Hora de decisão na esquerda socialista
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Escrito por Fernando Silva - Correio da Cidadania | |
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O ano de 2010 começou e os gargalos da crise social e dos limites da política econômica já são bem visíveis.
No terreno social, as enchentes no sudeste e sul do país e o tremendo
drama humano que as sucedem (já com mais de 200 mortos desde o início
de dezembro) evidenciam de uma só vez três gargalos sociais que não há
propaganda oficial ou oba-oba que consiga esconder: as questões da
habitação, da infra-estrutura e da saúde pública. O Maranhão já tinha
vivido o mesmo drama das enchentes no final do ano passado.
Na política econômica, o aumento do endividamento do Estado pela via da
dívida pública e a volta dos déficits nas contas externas mostram por
seu lado a vulnerabilidade da economia e a dependência do capital
financeiro. Uma elevação das taxas de juros nos EUA, uma revalorização
do dólar ou alguma nova bolha (e já existem novas ameaças no mercado)
poderiam provocar abalos hoje impensáveis na atual estabilidade.
É certo que o capital e o governo controlaram a crise, que quando
chegou ao país provocou uma mini-recessão em tempo recorde. Também é
verdade que o cenário de estabilidade interna e a popularidade do
governo Lula favorecem amplamente a que uma disputa sem projetos marque
as eleições de 2010, com tendência bastante favorável à candidata do
presidente.
Mas, pelas razões expostas acima e sem desconhecer as dificuldades para
os que pretendem apresentar uma alternativa de esquerda real às mazelas
sociais do país e sua política econômica, há condições e espaço para a
afirmação de uma autêntica frente de oposição de esquerda
anticapitalista em 2010, que parta das demandas e gargalos reais que
afligem dezenas de milhões de brasileiros, para os quais não há solução
estrutural alguma prevista no estágio atual do capitalismo e sua crise
estrutural.
Tempo perdido
Aqui está o problema. Pois embora estejamos a menos de dez meses das
eleições, esta questão não está resolvida no âmbito da esquerda
socialista. Particularmente no PSOL.
Parte dessa indefinição deveu-se à política desastrosa da maioria da
direção do partido em apostar suas fichas numa aliança com Marina Silva
e o PV.
Possibilidade que nunca existiu pelas seguintes razões:
1) Marina não rompeu com a política econômica do governo Lula. Não por
acaso filiou-se ao PV, que está na base de sustentação do governo
federal e de governos estaduais tucanos e "democratas", além de
declarar que considera positivo o modelo econômico e que Lula tenha
dado continuidade ao que FHC começou.
2) Não por acaso também, levou para o PV um grupo de capitalistas e
articula um deles como vice, mostrando para onde estava direcionada sua
política de ampliação.
3) E vamos combinar que não há discurso ético que sobreviva à
convivência na mesma sigla com membros da família Sarney (um dos
mandatários da legenda verde).
No entanto, precisou Fernando Gabeira surgir no cenário, com aval de
Marina, anunciando a política de coligação com PSDB/DEMO na sua
candidatura ao governo do Rio, para que o grosso das forças dirigentes
do PSOL praticamente descartasse as negociações com o PV.
Mas não existe vácuo em política e o tempo perdido pode custar caro à
manutenção e ampliação de um espaço que por obrigação caberia ao PSOL
aglutinar em torno de uma alternativa de verdade à polarização
Dilma-Serra. Assim como, a essa altura do campeonato, aglutinar nossas
forças para reeleger nossos combativos parlamentares e lutar por uma
necessária ampliação das bancadas federal e estaduais, francamente
ameaçadas.
Por exemplo, até aqui a conseqüência mais preocupante desta indefinição
política foi o programa de rádio e TV do partido no último dia 7 de
janeiro, que pecou pela completa ausência de política eleitoral, e
ainda por cima pela injustificável ausência do então único
pré-candidato próprio do partido à presidência, Plínio Arruda Sampaio.
Uma das principais personalidades da esquerda brasileira e uma das
principais figuras públicas do próprio partido ter ficado fora do
programa foi uma expressão (nada delicada) das inúteis e equivocadas
ilusões que estavam sendo depositadas na hipótese Marina Silva.
Candidatura e campanha pra valer
Mas, ainda que correndo atrás de um prejuízo, há tempo e forças para o
partido e a esquerda socialista retomarem a iniciativa e buscarem
construir uma firme intervenção no processo eleitoral, apresentando o
PSOL como uma verdadeira alternativa de esquerda - para além das
eleições inclusive.
Da nossa parte, como é público, não temos dúvidas de que está no nome
de Plínio a melhor possibilidade de apresentar com seriedade
inquestionável uma política de oposição de esquerda pra valer ao jogo
de cartas marcadas que se anuncia nessas eleições.
É inegável sua capacidade de aglutinação de uma frente de esquerda e de
sua ampliação, como o recente apoio de Dom Cappio evidencia. A
incorporação à defesa da pré-candidatura por companheiros de expressão
em nosso partido, como o deputado estadual Marcelo Freixo e o vereador
Renatinho (de Niterói), também demonstram que esta é uma candidatura de
partido, de unificação e fortalecimento do PSOL.
Além da questão do nome, é urgente o partido definir sem mais
adiamentos as bases de uma plataforma programática, tática e objetivos
de campanha.
A plataforma deve ter como referência os pontos programáticos aprovados
pelo Diretório Nacional de dezembro, que permitem construir um programa
de campanha anticapitalista, que parta das demandas reais e bandeiras
históricas não resolvidas pelo Capital e seus governos.
Estamos diante do desafio de realizar uma campanha que alavanque a
inserção social do partido e contribua para a necessária manutenção e
ampliação de uma bancada parlamentar socialista e combativa que no
Congresso Nacional e nas assembléias legislativas sejam as porta-vozes
das demandas, reivindicações e lutas populares.
Isso significa em termos muito práticos acabar com a enrolação no
partido, realizar um democrático debate que permita definirmos essas
questões em março, como previsto, sem qualquer adiamento. O que seria
inaceitável, pois qualquer postergação agora é condenar o PSOL a ter
uma candidatura sem expressão e tempo hábil de entrar na disputa, uma
verdadeira candidatura "laranja" na prática. E de quebra contribuindo
para sacramentar um cenário de fragmentação da frente de esquerda.
O PSOL tem, portanto, a responsabilidade de apresentar uma candidatura
com densidade e história para unir a esquerda em um projeto socialista
para o Brasil.
Fernando Silva é jornalista, membro do Diretório Nacional do PSOL e do Conselho Editorial da revista Debate Socialista.
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