aberto pelo próprio Benjamin. De hoje em diante, todos teremos que suspeitar dos nossos amigos, teremos que nos policiar para que nossas palavras não sejam, eventualmente, atiradas contra nós por algum “traíra”, algum “dedo duro”, algum “cagueta”, algum Judas, algum oportunista que resolva tirar proveito de uma situação de cumplicidade. Revivemos, então, a era da delação (Premiada? Que o prêmio, no caso, teria sido pago a Benjamin?), a era da intriga, da fofoca, da futrica, da artimanha, da safadeza. Que vergonha! (Isso tudo me faz lembrar a famosa oração de Marco Antônio, no brilhante texto de Shakespeare: “Poderoso César, terás então descido a tão baixo nível?”)
Benjamin utilizou a imprensa dos patrões para atacar um expoente do movimento de esquerda do Brasil. Claro, claro, claro: sempre se pode alegar que Lula não é de esquerda, como ele mesmo já disse e como eu, pessoalmente, avalio. Mas há um abismo entre considerações de caráter individual, feitas por indivíduos privados e isolados, ou mesmo por grupos e seitas, e a realidade política concreta, historicamente determinada pela luta de classes. No contexto brasileiro, em que as alternativas concretas ao governo Lula (e à sua imagem refratada Dilma Rousseff) são figuras sinistras como as de José Serra e Aécio Neves, Lula surge como um expoente à esquerda do espectro político, com algumas conseqüências importantes para a luta de classes na América Latina: por exemplo, a condução exemplar do governo brasileiro no caso de Honduras (embora feiamente chamuscada pelo desastre no Haiti), a recusa em avalizar o acordo das bases militares estadunidenses com a Colômbia e a denúncia permanente do bloqueio de Cuba. Para não mencionar o fato de que a figura de Lula, malgré lui même, inspira movimentos de resistência ao capital em todo o mundo. Disso não se conclui, automaticamente, que a esquerda deva, necessariamente, apoiar o governo Lula, ou mesmo apostar na eleição de Dilma. Ao contrário, deve aproveitar as contradições, os paradoxos e as ambigüidades para fortalecer o seu próprio campo. Mas Benjamin preferiu fortalecer as correntes representadas pelo jornal dos campos Elíseos.
Não por acaso, a Folha de S. Paulo cedeu o espaço todo pedido por Benjamin. Cederia mais, se necessário fosse. Benjamin conhece a teoria marxista e sabe, com Gramsci, que a mídia dos patrões é o verdadeiro organizador coletivo, é o grande partido do capital. Triste é o fato de ele ter arregaçado as mangas para trabalhar por tal partido. E pior: Benjamin sabe que o falso paralelo que tentou traçar entre os predadores das prisões da ditadura e o prisioneiro Lula seria muito mais verdadeiro se, no lugar de Lula, ele colocasse os donos dos jornais para os quais hoje escreve.
Todo o encanto produzido pelos primeiros parágrafos do texto de César Benjamin foi transformado em fel a partir do momento em que se instaurou a delação, o oportunismo, o absurdo. Lula não estuprou o seu companheiro de cela, mas Benjamin violentou, com alto grau de sadomasoquismo, a própria consciência e uma história repleta de glórias. Requiescate in pace