Da Repórter Brasil - no sitio do MST
O funcionamento de 14 carvoarias na zona rural de Jussara (GO), no
local conhecido como Vale do Araguaia, dependia de 81 trabalhadores
submetidos a condições análogas à escravidão. O quadro de
irregularidades foi encontrado pela Superintendência Regional do
Trabalho e Emprego de Goiás (SRTE/GO), em parceria com o Ministério
Público do Trabalho (MPT) e a Polícia Federal (PF), entre os dias 22 de
fevereiro e 10 de março deste ano.
A maior parte dos empregados foi aliciada em Minas Gerais. "Algumas
funções, como a de carbonizador, requerem trabalho especializado e Minas
Gerais possui muitas pessoas com conhecimento nessa área", explica
Roberto Mendes, coordenador da fiscalização rural da SRTE/GO. As vítimas
desmatavam a vegetação, retiravam a lenha e produziam carvão.
As 14 carvoarias estavam localizadas nas seguintes propriedades:
Fazenda Água Limpa do Araguaia, de propriedade de Antônio Joaquim
Duarte; Fazenda Pompéia, que pertence a Jairo Benedito Perillo; Fazenda
Nossa Senhora Aparecida, de Labib Adas; Fazenda Chaparral, de Renato
Rodrigues da Costa; e Fazenda Santa Rosa do Araguaia, da empresa
Oesteval Agropastoril Ltda. As carvoarias funcionavam há cerca de quatro
anos. Nesse período, os mesmos trabalhadores mudavam de uma fazenda
para outra.
Os alojamentos eram feitos de restos de madeiras e lonas em chão de
terra batida ou areia, alguns deles localizados próximos a lamaçais. Os
trabalhadores dormiam em camas improvisadas com tocos de madeira e
utilizavam pedaços de espumas velhas e sujas como colchões. Não havia
roupas de cama e nem armários individuais para guardar pertences.
Para tomar banho, os trabalhadores utilizavam copos para jogar água
no corpo. Não havia sequer cozinhas. Os alimentos eram preparados dentro
dos alojamentos, em fogões improvisados, com risco de incêndios. Não
havia instalações sanitárias ou elétricas. Os empregadores não forneciam
água potável. Algumas esposas e filhos de carvoeiros também moravam nas
mesmas condições.
Os trabalhadores não tinham acesso a nenhum tipo de Equipamento de
Proteção Individual (EPI). "A maioria dos carvoeiros trabalhava apenas
de bermudas e chinelos, mesmo estando expostos ao calor intenso, à
fumaça e à fuligem produzidas pela produção e remoção do carvão",
detalha Roberto. Nenhum dos operadores de motosserras e de tratores
possuía capacitação.
As vítimas estavam submetidas a uma jornada exaustiva de trabalho,
sem descanso semanal renumerado. Trabalhavam de segunda a segunda,
inclusive aos domingos. "Além desse quadro de condições desumanas e
falta de segurança, os empregados não tinham direito a 13º salário,
férias, depósito do Fundo de Garantia pelo Tempo de Serviço (FGTS). Com
isso, perdiam a contagem do tempo de serviço para aposentadoria",
explica Roberto. A maior parte dos trabalhadores também não tinha suas
Carteiras de Trabalho e da Previdência Social (CTPS) assinadas.
Além das infrações à legislação trabalhista, também foram detectadas
infrações ambientais. Os fiscais verificaram que duas carvoarias
funcionavam sem autorização e que nenhuma das mais de dez motosserras
tinha licença do órgão ambiental responsável. Houve registro de
queimadas irregulares após a derrubada do Cerrado. Durante a operação, o
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) informou a Agência Ambiental de
Goiás sobre as irregularidades e solicitou a presença de representantes
no local, mas até o fim da fiscalização ninguém do órgão estadual
compareceu.
No total, os trabalhadores resgatados receberam mais de R$ 200 mil
referentes às verbas rescisórias. Além disso, receberão três parcelas de
Seguro-Desemprego do Trabalhador Resgatado, no valor de um salário
mínimo cada. Todas as carvoarias foram interditadas. Assim como todas as
atividades de desmatamento e de retirada de lenha.
"Os proprietários das fazendas receberam várias autuações e poderão,
ao final dos processos administrativos onde lhes serão garantidos o
contraditório e a ampla defesa, ter seus nomes incluídos na lista de
empregadores que submetem trabalhadores à condição análoga à de escravo,
conhecida como ´lista suja´. Isso sem falar em possíveis implicações
criminais, uma vez que o fato é tipificado como crime pelo Artigo 149,
do Código Penal Brasileiro", adiciona o auditor fiscal do trabalho
Roberto Mendes.
De acordo com ele, a produção artesanal de carvão vegetal constitui
uma atividade de grande risco à saúde e integridade física do
trabalhador. "A atividade requer uma série de medidas preventivas por
parte dos empreendedores, os quais devem sempre procurar assistência
técnica de profissionais da área de segurança e saúde no trabalho".
Em outra ação realizada em janeiro deste ano, a SRTE/GO interditou
várias carvoarias em cinco fazendas no município de Aporé (GO): Fazenda
Ranchinho (de Flávio Pascoa Teles de Menezes); Fazenda N. S. D´ Abadia
(de Benedicta Terezinha Pedrinho Baptista); Fazenda Furnas São Domingos
(de Manoel Domingos de Lima); Fazenda Orissanga (de Antônio Melhado
Sobrinho); e Fazenda Serra Verde (de Rosana Elisa Regatiere Magalhães).