terça-feira, 16 de março de 2010

Charles Chaplin via longe.....

A atualidade de “Tempos Modernos” e os usuários da pedra (crack)


Toda vez que passo para os meus alunos da disciplina de História a película “Tempos Modernos”, do genial cineasta inglês Charles Chaplin, percebo a perplexidade e concomitantemente a alegria nos olhos desses jovens alunos. Nesse filme não há meio termo, Chaplin realmente passa uma mensagem social e política. Cada cena é trabalhada para que a mensagem chegue verdadeiramente tal qual a realidade é. E nada parece escapar à crítica mordaz de Chaplin sobre a sociedade de sua época, aliás de nossa época, pois considero ainda muito atual suas análises sobre a sociedade capitalista que chegam a ser muitas vezes até atemporal.
O cineasta relata sobre a escravidão ainda presente em nosso cotidiano. Mostra o amor que também surge, mas surge quase paternal: o de um vagabundo por uma menina de rua. Como trabalhador de uma fábrica o “Vagabundo – Carlitos” tem um colapso nervoso, o que chamamos hoje em dia de “estresse” por trabalhar de forma quase escrava. Ou seja, uma crítica ao trabalho monótono e repetitivo. A velha alienação do trabalho como bem estudou o filósofo alemão Karl Marx.
Charles Chaplin identifica e faz uma analogia assaz interessante com a realidade atual, com relação à questão do desemprego de grande parte da população e relata a crônica da fome e as condições miseráveis que vivem os trabalhadores das grandes cidades. É lógico que o filme focaliza a vida na sociedade industrial caracterizada pela produção com base no sistema de linha de montagem e especialização de trabalho do final do século XIX e princípio do século XX. Não obstante, é uma crítica severa à “modernidade” e ao capitalismo representado pelo modelo de industrialização, onde o operário é engolido pelo poder do capital e perseguido por suas idéias “subversivas”. Trata das desigualdades entre a vida dos pobres e das camadas mais abastadas.
O mais fantástico e assustador é que ainda hoje essa mesma sociedade capitalista, mesmo com todo o avanço tecnológico das forças produtivas, com o desenvolvimento tecnológico da informática, cibernética e da nanotecnologia, ainda asim, explora os trabalhadores da cidade (proletariado) e do campo (camponeses), e que estes trabalhadores alimentam todo o conforto, o luxo e diversão da burguesia.
Na película, Charles Chaplin é um profeta, demostrando que a máquina tomará o lugar do homem, aumentando o exército de reserva. Ressalta o vagabundo em transe, em sua crise de angústia, onde é tragado pela máquina, uma metáfora ao sub-emprego e as empresas, fábricas e indústrias que trituram gente pagando salários irrisórios e pífios. É um visionário à frente de seu tempo, já que na cena em que um dos bandidos coloca no saleiro a cocaína, em plena hora do almoço, evitando ser pego em flagrante pelos guardas que fazem a revista na prisão, onde o vagabundo ao pôr o suposto sal em sua refeição, levando-o a ficar muito doido e em êxtase. Uma clara denúncia ao nefasto comércio de drogas e as facilidades que este negócio lucrativo e sórdido, que leva as pessoas e principalmente os adolescentes a aderirem à criminalidade: isso infelizmente é rotina nas grandes cidades, onde cada vez mais jovens entram no submundo do crime.
Infelizmente estamos perdendo a nossa juventude para o crime organizado e para a pedra de crack, que atualmente é o fator principal que está levando nossos jovens a roubar, matar e até mesmo a cometer suicídios, ou seja, suas vidas são destruídas sem dó e sem piedade. Além da desestabilização das pessoas que sofrem com a convivência de dependentes químicos. Mas quem sofre com tudo isso é a família, cujo lar foi destruído pelo vício de um dos seus membros.
Segundo matéria publicada pela jornalista Lêda Gonçalves do Jornal Diário do Nordeste “a população corre risco e o crack já chegou deixando um rastro de destruição e violência.” (Fortaleza/CE) de 25/02/2010, no Caderno Cidades. A jornalista afirma na matéria que “a droga é consumida, principalmente por jovens cearenses entre 12 e 29 anos.”
Em Fortaleza, avalia o Coordenador da Cufa, Preto Zezé que “de acordo com números da Central Única das Favelas (Cufa) 30 mil jovens de 12 aos 29 anos de idade são dependentes químicos em Fortaleza. No Ceará, esse número chega a 100 mil usuários da chamada “pedra maldita”. O vício matou mais de 1,7 jovens nos últimos três anos. O avanço da droga é uma coisa sem precedentes.” – (Caderno Cidade do Jornal Diário do Nordeste de 25/02/2010).
Estendo-me sobre a temática das drogas por entender que este grave e atual tema é importante para reflexão, e também para salientar o quanto o cineasta inglês Charles Chaplin foi perspicaz, sagaz em perceber no século passado a problemática das drogas em nosso cotidiano. Que o legado de Charles Chaplin seja sempre lembrado pelas novas e futuras gerações. Que suas películas sejam contempladas e debatidas amiúde por pessoas de todas as idades.
Brincando ele falava sobre coisas sérias, de forma lúdica nos levava a pensar criticamente sobre a nossa sociedade, com irreverência e com cenas bem humoradas satirizava, ironizava e levantava discussões polêmicas. Educava através da sétima arte (cinema) com maestria e genialidade. É por isso que seus filmes são utilizados em demasia pelos professores de História (como fonte histórica), Filosofia e Sociologia para entendermos a sociedade de consumo contemporânea.
Longa vida e muita prosperidade ao legado do palhaço, ator, diretor, dançarino, roteirista, comediante, músico e bardo cineasta britânico Charles Chaplin.

(*) Elcio Cavalcante é professor de história em Fortaleza (CE).

Criança não pode ser alvo da publicidade para o consumismo


Criança e consumo

A capital paulista sedia, de hoje [16/3] a quinta-feira, no Itaú Cultural, o 3º Fórum Internacional Criança e Consumo, uma iniciativa do Instituto Alana. Especialistas no tema debaterão como prevenir e reduzir os efeitos da publicidade de produtos e serviços destinados a crianças e adolescentes.

A população com idade inferior a 12 anos é hipervulnerável à comunicação mercadológica devido ao mimetismo próprio da infância, à falta de discernimento, à afirmação da personalidade, à dificuldade de distinguir desejo e necessidade. "Formar cidadãos ou consumistas?", eis a questão.

Nessa cultura hedonista, em que os valores sonegados da subjetividade são pretensamente substituídos pelo valor agregado da posse de bens e serviços, crianças e jovens se veem ameaçados pela incidência alarmante da obesidade precoce, da violência (inclusive nas escolas), da sexualidade irresponsável, do consumo de drogas, do estresse familiar e da degradação das relações sociais.

Com a laicização crescente da sociedade ocidental, que, com razão, repudia o fundamentalismo religioso, a moral perde seu anteparo na vivência da fé, as ideologias altruístas, em crise, cedem lugar ao individualismo egocêntrico e a tecnociência aprimora meios de relacionamento virtual em detrimento da alteridade real e da inter-relação comunitária e coletiva.

Vivemos, como Sócrates, na terceira margem do rio: os deuses do Olimpo já não oferecem parâmetros éticos e a razão depara-se com a própria insuficiência diante da avassaladora pressão mercantilizadora de todas as dimensões da existência. Onde, nos mais jovens, o idealismo, a abnegação, a ânsia pelo transcendente, o sonho de mudar o mundo?

Na contramão da tendência imperante, o projeto do Instituto Alana disponibiliza instrumentos de apoio e informações sobre direitos do consumidor nas relações de mercado que envolvam crianças e adolescentes.

Produz e distribui conhecimento acerca do impacto do consumismo na formação desse público, fomenta a reflexão a respeito da influência da mídia e da comunicação mercadológica na vida, nos hábitos e nos valores de pessoas em idade de formação.

O projeto Criança e Consumo engloba três áreas: jurídico-institucional, comunicação e eventos, pesquisa e educação.

A área jurídico-institucional recebe denúncias de práticas de comunicação mercadológica -principalmente publicidade veiculada em TV, internet e revistas- consideradas abusivas. Em contato com as empresas responsáveis pela peça publicitária, faz-se notificação para que cesse a veiculação do apelo comercial. A área de comunicação e eventos promove debates e seminários para discutir e divulgar essas questões.

A de educação e pesquisa estuda de maneira multidisciplinar a temática e põe no site www.criancaeconsumo.org.br bibliografia sobre o tema.

A partir dessas iniciativas, o projeto contribui para a formação de uma consciência crítica e cidadã sobre os aspectos negativos da mercantilização da infância e da juventude. No início de março, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) sinalizou que as novas regras sobre publicidade de alimentos e bebidas não saudáveis, a serem divulgadas, não oferecerão proteção especial ao público infantil.

Isabella Henriques, coordenadora do projeto Criança e Consumo, alertou sobre as graves consequências dessa decisão, que exclui todos os artigos de proteção à infância, como o veto ao uso de desenhos em publicidade, à promoção de alimentos e bebidas nocivas em escolas e ofertas com brindes.

Segundo ela, isso significa o poder público negligenciar os direitos da crianças e adolescentes, declinando-os em favor de interesses privados. Crianças não podem ser tratadas como consumidores comuns. Merecem tratamento diferenciado. É preciso levar em conta o trabalho da força-tarefa criada em 2009 pelo Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, voltado à proteção de consumidores hipervulneráveis. Essa força-tarefa conta com a participação do Instituto Alana, do grupo de comunicação social do Ministério Público Federal, da Anvisa e do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor.

Induzir a criança ao consumismo precoce é inflar o desejo na direção de ambições desmedidas. E, quanto maior o anseio, mais profundo o buraco no coração e, portanto, a frustração e os sintomas depressivos. Perversa intuição profissional faz com que o traficante de drogas conheça bem essa patologia e dela saiba tirar proveito.

Artigo de Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, assessor de movimentos sociais e escritor. Foi assessor especial da Presidência da República (2003-2004). Publicado hoje na Folha.Extraido do blog Diario Gauche

segunda-feira, 15 de março de 2010

O fim da dinastia midiática....

Dinastias Midiáticas

Emir Sader

Na imprensa brasileira mandam as dinastias estamentais. Os pais proprietários entregam a direção dos jornais, das revistas, das rádios e das televisões – das suas empresas – aos seus filhos, que repassam para os netos, perseverando todos no direito que se auto-atribuíram de decidir quem é e quem não é democrático, quem fala e quem não fala em nome da nação!

Assim tem sido ao longo de toda a história da imprensa no Brasil. No momento mais decisivo da história do século XX, em 1964, essas dinastias pregaram e apoiaram o golpe militar, assim como a instalação de uma longa ditadura, que mudou decisivamente os rumos do nosso país. Enquanto os militares intervinham nos poderes Judiciário e Legislativo, enquanto suspendiam todas as garantias constitucionais, enquanto fechavam todos órgãos de imprensa que discordaram do golpe e da ditadura, enquanto a maior repressão da nossa história recente se abatia sobre milhares de brasileiros presos, torturados, exilados e mortos, enquanto isso, as dinastias da imprensa mercantil se calaram sobre a repressão e apoiaram o regime militar!

Eram estes mesmos Mesquitas, Frias, Marinhos, Civitas, estes mesmos que transmitem por herança – como se fosse um bem privado – seu poder dinástico, transferindo-o para os seus filhos e netos. Os júlios, os otávios, os robertos, os victor, vão se sucedendo uns aos outros, a dinastia vai se perpetuando. Que se danem a democracia e o país, mas que se salvem as dinastias!

Mas, hoje, elas estão vendo seu poder se esvaindo pelos dedos. Conta-se que um desses herdeiros, rodando em torno da mesa da reunião do conselho editorial, herdada do pai, esbravejava irado: “onde foi que nós erramos? onde erramos?”. Estava desesperado porque a operação “mensalão” não conseguiu derrubar Lula elegendo o tucano, da sua preferência.

Se ele tivesse olhado os gráficos escondidos na sua sala, teria visto que, nos últimos dez anos, as tiragens dos jornais despencaram. A Folha de São Paulo, por exemplo, que é um dos de maior tiragem, perdeu em 10 anos, de 1997 a 2007, quase cinqüenta por cento dos seus leitores! Depois de quase ter atingido 600 mil leitores, vai fechar o ano de 2008 com menos de 300 mil! Uma queda ainda mais grave se considerarmos que, nesse período, houve crescimento demográfico, aumento do poder aquisitivo, maior interesse pela informação e elevação do índice de escolaridade dos brasileiros.

Os leitores deste jornal de direita estão entre os mais ricos da população. Noventa por cento dos seus menos de 300 mil exemplares são destinados aos leitores das classes A e B, as mesmas que não atingem dezoito por cento da população brasileira. Em outros termos, nove entre cada dez leitores do jornal pertencem aos setores de maior poder aquisitivo e suas condições de vida estão a léguas de distância das do nosso povo – esse povo que gosta do programa bolsa família, dos territórios de cidadania, da eletrificação rural, dos mini-créditos, do aumento real do salário mínimo, da elevação do emprego formal, etc.

A última e mais recente pesquisa sobre o apoio ao governo Lula, que a imprensa dinástica procurou esconder, realizada pela Sensus, revela que Lula é rejeitado por apenas treze por cento dos brasileiros! É essa ínfima minoria, cinco vezes menor do que aquela dos que apóiam o governo Lula, que povoa os editoriais dessa imprensa, suas colunas, seus painéis de cartas dos leitores! Esse é o índice da influência real que a mídia mercantil – juntando televisão, rádio, jornais, revistas, internets, blogs – tem! Apesar de todos os instrumentos monopólicos de que dispõem, apesar das campanhas diárias para dominar a opinião pública, não conseguem nada além desse pífio resultado dos treze por cento que representam!

As dinastias podem continuar a ter filhos, netos e bisnetos, mas é possível que já não dirijam jornais. Esta pode ser a última geração de jornalistas dinásticos que, talvez exatamente por isso, revelam diariamente o desespero da sua impotência, assumindo o mesmo papel que ocuparam nos anos prévios a 1964. É o mesmo desespero da direita diante da popularidade de um Getúlio e do governo Jango. Nos dois casos, só lhes restou apelar à intervenção das Forças Armadas e dos EUA, estes mesmos EUA que nunca fizeram autocrítica, nem desta nem de qualquer outra das suas intervenções contrárias à democracia da qual pretendem ser os arautos! Depois de terem pedido e apoiado o golpe militar, porque ainda acreditam que podem dizer quem é democrático e quem não é?

domingo, 14 de março de 2010

Pobre Grécia.....

Uma "Guernica económica" para a Grécia

por Joseph Halevi
Rua de Guernica após o bombardeamento. A Grécia enfrenta uma verdadeira Guernica económica, um massacre, face ao qual a esquerda europeia mostra uma passividade imperdoável. Aquilo que é imposto a Atenas é concebido como um exemplo, para criar horror na Espanha, Portugal e mesmo na Itália. Mas até a França, diante das directivas alemãs, entrou em colapso como num novo teste de Sedan, o qual é também económico.

No Verão passado, Angela Merkel permitiu que Berlim incorresse em défices, moderando o fanatismo protestante do então ministro das Finanças social-democrata. Agora, com Schäuble naquele ministério, estamos outra vez sob a total maldição bíblica.

De acordo com inquéritos, a opinião pública europeia tende a aceitar o argumento de os gastos deficitários serem equilibrados por cortes drásticos. Tal argumento é equivalente a igualar o estado a uma família que gasta mais do que ganha e é então forçada a reduzir o seu padrão de vida. O Estado podia encontrar-se nesta situação se se verificasse o pleno emprego como uma tendência natural. Ponde de lado tal quimera, o défice sempre pode ser financiado, desde que a autoridade que nele incida tenha controle tanto sobre a política monetária como fiscal, o que é impossível sob o euro.

O que
 os preocupa. Naturalmente, sob o euro, as relações capitalistas dentro da Europa são definidas de modo a que haja aqueles que podem e aqueles que não podem. Aparte o fanatismo ideológico, o rápido retorno de Berlim à ortodoxia financeira decorre de uma visão muito simples. Nós, dizem os dirigentes de Berlim, não daremos um dólar para a Europa (neste caso a Grécia e a península ibérica) porque nem meio tempo o nosso capitalismo saiu da crise graças às exportações líquidas. O congelamento de salários provocado pelo desemprego faz-nos confortáveis ao passo que os nossos mecanismos internos de subsídios, tanto ao nível federal como aos estaduais, facilita a reestruturação. Isto e a deflação salarial potenciarão a competitividade inter-capitalista da Alemanha.

Quem se importa com o cidadãos da Grécia e da península ibérica? A única preocupação é como proteger os valores financeiros dos bancos franceses e alemães que possuem títulos do governo emitidos por aqueles países. Vagos sinais de possíveis empréstimos para a Grécia são de facto destinados apenas para esse efeito. Os cortes impostos a Atenas deveriam tranquilizar os mercados, pois na verdade eles têm tido êxito, apesar da reviravolta que estão a provocar na economia do país. Assim chegou-se a um acordo extremamente duro entre Paris, Berlim, Frankfurt (sede do Bundesbank e o BCE seu aliado) com as agências de classificação, as quais avaliam a solvência dos emitentes de títulos, as próprias agências que até há poucos meses tanto a França como a Alemanha estavam a apontar o dedo como estando entre as principais culpadas pela crise financeira.

Os "mercados" estão a actuar como tubarões a rapinarem a Grécia com o apoio daqueles que primeiro os criticaram. O ano de 2008 nunca aconteceu, poderia dizer o falecido Jean Baudrillard. O populismo anti-financeiro de Merkel, Lagarde e Sarkozy (bem como de Tremonti) já mostrou o que vale. Produto temporário, é uma confusão entre a miopia da França com o capitalismo da Alemanha. Ao afundar a Grécia e forçar a Espanha e Portugal a segui-la, Frankfurt e Paris estão de facto a atacar um grupo de países que, na explosão da crise, isto é, até 2008, representavam mais de 9% das exportações italianas e mais de 10% das francesas, assim como 6% das alemãs.

E agora a crise de novas escapatórias, não percebida, assoma no horizonte, devido ao crescimento da China como um exportador líquido para a Europa. Enquanto isso, a Grécia continua a ser uma área de reciclagem para a indústria militar alemã: a aquisição de 150 tanques Leopard, concluída em Outubro último, não foi suspensa, mesmo no momento em que pensões e salários estão a ser cortados.
O original, "Una 'Guernica economica' per la Grecia", foi publicado em Il Manifesto de 09/Março/2010.   A versão em inglês encontra-se em http://mrzine.monthlyreview.org/2010/halevi110310.html

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

E a Islândia disse, NÃO.....

VITÓRIA ESMAGADORA DO POVO ISLANDÊS
 
Numa vitória esmagadora, 93% dos eleitores da Islândia disseram "Não" ao pagamento de prejuízos provocados pela falência de um banco privado. O referendo foi realizado no sábado, 6, e é o segundo da história do país. O povo islandês rejeitou assim as pressões impostas pelos governos britânico e holandês, bem como a atitude servil do seu governo e do seu parlamento que em Dezembro último assinaram um acordo comprometendo-se a pagar 3,9 mil milhões de euros aos credores do banco falido. Assim, a falência da ideologia neoliberal concretiza-se também no terreno prático. A pequena Islândia dá um exemplo a todos os países do mundo submetidos à extorsão. As vítimas da sanha do capital financeiro e imperialista começam a reagir.
Ver "O esquema de reembolso é chantagem"

sábado, 13 de março de 2010

A doença dos USA...




Os EUA estão doentes

Os EUA são o único país do mundo desenvolvido em que a saúde foi transformada em mercadoria e o seu provimento entregue ao mercado privado das seguradoras. Os resultados são assustadores. 49 milhões de cidadãos não têm seguro de saúde e 45 mil morrem por ano por falta dele.

Em sentido metafórico, a sociedade norte-americana está doente por muitas razões. Há mais de trinta de anos passo alguns meses por ano nos EUA e tenho observado uma acumulação progressiva de "doenças", mas não é delas que quero escrever hoje. Hoje escrevo sobre doença no sentido literal e faço-o a propósito da reforma do sistema de saúde em discussão final no Congresso. As lições desta reforma para o nosso país são evidentes. Os EUA são o único país do mundo desenvolvido em que a saúde foi transformada em mercadoria e o seu provimento entregue ao mercado privado das seguradoras. Os resultados são assustadores. Gastam por ano duas vezes mais em despesas de saúde que qualquer outro país desenvolvido e, apesar disso, 49 milhões de cidadãos não têm qualquer seguro de saúde e 45 mil morrem por ano por falta dele. Mais, a cada passo surgem notícias aterradoras de pessoas com doenças graves a quem as seguradoras cancelam os seguros, a quem recusam pagar tratamentos que lhes poderiam salvar a vida ou a quem recusam vender o seguro por serem conhecidas as suas — condições pré-existentes“, ou seja, a probabilidade de virem necessitar de cuidados de saúde dispendiosos no futuro.

A perversidade do sistema reside em que os lucros das seguradoras são tanto maiores quanto mais gente da classe média baixa ou trabalhadores de pequenas e médias empresas são excluídos, ou seja, grupos sociais que não aguentam constantes aumentos dos prémios de seguro que nada têm a ver com a inflação. No meio de uma grave crise econômica e alta taxa de desemprego, a seguradora Anthem Blue Cross - que no ano passado declarou um aumento de 56% nos seus lucros - anunciou há semanas uma alta de 39% nos preços na Califórnia, o que provocaria a perda do seguro para 800.000 pessoas. A medida foi considerada criminosa e escandalosa por alguns membros do Congresso.

Por todas estas razões, há um consenso nos EUA de que é preciso reformar o sistema de saúde, e essa foi uma das promessas centrais da campanha de Barack Obama. A sua proposta assentava em duas medidas principais:criar um sistema público, financiado pelo Estado, que, ainda que residual, pudesse dar uma opção aos que não conseguem pagar os seguros; regular o sector de modo que os aumentos dos planos não pudessem ser decididos unilateralmente pelas seguradoras. Há um ano que a proposta de lei tramita no Congresso e não é seguro que a lei seja aprovada até à Páscoa, como pede o Presidente. Mas a lei que será aprovada não contém nenhuma das propostas iniciais de Obama. Pela simples razão de que o lobby das seguradoras gastou 300 milhões de euros para pagar aos congressistas encarregados de elaborar a lei (para as suas campanhas, para as suas causas e, afinal, para os seus bolsos). Há seis lobistas da área de saúde registrados por cada membro do Congresso. Lobby é a forma legal do que no resto do mundo se chama corrupção. A proposta, a ser aprovada, está de tal modo desfigurada que muitos setores progressistas (ou seja, setores um pouco menos conservadores) pensam que seria melhor não promulgar a lei. Entre outras coisas, a leib "entrega" às seguradoras cerca de 30 milhões de novos clientes sem qualquer controle sobre o montante dos planos. Os EUA estão doentes porque a democracia norte-americana está doente.

Que lições? Primeiro, é um crime social transformar a saúde em mercadoria. Segundo, uma vez dominantes no mercado, as seguradoras mostram uma irresponsabilidade social assustadora. São responsáveis perante os acionistas, não perante os cidadãos. Terceiro, têm armas poderosas para dominar os governos e a opinião pública. Em Portugal, convém-lhes demonizar o SNS só até ao ponto de retirar dele a classe média, mais sensível à falta de qualidade, mas nunca ao ponto de o eliminar pois, doutro modo, deixariam de ter o "caixote do lixo" para onde atirar os doentes que não querem.Os mais ingênuos ficam perplexos perante os prejuízos dos hospitais públicos e os lucros dos privados. Não se deram conta de que os prejuízos dos hospitais públicos, por mais eficientes que sejam, serão sempre a causa dos lucros dos hospitais privados.

Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).

sexta-feira, 12 de março de 2010

Irã, a bola da vez????

Irã: EUA miram no programa nuclear para alvejar o regime

  Luiz Eça - Correio da Cidadania   
 
Os recentes desenvolvimentos da questão nuclear iraniana fazem crer que o objetivo dos EUA e seguidores europeus não seria apenas impedir que o Irã possa produzir armas atômicas.
 
Basta analisar os argumentos contra o Irã e as declarações dos líderes americanos. Alega-se que um Irã atômico seria uma ameaça terrível aos países próximos, particularmente Israel, e à própria humanidade, pois se trata de um "país irresponsável (rogue state)".
 
Embasando esta afirmação estariam as declarações de Ahmadinejad: "Israel será varrido do mapa". Seria um risco desmedido consentir que alguém com objetivos tão enlouquecidos contasse com armas atômicas para realizá-los. Especialmente porque ele certamente não ficaria nisso. Países sunitas (o Irã é xiita) como a Arábia Saudita, o Egito e o Kuwait estariam sob ameaça de ataques estilo Hiroshima, caso não se submetessem ao governo dos aiatolás.
 
Esta aterradora perspectiva peca porque sua premissa fundamental é absolutamente questionável.
 
Segundo Juan Cole, professor de História do Oriente Médio e da Ásia do Sul, da Universidade de Michigan, Ahmadinejad não foi corretamente traduzido. O que ele disse teria sido um apelo para o fim do regime sionista de Israel, mas não a remoção do povo judeu da Palestina...
 
Autoridades em língua farsi como Arash Nouruz, do The Mossadegh Project, e especialistas do Middle East Media Research confirmam essa correção. A qual, aliás, foi repetida pelo próprio Ahmadinejad que acrescentou: "O Irã não pretende atacar Israel; o regime sionista cairá sozinho".
 
A mídia internacional e os líderes políticos ocidentais e israelenses ignoraram completamente esses desmentidos. E vêm repetindo a tradução errada da frase de Ahmadinejad como artigo de fé, que marcaria o Irã irremediavelmente como "país irresponsável", portanto, capaz de lançar bombas atômicas a seu bel prazer.
 
Sendo objetivo, Israel tem muito mais direito àquele adjetivo do que o Irã. Afinal, enquanto o governo de Teerã envolveu-se apenas em uma guerra, esta defensiva contra o Iraque de Saddam Hussein, os israelenses têm um currículo invejável nessa área: invadiram e ocuparam o Líbano várias vezes; atacaram e destruíram Gaza, praticando crimes contra os direitos humanos e até contra a humanidade, conforme inquérito da ONU; nos últimos anos vêm ameaçando repetidamente o Irã de bombardeios.
 
Os EUA não concordam com esse raciocínio. George Bush condenou a política nuclear iraniana e deixou claro que poderia haver "opções militares" contra ela, ignorando o próprio serviço secreto dos EUA, que havia informado que o Irã tinha, desde 2003, abandonado o projeto de armas nucleares. Graças a seu empenho, conseguiu da ONU duas rodadas de sanções contra Teerã.
 
Embora sem negar o caráter suspeito do programa nuclear iraniano, Obama tinha idéias diferentes. No vídeo, enviado ao povo iraniano em 21 de março, ele afirmava: "Este processo não avançará com ameaças. Em vez disso, buscamos acordos honestos e baseados em respeito mútuo".
 
Mas logo em julho, quando a repressão violenta dos manifestantes contrários à reeleição de Ahmadinejad indignava o povo americano, ele cedeu à pressão da opinião pública. Condenou pesadamente o governo iraniano que respondeu no mesmo tom. E o "respeito mútuo" foi para o espaço.
 
Embora a brutalidade da polícia e das milícias contra os opositores do governo dos aiatolás fosse condenável, a verdade é que se tratava de uma questão distinta do problema nuclear. Não deveria contaminar o encaminhamento de uma solução diplomática.
 
Assim não entendeu o povo americano, cooptado por uma propaganda do governo, que Larry Chin, do New York Times, considerou "estritamente semelhante à da campanha de Hitler contra a Polônia".
 
Em situação semelhante, Nelson Mandela, recém-empossado na presidência da União Sul-Africana, declarou que, se não fosse capaz de contestar posições erradas da população, não mereceria governar.
 
Obama não foi capaz. Pensando em sua imagem e em futuras eleições, misturou as coisas e trocou sua postura conciliadora face ao problema nuclear do Irã pelas ameaças do governo Bush.
 
Já a partir desse mês, a atitude do governo Obama mudou. Ele soltou Hillary Clinton pelo mundo para garantir que em hipótese nenhuma os EUA deixariam o Irã possuir armas nucleares. Que sequer permitiriam que os iranianos enriquecessem urânio mesmo sob supervisão total do AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica).
 
Apesar do clima tempestuoso, surgiu uma oportunidade de acordo em reunião em Viena: o Irã enviaria seu urânio de baixo enriquecimento para a França e a Rússia, onde ele seria enriquecido em grau maior para uso pacífico. Mas, em outubro, o Irã acabou recusando. Não confiava na França. Além de Sarkozy ter se mostrado um feroz inimigo, após a revolução islâmica os franceses tinham se recusado a entregar urânio já pago pelo governo anterior.
 
Aceitaria fazer a troca proposta, desde que fosse simultânea e em território do Irã ou da Turquia.
 
Apesar de a Turquia guardar neutralidade entre as partes, EUA e seguidores recusaram esta nova idéia in limine. Seria como eles queriam ou nada feito.
 
De lá para cá, Obama, Hillary Clinton e outros menos votados vêm cabalando votos no Conselho de Segurança da ONU para aprovar novas e mais duras sanções. Repetem exaustivamente que Obama durante muito tempo apelou para uma solução diplomática enquanto o Irã permaneceu indiferente e irredutível. Agora, seria a hora das sanções.
 
Desta vez, destrutivas. Só para dar uma idéia: todos os países seriam proibidos de vender gasolina ao Irã, que, apesar de grande produtor de petróleo, precisa importar 40% para atender a suas necessidades.
 
Quanto à apregoada boa vontade do presidente americano, Wu, representante chinês no Oriente Médio, observou que Obama deveria apresentar medidas concretas em vez de limitar-se à retórica. O que não deixa de ser verdade.
 
A objeção do presidente dos EUA à última proposta iraniana mostra que ele mudou de novo. Voltou a pensar como seu antecessor. Bush se atinha à lógica imperial. Não era aceitável a existência de uma potência no Oriente Médio, rica em petróleo, bem armada e nada amigável, que contestasse a hegemonia americana na região.
 
Já dissera Nicholas Burns, subsecretário de Estado, ao International Herald Tribune, comentando o fornecimento de armas aos amigos da região: "Este pacote de armas diz aos iranianos que os Estados Unidos são o poder maior no Oriente Médio, continuarão a ser e não irão embora".
 
Em tempos de Bush, foi criado um programa que concedia 75 milhões de dólares anuais a grupos oposicionistas iranianos. Inclusive ao movimento terrorista Jundallah, segundo o respeitado cronista Seymour Hersh (New Yorker, julho de 2008). Os repórteres investigativos Flynt e Hillary Leverett afirmam que Obama nada fez para interromper estas ligações perigosas.
 
Somente nos últimos anos, o Jundallah tem uma folha corrida de respeito: ataque contra a comitiva do presidente Ahmadinejad; ataque a um ônibus, matando 18 membros da Guarda Revolucionária; rapto e execução de 16 policiais, em 2007; explosão de carro bomba que matou quatro pessoas, em 2008; emboscada em 2009, que matou 12 policiais; no mesmo ano, ataque a mesquita, com a morte de 25 pessoas; em outubro de 2009, ataque suicida com homem bomba, matando 42 pessoas.
 
Continuando em sua cruzada, a Casa Branca pressionou os russos para adiarem "sine die" a entrega de um sistema de defesa antimíssil (já pronto), que tornaria suas instalações nucleares e cidades bastante bem protegidas.
 
Só se pode entender esta atitude como uma precaução para enfraquecer as defesas do Irã diante de futuros ataques aéreos dos EUA e/ou Israel.
 
Esta ação para deixar o Irã mais fácil de ser derrotado soma-se à intolerância em aceitar qualquer outra proposta que não a de outubro, ao apoio ao terrorismo do Jundallah, às repetidas declarações agressivas de membros do governo e generais americanos e ao enorme esforço para aprovar sanções desta vez capazes de causar danos realmente severos na economia iraniana.
 
É certo que a China vetará estas sanções. No entanto, o Senado americano já está cuidando de aprovar projetos proibindo os EUA de negociarem com qualquer empresa americana ou estrangeira que mantenham laços econômicos com o Irã.
 
Como nada demoverá o governo de Teerã de continuar seu programa nuclear, seus adversários contam com as sanções para destruir a economia do país e criar condições para uma revolta popular. Ou, em último caso, como "todas as opções continuam sobre a mesa", um ataque israelense-americano, talvez com participação européia, resolveria o problema. Como foi feito no Iraque, resultaria na ocupação do país e, posteriormente, na formação de um governo amigo.
 
Tal seria o projeto de Bush. Há indícios que poderia ser também o de Obama...
 
Luiz Eça é jornalista.

Direitos das mulheres no Uruguai......


Mais de 70% das pessoas que vivem em situação de pobreza são mulheres






Karol Assunção *Adital 



A Anistia Internacional do Uruguai aproveita o mês dedicado às lutas das mulheres de todo o mundo para apresentar, hoje (12), na Biblioteca Nacional, em Montevideu, o relatório "A armadilha do gênero - Mulheres, violência e pobreza".


Na oportunidade, ainda serão discutidas as atividades realizadas nos seis anos da campanha "Não mais violência contra as mulheres" e divulgada a nova ação: "Exige Dignidade". Segundo informações do relatório "A armadilha do gênero", dados da Organização das Nações Unidas (ONU) revelam que mais de 70% das pessoas que vivem em situação de pobreza são mulheres. "Por que mais de dois terços das pessoas pobres do mundo são mulheres, se estas constituem somente a metade da população mundial?", questiona.
A resposta é encontrada no próprio relatório: discriminação. Segundo a Anistia, este é um dos principais fatores que explicam a pobreza feminina. "Em alguns países, a discriminação contra as mulheres impregna na legislação e, em outros, esta discriminação persiste apesar da adoção de leis de igualdade", afirma. Isso pode ser constatado com uma simples comparação entre os benefícios que os homens e as mulheres recebem. De acordo com o estudo da Anistia, o acesso a recursos e meios de produção como terra, crédito e herança, por exemplo, não é igual para os dois sexos.
Da mesma forma, em média, as mulheres recebem salários mais baixos e, muitas vezes, o trabalho nem sequer é remunerado. "As mulheres, com frequencia, trabalham em atividades informais, sem segurança de emprego nem proteção social. Ao mesmo tempo, seguem responsabilizando-as do cuidado da família e do lar", lembra.
Vale ressaltar que as mulheres não sofrem apenas com pobreza e discriminação. Segundo o documento da Anistia, elas ainda são as mais afetadas pela violência, pela degradação do meio ambiente, pelas enfermidades e até mesmo pelos conflitos armados.
De acordo com a organização, apesar de algumas conquistas e avanços nas garantias de direitos das mulheres - por exemplo, o reconhecimento de que os direitos delas são direitos humanos -, ainda há muito que ser feito. Para Anistia, o reconhecimento dos direitos das mulheres apenas melhorou a vida de algumas. Por conta disso, considera que os Estados e as instituições internacionais devem ter mais vontade política para garantir tais direitos e para assegurar a igualdade.
Além disso, a organização acredita que as demandas das mulheres precisam ser ouvidas e respeitadas. "A voz das mulheres deve ser escutada. Suas contribuições devem ser reconhecidas e alentadas. A participação ativa das pessoas que se veem afetadas é um elemento essencial de qualquer estratégia de luta contra a pobreza", afirma.
O relatório "A armadilha do gênero" completo está disponível em: http://www.amnesty.org/ar/library/asset/ACT77/009/2009/ar/b2f94dc6-69e2-4c83-9310-c892bdd03c8c/act770092009spa.pdf

quinta-feira, 11 de março de 2010

O Chile nas mãos de Piñera


O Chile nas mãos de Piñera

O que significa Sebastián Piñera para o Chile? Neoliberalismo na economia, gerencialismo na administração pública, tentativa de esvaziamento da"Concertación", diplomacia orientada para o dólar e o euro e polarização de posições ideológicas. Um presidente que pode ser aclamado pelo clube dos adeptos do Sr. Scrooge (o personagem de Dickens), que hoje em dia é assombrado pelo espírito de Milton Friedman. A análise é de Antonio Lassance.
O que significa Sebastián Piñera para o Chile?

Na economia, neoliberalismo. É certo que boa parte das "tarefas" neoliberais executadas no Chile o foram durante o Governo Pinochet - a propósito, um mestre em execuções. O ditador era adepto do fundamentalismo econômico liberal de Milton Friedman, da Universidade de Chicago. Friedman visitou e colaborou ativamente com o ditador e deu-lhe o gosto pelos "Chicago Boys" (os "garotos de Chicago"), alunos ou adeptos de Friedman e que olhavam para o departamento de Economia desta universidade como a uma Meca. A afinidade com este "espírito do capitalismo" levaria o ditador a tornar-se fã e amigo de Margareth Tatcher, figura imbatível como garota-propaganda do neoliberalismo, autora do bordão "não existe essa coisa de sociedade, o que existe são os indivíduos".

O gosto pelos "Chicago Boys" está de volta. A equipe do governo Piñera foi antecipadamente anunciada em fevereiro. Dos 22 ministros, 13 não têm filiação partidária, o que desagradou até a "Renovación Nacional" (partido do próprio Piñera) e a "Unión Demócrata Independiente" (UDI, de extrema-direita). Ambos têm apenas 4 representantes cada, o que pode ser um ingrediente futuro de tensão, sobretudo com a UDI. Os títulos de PhD que os ministros não partidários ostentam é mera perfumaria diante do essencial em seu currículo: a relação umbilical com os grandes grupos econômicos chilenos (ou baseados no Chile).

A vitória de Piñera, "strictu sensu", se explica pelo desgaste do modelo da Concertación, que tem como centro dois partidos: o Socialista (PS) e o Democrata-Cristão (DC). Ambos governaram o Chile desde os anos 90. Mas a indiferença à política de quase 30% dos chilenos (aquela idéia do "tanto faz se um ou outro") em relação ao processo eleitoral pesou decisivamente - em favor de Piñera. Havia também um cansaço diante do candidato Eduardo Frey, que sequer era mais do mesmo, e sim o mesmo do mesmo, tendo em vista já ter sido presidente. De modo mais amplo, porém, a vitória se explica pela permanência histórica do projeto pinochetista, que conseguiu criar as condições e os atores (extremamente ricos) interessados em uma "economia liberal, uma sociedade hierarquizada e uma cultura conservadora", como definiu o historiador Cristián Gazmuri ("El lugar de Pinochet en la historia. Una interpretación política de la experiencia autoritaria - 1973 a 1990").

O padrão de autoritarismo tecnocrático pode dar fôlego à estratégia de Piñera, apesar da parca experiência política dos "Chicago boys". Primeiro, pelo fato de reviver o padrão pinochetista, ao qual parte dos chilenos está acostumada e do qual uma parcela é fervorosa adepta. Em segundo, é preciso levar em conta que o terremoto dá a Piñera o seu "11 de setembro": o tema da agenda que tende a ocupar espaço central em todo o seu mandato. Ele mesmo já disse que vai refazer seu programa para se adequar ao pós-terremoto. O resto pode ser embalado pela lógica de reconstruir o país sob novas bases. Assim, muitos dos aspectos negativos do que vier a ser implementado poderá justificar-se como efeito colateral do esforço de reconstrução.

Na administração pública, Piñera é a reedição do gerencialismo, adaptação do neoliberalismo à administração pública. Sua orientação pode seguir a linha agressiva do tatcherismo, significando: a) a substituição de serviços públicos pela gestão privada; b) o abuso do modelo de relação custo-benefício como critério de eficiência (reconhecidamente, um modelo limitado de gestão de políticas públicas e que, em várias áreas, produz resultados notória e comprovadamente perversos); c) a limitação do rol de direitos e sua transposição para a lista de oportunidades de exploração econômica empresarial. O jornal argentino "El Clarín" (14/2/2010) fez um detalhado "quem é quem" dos indicados e de suas ligações empresariais, o que emoldura o comentário do colunista deste jornal, Rafael Gumucio, de que o presidente "governará da única forma que a direita chilena sabe fazer: concebendo o país como a uma empresa", o que é uma definição sintética e precisa do gerencialismo. O detalhe é que, ao contrário de Tatcher ou Reagan, que eram políticos profissionais, Piñera é empresário profissional e político "por tabela", o que já o coloca na mira dos críticos que pretendem tipificar suas possíveis reformas econômicas como eivadas de conflitos de interesse. É o que dá razão à análise do professor Emir Sader, publicada em Carta Maior, comparando Piñera a Berlusconi (O Berlusconi chileno).

Na política, sua prioridade vem sendo a de desmantelar a Concertação. A tentativa de atrair políticos do atual governo para a sua futura equipe acirrou os ânimos e levou o PS e a DC a acusar de traição os que aceitassem o convite, além de ameaçar com a sumária expulsão dos quadros partidários. O fato sinaliza que a Concertação, apostando ou não no fracasso de Piñera, deve radicalizar suas posições, até como estratégia de sobrevivência. O aprendizado da derrota também se constitui em forte estímulo para que se delimite melhor as diferenças. A sucessão de Bachelet não teve características plebiscitárias, aspecto decisivo para a interrupção dos sucessivos mandatos da coalizão. Na diplomacia, o Chile deve continuar com sua política orientada pelo dólare pelo euro. Recentemente, foi aceito na OCDE (Organização para a Cooperaçãoe Desenvolvimento Econômico), "clube" dos países ricos, desenvolvidos e industrializados. O feito, conseguido no governo Bachelet, inclui, entre suas exigências, a de estabelecer penas para pessoas jurídicas que cometam crimes como lavagem de dinheiro.

Nas Américas, Piñera desenhou um eixo que divide o Continente e inclui, apenas, além do Chile, a Colômbia, de Álvaro Uribe, o Peru, de Alan García, e o México, de Felipe Calderón. Mas seu foco é menos o desse círculo restrito das Américas e mais o seleto grupo conservador europeu. Piñera deve figurar como parceiro privilegiado da ultradireita européia, que aguarda ansiosamente a vitória dos conservadores no Reino Unido para contarem com um possível porta-voz oficial do tatcherismo: David Cameron, do Partido Conservador, líder nas pesquisas de opinião, até o momento.

O clube do Sr. Scrooge (o célebre personagem de Charles Dickens, inspiração,entre outros, do Tio Patinhas) precisa incessantemente de exemplos de "casos de sucesso", mesmo que sucesso controvertido, como aqueles campeonatos ganhos com gol de mão. O Chile tende a ser de novo colocado neste pedestal. Quiçá, até tomar o lugar da Universidade de Chicago como Meca do neoliberalismo. Por isso, o governo Piñera pode ter relevância para muito além das fronteiras deste país e de nosso continente. Exemplo recente do que pode acontecer foi a polêmica travada pela socióloga Naomi Klein contra o articulista do Wall Street Journal, Bret Stephens. Stephens havia dito, poucos dias após o terremoto, que "o espírito de Milton Friedman salvou o Chile" ("How Milton Friedman Saved Chile"). Por causa dele, as pessoas no Chile moravam em casas de tijolo, enquanto no Haiti se vivia ainda em casas de madeira, fáceis de serem derrubadas pelo lobo. Klein ("Milton Friedman did not save Chile": "Milton Friedman não salvou o Chile") respondeu a esta fábula lembrando que as principais diferenças entre o Chile e o Haiti eram, primeiro, em termos de desenvolvimento. O Chile já exibia um padrão socioeconômico muito superior não só ao do Haiti, mas ao dos demais países latinoamericanos, já nas décadas de 50 e 60. A segunda diferença, o rigoroso código de edificações chileno, exemplo básico da atividade de controle exercida pelo Estado, é obra do Governo Allende. O código é de 1972. A lógica impede que este fato seja atribuído a Pinochet, cujo governo é posterior (1973-1990). O irmão de Sebastián Piñera, José Piñera, que foi ministro do ditador, escreveu "Milton Friedman y sus Recomendaciones a Chile". Lá mesmo podemos ver que Friedman só começou a trabalhar para Pinochet a partir de 1975. A não ser que alguma coisa tenha mudado e ainda não tenhamos sido informados, algo que vem depois não pode ser causa de algo que vem antes.

Mais do que prosaico, o embate contra Bret Stephens demonstra o quanto o Clube Fundamentalista do Senhor Scrooge (CFSS) preparou-se, com artilharia pesada e desfaçatez, para criar uma mitologia a respeito do Chile. Uma mitologia que, mais uma vez, deforma sua história e não guarda o mínimo respeito a qualquer racionalidade que não seja a da maximização dos ganhos. Custe o que custar, ou, como dizia um ex-presidente daqui, "duela a quien duela".

Antonio Lassance, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), professor de Ciência Política e assessor da Presidência da República. É um dos autores do livro “Tecnologia social: uma estratégia para o desenvolvimento”.

quarta-feira, 10 de março de 2010

e ainda falam mal de Cuba...

O acirramento do confronto ideológico em torno de Cuba
Escrito por Gabriel Brito - Correio da Cidadania  
 
Nas últimas semanas, todos os antagonismos ideológicos exaltados a partir do modo de vida cubano voltaram a ocupar grande parte do debate público. Abordada com ênfase pela grande mídia, a morte de Orlando Zapata Tamayo por conta de sua greve de fome num presídio de Havana acirrou a guerra de informações a respeito do que se passa na Ilha. Ainda mais porque se consumou exatamente no dia em que uma comitiva brasileira, comandada pelo próprio presidente Lula, chegara ao país.
 
Como se sabe, Zapata Tamayo foi apresentado à opinião pública como dissidente perseguido politicamente, o que é veementemente negado pelas fontes locais, além de nebuloso, de acordo com o que informam órgãos internacionais. Assim, puderam voltar a execrar a ‘ditadura’ que vigora há mais de 50 anos e silenciaria todo desejo de mudança ansiado pela população.
 
Como exemplo da indignação com o perecimento do preso, o implacável editorial de 27 de fevereiro da Folha de S. Paulo, cujo início lamenta que, "pela quarta vez em seu mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se dispôs a endossar, entre sessões de fotos, tapinhas nas costas e desconversas macunaímicas, o mais ditatorial regime do hemisfério americano".
 
Para os mais desavisados, parece que a onda de violência política em Cuba atinge os mais descontrolados e alarmantes índices, sendo o povo local completamente impedido de qualquer participação e decisão em seu cotidiano. Não é bem assim. Como destacou o jornalista Breno Altman, do Opera Mundi, a população tem participação regular e constante nos processos decisórios. "A Constituição de 1976, reformada em 1992, estabeleceu o ordenamento jurídico do modelo. Um dos principais ingredientes foi a criação do Poder Popular, com suas assembléias locais, municipais, provinciais e nacional", aclara.
 
E ao contrário do que se pode pensar, não é um processo tão dessemelhante ao da nossa chamada democracia participativa, pois os representantes dessas instâncias, que não aceitam indicações de possíveis nomes por parte do PC, são escolhidos pelo voto. Aliás, o próprio regime teve sua orientação base, o socialismo, referendado pela população, como conta Altman.
 
"A Constituição prevê mecanismos de consulta popular. Dispondo desse direito, o dissidente Oswaldo Payá, líder do Movimento Cristão de Libertação, reapresentou à Assembléia Nacional do Poder Popular, em 2002, uma petição com 10 mil assinaturas para que fosse organizado referendo que modificasse o sistema político e econômico na ilha. O governo reuniu 800 mil registros para propor outro plebiscito, que tornava o socialismo cláusula pétrea da Constituição. Por causa da quantidade de assinaturas, teve preferência. Cerca de 7,5 milhões de cubanos (65% do eleitorado), apesar de o voto em referendo ser facultativo, votaram pela proposta defendida por Fidel Castro".
 
Ou seja, o povo cubano pode ter dúzias de críticas ao funcionamento de sua nação, mas não há nenhuma intenção da maioria em retornar ao capitalismo, o que é, obviamente, o cerne do debate e alvo oculto de uma mídia que, lembremos, é comercial e busca o lucro em seus negócios.
 
Humanistas
 
No entanto, as paixões que o assunto desperta de lado a lado não deixam a contenda ideológica arrefecer tão facilmente. "Nada disso se confunde com a revoltante ‘ternura’, para lembrar o célebre dito de Che Guevara, que o governo Lula ‘não perde jamais’ quando se trata de emprestar apoio a um regime decrépito, ditatorial e homicida", completa em tom histérico a Folha, não sem antes lamentar a ‘placidez’ com que o ministro das relações exteriores, Marco Aurélio Garcia, tratou dos problemas de direitos humanos na ilha.
 
É de se reconhecer neste ponto um paradoxo monumental na mídia brasileira (destacando que outros como Globo e Estadão engrossaram as críticas no mesmo tom). Os mesmos veículos indignados com dita tirania do governo de Raul Castro promoveram enorme grita contra o Plano Nacional de Direitos Humanos, que visa criar instrumentos de aprofundamento de nossa democracia (como controle social na mídia), mas que foi tratado pelos mesmos como stalinista, totalitário e por aí afora.
 
De quebra, a Folha e seus articulistas aproveitam o ensejo para minimizar conhecidas atrocidades do que entendem por democracia nos EUA, quando esta também foi questionada por Garcia ("Há problemas de direitos humanos no mundo inteiro"), apontando para as mundialmente famosas violências e ilegalidades em Guantánamo.
 
"É o clássico expediente de voltar contra outro país as acusações que se referem, especificamente, à tirania que se quer apoiar. É inegável que Bush maculou as tradições democráticas de seu país a pretexto da ‘guerra contra o terror’. É também evidente que nunca faltou, nos EUA, liberdade para protestos contra o governo - coisa impensável sob o sistema castrista". Além de ser questionável o fato de haver espaço para contestações num país cujos sindicatos são nulos, não há margem alguma para comparações do que também parecem ataques aos direitos humanos por parte dos EUA.
 
A própria imprensa comercial vive noticiando mortes de civis em ofensivas do exército norte-americano em localidades como Paquistão, Afeganistão e Iraque, sendo, aliás, os dois últimos países ocupados militarmente. A unilateralidade da potência também se viu em Copenhagen, quando sua delegação simplesmente se recusou a quaisquer conversas prévias acerca de diminuição de emissões de gases estufa, quando o mundo clama por mudanças de paradigma em favor do meio-ambiente.
 
São muito fortes as evidências que levam a crer que Zapata Tamayo não era um ‘preso de consciência’, como se difunde incessantemente. De acordo com o pesquisador e ensaísta Enrique Ubieta Gomez (diretor da revista La Calle Del Medio), por exemplo, "era um preso comum, cujos problemas com a justiça começaram em 1988, ou seja, quinze anos antes da confecção da lista (de presos políticos da Anistia Internacional, de 2003). Em sua larga carreira delitiva foi processado por "violação de domicílio", ‘lesões menos graves’, ‘furto’, ‘lesões e porte de arma branca’, ‘perturbação da ordem’ e ‘desordens públicas’", informa. Muito contrastante com o que escreveu Janio de Freitas, tratando Tamayo como "um operário que aderiu à militância política contra o regime".
 
Tal informação, mesmo tendo aparência contundente, pode ser, de fato, contestável, ainda mais sabida a considerável impenetrabilidade da vida cotidiana na ilha. Mas ainda assim há elementos de sobra, como a ausência de seu nome nas listas internacionais, que ao menos podiam fazer tal versão de sua vasta folha corrida ser investigada a fundo.
 
Até porque qualquer analista sério sabe que existe, e sempre existiu, sabotagem política liderada pelos Estados Unidos, cujos planos de destruição da Revolução local sempre foram famosos, além de até hoje manterem o embargo e a declaração de guerra contra os cubanos.
 
Como escreveu no Observatório da Imprensa o advogado Fabio de Oliveira Ribeiro, é impossível não tratar a abordagem do episódio como ‘propaganda política’ por parte dos detratores e inimigos do regime cubano, o que é o caso da grande mídia nacional e internacional e seus governos volúveis na compreensão de atentados aos direitos humanos.
 
1 vale mais do que 2000?
 
E para comprovar o interesse político, e possíveis ardis, em torno do desfecho da vida de Tamayo, é necessário comparar a repercussão e indignação nos meios de comunicação com a revelação de que na Colômbia se encontrou uma fossa comum com 2000 corpos, enterrados por paramilitares e soldados do exército local nos últimos cinco anos.
 
Trata-se de um fato infinita e indiscutivelmente mais brutal. Nessa década, cerca de 14 mil pessoas foram assassinadas pelas forças oficiais e os ‘paras’. E quase todos por serem líderes comunitários, sindicais ou representantes populares. De quebra, relatório recente da Coalizão Colombiana Contra a Tortura apontou que o Estado é o responsável pela maior quantidade dos casos de torturas e outras violações aos direitos humanos que correm a solta por lá. E nunca se viu a nossa mídia denunciar o regime de Uribe - muito menos a potência do hemisfério norte - de ‘homicida’ ou algo que o valha.
 
"A Anistia Internacional não menciona em nenhum momento as supostas atividades políticas que o levaram a prisão. A razão é relativamente simples: Zapata nunca realizou atividades anti-governamentais antes de seu encarceramento. Pelo contrário, a organização reconhece que foi condenado em maio de 2004 a três anos de prisão por ‘desacato, alteração da ordem pública e resistência’. Essa sanção é relativamente leve se comparada com a dos 75 opositores condenados em março de 2003 a penas que vão até 28 anos de cadeia ‘por terem recebido fundos ou materiais do governo estadunidense para realizar atividades que as autoridades consideram subversivas e prejudiciais a Cuba’, como reconhece a AI, o que constitui um grave delito em Cuba – e também em qualquer país do mundo", escreveu Salim Lamrani, do Le Monde Diplomatique.
 
"Aqui, a AI não pode escapar de uma evidente contradição: por um lado qualifica essas pessoas de ‘prisioneiras de consciência’, e por outro admite que cometeram um grave delito de aceitar ‘fundos ou materiais do governo estadunidense’", completa.
 
Outros que não desfrutaram da mesma sensibilidade da opinião pública foram os hondurenhos. Recém assaltados em sua democracia pelo golpe de Estado comandado pelas oligarquias locais, mais de cem daqueles que poderiam também ser qualificados de ‘dissidentes’ foram executados. No entanto, não tiveram a mesma visibilidade. Além disso, o pleito que ‘legitimou’ Porfírio Lobo como novo presidente foi assistido por escassos 13% de eleitores, outra ignorada evidência de desaprovação ao golpe.
 
"Na França em 2010, até 24 de fevereiro, houve 22 suicídios nas cadeias; em 2009, foram 122 suicídios nas prisões francesas; em 2008, 115", conta Lamrani, conformando outro exemplo que não causa a mesma comoção.
 
Em tempos de crise, divergência ideológica acirrada
 
Enfim, como diz o ministro Marco Aurélio Garcia, há problemas de direitos humanos em todo o mundo. Cuba não escapa a tal lógica, por certo. Porém, como citado por diversos de seus defensores, "não mantém centros de tortura ou realiza prisões e execuções extrajudiciais", não está em guerra alguma e oferece condições de emancipação individual - através, por exemplo, de sua saúde e ensino reconhecidamente qualificados e universalizados - em níveis bem maiores do que praticamente todas as ditas democracias.
 
Debater os processos cubanos é importante, até porque a crise do capital faz o mundo indagar se o atual modelo de economia e desenvolvimento se sustenta; e nisso os cubanos oferecem um ótimo elemento de reflexão, que é o questionamento ao sistema que tem exaurido as riquezas do planeta e comprometido de forma cada vez mais temerária seu ambiente.
 
Cuba, com todos os seus defeitos e lentidões para promover mudanças e evoluir o regime, oferece uma outra visão de mundo e sugere outra partilha de riquezas. É isso que causa ojeriza nas potências que afundaram Copenhagen, lideradas pelo seu mais inacessível interlocutor (EUA), precisando sufocar e denegrir ao máximo a pequena ilha que não abre mão de sua opção anticapitalista.
 
Só assim para começar a compreender porque num mundo de 6 bilhões de habitantes e 4 bilhões de miseráveis as polêmicas e o cotidiano de apenas 13 milhões de pessoas centralizam tantas atenções e ‘indignações’.
 
Gabriel Brito é jornalista.