
O novo filme de Michael Moore,
"Capitalism: A Love Story"
, revela muito do carácter criminoso do actual sistema económico
dos EUA.
E faz isso no seu habitual estilo popular. Mas o filme também reflecte o
facto de que Moore ainda não ultrapassou o seu caso de amor com o
capitalismo.
Em "Roger and Me," "Bowling for Columbine" e
"Sicko," Moore demonstrou uma vontade real de revelar a cupidez
do titãs das companhias automobilísticas dos EUA, a
violência que permeia o próprio tecido da sociedade imperialista
estado-unidense e a barbárie do seu sistema de cuidados de saúde
em comparação aos cuidados de saúde proporcionados no
Canadá, Inglaterra, França e, mais espantosamente, Cuba.
Igualmente impressionante tem sido a sua capacidade de retratar estes assuntos
de uma maneira que o povo dos EUA possa entender e admitir. Como filho de um
trabalhador reformado da cidadela histórica da General Motors, Flint,
Michigan, Moore tem um sentimento excepcionalmente bom daquilo que
culturalmente mantém os trabalhadores dos EUA leais aos seus mestres
corporativos. E os seus filmes contêm elementos visuais dramáticos
e acontecimentos político-sociais que ajudam a destroçar os
nós que unem a população dos EUA ao imperialismo
estado-unidense.
Mais uma vez, no novo filme, Moore escolhe alguns exemplos ultrajantes
"capitalismo selvagem" nos EUA. Ele destaca, por exemplo, o brilhante
esforço do piloto da U.S. Airways, "Sully" Sullenberger, cuja
habilidade no comando foi decisiva para salvar as vidas de toda a sua
tripulação e passageiros com uma arrojada amaragem no Rio Hudson.
O comandante Sullenberger, um orgulhoso sindicalizado, é então
mostrado a usar a sua nova fama para testemunhar perante o Congresso como os
pilotos de carreira estão a ter o seu treino e o seu pagamento cortado
tão drasticamente que está a agravar-se um problema de
segurança na indústria das linhas aéreas. Moore apresenta
a prova disto, apontando para os mal treinados e mal pagos pilotos cujo
avião estraçalhou-se em Buffalo, Nova York, uns poucos meses
atrás, enquanto o piloto e o co-piloto estavam preocupados a discutir as
suas desgraças financeiras.
Moore chama atenção para o estreito relacionamento que existiu
durante alguns anos entre uns poucos juízes da Pennsylvania e a
companhia privada que explora o centro de detenção juvenil local,
do qual os juízes recebiam subornos. A privatização desta
prisão resultou nestes juízes comprados a trancafiar jovens
inocentes, durante muitos meses, a fim de manter as instalações
cheias e maximizar os lucros da companhia. Que falta de vergonha ao
serviço da cupidez!
No filme, Moore desenrola uma fita amarela de cenário do crime em torno
do quarteirão da Wall Street onde estão companhias financeiras
cúmplices no colapso da economia em 2008, as quais desde então
têm sido as beneficiárias de salvamentos de muitos milhares de
milhões de dólares do governo dos EUA. Ele tenta efectuar uma
"prisão" dos chefes criminosos destas
corporações. Também identifica um certo número de
políticos democratas e seus nomeados que foram cúmplices dos
republicanos de Bush-Cheney neste roubo "à luz do dia" do
tesouro nacional dos EUA por conta dos seus patrões bilionários
da Wall Street.
Todas estas cenas são intelectualmente instigantes e proporcionam algum
"ar fresco" de verdade à população dos EUA
anestesiada pelo álcool, pelas drogas receitadas e as de rua e por uma
TV estupidificante orientada pelo monopólio capitalista dos mass media.
Ao mesmo tempo, Moore apresenta um certo número de imagens
dramáticas e situações os quais mostram alguns sinais de
esperança nas iniciativas do povo trabalhador. Ele levanta o facto de
que os trabalhadores nos EUA gastam oito, dez ou doze horas do dia sob a
ditadura dos seus patrões. E promove a democracia no lugar de trabalho e
o êxito de negócios cooperativos dirigidos por trabalhadores.
Moore também dá muita atenção à greve com
ocupação dos trabalhadores da Republic Windows, de Chicago, em
Dezembro de 2008. E é apoiante do seu sindicato pequeno mas
democrático, o United Electrical Workers (UE). Destaca que o povo dos
EUA, num momento em que a sua raiva com os bancos e as
corporações estava no máximo, era simpático para
com os grevistas que alcançavam as suas reivindicações em
relação a todos os seus benefícios de
indemnização estabelecidos contratualmente.
Entretanto, Michael Moore afirma esperar que o seu novo filme,
"Capitalismo: Uma história de amor", estimule o povo dos EUA a
abolir o capitalismo aqui. E é importante notar que Moore não
atinge com seriedade o seu objectivo declarado.
Durante a eleição presidencial de 2004, a nossa
organização apelou aos eleitores estado-unidenses a
"depositar o seu voto contra os partidos gémeos do imperialismo,
Tweedledum e Tweedledee
[1]
, a efectuar um voto de protesto". Uma das três
recomendações alternativas que fazíamos era: "Escreva
'Michael Moore' em homenagem ao seu filme 'Fahrenheit 9/11' que ajudou a educar
mais a classe trabalhadora dos EUA e as pessoas das nacionalidades oprimidas
acerca da Guerra de Bush do que todos nós da esquerda estado-unidense em
conjunto!". Contudo, acrescentámos: "Mas é uma vergonha
para ele apoiar Kerry". ("The 2004 U.S. Presidential Election and the
Question of Fascism,"
Ray O' Light Newsletter,
September 2004)
Acontece que o endosso de Moore ao multi-milionário John Kerry, o
candidato do Partido Democrata, foi mais do que uma fraqueza momentânea
ou um incidente político. Pois, mais uma vez, na eleição
presidencial de 2008, Moore apoiou o candidato democrata contra o republicano.
E desta vez o homem apoiado era de cor, com alguns notáveis feitos
educacionais e com uma família negra aparentemente dignificada e
saudável. O candidato era também de origens muito mais humildes
do que o companheiro de George W. Bush na Yale University e membro da sociedade
Skull and Bones, John Kerry. Todos estes atributos pessoais tornaram Barack
Obama estimável a Michael Moore.
Agora, com Obama como presidente em exercício
e com a persistente defesa de Obama por parte de Moore,
como pode ele apelar efectivamente à eliminação do
capitalismo nos EUA de hoje?
Não pode.
Dentre as imprecisões, omissões e distorções deste
filme que o torna um apelo não à eliminação mas sim
à continuação do capitalismo, embora de um modo mais
razoável, numa forma pacífica, encontra-se o seguinte:
(1) Moore separa a política da economia do sistema capitalista ao
invés de reconhecer que o cerne do capitalismo é dialecticamente
interligado à política económica. Afirma desejar a
eliminação do sistema económico capitalista;
mas enterra a lugar pelo poder político
que isso implica. Ao invés de reconhecer o papel estratégico da
classe trabalhadora na eliminação do capitalismo, através
da luta pelo poder dos trabalhadores contra o estado capitalista, o filme de
Moore
limita
o papel da classe trabalhadora à luta por reformas económicas
tais como cooperativas de trabalhadores.
(2) Moore distingue a abolição do capitalismo estado-unidense da
abolição do Império estado-unidense, em
contradição com os ensinamentos de Lenine de que o
imperialismo
é a última, final e superior etapa do capitalismo. A sua
concepção pequeno-burguesa do capitalismo estado-unidense
é um regresso aos dias primitivos dos Estados Unidos de dois
séculos atrás, ou, ainda mais, aos dias primitivos do novo e
ascendente capitalismo na Europa feudal. Ele centra-se inteiramente nos EUA e
seu povo, como se a economia do país não estivesse totalmente
interligada ao resto da economia capitalista global dirigida pelos EUA. No
filme, por exemplo, as guerras imperialistas no Iraque e no Afeganistão
não são explicadas como decorrendo da essência do sistema
capitalista estado-unidense. Elas são tratadas apenas sob o aspecto de
que afectam o povo dos EUA, omitindo o impacto que o sistema capitalista dos
EUA tem sobre os trabalhadores e povos oprimidos do Iraque, Afeganistão
e tantas outras terras. A
expansão da guerra
do Regime Obama ao Afeganistão e ao Paquistão é, claro,
omitida. Isto é social-chauvinismo.
(3) Moore nunca menciona o papel da União Soviética, cujas
tremendas realizações internas durante o período da
última Grande Depressão Capitalista, cuja liderança da
aliança global que derrotou o fascismo alemão e seus aliados do
eixo na Segundo Guerra Mundial e cuja liderança na criação
de um campo socialista, apontam o caminho para uma futura humanidade
socialista. Ao invés disso, a Alemanha capitalista, o actual estado
chinês e uns poucos outros estados capitalistas são arvorados por
Moore como modelos de um capitalismo mais eficiente e menos brutal do que os
EUA em relação à indústria automobilística,
etc. Na verdade, o capitalismo mais civilizado, mais democrático,
é o limite da visão de Moore para os EUA. Quando perguntado se
é um social-democrata, Moore responde que é pela democracia. (Ele
é claramente um social-democrata pelos padrões mundiais. E a sua
fuga a esta etiqueta reflecte o seu temor do extremo atraso política da
população dos Estados Unidos após décadas de
Império americano, isto é, de hegemonia imperialista
estado-unidense e a consequente cultura parasita e corrupta da sua sociedade.)
(4)
O filme de Moore nunca denuncia Obama e a actual administração
democrata.
Ele denuncia o facto de que, na actual crise capitalista, políticos
democratas bem como republicanos e os conselheiros financeiros a eles
associados, incluindo Robert Rubin, Lawrence Summers e Timothy Geithner,
têm servido lealmente os corruptos capitalistas da Wall Street que hoje
dominam os EUA.
Mas Moore omite o facto gritante e crucial de que Obama nomeou estes mesmos
serviçais como supervisores da economia dos EUA,
causando uma ininterrupta transição capitalista monopolista da
desacreditada administração Bush de modo a continuar a
"salvar os capitalistas financeiros ao invés de
prendê-los!". Uma omissão total!
(5) O que está fora da visão de Moore em relação a
Obama está longe de ser pessoal. No fim da entrevista de Moore a
The Nation,
a entrevistadora Naomi Klein louva Elizabeth Warren, a chefe do comité
do Congresso de observação do salvamento, que surge no filme como
uma mulher íntegra. Diz Klein: "Ela é até certo ponto
o anti-Summers. É o suficiente para dar esperança, saber que ela
existe". Resposta de Moore: "Absolutamente. E posso sugerir um
candidato presidencial para 2016 ou 2012
se Obama nos decepcionar
? A Marcy Kaptur [congressista de Ohio] e Elizabeth Warren"
[ênfase minha].
Portanto Michael Moore, que apoiou John Kerry em 2004 e Barack Obama em 2008,
está a anunciar previamente que apoiará o candidato democrata a
presidente em 2012 ou 2016 mesmo se Obama trair a confiança do povo.
Chega de apelos de Moore à eliminação do sistema
capitalista nos EUA!!
No princípio da mesma entrevista, afirma Klein que "a maior parte
das pessoas são favoráveis a cuidados de saúde universais,
mas elas não podiam agrupar-se por trás desta causa porque ela
não estava sobre a mesa". Em resposta, Moore gentilmente critica
Obama por optar "por tomar uma meia medida ao invés da medida plena
que precisaria acontecer. Tivesse ele tomado a medida plena – a
verdadeira, pagador único, cuidados universais de saúde –
penso que teria tido milhões a apoiá-lo". Da mesma forma, se
Moore não estivesse com meias medidas em relação a Obama e
os democratas, o seu desejo declarado de que o filme despertasse e
arregimentasse o povo dos EUA para "eliminar o capitalismo" podia ter
sido bastante efectivo.
Conclusão:
O filme mais recente de Michael Moore, "Capitalismo: Uma história
de amor"
não é
um filme do proletariado revolucionário, ele não organiza a
classe trabalhadora e os povos oprimidos dentro do estado multinacional
estado-unidense ao combate para acabar com o capitalismo e pelo estabelecimento
dos EUA socialista. Contudo, o filme
levanta
a noção fundamental do carácter "perverso" do
sistema capitalista e a ideia de acabar com este sistema. Consequentemente,
é uma ferramenta educacional e organizacional válida
no combate pela justa para os trabalhadores, pela abolição do
sistema capitalista e pelo estabelecimento dos EUA socialista.
Aqueles de nós que desejam sinceramente a eliminação do
sistema capitalista dos EUA e do mundo, e querem trabalhar para este fim,
têm como responsabilidade utilizar o mais recente filme de Michael Moore,
"Capitalismo: Uma história de amor" em favor da causa
revolucionária. Como lutamos para ganhar os corações e
mentes dos trabalhadores e dos oprimidos pela luta revolucionária para
os EUA socialista e um mundo socialista, convidemos os nossos amigos e
companheiros de trabalho a ir ao cinema connosco. Discutamos com os
trabalhadores e os oprimidos os prós e contras deste filme agitador e
educativo. Deste modo,
nós, e
não
Michael Moore,
podemos tornar o filme um veículo para a eliminação do
sistema capitalista.