Por Lúcio Vaz
Do Correio Braziliense via MST
A batalha final sobre a regulamentação da compra de terras por
estrangeiros no Brasil ficou para o governo Dilma Rousseff. Acontecerá
no Congresso, com a aprovação de uma nova lei para o setor. Empresas
nacionais com controle de capital externo vão tentar derrubar a sua
equiparação às empresas estrangeiras, que sofrem restrições nas suas
aquisições. Elas contestam o parecer da Advocacia-Geral da União (AGU)
publicado em agosto. Paralelamente, fazem pressão econômica. Fundos de
investimentos internacionais fizeram chegar ao governo a informação de
que cerca de US$ 6 bilhões foram congelados no país em consequência da
“insegurança jurídica” trazida pelo parecer. A Associação Brasileira de
Produtores de Florestas Plantadas (Abraf) afirma que os investimentos
paralisados ou até cancelados somam R$ 7,2 bilhões.
O diretor-executivo da Abraf, César Reis, teve audiências nos
Ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário, na Casa Civil,
na AGU e no Incra entre o final de agosto e dezembro. Ele representa
empresas que produzem celulose e papel, lâminas de madeira e carvão para
siderurgia. Das 24 associadas, 12 têm controle de capital estrangeiro.
Levou na pasta os seus números: faturamento não realizado nos próximos
sete ano, R$ 6,5 bilhões; tributos não recolhidos no mesmo período, R$
1,2 bilhão; empregos que deixaram de ser gerados: 10 mil. Em carta
enviada à então ministra-chefe da Casa Civil Dilma Rousseff, antes da
aprovação do parecer da AGU, a Associação Brasileira de Celulose e Papel
(Bracelpa) havia apresentado números ainda mais alarmantes. O setor
teria investimentos de US$ 9 bilhões até 2012, mas isso exigiria a
compra de novas áreas.
Mais discretos, também têm interesse na nova regulamentação as
empresas de produção e processamento de grãos e as do setor
sucroalcooleiro. Principalmente a produção de etanol atrai grupos de
investimentos internacionais. Todos esses setores trataram de azeitar as
relações com os congressistas na última eleição, fazendo doações de R$
40 milhões para centenas parlamentares e governadores. Entre os doadores
estão gigantes multinacionais com representação no Brasil. Há setores
nacionais do agronegócio que estão se associando a grupos estrangeiros,
principalmente na produção de etanol, mas outra parte resiste à chegada
das multinacionais, como na área de produção de soja e milho. Todos os
lados fizeram contribuições eleitorais.
Limites
O novo parecer da AGU foi uma tentativa do governo de impor controle e
limites à ocupação de terras brasileiras pelo capital estrangeiro.
Série de reportagens do Correio mostrou que os gringos têm cerca de 3,5
milhões de hectares registrados em seu nome. Mas isso representa apenas
um terço do quadro real estimado pelo Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (Incra). O parecer preserva as aquisições já feitas,
mas impõe, a partir de agora, limites de extensão que chegam, no máximo,
a 5 mil hectares por empresa. A nova lei também vai regulamentar a
compra de propriedades urbanas e na orla brasileira, hoje ocupada de
forma agressiva e sem controle por grupos internacionais para a
implantação de resorts. O anteprojeto está sendo elaborado por um grupo
interministerial, com a coordenação da Casa Civil.
A reportagem teve acesso à carta enviada pela presidente da Bracelpa,
Elizabeth Carvalhaes, à Dilma durante o debate que antecedeu a
aprovação do parecer assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Carvalhaes afirma que a revisão do parecer muda o entendimento até
então trazido pela Constituição federal e pelas leis, sem que houvesse
qualquer alteração na legislação vigente: “Tal alteração trará prejuízos
ao consagrado princípio da segurança jurídica”. Em seguida, ela lembra
que o setor possui uma área imobiliária de 5 milhões de hectares, sendo
1,7 milhões de hectares de área plantada para fins industriais. E
informa que os investimentos projetados “contam com a aquisição de novas
áreas para plantio florestal, principalmente na Região Sul e Sudeste”.
Coordenador do grupo de trabalho que elaborou o parecer da AGU, o
consultor-geral da União, Ronaldo Vieira, afirma que não houve usurpação
da competência do Congresso. “Ao contrário, ao aprovar a Lei 8.629/93,
que disciplina o capítulo da Reforma Agrária, o Congresso diz que, no
arrendamento de terras por estrangeiros, aplicam-se as restrições da Lei
5.709/71. Na verdade, o parecer da AGU, um ano depois (em 1994), é que
foi contrário à posição do Congresso, que havia se pronunciado pela
recepção ampla da Lei 5.709. Isso reforça que não há deficit de
legitimidade ou usurpação de competência. Além disso, no artigo 172 da
Constituição, está previsto que, nos setores estratégicos ao país,
poderá haver restrição ao capital estrangeiro.”
Quem doou mais
Empresa Valor
(em R$ milhões)
(em R$ milhões)
Suzano Papel e Celulose 5,2
Cosan 5,1
Fibria Celulose 4,7
Usina Coruripe 3,1
Klabin 3
Coopersucar 2,9
Bunge 2,8
Usina Caeté 1,3
Usina Naviraí 1,1
CMPC Celulose 0,8
Fonte: Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
Cosan 5,1
Fibria Celulose 4,7
Usina Coruripe 3,1
Klabin 3
Coopersucar 2,9
Bunge 2,8
Usina Caeté 1,3
Usina Naviraí 1,1
CMPC Celulose 0,8
Fonte: Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
Quem recebeu mais
Candidato cargo valor (em R$ mil)
André Puccinelli (PMDB-MS) governador 2.269
Teotônio Vilela (PSDB-AL) governador 2.050
Paulo Skaf (PSB-SP) governador 1.696
Sinval Cunha (PMDB-MT) governador 1.432
Jaques Wagner (PT-BA) governador 798
Delcídio Amaral (PT-MS) senador 660
Paulo Souto (DEM-BA) governador 643
Roberto Balestra (PP-GO) deputado 597
Eduardo Cunha (PMDB-RJ) deputado 500
Heuler Cruvinel (DEM-GO) deputado 457
Abelardo Lupion (DEM-PR) deputado 445
José Freitas Maia (PSDB-MG) deputado 440
Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) deputado 385
Antônio Anastaria (PSDB-MG) governador 378
Aloísio Mercadante (PT-SP) governador 350
Blairo Maggi (PMDB-MT) senador 300
Teotônio Vilela (PSDB-AL) governador 2.050
Paulo Skaf (PSB-SP) governador 1.696
Sinval Cunha (PMDB-MT) governador 1.432
Jaques Wagner (PT-BA) governador 798
Delcídio Amaral (PT-MS) senador 660
Paulo Souto (DEM-BA) governador 643
Roberto Balestra (PP-GO) deputado 597
Eduardo Cunha (PMDB-RJ) deputado 500
Heuler Cruvinel (DEM-GO) deputado 457
Abelardo Lupion (DEM-PR) deputado 445
José Freitas Maia (PSDB-MG) deputado 440
Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) deputado 385
Antônio Anastaria (PSDB-MG) governador 378
Aloísio Mercadante (PT-SP) governador 350
Blairo Maggi (PMDB-MT) senador 300
O Brasil africano
A ocupação de terras de países africanos por grupos internacionais é
vista como um exemplo preocupante pelo consultor-geral da União, Ronaldo
Vieira. “Um estudo do banco Mundial faz análise do que está acontecendo
na África, porque as terras disponíveis para plantar no mundo estão na
América do Sul, África e Ásia. O Brasil tem 15% das áreas agricultáveis
não utilizadas no mundo. O que diz o documento? Os países em que há uma
baixa governança fundiária, uma legislação frouxa, um Estado sem
capacidade de fiscalização, são os preferidos pelos investidores porque
eles tem o melhor controle possível. E o que isso tem gerado de
desenvolvimento à comunidade local? Você tem investimento de bilhões em
aquisição de terras que não revertem em absolutamente nada. Daí foi
cunhada a expressão neocolonialismo africano”, relata o consultor.
Vieira afirma que o parecer da AGU mudou porque mudaram as
circunstâncias. “A terra passou a ser um ativo estratégico para o Estado
brasileiro. Eles argumentam que é um setor produtivo, não é
especulativo. Mas trata-se da apropriação de parte significativa do
território, terra essa que hoje tem um peso nas relações internacionais
muito maior do que há 10, 15 anos”.
A visão do consultor é compartilhada pelo diretor da Associação
Brasileira de Produtores de Florestas Plantadas (Abraf), Cesar Reis. “A
entidade entende a preocupação do governo quanto ao capital
especulativo, com os fundos soberanos de nações ao redor do mundo, que
têm a preocupação de garantir a própria segurança alimentar e estão
adquirindo terras em grandes extensões, por enquanto na África.”
Mas o executivo faz uma ressalva: “O parecer, pelo fato de ter sido
muito abrangente e pelo fato de criar restrições a empresas nacionais de
capital estrangeiro, vai atingir as empresas associadas à Abraf. Então,
procuramos agir, levando ao governo a nossa preocupação e os nossos
números. O governo tem-nos recebido muito bem. Eles entendem que somos
um capital produtivo, gerador de emprego, com responsabilidade social. E
nessa revisão do parecer, essa restrição deixaria de existir para nós.
Tem empresas com mais de 100 anos no Brasil”. (LV)