Hoje, fala-se e escreve-se muito sobre Antonio Gramsci. Muito.
É indubitavelmente algo positivo. Na segunda metade do século 20,
Gramsci foi o político italiano de quem mais se falou e escreveu.
Por Maurizio Nocera*, em L´Educazione Gramsciana, via vermelho
Tradução: José Reinaldo Carvalho
Seguramente,
não se fez tanto sobre o liberal Benedetto Croce ou sobre o fascista
Giovanni Gentile, os dois filósofos políticos da burguesia dos quais os
manuais se interessam como os pensadores máximos do século 20, nem se
fez o mesmo sobre políticos como Alcide De Gasperi e o próprio Palmiro
Togliatti, este último durante muitos anos secretário-geral do Partido
Comunista Italiano e altíssima personalidade política do nosso país.
Leia também: Por que se continua a falar e escrever tanto sobre Gramsci? Simplesmente porque as modas passam e, ao contrário, as ações e os exemplos de alguns homens permanecem e perduram no tempo.
A quem interessaria hoje a filosofia do espírito de Croce, ou a especulação sobre o “pensamento pensante” de Gentile? Águas passadas sob a ponte, águas derramadas para sempre no grande mar da história de todos os tempos, útil talvez para rever de tempos em tempos, como cultura histórico-filosófica, jamais como algo inédito, de experimentável. É fato consumado, visto, discutido, superado.
Outra coisa, contudo, foram as ações políticas e o pensamento especulativo do grande sardo na primeira metade do século passado, pensamento e prática que não encontraram aplicação, porque esmagados no nascedouro, decepados pelo fascismo mussoliniano, que atuava como a versão mais obscura da burguesia italiana. O Gramsci comunista, que lutava pela conquista de uma nova sociedade, pela construção de uma sociedade socialista, devia ser parado, preso.
Dois mil e quinhentos anos atrás, um pouco por fabulação, mas também um pouco com base naquilo que era a realidade concreta daquele tempo, Platão pensou um tipo de nova sociedade, um estado ideal perfeito, que chamou de República e que estruturou para as classes compostas por produtores, defensores e pensadores.
Já se disse que aquela ideia platônica não era senão utopia, fruto do pensamento humano. Isto é o que se pensava e se acreditava durante milênios. Mas se hoje olhamos para as repúblicas modernas nas quais vivemos, como são estruturadas? É de maneira diferente da que pensava Platão? Não me parece. Platão tinha pensado em uma sociedade impossível de realizar-se em seu tempo, mas não excluía a sua exeqüibilidade futura.
Que quero dizer com isso? Simplesmente que o estado idealizado pelo grande filósofo ateniense, embora com altos e baixos e ziguezagues, sucessivamente, ao longo dos séculos, torna-se realidade, que experimentou as diferentes formas de governo idealizadas: a timocracia (plutocracia), a aristocracia, a tirania, a democracia e outras formas intermediárias entre uma e outra.
No seu complexo, a humanidade viu e experimentou na própria pele estas diferentes formas de governo, pelo menos a partir da revolução burguesa de 1789: república presidencialista, república militarista, república democrática, república de conselhos, república totalitária. Nestes anos, que vão de 1945 até hoje, no centro do debate político italiano sempre tem havido momentos de luta institucional muito elevados: a defesa da Constituição republicana dos ataques por parte daqueles que jamais quiseram reconhecê-la e dos que, mesmo reconhecendo-a, nada fizeram para aplicá-la.
Se esta não aplicação é um ponto de referência, o que dizer agora de tudo quanto aconteceu antes daquele histórico evento que viu os comunistas combaterem na primeira linha pela liberdade e a democracia em nome de Antonio Gramsci e Giuseppe Garibaldi? Simplesmente que aquela parte da história política do início do século passado, o que foi pensado, escrito e compreendido na luta política de Antonio Gramsci e dos comunistas nos anos precedentes ao advento do fascismo, não foi jamais aplicado porque esmagado no nascedouro.
A internacional da burguesia, como também suas ramificações periféricas nacionais, sempre tiveram horror de que aquelas ideias políticas encontrassem o mínimo trânsito para sua completa realização, por isso sempre misturaram as coisas com o objetivo de apagar definitivamente a aspiração da classe operária e do povo italiano à conquista da nova sociedade, mais avançada socialmente, mais igualitária no plano dos direitos.
Hoje sabemos que a única sociedade experimentada pela humanidade a ter tais requisitos é a sociedade socialista. Isto ainda não aconteceu na Itália. Primeiro o impedimento foi o fascismo, braço armado executor direto da burguesia mais reacionária, depois sobreveio um longo período de inter-classismo democrata-cristão, no qual a política italiana não era orientada e dirigida pelos italianos mas pelos chefes do imperialismo estadunidense.
Alguém até hoje crê que isto durará eternamente e que as ideias de Antonio Gramsci sobre a nova sociedade já são águas passadas. Ilude-se, porque a história dos homens e mulheres que vivem em nosso planeta é como o vento que antes ou depois varre aquilo que se torna naturalmente obsoleto, seco, inadequado, fora do tempo.
Há mais de 70 anos, políticos, filósofos, historiadores, intelectuais geralmente entendidos, fazem conferências e escrevem sobre o fundador do Partido Comunista da Itália em 1921. Fazem-no sobre a base de diferentes exigências de tipo histórico-sociológico ou político.
Todos, entretanto, são obrigados a dar de Antonio Gramsci uma imagem de homem coerente, cuja vida foi caracterizada pelo empenho constante e luta política pela emancipação e o resgate do proletariado italiano e internacional. Todos têm liberdade para construir a imagem que quiser sobre Gramsci. Mas liberdade de pensamento, de ação e de organização política deve ter também quem pensa em ser comunista e, com isto, pensa no Gramsci fundador de um movimento e de um partido que lutam pela transformação da presente ordem das coisas.
Lendo tudo quanto se escreve hoje sobre o grande sardo, corre-se o risco de não compreender por que ele foi preso, por que o fascismo foi tão implacável contra este homem. Para alguns politiqueiros filósofos, o verdadeiro motivo pelo qual Gramsci acabou sua vida preso, deveria ser debitado aos seus próprios companheiros.
Algum outro se atreve mesmo a dizer que o culpado foi o próprio Stálin, ou pelo menos sua política de defesa da teoria da construção do socialismo em um só país. Credulidade. A verdadeira realidade é que sempre os revisionistas, quando não mentem despudoradamente, envergonham-se de afirmar que Gramsci foi perseguido, preso, encarcerado, recluso por 11 anos, quase sempre em solitária, simplesmente porque era comunista, simplesmente porque era defensor dos direitos da classe operária, simplesmente porque era defensor das melhores tradições e da história da luta pela emancipação do povo italiano.
Que paradoxo é a vida e que miséria é certa política! Quem, hoje, por motivo de trabalho, estudo ou luta política tenha que estudar a história recente de nosso país, não poderá deixar de encontrar em seu percurso de estudioso a história política do comunista Antonio Gramsci, o peso político e científico do seu pensamento marxista-leninista sobre a vida política e cultural italiana.
Até mesmo os neofascistas, herdeiros políticos dos executores materiais da sua eliminação física, até eles são forçados a fazer, mesmo que seja de modo instrumental, considerações sobre Gramsci. Mas no que se refere aos revisionistas de todos os tipos, cuidam de apresentar uma imagem de Gramsci como se ele tivesse sido obrigado pelas circunstâncias a se tornar comunista, um Gramsci substancialmente distanciado da luta de classes, isolado na prisão, que tinha perdido contato com a realidade.
A operação mais desajeitada é aquela que consiste em tentar dar crédito à imagem de um Gramsci de antes de 1926 (ano da sua prisão) e de um Gramsci depois da prisão até 1937. Os revisionistas apontam no sentido de separar verticalmente os dois períodos (já vimos fazerem isto com Marx, Lênin, a União Soviética, o campo socialista) na vã tentativa de fazer aceitar um Gramsci dividido: o primeiro, jovem e, como todo jovem, impetuoso e levado a se colocar em cena; este seria o Gramsci defensor da ocupação de fábricas pela classe operária organizada nos conselhos de fábrica e o Gramsci fundador do PCI e líder dos comunistas italianos. É evidente que para esses senhores, este Gramsci deve ser descartado, esquecido, obnubilado.
O segundo Gramsci, aquele dos “Cadernos do Cárcere”, pelo contrário, pode ser lido, pensado, meditado fora do contexto da luta de classes, na vã esperança de que não seja compreendido até o fim por aquilo que efetivamente ele foi e o quanto pesa ainda hoje o seu pensamento político. As suas mil e uma circunvoluções liquidacionistas tendem, como uma armadilha, a fazer Gramsci aparecer apenas como um pensador político asséptico, cuja ação se diluiu no próprio tempo da sua vida.
É uma lógica canhestra aquela em que me parece até mesmo Luciano Cânfora caiu com seu último livro “Sobre Gramsci” (Datanews/alcazar, maio 2007). Ele apresenta honestamente um Gramsci comunista, em linha com o pensamento leninista, mas também um pouco asséptico, sobre um fundo político em que a luta de classes deve ser apenas imaginada, porque o autor não faz o leitor enxergá-la; para ele, no fundo, Gramsci é um pensador político cujas teses, no plano da teoria, não são no momento criticáveis, mas as teses de um Gramsci que ele estuda e discute como um estudioso, em particular um estudioso do mundo antigo.
Mas aquilo que mais me surpreende do seu breve ensaio é ter reportado declarações referidas em algumas teses de conhecidos falsificadores da história como Isaac Deutscher e François Furet. A análise da leitura de Canfora sobre o pensamento marxista-leninista de Antonio Gramsci parte da crítica de diferentes revisionismos, mas ele foge da natureza perniciosa do revisionismo-pai de todos os demais, o revisionismo de tipo kruchoviano-gorbachoviano, que se encontra na base de não poucas catástrofes.
É por este motivo que se pergunta: por que e para quem Luciano Cânfora escreveu o seu ensaio “Sobre Gramsci” ? Estava lendo o texto de Canfora quando me veio à mente Luigi Russo, um não marxista, reitor da Universidade Normal de Pisa, que pronunciou o discurso “Descoberta de Antonio Gramsci” perante os estudantes na máxima universidade italiana em 27 de abril de 1947 (cf. “Belfagor”, ª XLIII, nº 2, 31 março de 1988, págs. 145-166).
Magistério sublime o que Luigi Russo escreveu: “Gramsci é um homem de um partido político que não é o meu [...], mas ele foi um grande militante desta fatigada democracia, à qual hoje todos os homens de boa vontade e de boa fé querem dar a sua contribuição e nesta aproximação e fraternidade dos ideais corre-se de fato com maior trepidação humana para aqueles que não conhecemos e cujas cartas percorremos com curiosidade febril, porque, para além da fé política de cada um, queremos advertir aquilo que foi o motivo comum da revolta ideal que nestes últimos vinte e cinco anos temos experimentado, desconhecidos um do outro, mas estranhamente íntimos e próximos um do outro, por uma Itália e uma Europa melhores”. (Pág. 147)
* Maurizio Nocera é escritor e membro do Centro Gramsci
Leia também: Por que se continua a falar e escrever tanto sobre Gramsci? Simplesmente porque as modas passam e, ao contrário, as ações e os exemplos de alguns homens permanecem e perduram no tempo.
A quem interessaria hoje a filosofia do espírito de Croce, ou a especulação sobre o “pensamento pensante” de Gentile? Águas passadas sob a ponte, águas derramadas para sempre no grande mar da história de todos os tempos, útil talvez para rever de tempos em tempos, como cultura histórico-filosófica, jamais como algo inédito, de experimentável. É fato consumado, visto, discutido, superado.
Outra coisa, contudo, foram as ações políticas e o pensamento especulativo do grande sardo na primeira metade do século passado, pensamento e prática que não encontraram aplicação, porque esmagados no nascedouro, decepados pelo fascismo mussoliniano, que atuava como a versão mais obscura da burguesia italiana. O Gramsci comunista, que lutava pela conquista de uma nova sociedade, pela construção de uma sociedade socialista, devia ser parado, preso.
Dois mil e quinhentos anos atrás, um pouco por fabulação, mas também um pouco com base naquilo que era a realidade concreta daquele tempo, Platão pensou um tipo de nova sociedade, um estado ideal perfeito, que chamou de República e que estruturou para as classes compostas por produtores, defensores e pensadores.
Já se disse que aquela ideia platônica não era senão utopia, fruto do pensamento humano. Isto é o que se pensava e se acreditava durante milênios. Mas se hoje olhamos para as repúblicas modernas nas quais vivemos, como são estruturadas? É de maneira diferente da que pensava Platão? Não me parece. Platão tinha pensado em uma sociedade impossível de realizar-se em seu tempo, mas não excluía a sua exeqüibilidade futura.
Que quero dizer com isso? Simplesmente que o estado idealizado pelo grande filósofo ateniense, embora com altos e baixos e ziguezagues, sucessivamente, ao longo dos séculos, torna-se realidade, que experimentou as diferentes formas de governo idealizadas: a timocracia (plutocracia), a aristocracia, a tirania, a democracia e outras formas intermediárias entre uma e outra.
No seu complexo, a humanidade viu e experimentou na própria pele estas diferentes formas de governo, pelo menos a partir da revolução burguesa de 1789: república presidencialista, república militarista, república democrática, república de conselhos, república totalitária. Nestes anos, que vão de 1945 até hoje, no centro do debate político italiano sempre tem havido momentos de luta institucional muito elevados: a defesa da Constituição republicana dos ataques por parte daqueles que jamais quiseram reconhecê-la e dos que, mesmo reconhecendo-a, nada fizeram para aplicá-la.
Se esta não aplicação é um ponto de referência, o que dizer agora de tudo quanto aconteceu antes daquele histórico evento que viu os comunistas combaterem na primeira linha pela liberdade e a democracia em nome de Antonio Gramsci e Giuseppe Garibaldi? Simplesmente que aquela parte da história política do início do século passado, o que foi pensado, escrito e compreendido na luta política de Antonio Gramsci e dos comunistas nos anos precedentes ao advento do fascismo, não foi jamais aplicado porque esmagado no nascedouro.
A internacional da burguesia, como também suas ramificações periféricas nacionais, sempre tiveram horror de que aquelas ideias políticas encontrassem o mínimo trânsito para sua completa realização, por isso sempre misturaram as coisas com o objetivo de apagar definitivamente a aspiração da classe operária e do povo italiano à conquista da nova sociedade, mais avançada socialmente, mais igualitária no plano dos direitos.
Hoje sabemos que a única sociedade experimentada pela humanidade a ter tais requisitos é a sociedade socialista. Isto ainda não aconteceu na Itália. Primeiro o impedimento foi o fascismo, braço armado executor direto da burguesia mais reacionária, depois sobreveio um longo período de inter-classismo democrata-cristão, no qual a política italiana não era orientada e dirigida pelos italianos mas pelos chefes do imperialismo estadunidense.
Alguém até hoje crê que isto durará eternamente e que as ideias de Antonio Gramsci sobre a nova sociedade já são águas passadas. Ilude-se, porque a história dos homens e mulheres que vivem em nosso planeta é como o vento que antes ou depois varre aquilo que se torna naturalmente obsoleto, seco, inadequado, fora do tempo.
Há mais de 70 anos, políticos, filósofos, historiadores, intelectuais geralmente entendidos, fazem conferências e escrevem sobre o fundador do Partido Comunista da Itália em 1921. Fazem-no sobre a base de diferentes exigências de tipo histórico-sociológico ou político.
Todos, entretanto, são obrigados a dar de Antonio Gramsci uma imagem de homem coerente, cuja vida foi caracterizada pelo empenho constante e luta política pela emancipação e o resgate do proletariado italiano e internacional. Todos têm liberdade para construir a imagem que quiser sobre Gramsci. Mas liberdade de pensamento, de ação e de organização política deve ter também quem pensa em ser comunista e, com isto, pensa no Gramsci fundador de um movimento e de um partido que lutam pela transformação da presente ordem das coisas.
Lendo tudo quanto se escreve hoje sobre o grande sardo, corre-se o risco de não compreender por que ele foi preso, por que o fascismo foi tão implacável contra este homem. Para alguns politiqueiros filósofos, o verdadeiro motivo pelo qual Gramsci acabou sua vida preso, deveria ser debitado aos seus próprios companheiros.
Algum outro se atreve mesmo a dizer que o culpado foi o próprio Stálin, ou pelo menos sua política de defesa da teoria da construção do socialismo em um só país. Credulidade. A verdadeira realidade é que sempre os revisionistas, quando não mentem despudoradamente, envergonham-se de afirmar que Gramsci foi perseguido, preso, encarcerado, recluso por 11 anos, quase sempre em solitária, simplesmente porque era comunista, simplesmente porque era defensor dos direitos da classe operária, simplesmente porque era defensor das melhores tradições e da história da luta pela emancipação do povo italiano.
Que paradoxo é a vida e que miséria é certa política! Quem, hoje, por motivo de trabalho, estudo ou luta política tenha que estudar a história recente de nosso país, não poderá deixar de encontrar em seu percurso de estudioso a história política do comunista Antonio Gramsci, o peso político e científico do seu pensamento marxista-leninista sobre a vida política e cultural italiana.
Até mesmo os neofascistas, herdeiros políticos dos executores materiais da sua eliminação física, até eles são forçados a fazer, mesmo que seja de modo instrumental, considerações sobre Gramsci. Mas no que se refere aos revisionistas de todos os tipos, cuidam de apresentar uma imagem de Gramsci como se ele tivesse sido obrigado pelas circunstâncias a se tornar comunista, um Gramsci substancialmente distanciado da luta de classes, isolado na prisão, que tinha perdido contato com a realidade.
A operação mais desajeitada é aquela que consiste em tentar dar crédito à imagem de um Gramsci de antes de 1926 (ano da sua prisão) e de um Gramsci depois da prisão até 1937. Os revisionistas apontam no sentido de separar verticalmente os dois períodos (já vimos fazerem isto com Marx, Lênin, a União Soviética, o campo socialista) na vã tentativa de fazer aceitar um Gramsci dividido: o primeiro, jovem e, como todo jovem, impetuoso e levado a se colocar em cena; este seria o Gramsci defensor da ocupação de fábricas pela classe operária organizada nos conselhos de fábrica e o Gramsci fundador do PCI e líder dos comunistas italianos. É evidente que para esses senhores, este Gramsci deve ser descartado, esquecido, obnubilado.
O segundo Gramsci, aquele dos “Cadernos do Cárcere”, pelo contrário, pode ser lido, pensado, meditado fora do contexto da luta de classes, na vã esperança de que não seja compreendido até o fim por aquilo que efetivamente ele foi e o quanto pesa ainda hoje o seu pensamento político. As suas mil e uma circunvoluções liquidacionistas tendem, como uma armadilha, a fazer Gramsci aparecer apenas como um pensador político asséptico, cuja ação se diluiu no próprio tempo da sua vida.
É uma lógica canhestra aquela em que me parece até mesmo Luciano Cânfora caiu com seu último livro “Sobre Gramsci” (Datanews/alcazar, maio 2007). Ele apresenta honestamente um Gramsci comunista, em linha com o pensamento leninista, mas também um pouco asséptico, sobre um fundo político em que a luta de classes deve ser apenas imaginada, porque o autor não faz o leitor enxergá-la; para ele, no fundo, Gramsci é um pensador político cujas teses, no plano da teoria, não são no momento criticáveis, mas as teses de um Gramsci que ele estuda e discute como um estudioso, em particular um estudioso do mundo antigo.
Mas aquilo que mais me surpreende do seu breve ensaio é ter reportado declarações referidas em algumas teses de conhecidos falsificadores da história como Isaac Deutscher e François Furet. A análise da leitura de Canfora sobre o pensamento marxista-leninista de Antonio Gramsci parte da crítica de diferentes revisionismos, mas ele foge da natureza perniciosa do revisionismo-pai de todos os demais, o revisionismo de tipo kruchoviano-gorbachoviano, que se encontra na base de não poucas catástrofes.
É por este motivo que se pergunta: por que e para quem Luciano Cânfora escreveu o seu ensaio “Sobre Gramsci” ? Estava lendo o texto de Canfora quando me veio à mente Luigi Russo, um não marxista, reitor da Universidade Normal de Pisa, que pronunciou o discurso “Descoberta de Antonio Gramsci” perante os estudantes na máxima universidade italiana em 27 de abril de 1947 (cf. “Belfagor”, ª XLIII, nº 2, 31 março de 1988, págs. 145-166).
Magistério sublime o que Luigi Russo escreveu: “Gramsci é um homem de um partido político que não é o meu [...], mas ele foi um grande militante desta fatigada democracia, à qual hoje todos os homens de boa vontade e de boa fé querem dar a sua contribuição e nesta aproximação e fraternidade dos ideais corre-se de fato com maior trepidação humana para aqueles que não conhecemos e cujas cartas percorremos com curiosidade febril, porque, para além da fé política de cada um, queremos advertir aquilo que foi o motivo comum da revolta ideal que nestes últimos vinte e cinco anos temos experimentado, desconhecidos um do outro, mas estranhamente íntimos e próximos um do outro, por uma Itália e uma Europa melhores”. (Pág. 147)
* Maurizio Nocera é escritor e membro do Centro Gramsci