sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Encontro denuncia ameaça dos transgênicos e mineração



Por Helen Borborema e Helen Santa Rosa
De Rio Pardo de Minas (MG)


O 5º Encontro Norte Mineiro de Agrobiodiversidade reuniu no município de Rio Pardo de Minas, entre os dias 2 e 4 de dezembro, cerca de 300 participantes, incluindo representantes indígenas Xakriabá, quilombolas, geraizeiros, caatingueiros, vazanteiros, agroextrativistas, acampados, assentados,  pesquisadores, professores universitários, militantes dos movimentos sociais e eclesiais, procedentes de 27 municípios do Norte de Minas.
A programação incluiu debates e oficinas acerca da relação da agrobiodiversidade com os territórios das comunidades tradicionais, com as políticas públicas para a soberania e segurança alimentar, e o Tratado Internacional sobre os Recursos Fitogenéticos para Alimentação e Agricultura.

O primeiro dia foi dedicado à reflexão e debate do temário central, intitulado “Agrobiodiversidade: abordagens para a retomada dos territórios tradicionais", com a participação de agricultores familiares, representantes do Ministério do Meio  Ambiente, da Comissão Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais, pesquisadores da
Embrapa e professores universitários. Já na sexta feira, foram realizadas visitas de intercâmbios de experiências. Os participantes conheceram experiências de luta pela
reapropriação de territórios, reconversão agroecológica e sistemas agroflorestais, pesquisas e desenvolvimento da agricultura familiar, políticas públicas de abastecimento e organização da produção; reserva extrativista; uso indiscriminado dos agrotóxico e transgênicos e mulheres e agrobiodiversidade.

Ainda na sexta-feira, durante a noite cultural, os povos e comunidades tradicionais apresentaram suas manifestações culturais. Os quilombolas de Brejo dos Crioulos e
Gurutuba  e os índios Xakriabá apresentaram suas danças tradicionais, herdadas por seus ancestrais. Os geraizeiros cantaram Folia de Reis, danças de roda e catira. O
grupo teatral Pirraça em Praça do município de Fruta de Leite apresentou um espetáculo sobre a história de Zumbi dos Palmares e a criação dos quilombos. O
Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas – CAA/NM, por ocasião dos seus 25 anos de história, homenageou os guardiões da agrobiodiversidade e parceiros,
entregando uma placa comemorativa.

Para Antônia Antunes, quilombola do Gurutuba, o encontro foi uma rica oportunidade de fortalecer a luta das comunidades tradicionais. “Ficou mais forte que a nossa
luta é uma só, que a gente luta pelo território, que é onde a gente planta pra sobreviver e onde a gente mantém viva a nossa cultura”, relata. Edson Lucas Quintiliano, jovem diretor do STR de Porteirinha, avalia que o encontro contribuiu na articulação da juventude e na motivação para inserir de forma mais articulada no debate regional. “ A participação dos jovens num encontro como esse faz com que eles reflitam sobre a realidade do mundo, e se sintam peças importantes para atuar e serem ativos nas lutas em que os movimentos sociais estão inseridos (desmatamentos, trangênicos, eucalipto, mineradoras)” reforça.

Carta de Rio Pardo de Minas


No sábado, o evento foi finalizado com a realização da 5ª Feira da Agrobiodiversidade onde os agricultores e agricultoras trocaram sementes e produtos. No encerramento, foi lida a Carta de Rio Pardo de Minas, que aborda as preocupações, denúncias e propostas dos participantes, dentre elas, as novas tecnologias do agronegócio. Segundo a Carta, essas tecnologias associadas ao uso desenfreado de monoculturas, agroquímicos (venenos), maquinaria pesada, e agora, com o ufanismo pela chegada de empresas mineradoras, comprometem irremediavelmente os ecossistemas regionais e os recursos hídricos.

Os participantes também denunciaram a irresponsabilidade dos governantes. Atendendo a interesses de empresas e grandes conglomerados econômicos, o uso de sementes transgênicas avança no Norte de Minas, onde hoje já é fácil encontrar sementes de milho transgênico ou do algodão transgênico em diversas lojas e mercados de Montes Claros, Porteirinha, Jaíba e Janaúba.
Muitas famílias de agricultores estão sendo seduzidas e incentivadas a utilizarem essas sementes com promessas de alta produtividade e resistência ao ataque de pragas. O uso dessas sementes podem comprometer a qualidade de variedades tradicionais de sementes de milho e algodão, muitas delas com uma longa história de adaptação ao clima, solos, e diversas formas de estresses ambientais.

O V Encontro Norte Mineiro da Agrobiodiversidade foi coordenado pelo Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas – CAA/NM e pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Pardo de Minas e realizado com o apoio da Rede Norte-Mineira de Sementes Crioulas.

Helen Borborema é comunicadora Popular da ASA/MG e STR de Porteirinha e  Helen Santa Rosa é comunicadora Popular do CAA/NM.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Educar para um novo poder


Marilza de Melo Foucher

O poder existe desde que o planeta Terra foi habitado. E é exercido em todos os tipos de organização social, em toda a relação humana. Não existe sociedade sem poder, mesmo nas formas que a antropologia política chama de primitivas. As relações de poder nascem naturalmente dentro de toda sociedade. O poder político vai surgir de modo universal com o nascimento do Estado, e ele terá a responsabilidade de definir as regras sociais que estabelecem as relações entre os concidadãos. Ele repousa na vontade de organizar, proteger e assegurar a vida em sociedade. Anteriormente, o poder pertencia exclusivamente a alguns homens. Com o Estado, nascem as instituições e os regimes políticos modernos que, por princípio, foram criados para por fim ao sistema de poder pessoal.
 
O poder é uma palavra completamente rebelde para se definir, ela pode se apresentar como um nome comum que se esconde atrás de um nome próprio PODER. O Poder designa uma capacidade de agir direta e indiretamente sobre as coisas ou sobre as pessoas, sobre objetos, sobre as vontades. O Poder de ter a capacidade de fazer alguma coisa, o Poder de como fazer. O filósofo e psicólogo francês Michel Paul Focault, foi quem melhor analisou como os mecanismos de poder operam na sociedade. Sua reflexão sobre o poder vai muito mais além da esfera publica e política, ele aprofunda a discussão sobre o poder em outros âmbitos da vida social, seja na família, na vida de um casal, na relação com os companheiros (as), nos distintos espaços da vida como no trabalho, no partido político, numa organização social, enfim em qualquer espaço de interação sócio-individual. Para resumir, segundo Foucault o poder estar na base de todas as nossas práticas sociais.
 
O poder não é algo que possuímos, é uma relação entre duas ou mais pessoas. Logo que as relações se estabelecem – por exemplo, entre dois pareceiros – as forças de que cada um dispõe geram um campo de poder, que pode ser exercido por meio do enfrentamento ou do diálogo, criando-se uma correlação de forças. O poder está presente numa multitude de relações microsociais e jamais será exercido sem resistência. Mas o poder obedece também a regras sociais, umas são institucionais outras sócio-culturais e por vezes interiorizadas pelos indivíduos. Daí certos comportamentos podem ser adotados espontaneamente pela sociedade que passa a julgar normal, por exemplo, certo abuso do poder. O Brasil está cheio de exemplos!
 
O poder político no Brasil
 
A sociedade brasileira já foi caracterizada como uma estrutura autoritária de poder. Durante séculos, os governantes bloquearam a participação e criação de direitos. A burocracia brasileira nunca foi uma forma de organização no sentido de agilizar o funcionamento da maquina estatal. Ao contrário, ela instala uma forma de poder altamente hierarquizado. Tal como uma cadeia de comando, quem está no nível superior detém os conhecimentos – que devem permanecer ocultos para seus subordinados, que também têm seus subalternos. Privados de conhecimentos, eles não inovam e nem fazem uso de criatividade, tendo em vista que foram contratados para obedecer às ordens dos escalões superiores. Assim se caracterizou o poder dos altos funcionários públicos, na lógica de que quem detém o saber detém o poder. Quanto mais ignorante é o povo, mas fácil será de manipulá-lo.
 
O poder burocrático exercido pela hierarquia é dificilmente assimilado com o poder democratizado, no qual, o cidadão funcionário age em função da igualdade dos direitos e se torna um defensor do bom funcionamento da máquina estatal. Infelizmente, essa concepção de burocracia como forma de poder vai se instalar também em alguns partidos políticos.
 
O poder na historia política do Brasil vai ser praticado como uma forma de tutela e de favor, sem mediações políticas e sociais. O governante é sempre aquele que detém o poder, o saber sobre a lei e sobre o social, privando os governados dos conhecimentos, criando-se assim uma relação clientelista e de favor.
 
Essa prática de poder vai contribuir para propagação do vírus da corrupção em todos os níveis de poder. Infelizmente, no imaginário popular o poder político vai ser assimilado como sinônimo de corrupção. O abuso de uso da máquina pública faliu o Estado Brasileiro. Há muitos anos, tenta-se restaurar um verdadeiro Estado democrático e cidadão. Este é ainda o maior desafio para a República Brasileira.
 
Relação de poder
 
A questão é de saber o que queremos fazer com o poder que cada um de nós pode exercer sobre o outro(a). Como cada um de nós se relaciona com o poder. Hoje, já existem vários estudos sobre como aprofundar o sistema democrático no Brasil. Entretanto, não se analisa como o poder é distribuído na sociedade. As desigualdades sociais expressam também desigualdades de poder.
 
Conquistamos cidadania civil (direito de votar), mas a cidadania política ainda é restrita. Se ampliarmos os espaços para exercer nossa cidadania, estaremos contribuindo para a emergência de uma sociedade civil mais organizada e combativa. Com isto, teríamos a capacidade de um maior controle social sobre o Estado. Este poder dos cidadãos organizados e legitimamente representados na esfera publica pode ser fértil para o fortalecimento da democracia e quem sabe pode nos educar para mudar nossa relação com o poder e para o seu exercício. Eleger alguém quer dizer exercer um poder de escolher os ocupantes temporários do governo. Entretanto, não devemos esquecer que a democracia é fundada na noção dos direitos entre governados e governantes. Daí a exigência de vigilância do poder político.
 
O papel preponderante da educação
 
Vale relembrar o que o filósofo e psicólogo Foucault dizia: “Todo lugar de exercício do poder é ao mesmo tempo um lugar de formação do saber”. A construção do poder democrático e ético no Brasil é um desafio a ser vencido e deveria ser ensinado como educação cívica nas escolas públicas (do ensino fundamental até o ensino médio), para que desde cedo nossos jovens possam aprender o que é o Poder, qual a função do poder político, quais são as qualidades necessárias para o exercício do poder político. Se não somos educados para lidar com o poder, podemos ser facilmente contaminados pelo vírus da corrupção.
 
Daí a necessidade de os jovens brasileiros aprenderem o que representa o Estado, essa abstração teórica criada pela inteligência humana. O que é um Bem Público, qual a finalidade dos serviços públicos, e, como cidadão ou cidadã, quais são os deveres e obrigações frente à República e como exigir seus direitos. Apreender que é o Estado e sua relação com a sociedade civil é fundamental para construir um poder político democrático. O cidadão não é um consumidor dos serviços prestados pelo Estado, é um sujeito com direitos e deveres. Como concidadãos, eles devem pagar os impostos corretamente, e devem exigir que o orçamento público oriundo dos impostos possa ser aplicado com critérios e honestidade. Os governantes devem ser cobrados se as metas programadas nos planos não forem cumpridas, tendo em vista as verbas alocadas. A constituição brasileira assegura ao contribuinte-cidadão o direito de exigir transparência dos gastos públicos no plano municipal. “As contas dos municípios ficarão, durante sessenta dias, anualmente à disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhes a legitimidade, nos termos da lei”.
 
Enquanto cidadãos (ãs), devemos guardar a capacidade de nos revoltar, de nos indignar frente ao poder corrompido e às injustiças ligadas ao modo de lidar com o poder. Educar-se para o exercício do poder é uma tarefa prioritária para todos que exercem, na esfera publica ou privada, algum poder. E para o cidadão e cidadã, uma boa formação de educação cívica para entender o poder político e a coisa pública passa a ser urgente e prioritário. Para poder decifrar a realidade em que ele vive, saber exercer seus direitos e cumprir com as obrigações face ao Estado democrático.
 
A verdadeira revolução é aquela que tem um papel construtivo e educador. As reformas não reformam quando os atores do desenvolvimento não estão preparados ao exercício da cidadania e do poder. Nesse sentido, o futuro governo de Dilma, deveria tirar aprendizado da metodologia de educação popular do saudoso Paulo Freire. A educação popular fornece instrumentos pedagógicos para que seja possível codificar e decodificar a realidade brasileira. A luta contra a exclusão começa quando o excluído vira sujeito-cidadão e acaba participando ativamente no processo coletivo de mudanças.

Homossexuais são da Terra

Por Urariano Motta no Direto da Redação
 
As recentes e documentadas agressões a homossexuais em São Paulo me obrigam a refletir, ainda que breve e superficial, sobre o tema. Mais de uma vez, homossexuais, travestis, têm cruzado o meu caminho no trabalho de repórter, de escritor ou como amigo.
Lembro de uma entrevista que fiz no V Encontro de Travestis e Transexuais do Nordeste, em 2008. À minha pergunta de se, num mundo ideal, Flávia Desirée seria travesti, ela assim me respondeu:  
- Não. Eu mesma já disse à minha mãe: “quando um dia eu morrer, eu não quero reencarnar no corpo de uma travesti mais não. Porque eu não aguento mais”.
Em outra oportunidade, um funcionário do Ministério da Cultura me contou, numa mesa de bar, a história de Dona Maria, uma senhora prostituta que, na altura dos 84 anos, era cuidada por um casal de gays. E sobre o seu relato, assim escrevi:
Dona Maria é cuidada, penteada, lavada e medicada hoje por um casal de homens. José e Jeová, a quem chamaremos assim, em respeito à liturgia do nome da única mulher a quem se devotam, têm os ofícios de advogado e de enfermeiro. Jeová cuida dos assuntos mais altos, dos papéis, documentos e males gerais da vida exterior, pública, de Dona Maria.   José, cuida de sua vida mais privada, pois lhe dá remédios, arruma, lava e espana os móveis, e tem uma paciência infinda em tratar da erisipela, que hoje teima em marcar a mulher, a ‘ex-prostituta’, como corre na boca das mais virtuosas famílias do Edifício Califórnia...
 O funcionário conta a história até o ponto em que alguém na mesa, de forma elogiosa, afirma que somente um gay poderia despir, dar banho em uma mulher. E com um tom cínico, o elogiador completa:
- Só um gay poderia dizer pra ela, ‘abra as pernas’, sem nada sentir.
O morador do Califórnia, que conta o caso, a isso não responde. Ele olha de lado, como se procurasse algo mais concreto para além da mesa, em outro lugar, em outra terra, que expressasse um sentimento. Algo como, por que dividir assim a humanidade? Por que não ver nesse carinho a expressão de uma esperança? Por que não ver nisto algo tão simples quanto um afeto, afeto sem adjetivo, afeto, afeto, simplesmente? As pessoas na mesa riem diante do ‘abra as pernas’, mas o contador da história, não”.
Em outro dia, em uma entrevista com a escritora espanhola Rosa Regàs, ela me surpreendeu neste passo, quando lhe perguntei :
“- O que Proust escreveu sobre a homossexualidade, pra você, não foi uma revelação, uma descoberta?
- Não, não foi uma revelação nem uma anormalidade. Durante minha infância, à época do ditador Franco, quando reinava na Espanha a moral da Igreja Católica, minha mãe viveu com uma mulher uma bela história de amor. Isso durou cinquenta anos, até que ambas morreram, com meses de diferença, em 1999”.
E Rosa Regàs me surpreendeu de tal modo, que achei fosse erro de minha filha, que sabe espanhol e me ajudava na tradução. Ao que ela me respondeu: “Pai, se for erro, é do gravador. Escute”. Mas eu escutava e não entendia, até o momento em que a escritora me confirmou por email o que dissera.
E no entanto, eu não precisava ir tão longe. Todos os meus amigos no Recife lembram do nosso amigo mais brilhante, sobre quem soubemos da homossexualidade muitos anos depois da sua morte. Somente hoje sabemos: ele atravessou, naqueles anos difíceis da ditadura, além do terror que atravessamos, também a angústia de não nos revelar de quem gostava, mesmo nas maiores bebedeiras. É que esse grande companheiro possuía vergonha do próprio ser, porque todos nós teríamos tido vergonha dele também, se soubéssemos.
Na esquerda recifense da época,  ser homossexual era algo tão grave quanto entregar um companheiro à repressão. Como era difícil, para a nossa “dialética” nos anos 70, assimilar, por exemplo,  que Pasolini era comunista e gay. Isso era tão absurdo, que um dos nossos, mais exaltado, protestava: “Se ele é comunista, não é gay. Mas se for mesmo gay, então Pasolini é... uma parcela avançada”.
Essas lembranças nos vêm quando vemos jovens na televisão, tidos como normais, agredindo outros jovens tidos como anormais, apenas porque as vítimas se mostravam pouco viris. O quanto ainda temos por crescer, como homens e gente. Se houvesse um castigo que redimisse tal violência, creio que os agressores deveriam ler até o fim dos seus dias, como uma tarefa de casa, até que a evidência lhes entrasse no cérebro:
Homossexuais podem ser seus filhos, irmãos, tios ou pais, meninos. Homossexuais podem ser até vocês, que punem com fúria a diferença que não aceitam em sua própria pessoa. Homossexuais não são de Marte nem de Vênus, boys. Homossexuais são da Terra, feras. Não sabíamos que homossexuais, por essa condição, não poderiam ser de direita ou de esquerda,  assim como ninguém é comunista ou fascista por ter nascido homem ou mulher, ou por se chamar Antonio ou Elenice.

Comunidades Negras Rurais e o Direito ao Território Étnico

As comunidades formadas pelos escravos que fugiram do regime escravista ultramarino e resistiram à recaptura, enquanto construção e realidades simbólica e histórica, estão presentes nas diversas regiões do Novo Mundo em que tal regime foi implementado.

Após décadas de esquecimento, as comunidades quilombolas passaram, no período da redemocratização do país, na década de 1980, por um processo de afirmação de sua identidade e etnicidade. O auto-reconhecimento da condição de quilombola asseverou uma etnogênese ressaltada no vínculo visceral entre a identidade étnica e o território. Esse processo revestiu-se no pleito pelo reconhecimento oficial de seus liames de ancestralidade e mais precisamente pelo direito ao território étnico, que tradicionalmente ocupavam. Nesse contexto, o termo “Quilombo” foi ressemantizado, transcendendo o viés limitadamente historicista, de forma a abarcar outras territorialidades específicas, não mais voltadas para o passado, mas ressaltadas na perspectiva presente.

A Constituição de 1988, sob os marcos da plurietnicidade e multiculturalidade, garantiu no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias aos remanescentes das comunidades dos quilombos a propriedade definitiva de seu território, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos, e caracterizando-os enquanto sujeitos coletivos de direitos. O reconhecimento oficial da legitimidade dos territórios quilombolas foi firmado não apenas pelo art. 68 do ADCT, mas também por outros dispositivos e Tratados Internacionais, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que preconizam esse direito e que já foram incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro.

Porém, a despeito das garantias constitucionais de preservação dos modos peculiares de criar, fazer e viver dessas comunidades e conseqüentemente de preservação dos seus territórios, são pouquíssimos os territórios quilombolas que já foram regularizados. Tendo em vista esse baixo número de titulações desde promulgada a Constituição, faz-se necessário identificar as dificuldades legais, operacionais e burocrático-administrativas no acesso ao território, bem como é necessário avaliar se as políticas públicas de titulação têm sido eficazes para cumprir com aquilo a que se destinam.

O direito humano ao território é condição imprescindível de povos tradicionais, como as comunidades quilombolas no Brasil, para consecução de seus demais direitos humanos. As comunidades formadas pelos escravos que fugiram do regime escravista ultramarino e resistiram à recaptura, enquanto construção e realidades simbólica e histórica, estão presentes nas diversas regiões do Novo Mundo em que tal regime foi implementado. São os quilombos no Brasil; palenques na Colômbia; comunidades de cimarrones, em diversas partes da América Espanhola. Em alguns desses países, acordos de paz foram firmados com os negros libertos e foram garantidas conquistas políticas e territoriais. No Brasil, apenas na Constituição Federal de 1988 a plurietnicidade do estado nacional viu-se refletida, bem como a garantia de povos tradicionais, dentre elas as comunidades negras rurais descendentes dos antigos escravos, dos seus modos peculiares de criar, fazer e viver e principalmente seus territórios étnicos, o que faz da articulação dessas comunidades, aqui, um fenômeno relativamente recente.

Advogada da Terra de Direitos – Organização de Direitos Humanos.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Pela lei (Dura lex) - Filme Russo


PO ZAKONU, 1926
Legendado, Lev kuleshov


Formato: AVI (VHS-Rip)
Áudio: - 
LEGENDAS EXCLUSIVAS (intertítulos): português
Duração: 80 minutos
Tamanho: 496 MB
Servidor: Megaupload (2 partes)

LINKS

SINOPSE
 
Alguns homens em busca de ouro encontram em Klondike uma rica jazida. Porém, um acontecimento inesperado e terrível quebra o curso lento e monótono de seus trabalhos: um dos trabalhadores, o irlandês Michael Davin mata dois de seus companheiros.

The internet movie database: IMDB

Crítica (CONTÉM SPOILER
Dura Lex é um pequeno estudo sobre a linguagem cinematográfica, uma obra de enorme poder de concisão. Grande parte do filme se passa entre três personagens dentro de um quarto. A forte motivação psicológica, a tendência ao fatalismo, a claustrofobia do ambiente nos remetem a alguns efeitos do expressionismo alemão, mas de fato a principal referência de Dura Lex é o cinema de Griffith, que sempre foi a grande paixão de Kuleshov. Além da presença marcante da montagem (especialmente na sequência da morte dos dois garimpeiros), a principal herança griffithiana está no tema de edificação moral (o criminoso deve ser julgado "pela lei"), um tanto raro nos filmes russos de então. Mas essa própria leitura "moralista" do tema é desconstruído no final, quando o casal decide julgar por si mesmos o criminoso, e praticar a sentença, e, ainda assim, o fim coloca um peso amargo sobre a covardia do casal.



Mas a principal virtude de Dura Lex é como Kuleshov utiliza o espaço físico como elemento marcante de dramaturgia. Há um nítido contraste entre o começo e o fim - filmados numa externa - e a parte central do filme, toda dentro de um quarto. Ao longo do filme, as estações do ano passam, dando uma idéia de tempo, e se inserindo na narrativa (o temporal, o degelo, etc.). O clima claustrofóbico da parte central do filme entra em grande constraste com a liberdade das partes inicial e final. No fim, a decupagem, primeiro com planos gerais, depois com criativos planos próximos que valorizam o extracampo, dá a síntese desse filme de Kuleshov: um exercício de contenção de grande domínio e sabedoria no uso dos elementos de linguagem, quase como se fosse um prolongamento das suas experiências no laboratório Kuleshov. O que não o impede de fazer uma obra acabada e definitiva, até porque escapa do clima de propaganda das produções da época.

Crítica retirada de cinecasulofilia

1899 - 1970

Lev Vladimirovitch Kuleshov (em russo: Лев Владимирович Кулешов; 14 de janeiro de 1899 em Tambov - 29 de março de em 1970 na cidade de Moscou) foi um cineasta russo e um grande estudioso de teorias cinematográficas que ajudou a fundar e ensinou na primeira escola de cinema do mundo, a Escola de Cinema de Moscou.
Suas teorias, que diziam basicamente que a essência do cinema era a monntagem de duas imagens em justaposição, foram desenvolvidas antes mesmo das realizações do não menos conhecido Serguei Eisenstein. Assim, sem essa justaposição, o homem tal como fotografado e exposto num filme, simplesmente, é apenas um material bruto do qual se fará a composição futura de sua imagem atrávés de uma edição tendenciosamente manupalada para atingir ideais e conceitos planejados.
Lev Kulechov estudou arte na Escola de Pintura, Arquitetura e Escultura de Moscou quando tinha 15 anos. Em pouco tempo, ele foi empregado como desenhista de cenários num estúdio da capital russa e chegou, até, a atuar em algumas produções.
Quando a Revolução russa estourou em 1917, Kuleshov se junto ao Exército Bolchevique e foi cobrir o final da 1ª Guerra com uma pequena equipe de documentário. Na volta, com o poder consolidado, Kulechov foi ensinar na Escola de Cinema de Moscou. Foi a partir desse momento que o cineasta surgiu com as novas técnicas de edição - já que as idéias do americano D. W. Griffth, um de seus ídolos, não seriam bem recebidas no novo regime.
Kuleshov ficaria um tempo ressentido com o governo stalinista, que, no seu auge político, alegou falta de fervor ao regime por parte de Kuleshov em seus trabalhos, e que só voltaria a chamá-lo no final da 2ª Guerra.
Entre seus discípulos estiveram dois famosos diretores russos que aplicaram, desenvolveram e expandiram suas idéias: Serguei Eisenstein e Vsevolod Pudovkin.
Efeito e experimento Kuleshov
EXTRAIDO DO SITIO CONVERGÊNCIA CINÉFILA

Retirado de Wikipedia







Kátia Abreu ganha prêmio 'Motosserra de Ouro' por defesa do desmatamento

Do Greenpeace

Líder da bancada do agronegócio no Congresso e fiel defensora das propostas de mudanças no Código Florestal brasileiro, a senadora Kátia Abreu (DEM-TO) recebeu das mãos de uma ativista do movimento indígena da Amazônia, junto com o Greenpeace, o prêmio Motosserra de Ouro, símbolo de sua luta incansável pelo esfacelamento da lei que protege as florestas do país.
A ativista tentou presentear Kátia Abreu com uma réplica dourada do instrumento usado para desmatar florestas no lobby do hotel em que está hospedada em Cancún, onde participa da 16ª Conferência de Clima da ONU (COP16). A senadora desprezou o agrado, visivelmente irritada, e deixou para a ativista apenas os comentários irônicos de seus assessores. A condecoração serviu para lembrar aos ruralistas defensores do relatório do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), que prevê alterações na lei, que essa proposta representa uma grave ameaça ao ambiente.
O projeto ruralista anistia desmatadores e reduz o tamanho da área que o proprietário de terra e o Estado estão obrigados a conservar para o bem público. Fazendas, dependendo do tamanho, ou serão dispensadas de ter árvores ou poderão ter menos do que devem atualmente. O projeto também diminui as faixas de floresta em beiras de lagos e rios e em encostas, que além de servir como corredores de biodiversidade evitam enchentes, deslizamentos e protegem a qualidade da água.
Caso a turma da motosserra consiga mudar a lei nos termos em que pretendem, tornarão inviável para o Brasil honrar as metas de queda de desmatamento assumidas em Copenhague, na COP15, que preveem a redução até 2020 de 36% a 39% de nossas emissões de gases-estufa. A proposta prejudica também as negociações sobre Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD), que institui o pagamento para a conservação de floresta para quem vive nela. “Se o Brasil legalizar mais desmatamentos, o custo da conservação aumentará muito e pode tornar a aplicação do REDD no Brasil inviável”, explica André Muggiati, representante da Campanha Amazônia do Greenpeace na COP16.
A bancada da motosserra continua lutando nos bastidores para que um novo e enfraquecido código seja votado a qualquer preço, ainda este ano. Querem que algo tão importante para o Brasil seja decidido já, por uma Câmara em fim de mandato, e sem a devida discussão com a sociedade. “As alterações no Código Florestal representam um retrocesso em uma das legislações florestais mais avançadas do mundo”, diz Muggiati.
Este protesto teve o apoio do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA) e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB).
Feliz Natal?
Em um apelo ao espírito natalino, um grupo de ONGs, entre elas o Greenpeace, levou Papai Noel até Cancún para ajudar a impedir que a bancada do agronegócio empurre suas propostas de mudança no Código Florestal goela abaixo dos brasileiros.
O bom velhinho ficou nesta manhã na porta do Cancun Messe, um dos prédios onde acontece a COP16, entregando mudas de árvores aos que passam, acompanhado de ativistas com dois cartazes, em português e inglês, onde se lia “Mudar o Código Florestal = Um Natal sem árvores”. Se as alterações no código forem aprovadas no Congresso, o Brasil pode se preparar para, no futuro, celebrar Natais com bem menos áreas de florestas.
O Papai Noel em Cancún teve como parceiros o Observatório do Clima, o Grupo de Trabalho Amazônico (GTA) e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), além do Greenpeace.

Movimentos sociais mobilizam 10 mil em marcha em Cancún



Por Vinicius Mansur
De Cancún (México)
Da Agência Brasil de Fato


Os movimentos sociais marcaram a agenda das negociações da COP 16 – conferência da ONU sobre mudanças climáticas – ao realizar uma mobilização massiva nas ruas de Cancún, México, nesta terça-feira (7).
Esta foi a segunda marcha organizada pela Via Campesina durante a COP 16 para pressionar a ONU a tomar medidas mais efetivas no combate ao aquecimento global.
As organizações sociais já falam em um “Cancún-hagen”, indicando que o fracasso de Copenhagen irá se repetir no México.
Apesar do alto contingente policial, a marcha de quase 10 mil pessoas transcorreu sem enfrentamentos. Além de movimentos sociais e ativistas de todo o mundo, o ato contou com a presença do embaixador da Bolívia na ONU, Pablo Solón, e com o representante do governo do Paraguai, Miguel Lovero.
A Via Campesina também impulsiona em paralelo à COP 16 uma jornada de lutas chamada de ”Milhares por Cancún”. De acordo com a organização, já foram realizadas mais de 200 ações em 37 países em protesto às nações que se negam a assumir compromissos para redução de poluentes e, por outro lado, incentivam acordos que aumentam ainda mais a mercantilização da natureza.











Lutas de emancipação do povo negro e contribuições do marxismo

 A necessidade de contrapor o mito da “democracia racial” que apresentava ao resto do mundo, uma dinâmica cordial nas relações sociais entre brancos e negros no Brasil, cordialidade essa que resultava da aparente ascensão social do mulato (descendente de brancos com negros), no período colonial, se tornou uma das principais bandeiras que unificou e reorganizou a militância negra no período contemporâneo.

Clédisson Júnior *

É importante ressaltar o aspecto de reorganização da militância de negros e negras, pois muito pouco, se tem pesquisado sobre o processo de organização para fins de resistência dos negros e negras no Brasil em especial no período em que perdurou a escravidão formal, a qual se convencionou apresentar como característica inerente aos negros e negras escravizados a passividade ante a sua condição de cativos.
O MOVIMENTO NEGRO CONTEMPORÂNEO
O processo de reorganização do movimento negro teve como auge o surgimento do “Movimento Negro Unificado contra a discriminação racial” na década de 1970. O MNU apresentava ao conjunto da sociedade, a denuncia de um Brasil invisibilizado pela crença na igualdade de oportunidade entre negros e brancos e pela recorrente opção pela universalização da disputa social fundamentada na exploração de classes característica fundante do sistema capitalista, aonde intelectuais e organizações de esquerda acreditavam que superada as desigualdades de classes automaticamente se suprimiria as opressões étnicos-raciais.
Nos anos que se seguiram foram surgindo outras organizações que pela luta social, buscavam combater a opressão vivida pelos negros e negras no Brasil, que muito contribuíram para a consolidação do processo de reorganização e colocou na agenda social, o combate ao racismo.
A DICOTOMIA RAÇA E CLASSE
A partir da segunda década do seculo XX, intelectuais e organizações marxistas compreendiam o preconceito racial como elemento indispensável na dinâmica de funcionamento da sociedade brasileira contudo pouco contribuíram objetivamente sobre a discussão do racismo no Brasil. Analises apontam que a lacuna deixada pela critica marxista no campo da opressão vivida pelos negros e negras no Brasil se dá a partir do entendimento de que o país se encontrava em um estagio semi-colonial no que tange a sua estrutura econômica e era dirigido por uma aristocracia agraria-feudal, e que esta disposição do quadro social travava o desenvolvimento das forças produtivas, adiando deste modo o processo de ascensão da burguesia e o aprofundamento do modo de produção capitalista, etapa necessária para o surgimento do movimento emancipatório da classe trabalhadora, como parte integrante do ideário marxista-revolucionário.
Tal perspectiva secundarizou as discussões sobre o racismo no campo das organizações de esquerda, resultando em um processo de afastamento de grande parte dos intelectuais e das organizações do movimento negro. Contudo é importante evidenciar que foi do Partido Comunista Brasileiro - PCB o primeiro candidato negro a presidência da republica nas eleições de 1930 com o operário Minervino de Oliveira e também do mesmo partido o primeiro negro a ser eleito deputado federal nas eleições de 1945 com Claudino Silva.
O MARXISMO E O MOVIMENTO NEGRO
Com o aumento de sua base social e um objetivo processo de amadurecimento organizativa de suas direções, parte significativa do movimento negro passa a compor cada vez mais o campo dos movimentos identitários, movimentos esses que buscam alcançar direitos negados pelo conjunto da sociedade, direcionando assim uma ação politica que pouco ou nada dialoga com uma necessária ruptura com o modo de produção capitalista que tem no racismo um de seus pilares estruturantes.
Muitas foram as contribuições do marxismo para o processo de organização social, aonde elementos constitutivos como o materialismo histórico, modo de produção da burguesia, a teoria da mais valia entre outros permitiu ao longo de um largo período de nossa historia contemporânea um método de analise e ação, que inspirou homens e mulheres a se organizarem na busca por uma sociedade justa. Resultando em algumas experiencias reais de chegada ao poder pela classe trabalhadora.
Assim como a própria historia, o marxismo também viu suas bases teóricas serem alteradas, a qual em sua primeira expressão marcada pela verdade intransigente das lutas de classes a uma ideia de não predestinação mas o reforço do determinismo da matéria, que ao atender suas diferentes necessidades, alteram também as nossas opções e concepções, conceituando assim a dialética marcada pela constante transformação da historia.
Este processo de constante movimentação, que também podemos chamar de atualização mediante as realidades vivenciada pelos marxistas culminou em reorganização programáticas, aonde foi possível desenvolver uma perspectiva da chegada ao poder da classe trabalhadora pela via pacifica, utilizando da estrutura democrática para alterar o estado de exploração.
Deste modo, o marxismo hoje também se coloca na condição de apresentar e somar as pautas que dialogo com os movimentos identitários, apropriando de parte de suas formulações e contribuindo com as suas dinâmicas organizativas e com o processo de formação destes militantes.
A busca pelo dialogo necessário entre o programa apresentado a classe trabalhadora e a luta pela igualdade nas oportunidades entre negros e brancos, coloca em novos patamares o campo teórico analítico.
O INTELECTUAL ORGÂNICO E O MOVIMENTO NEGRO
O conceito de intelectualidade orgânica surge a partir da avaliação critica de que as direções dos movimentos ligados a emancipação da classe trabalhadora, se fechavam em analises abstratas sobre o processos formulativo, estando alheios ao desenrolar objetivo da luta dos trabalhadores e das trabalhadoras, esse distanciamento da direção “pensante” do movimento, gerou desgastes e distanciamento da base, não permitindo assim que a luta lograsse objetividade em seus intentos.
Segundo Antônio Gramsci, marxista italiano, que a partir de seus estudos nos apresenta que o(a) intelectual orgânico é aquele(a) que elabora uma concepção ético-politica que o(a) habilita a exercer funções culturais, educativas e organizativas para assegurar a hegemonia social e o domínio da classe que representa.
Tal interface se observa com mais propriedade no processo de formação de quadros dirigentes para o movimento social protagonizado por negros e negras, aonde estes mesmos militantes cada vez mais se tornam parte integrante de suas organizações, conectados com os avanços do mundo do trabalho, com as novidades no campo analítico produzido pelas universidades, em constantes contatos com as outras organizações politicas-sociais, se tornando verdadeiro(a)s intelectuais comprometidos, que organicamente tem por tarefa formular e promover avanços nos aspectos da luta social para o movimento negro.
CONSTRUIR MAIORIA PARA DISPUTAR A HEGEMONIA
Com o acirramento da disputa por hegemonia e o crescente avanço das correntes de pensamento conservadores da sociedade brasileira, se torna tarefa do movimento negro e das organizações do campo progressista o estreitamento de suas agendas e pautas emancipatórias, aonde se torna essencial a compreensão de que a transição para uma sociedade solidaria, justa e calcada em valores verdadeiramente democráticos será fruto de muita mobilização social e aprofundamentos dos instrumentos que garantam cada vez maior participação da população na dinâmica de direção da sociedade.
Aos socialistas cabe apresentar ao conjunto do movimento negro, que ao se deparar com uma sociedade injusta e desigual, a busca pela equidade deverá ser precedida pelo tratamento diferenciado para aqueles que vivem “sorte” desigual de oportunidades, construindo conjuntamente instrumentos de compensação, avançando nas discussões sobre as discriminações positivas para aqueles que historicamente vem sendo oprimidos, assegurando as mulheres o direito inalienável a autodeterminação de seu corpo e ao mesmos espaços na vida publica.
O processo de atualização do marxismo enquanto campo analítico, o coloca na condição de cada vez mais ser elemento indispensável na disputa social que enfrentamos cotidianamente.
A transição de um modelo de democracia representativa liberal que falha ao colocar a margem do processo de socialização a maioria da população do país em função de sua posição subalterna na estratificação social e principalmente pela pertencimento étnico a que fazem parte, somente obterá sucesso e transitará para um modelo de democracia, aonde a solidariedade e a igualdade de oportunidades sejam elementos fundantes se for colocado como centro estratégico a organização e o emponderamento de negros e negras e a radicalização da luta pelo fim da racismo.

*Clédisson Júnior é militante do Coletivo Nacional de Juventude Negra Enegrecer e  diretor de Combate ao Racismo da UNE.

Educar politicamente...

Educar o povo brasileiro



Chegamos ao fim de 2010, e ao fim da primeira década do século XXI, vislumbrando um país diametralmente diferente daquele que chegou ao novo século. Em 2000, éramos um país sem perspectiva. O fim da hiperinflação em meados da década que terminava – uma década começa e termina nos anos com dois zeros na casa da dezena de sua representação numérica – não conseguira nos fazer progredir economicamente e tampouco distribuir renda.
Hoje, dez anos depois do início do novo século – e, não nos esqueçamos, de um novo milênio, o que contém um simbolismo altamente significativo –, tornamo-nos um país em que as perspectivas saltam sobre nós, de tantas que são. Todavia, culturalmente o Brasil ainda é um país extremamente atrasado. E na base desse atraso cultural está um conservadorismo que oscila entre o patético e o deprimente, sobretudo para quem quer acreditar que um novo país esteja surgindo.
Artigo do diretor do instituto Vox Populi, Marcos Coimbra, publicado no Correio Brasiliense de hoje (8/12) revela um dado que, à primeira vista, é desanimador, mas que representa, apenas, a apuração de um problema na cultura brasileira que, devido à sua dimensão, assusta, mas que pode, sim, ser revertido, ainda que tal feito deva tardar um bom tempo até acontecer.
Coimbra lembra pesquisa do instituto que preside feita no mês passado, portanto após a eleição presidencial, que revela que o brasileiro, antes de tudo, é um conservador nato. Temas considerados “morais”, tais como aborto – que é um problema de saúde pública –, homossexualidade – que é uma escolha legítima e constitucional do cidadão – e uso de drogas – que é outro problema de saúde que se tornou problema de Segurança Pública devido à vã tentativa de se proibir o uso de certas substâncias e de se liberar outras – aparecem na pesquisa de uma forma preocupante.
Segundo o Vox Populi:
1-      82% dos entrevistados são de opinião que o aborto não deve deixar de ser considerado crime;
2-      72% acham que o governo não deve propor mudanças na legislação que o descriminalizem;
3-      60% entendem que a união civil de pessoas do mesmo sexo não deve ser permitida;
4-      72% acham que o governo não deve propor leis que descriminalizem o consumo de drogas
E a conclusão de Coimbra sobre a pesquisa é de uma precisão cirúrgica:
“(…) As variações socioeconômicas e regionais nas respostas são pouco relevantes, embora aconteçam nas direções esperadas. Pessoas de escolaridade mais alta, com maior renda, mais jovens, moradores de áreas urbanas e de estados mais desenvolvidos, tendem a ser menos hostis a mudanças, mas nunca em proporções elevadas (a aceitação de que o aborto não seja considerado crime é de 10% entre pessoas de baixa ou nenhuma escolaridade, mas vai a apenas 20% nas de alta escolaridade). Ou seja, se quisermos falar em conservadorismo, trata-se de um fenômeno majoritário na sociedade inteira (..)”
A pergunta que surge é sobre por que um povo que precisa tanto de mudanças se aferra a dogmas religiosos e moralistas que estão na base da ideologia que moldou o país que mantém esse povo na miséria desde sempre? Por que em um momento de ruptura com o dogma de que só doutores poderiam governar bem um país, em um momento em que a mudança é o nome do jogo que está sendo jogado, o conservadorismo – o que seja, o apreço pelo “tradicional” – continua tão forte inclusive entre os que apóiam politicamente a mudança?
A explicação está naquele esquerdista que prega valores moralistas e ultra-religiosos de repúdio ao aborto e à homossexualidade, mas que defende valores progressistas como distribuição de renda, igualdade racial e de gênero etc. Porque a cultura brasileira foi impregnada por esses valores ao longo de séculos, e muitos ainda mantêm os valores dentro dos quais foram criados por país conservadores, ainda que tenham se deixado seduzir por valores humanistas ao amadurecerem.
Outro fator de peso na construção da mentalidade conservadora do brasileiro é o baixo nível cultural que, a despeito dos níveis de escolaridade, permeia todas as classes sociais, todas as regiões, ambos os gêneros, todas as faixas etárias e todas as regiões geográficas do país. Mesmo entre os mais ricos e escolarizados, a cultura geral é baixíssima. Entre empresários, por exemplo, enorme parte deles é de homens sem qualquer refinamento cultural ou preocupação intelectual, que lêem a Veja e acreditam que estão consumindo cultura.
O povo brasileiro está entre os que menos lêem no mundo e esse não é um fenômeno restrito às camadas populares, pois devido ao gigantismo do país e de sua população nossas classes média alta e alta encerram contingentes que, somados, superam as populações de vários países. Ainda assim, o Brasil tem um dos menores mercados editoriais do mundo.
Chegamos à segunda década do século XXI em condições de educar este povo, para que, mais esclarecido, ultrapasse valores medievais e se insira na moderna sociedade contemporânea da informação, na revolução dos costumes que o conhecimento da história revela inexorável em sua marcha cadenciada através da odisséia humana.
Temos riqueza e pujança econômica suficientes, hoje, para tornar o Brasil um país culto e educado. Só depende das escolhas políticas que continuarmos fazendo durante a década que começa. Se mantivermos no poder grupos políticos dispostos a apostar alto no social a despeito da gritaria de uma casta que se sente ameaçada pela distribuição de renda, poderemos nos tornar uma das maiores potências do novo milênio.
Renato Janine e o exercício da tolerância
É sempre uma honra receber os comentários do professor Renato Janine Ribeiro neste blog. Apesar de eminente, pode haver quem não conheça esse que é um dos grandes pensadores deste país na contemporaneidade. Vale a pena reproduzir suas credenciais, pois.
Renato Janine Ribeiro (Araçatuba, 9 de dezembro de 1949) é um filósofo brasileiro. Atualmente é professor-titular da cadeira de Ética e Filosofia Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). Recebeu o Prêmio Jabuti em 2001, bem como foi condecorado com a Ordem Nacional do Mérito Científico, em 1998, e com a Ordem de Rio Branco, em 2009.
Sobre o post anterior, referente ao exercício da tolerância, deixou comentário que expõe, de forma quase acadêmica, apesar de sucinta, o pensamento deste blogueiro. É incrível porque ele propôs exatamente o que eu já estava escrevendo. Reproduzo a tese logo abaixo, agradecendo ao professor por sua contribuição.
Caro Eduardo,
parabéns pela idéia e até pela modéstia de reconhecer que isso é difícil. É mesmo.
O que me preocupa muito na Internet é a tendência dos comentadores a serem muito radicais no que dizem. Com freqüência se radicaliza o que o próprio blogueiro apenas indicou ou assinalou.
Ora, ninguém de nós é dono da verdade. Podemos, todos, errar. E erramos.
Acho que, apesar de certas ações horríveis como o preconceito contra os nordestinos e gays nesse período pós-eleitoral, poderíamos aproveitar que as eleições passaram e que seu resultado foi acatado por todos.
Eu temia que estivesse se preparando uma deslegitimação da presidente eleita (leia-se: clima de golpe). Não aconteceu, e acho isso fabuloso!
Sinto orgulho do Brasil por ter chegado a esse ponto. E acho que certos pontos podiam ser discutidos com menos exaltação. Dou um exemplo: na educação, há muito mais convergência hoje do que dez anos atrás.
Mas uma divergência é entre ensinar com livros didáticos (posição do governo federal) ou com apostilas e material fornecido por grandes redes privadas, na verdade bem capacitadas (posição que o governo paulista parece adotar – em parte).
O que li a esse respeito, até hoje, foi só faccioso. Esse é um bom tema de debate, se questionarmos o que é melhor para quem realmente importa: as crianças. E termino mandando um abraço para as suas”.
Renato Janine Ribeiro

Fazendeiro é condenado por trabalho escravo


Para procurador do Trabalho, condenação de Edgar Antunes é um fato inédito no estado



Do Brasil de Fato




O fazendeiro Edgar Antunes, ex-presidente da Associação dos Plantadores de cana do Estado de Alagoas (Asplana) e atual presidente do Hospital do Açúcar, foi condenado pelo juiz da 2ª Vara Federal, Guilherme Masaiti Hirata Yendo, a três anos e seis meses de reclusão, por manter empregados em condições análogas a de escravo. Baseado no artigo 149 do Código Penal, o magistrado atendeu a pedido de ação do Ministério Público Federal, fundamentada em queixa crime encaminhada pelo Ministério Público do Trabalho, em 2008.

Antunes, dono das fazendas Prata, Mato Grosso e Lagoa Redonda, localizadas nos municípios de Porto Calvo e Jacuípe, Litoral Norte do Estado, mantinha trabalhadores em condições degradantes, com péssimas condições de higiene, transporte em condições perigosas e humilhantes, comprovadas pela fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Por ter bons antecedentes e não ter cometido o crime com uso de violência e/ou grave ameaça, Edgar Antunes teve a pena de privação de liberdade convertida em prestação de serviços comunitários e prestação pecuniária, além de pagamento de multa.

Para o procurador do Trabalho Rafael Gazzanéo, que encaminhou a queixa crime ao MPF, a condenação de Edgar Antunes, por prática de trabalho análogo a de escravo, é um fato inédito em Alagoas. “Acredito que essa decisão poderá mudar o cenário de trabalho degradante que ainda vemos em nosso país e beneficiar milhares de trabalhadores rurais que ainda são desrespeitados em sua dignidade e submetidos a essa prática humilhante”, destacou.

Gazzanéo lembra que, em 2007, o MPT ajuizou ação civil pública contra o fazendeiro após constatação de irregularidades trabalhistas nas fazendas Prata, Mato Grosso e Lagoa Redonda. Nesse mesmo ano, a Justiça do Trabalho homologou acordo judicial na referida ação. O empresário teve de pagar indenização por dano moral coletivo no valor de 30 mil reais, além assumir o cumprimento de várias obrigações trabalhistas.

Atuação do MPT

Em 2007, o MPT recebeu denúncia formalizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, a partir de fiscalizações realizadas nas três fazendas de Edgar Antunes, destinadas ao plantio de cana-de-açúcar. “Foi constatado que, além de trabalho clandestino, admissão de trabalhador sem carteira assinada, o empresário não fazia o depósito do FGTS dos empregados nem concedia férias nos doze meses subsequentes ao período aquisitivo. Prática que em muito se assemelha às práticas escravistas”, ressaltou.

Na ação, o procurador Gazzanéo destacou que além de não oferecer condições adequadas ao trabalhador, o fazendeiro mantinha sistema de armazém, os conhecidos barracões, onde os empregados eram obrigados a comprar o que precisavam consumir. “O empregador, num efeito ‘bola de neve’, colocava-se em posição de eterno credor do empregado, que, ao fim, trabalhava sem receber remuneração ou recebia parcela ínfima do salário ajustado”, denunciou.

Para Gazzanéo, a conduta de Edgar Antunes desrespeitava a dignidade dos trabalhadores e a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). “Nas fazendas não havia registro dos empregados em livros, fichas ou sistema eletrônico. Também não era disponibilizado controle de jornada que permita anotação da hora de entrada e saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico”.

Nas fazendas investigadas não havia implantado o Serviço Especializado em Segurança e Saúde do Trabalhador (SESTR) nem a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes do Trabalho Rural, conforme determina a Norma Regulamentadora 31, do Ministério do Trabalho e Emprego. “A conduta do empresário rural era um afronta à NR-31. Ele descumpria, de forma absolutamente desumana, essa norma em questão, colocando em risco a saúde e a integridade física de seus empregados”, justificou.

Os trabalhadores eram transportados em veículos inadequados e sem autorização, pelos órgãos competentes. Além de tudo, os trabalhadores rurais eram mantidos em alojamentos sem as mínimas condições de higiene e sem água potável. “Para se ter idéia, os empregados faziam as necessidades fisiológicas ao ar livre, no mato mesmo, e para tomar banho tinham de ir ao açude da fazenda, compartilhando a água com animais e lavadeiras de roupa”, disse indignado o procurador na fundamentação da ação.

Diante da gravidade do problema, além da atuação junto à Justiça do Trabalho, o procurador Gazzanéo também encaminhou, em março de 2008, documentação ao MPF, uma queixa crime, com provas sobre a conduta ilegal de Edgar Antunes, o que resultou na atuação do órgão na Justiça Federal e condenação do empresário.