Elaborado como uma alternativa,sobretudo para os países em desenvolvimento,o paradigma da Desglobalização não deixa de ser pertinente para as economias capitalistas centrais.11 pilares da alternativa.
Walden Bello*
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Princípios
de cooperação da Alternativa Bolivariana para las Américas (ALBA),
"transcende a lógica do capitalismo".
O
atual desmoronamento global,o pior desde a Grande Depressão de há 70 anos,
veio cravar o último prego no ataúde da globalização. Já assediada por fatos
que mostravam o incremento da pobreza e da desigualdade, quando os países
mais pobres experimentaram pouco ou nenhum crescimento econômico, a globalização
viu-se definitivamente desacreditada nos dois últimos anos, quando o
processo, anunciado com pompa e circunstância, da interdependência financeira
e comercial, inverteu a sua marcha, para se converter em correia de
transmissão, não de prosperidade, mas de crise e colapso econômicos.
Elaborado como uma alternativa, sobretudo para os países em desenvolvimento,
o paradigma da Desglobalização não deixa de ser pertinente para as economias
capitalistas centrais.
O
fim de uma era
Nas
suas respostas à atual crise econômica, os governos falam à boca pequena de
coordenação global, mas incentivam programas separados de estímulo econômico
para revitalizar os seus mercados nacionais. Ao fazê-lo, os governos adiaram
o crescimento orientado para a exportação, motor principal de tantas
economias, rendendo ainda tributo de rigor à promoção da liberalização
comercial como meio de contrariar o afundamento global concluindo a Ronda
Doha de negociações comerciais sob os auspícios da Organização Mundial de
Comércio. Reconhece-se cada vez mais que
não há possibilidade de regressar a um mundo centralmente dependente do gasto
ilimitado dos consumidores norte-americanos, visto que estes se escondem na
bancarrota e ninguém se apresenta a ocupar o seu lugar.
Para
além disso, seja mediante acordos internacionais ou unilateralmente
executadas por governos nacionais, é mais seguro que se imponha um montão de
restrições ao capital financeiro, à desbragada mobilidade daquele qual foi o
detonador da presente crise.
No
entanto, o discurso intelectual não mostrou demasiados sinais de ruptura com
a ortodoxia. O neoliberalismo, com a sua ênfase no livre comércio, a primazia
da empresa privada e um papel minimalista do Estado continua sendo a língua
franca dos fabricantes de políticas.
Os
críticos do fundamentalismo de mercado que pertencem ao establishment,
incluindo luminárias como os Prêmios Nobel Joseph Stigitz e Paul Krugman,
emaranharam-se em intermináveis debates sobre o grau de duração que devem ter
os programas de estímulos e sobre se o Estado deveria manter a sua presença
intervencionista na indústria automóvel e no sector financeiro, ou, se, uma
vez conseguida a estabilização, deveria devolver as companhias e os bancos ao
sector privado. Além disso, alguns, como o próprio Stiglitz, continuam a crer
no que eles entendem como benefícios econômicos da globalização, na condição
de reduzir os seus custos sociais.
Mas
as tendências em curso estão transbordando a toda a velocidade tanto aos
ideólogos da globalização neoliberal como a muitos dos seus críticos, e
desenvolvimentos impensáveis há poucos anos vão ganhando vida. "A
integração da economia mundial está em retrocesso prático por toda a
parte", escreve The Economist. Ainda que a revista observe que as
corporações empresariais continuam crendo na eficácia das cadeias de oferta
global, "como qualquer cadeia, estas são tão fortes como o seu elo mais
fraco. O momento perigoso chegará quando as empresas decidirem que este modo
de organizar a produção chegou ao seu fim".A
"desglobalização", um termo que The Economist me atribui, é um
desenvolvimento que a revista, o primeiro bastião mundial da ideologia do
livre mercado, considera como negativo. No entanto, creio que a
desglobalização é uma oportunidade. Com efeito, os meus colegas de Focus on
the Global South e eu fomos os primeiros a propor a desglobalização como um
paradigma geral para substituir a globalização neoliberal. E fizemo-lo há uma
década, quando as tensões, as pressões e as contradições que esta trouxe consigo
se tornaram dolorosamente evidentes.
Elaborado
como uma alternativa, sobretudo para os países em desenvolvimento, o
paradigma da desglobalização não deixa de ser pertinente para as economias
capitalistas centrais.
Os 11 pilares da alternativa
O
paradigma da desglobalização tem 11 pontos chave:
•
A produção para o mercado interno tem que voltar a ser o centro de gravidade
da economia, antes da produção para os mercados de exportação.
•
O principio de subsidiariedade deveria respeitar-se como um tesouro na vida
econômica, promovendo a produção de bens à escala comunitária e à escala
nacional, se tal se puder fazer a custo razoável, a fim de preservar a
comunidade.
•
A política comercial – quer dizer, excedentes e tarifas— tem que servir para
proteger a economia local da destruição induzida por mercadorias subsidiadas
por grandes corporações com preços artificialmente baixos.
•
A política industrial –incluídos os subsídios, tarifas e comércio— teria que
servir para revitalizar e robustecer o sector manufatureiro.
•
Algumas medidas, sempre adiadas, de redistribuição equitativa da renda e
redistribuição da terra (incluindo uma reforma do solo urbano) poderiam criar
um mercado interno vigoroso que serviria de âncora da economia e geraria os recursos
financeiros locais para o investimento.
•
Dar importância ao crescimento, dar importância à melhoria da qualidade de
vida e maximizar a equidade reduzirá o desequilíbrio ambiental.
•
Propiciar o desenvolvimento e a difusão de tecnologia que se conjugue bem com
o meio ambiente, tanto na agricultura como na indústria.
•
As decisões econômicas estratégicas não podem entregar-se nem ao mercado nem
aos tecnocratas. Em seu lugar, deve-se aumentar o raio de alcance da tomada
democrática de decisões na vida econômica, até que todas as questões vitais
(como quais as indústrias a desenvolver ou condenar, que proporção de
orçamento público se deve dedicar à agricultura, etc.) estejam sujeitas a
discussão e a eleição democráticas.
•
A sociedade civil tem que controlar e fiscalizar constantemente o sector
privado e o Estado, um processo que deveria institucionalizar-se.
•
O conjunto institucional da propriedade deveria transformar-se numa "economia
mista" que incluiria cooperativas comunitárias, empresas privadas e
empresas estatais e excluiria as corporações transnacionais.
•
As instituições globais centralizadas, como o FMI e o Banco Mundial, deveriam
ser substituídas por instituições regionais fundadas, não no livre comércio e
no livre movimento de capitais, mas em princípios de cooperação que, para
usar as palavras de Hugo Chávez na sua descrição da Alternativa Bolivariana
para las Américas (ALBA), "transcenda a lógica do capitalismo".
Do
culto à eficiência à economia eficaz
O
propósito do paradigma da desglobalização é superar a economia da eficiência
estreita, cujo único critério chave é a redução do custo por unidade, para
não falar na desestabilização social e ecológica que o processo induzido pelo
respeito supersticioso desse critério traz consigo.
É
superar um sistema de cálculo econômico que, nas palavras de John Maynard
Keynes, "converte todo o comportamento vital… numa espécie de
paradoxal pesadelo de contadores". Uma economia eficaz, pelo
contrário, robustece a solidariedade social subordinando as operações do
mercado aos valores de equidade, justiça e comunidade e alargando a esfera do
processo de tomada democrática de decisões. Para utilizarmos a linguagem do
grande pensador húngaro Karl Polanyi no seu livro “A grande transformação”,
para a desglobalização é mais importante como "reincrustar" a
economia na sociedade, do que deixar a sociedade abandonada ao controlo da
economia. O paradigma da desglobalização
sustenta também que um modelo unidimensional extremista, como o
neoliberalismo ou o socialismo burocrático centralizado, é disfuncional e
desestabilizador. Em contrapartida, haveria que esperar e incentivar a
diversidade, como na natureza. A teoria econômica alternativa tem princípios
compartilhados, e esses princípios apareceram já substancialmente na luta
contra e na reflexão crítica sobre o fracasso do capitalismo e do socialismo
centralizados.No entanto, a articulação concreta desses princípios – os mais
importantes dos quais acabam de ser mencionados — dependerá dos valores, dos
ritmos e das opções estratégicas de cada sociedade.
O
pedigree da desglobalização
Ainda
que possa soar a radical, o certo é que a desglobalização não é nenhuma
novidade. O seu pedigree inclui os escritos do eminente economista britânico
Keynes, que, no momento culminante da Grande Depressão, ousou deixar dito
isto: "Não desejamos… estar a mercê de forças mundiais que geram, ou
tratam de gerar, algum equilíbrio uniforme, de acordo com princípios de
capitalismo de laissez faire". Com efeito, prosseguia, para "um
leque crescente de produtos industriais, e talvez também agrícolas,
levantou-se-me a dúvida de o custo econômico da auto-suficiência ser bastante
grande para contrabalançar as outras vantagens resultantes de reunir
gradualmente o produtor e o consumidor no âmbito da mesma organização
nacional, econômica e financeira. Acumula-se a experiência que comprova que o
grosso dos processos da moderna produção em massa pode executar-se na maioria
dos países e na maioria dos climas com uma eficiência praticamente idêntica".
E
com palavras que soam muito contemporâneas, concluía Keynes: "Eu
simpatizo… mais com os que queriam minimizar do que com os que queriam
maximizar a trama da conexão econômica entre as nações. As idéias, o saber, a
arte, a hospitalidade, as viagens; todas essas coisas deveriam, pela sua
própria natureza, ser internacionais. Mas deixemos que os bens se produzam em
casa quando isso seja razoável e convenientemente possível; e, sobretudo,
deixemos que as finanças sejam prioritariamente nacionais."
* Walden Bello, professor de ciências políticas e sociais na Universidade de Filipinas (Manila), é membro do Transnational Institute de Amsterdam e presidente da Freedom from Debt Coalition, assim como analista sênior na Focus on the Global South.
Tradução: Guilherme Coelho