Escrito por Rodrigo de Oliveira Andrade e Samuel Antenor | |
No último dia 24 de janeiro foi entregue ao ministro da Saúde, Alexandre
Padilha, um documento elaborado pelo Grupo de Trabalho Alimentação e
Nutrição em Saúde Coletiva (GT/ANSC), da Associação Nacional de
Pós-Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO), com sugestões de medidas
efetivas para o enfrentamento dos principais problemas alimentares e
nutricionais que, atualmente, acometem a população brasileira. De acordo
com o GT/ANSC, grupo composto por pesquisadores e militantes da área,
provenientes de instituições acadêmicas e de pesquisa de todo o país, a
iniciativa tem como objetivo fortalecer o processo de implementação da
Política Nacional de Alimentação e Nutrição, que faz parte da Política
Nacional de Saúde, a partir do diálogo entre atores sociais
governamentais e não-governamentais, de forma transversal e
inter-setorial. Em suas considerações, o documento ressalta o fato de o
Brasil ainda possuir focos de desnutrição, principalmente em regiões
como Norte e Nordeste, bolsões de pobreza em grandes cidades, como São
Paulo e Rio de Janeiro, e entre povos indígenas e comunidades
tradicionais, mesmo com um declínio favorável do problema nos últimos
vinte anos, ao passo que, por outro lado, verifica-se um aumento
progressivo do excesso de peso em homens e mulheres no país.
De acordo com o médico e professor do Departamento de Nutrição da
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP),
Carlos Augusto Monteiro, duas pesquisas domiciliares, realizadas pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na primeira e
segunda metade da década de 2000, evidenciaram o explosivo aumento da
obesidade no Brasil. "Em apenas seis anos, entre 2003 e 2009, a
freqüência do excesso de peso em adolescentes aumentou 4 pontos
percentuais entre as meninas (de 15% para 19%) e 5 pontos entre os
meninos (de 17% para 22%). No mesmo período, o excesso de peso em
adultos ganhou 7 pontos entre as mulheres (de 41% para 48%) e 9 pontos
entre os homens (de 41% para 50%) ", afirma. O resultado disso, segundo
Monteiro, que também é integrante do GT/ANSC, é que entramos na década
de 2010 com um quinto dos adolescentes e metade dos adultos brasileiros
apresentando excesso de peso.
No entanto, o que fica claro com a leitura deste documento é que tanto a
questão da desnutrição quanto a do excesso de peso precisam ser
tratadas como componentes de um mesmo espectro da alimentação e nutrição
humana. Hoje, todavia, nota-se que há no país uma abordagem polarizada
acerca desta questão, que tende a colocar a fome e a desnutrição como
problemas inerentes à pobreza, e a obesidade como conseqüência oriunda
do poder aquisitivo da população. Para os signatários do documento, esta
abordagem é superficial e precisa ser desconstruída, visto que, do
ponto de vista biológico, estudos comprovam que a desnutrição nos
primeiros anos de vida aumenta o risco de excesso de peso na vida
adulta, enquanto que, do ponto de vista econômico e social, a maior
prevalência de excesso de peso em famílias de menor renda alinha-se a
estratégias de consumo que privilegiam a compra de alimentos que
proporcionem maior quantidade de calorias pelo menor preço – estes são
os alimentos com pior qualidade nutricional, pois possuem grandes
quantidades de sal, gordura e açúcar.
Medidas efetivas
As recomendações do GT/ANSC frente a este problema caminham no sentido
de se reposicionar radicalmente a Nutrição no espaço institucional e
político do Setor Saúde no Brasil, de modo a fortalecer a Coordenação
Geral de Alimentação e Nutrição do Departamento de Atenção Básica. Além
disso, segundo o documento, a Agenda Nutrição no Sistema Único de Saúde
(SUS) para o período de 2011 a 2014, além de revigorada, precisa ser
anexada aos principais programas de atenção à saúde. Na visão do
GT/ANSC, o atual contexto alimentar-nutricional do país exige uma maior
atenção político-programático do Estado à área de Nutrição, com vistas à
ampliação e intensificação das ações nutricionais previstas na Política
Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN), instituída em 1999. Para
isso, os signatários do documento propõem a organização da atenção
nutricional em uma rede integrada de cuidado s de base territorial,
articulada de forma transversal com políticas e ações específicas em
todos os níveis de complexidade do SUS.
Outro ponto importante a ser destacado: para que seja assegurada a
universalidade do acesso e a qualificação da atenção nutricional no
sistema público de saúde, enfatiza o documento, é preciso fortalecer a
área no Ministério da Saúde e nas Secretarias de Saúde dos estados, de
modo a ampliar o número de Núcleos de Apoio à Saúde da Família, que, por
sua vez, apóiam as Equipes da Estratégia Saúde da Família; expandir as
ações de atenção nutricional, principalmente para os povos indígenas e
para as populações de menor poder aquisitivo, por meio de ações
inter-setoriais no território; assegurar o orçamento para a Nutrição no
SUS, a fim de ampliar e qualificar a gestão e a oferta de ações e
serviços de Nutrição na rede pública de saúde; e implementar um programa
integrado para a atenção nutricional no SUS. Uma primeira ação, urgente
e estrutural, orientada pela Atenção Primária à Saúde, bem como por
referências e contra-referências dos agravos relacionados à má
alimentação.
Resolução segue pendente
Apesar de não ser citada no relatório do GT/ANSC, vale destacar que,
graças a uma liminar da Justiça Federal, solicitada pela Associação
Brasileira de Indústrias da Alimentação, a Resolução 24, de 15 de junho
de 2010, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), foi
suspensa. A resolução dispunha sobre a oferta, propaganda, publicidade,
informação e outras práticas correlatas cujo objetivo fosse a divulgação
e a promoção comercial de alimentos considerados com quantidades
elevadas de açúcar, de gordura saturada, de gordura trans, de sódio, e
de bebidas com baixo teor nutricional, e proibia o uso símbolos, figuras
e/ou desenhos que pudessem causar falsa interpretação, erro ou confusão
por parte do consumidor quanto à origem, qualidade e composição dos
alimentos – prática freqüentemente utilizada para atribuir
características superiores às que o produto possui, como sugerir que o
alimento é nutricionalmente completo ou que seu consumo garante uma boa
saúde. Para Monteiro, essa seria uma ótima oportunidade para, de forma
modesta, regular a publicidade em torno de produtos ultraprocessados no
Brasil, haja vista que a Resolução asseguraria informações indisponíveis
à preservação da saúde de todos aqueles expostos à oferta, propaganda e
publicidade de alimentos com baixo teor nutricinal.
Segundo Monteiro, "campanhas publicitárias milionárias e extremamente
eficazes cuidam para ampliar as ‘vantagens’ dos produtos
ultraprocessados, promovendo sua hiperpalatabilidade e sua conveniência,
isso quando o indivíduo não é estimulando diretamente a comer
compulsivamente. Além disso, a não regulação do marketing desses
produtos no Brasil permite sua oferta e propaganda em todos os
ambientes, incluindo escolas, hospitais e farmácias, por meio de tantas
outras técnicas de marketing já proibidas em vários países". Logo, ao
suspender a Resolução 24, a Justiça Federal nada mais fez do que
evidenciar o desequilíbrio entre as ações governamentais de saúde e de
interesse público e os interesses do setor empresarial, que visa apenas o
lucro.
Rodrigo de Oliveira Andrade e Samuel Antenor são jornalistas – Páginas na web: http://www.poterkin.blogspot.com/ ; http://www.espacocult.wordpress.com/
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Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
terça-feira, 8 de fevereiro de 2011
Obesidade versus Desnutrição: duas faces do mesmo problema
VENEZUELA: 12 ANOS EM REVOLUÇÃO
Beto Palmeira*
Se
olharmos para essa última década vamos nos deparar com vários processos
sociais e políticos caracterizados por políticas que já não seguem mais
as orientações da Casa Branca, e isso vem mudando o papel que América
Latina tem no mundo.
Dos vários processos em curso, destacamos o que está sendo
vivido por Venezuela cujo principal interlocutor é o presidente Hugo
Chávez. Esse processo recoloca, para as esquerdas latino-americanas e
mundiais, no centro do debate o rompimento com o sistema de produção do
Capital, afirmando a necessidade de construção do Socialismo do seculo
XXI, o que promove uma serie de mudanças sociais e politicas. Além
disso, afirma o papel central dos revolucionários no controle do Estado e
no exercício de colocar as grandes riquezas nacionais ao serviço dos
pobres, recuperando as grandes riquezas petroleiras, empresas de
telecomunicações, terras e outros em prol do desenvolvimento interno do
país. Desse modo, atende quem sempre esteve a margem dos benefícios das
riquezas produzidas por meio dos serviços básicos que estão sendo
garantidos pelo Estado.
Em 02 de fevereiro de 1999 tem início na Venezuela um processo
de mudanças que, para muitos, não dá espaço para as velhas políticas de
submissão da burguesia ao imperialismo estadunidense. Hoje, doze anos
após o inicio dessas mudanças, vemos com muita expectativa, o papel que a
Revolução Bolivariana exerce sobre os movimentos Revolucionários da
América Latina e do mundo.
Frente ao avanço das forcas populares na América Latina, cujo epicentro se encontra em Caracas, assistimos cotidianamente os ataques das mídias burguesas ao processo e ao Governo Chávez. Dentro desses ataques sistemáticos, vale debater o papel que nossas organizações e movimentos sociais devem exercer em defesa do processo e governo bolivariano que demonstra, no âmbito dos governos “populares”, claridade de proposta de governo e de projeto político. Acreditamos que esse papel consiste em defender a Revolução Bolivariana, inclusive divulgando os resultados alcançados nos últimos anos por esse governo, resultados esses jamais vistos na América Latina, com exceção de Cuba. Venezuela é o único pais, depois de Cuba, que está cumprindo as metas do Milênio estabelecidas pela ONU.
Frente ao avanço das forcas populares na América Latina, cujo epicentro se encontra em Caracas, assistimos cotidianamente os ataques das mídias burguesas ao processo e ao Governo Chávez. Dentro desses ataques sistemáticos, vale debater o papel que nossas organizações e movimentos sociais devem exercer em defesa do processo e governo bolivariano que demonstra, no âmbito dos governos “populares”, claridade de proposta de governo e de projeto político. Acreditamos que esse papel consiste em defender a Revolução Bolivariana, inclusive divulgando os resultados alcançados nos últimos anos por esse governo, resultados esses jamais vistos na América Latina, com exceção de Cuba. Venezuela é o único pais, depois de Cuba, que está cumprindo as metas do Milênio estabelecidas pela ONU.
Como parte de nossa tarefa de defender e divulgar os avanços da Revolução Bolivariana, organizamos alguns dados desses 12 anos de Governo Bolivariano liderado pelo Comandante Presidente Hugo Chávez:
Nível de pobreza: em 1996, 70.8% das famílias venezuelanas eram
pobres; em 2010, esse percentual baixou para 24.2%, o que evidencia uma
redução de 46,6% com relação ao número de famílias em situação de
pobreza. Em 1996, contabilizava-se 38,5% de famílias em extrema
pobreza, enquanto que em 2010 esse número caiu para 6%.
Saúde: no início do governo Chávez, em 1999, apenas 21% da população
tinha acesso a atenção primária no serviço publico de saúde; em 2010,
essa cobertura chega esse tipo de serviço de saúde chega a 95% da
população, o que resultou no salvamento de mais de um milhão de vidas.
Desde o inicio do governo bolivariano, a expectativa de vida aumentou de
72 para 75 anos.
Educação: em 2005, a UNESCO declarou a Venezuela como território
livre de analfabetismo, com 93,4% da população alfabetizada. Em 2010, em
informe da UNESCO, 95% da população encontra-se alfabetizada. A
matrícula escolar na Educação Infantil teve um incremento de 23,7%,
enquanto que na Educação Superior, esse índice alcançou o percentual de
83%. No que refere ao número de matrículas no nível superior de ensino,
Venezuela ocupa o segundo lugar da lista, sendo precedida por Cuba que
possui 88% de matrículas nesse segmento.
4. Economia e Finanças: uma das marcas do governo bolivariano foi o rompimento da dependência com o FMI e BM, consolidando uma política econômica baseada na soberania do Estado em relação às instituições internacionais subordinadas aos EUA. As reservas internacionais passaram de 14.849 milhões de dólares, em 1998 a 36 bilhões de dólares, e os excedentes foram colocados a serviço do desenvolvimento social e econômico do pais.
5. Trabalho: nos 12 anos de governo bolivariano, a taxa de desemprego diminuiu de 14,5%, em 1999, a 6,6% em 2010. Em 2010, o salário mínimo aumentou 25% em relação ao valor de 2009, o que significou o maior aumento dado por um governo da América Latina.
4. Economia e Finanças: uma das marcas do governo bolivariano foi o rompimento da dependência com o FMI e BM, consolidando uma política econômica baseada na soberania do Estado em relação às instituições internacionais subordinadas aos EUA. As reservas internacionais passaram de 14.849 milhões de dólares, em 1998 a 36 bilhões de dólares, e os excedentes foram colocados a serviço do desenvolvimento social e econômico do pais.
5. Trabalho: nos 12 anos de governo bolivariano, a taxa de desemprego diminuiu de 14,5%, em 1999, a 6,6% em 2010. Em 2010, o salário mínimo aumentou 25% em relação ao valor de 2009, o que significou o maior aumento dado por um governo da América Latina.
Integração latino-americana: esse é um dos grandes desafios que o
Presidente Hugo Chávez vem assumindo no tema das Relações
Internacionais, sendo um dos principais impulsores de instituições que
tem como objetivo consolidar laços de unidade entre países e povos
latino-americanos Algumas iniciativas só estão sendo possíveis gracas ao
Governo Bolivariano, dentre elas: ALBA (Aliança Bolivariana para as
Américas), Telesur, Banco do Sul, ELAM (Escola Latino-americana de
Medicina, em Venezuela), IALA (Instituto Universitário de Agroecologia
Latino-americano) Paulo Freire, CELAC (Comunidade dos Estados
Latino-Americanos e Caribenhos que terá seu primeiro encontro nesse ano
na Venezuela), UNASUL (União de Nações Sul-Americanas).
Opinião pública: acaba de ser divulgada uma pesquisa de opinião,
realizada pelo Grupo de Investigação Social do Século XXI (GIS XXI), que
revela que 54,7% da população venezuelana qualifica a gestão do governo
como “muito boa”, 21,8% qualifica como ruim, 21,4% como “regular” e
2,1% como “péssima”. Tais dados comprovam a aprovação da população com
relação a gestão do presidente Hugo Chávez.
Passados 12 anos do inicio da Revolução Bolivariana, marcada pelo seu caráter anti-imperialista, anti -capitalista e socialista, o que cabe a tod@s lutador@s do povo do nosso continente é se posicionar em defesa do processo de transformação que vive a Venezuela, bem como de seu governo e do povo venezuelano para que as mudanças possam seguir avançando e consolidando os caminhos da Revolução e do Socialismo do século XXI. E nesse sentido, um dos desafios dos movimentos sociais latino-americanos é seu fortalecimento para contribuir na alteração das conjunturas no sentido de promover grandes transformações em nosso continente a fim de somar esforços, junto ao bloco histórico liderado pela Venezuela de Simón Bolívar, na construção de um verdadeiro projeto popular e socialista para os trabalhador@s: campones@s, operári@s, estudantes, homens e mulheres.
Viva os 12 anos da Revolução Bolivariana!!!
Viva o povo Venezuelano!!!
Viva o Presidente Hugo Chávez!!!
* Militante do Movimento dos Pequenos Agricultores – Brasil.
Passados 12 anos do inicio da Revolução Bolivariana, marcada pelo seu caráter anti-imperialista, anti -capitalista e socialista, o que cabe a tod@s lutador@s do povo do nosso continente é se posicionar em defesa do processo de transformação que vive a Venezuela, bem como de seu governo e do povo venezuelano para que as mudanças possam seguir avançando e consolidando os caminhos da Revolução e do Socialismo do século XXI. E nesse sentido, um dos desafios dos movimentos sociais latino-americanos é seu fortalecimento para contribuir na alteração das conjunturas no sentido de promover grandes transformações em nosso continente a fim de somar esforços, junto ao bloco histórico liderado pela Venezuela de Simón Bolívar, na construção de um verdadeiro projeto popular e socialista para os trabalhador@s: campones@s, operári@s, estudantes, homens e mulheres.
Viva os 12 anos da Revolução Bolivariana!!!
Viva o povo Venezuelano!!!
Viva o Presidente Hugo Chávez!!!
* Militante do Movimento dos Pequenos Agricultores – Brasil.
segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011
Nova onda de ativismo político cresce na Inglaterra
Uma nova onda de ativismo político
cresce na Inglaterra como resposta aos planos de austeridade do governo
conservador de David Cameron. Organizadores da Marcha para a Alternativa
esperam atrair dezenas de milhares de ativistas de todo o país para o
centro de Londres, no dia 26 de março, para pedir mudança nos planos do
governo de rápidos e profundos cortes nos gastos públicos, os maiores
desde a Segunda Guerra. Coalizão entre Conservadores e liberais
democratas anunciou cortes de 80 bilhões de libras no orçamento dos
próximos quatros anos. O artigo é de Wilson Sobrinho.
Wilson Sobrinho - De Londres, para a Carta Maior
LONDRES - David Cameron não terá
completado um ano como primeiro-ministro britânico quando, no primeiro
sábado de primavera do hemisfério norte em 2011, milhares de ativistas e
cidadãos descontentes com as medidas de austeridade apresentadas pelos
conservadores sairão às ruas para protestar, tentar se fazer ouvir e
mudar os planos do governo.
Os organizadores da Marcha para a Alternativa (que em inglês também pode ser lido como Março para a Alternativa) esperam atrair “dezenas de milhares” de ativistas de todo o país para o centro de Londres, em 26 de março próximo, para pedir mudança “nos planos do governo de rápidos e profundos cortes nos gastos públicos”, os maiores desde a Segunda Guerra. O tamanho da manifestação e o resultado político dela ainda são incertezas a serem respondidas nos dias subsequentes, porém o recrudescimento do ativismo político já é um fato no país.
Em uma escalada que começou logo depois de a coalizão entre Conservadores e Liberais Democratas anunciar cortes de 80 bilhões de libras no orçamento dos próximos quatro anos e deixar vazar a expectativa de demissão de milhares de funcionários públicos, o ativismo inglês vem renascendo – das tradicionais marchas de estudantes até protestos originados na interação de desconhecidos através de redes sociais.
As ações mais barulhentas e de maior repercussão na mídia foram patrocinadas por grupos de estudantes, que por várias vezes entre novembro e dezembro passados foram até o coração político britânico – o Parlamento, às margens do rio Tâmisa, em Londres – pedir que os representantes votassem contra o aumento das anuidades das universidades proposto pelo novo governo. O novo regime – aprovado em dezembro de 2010 apesar dos protestos – permite a triplicação das matrículas, indo de cerca dos £3,2 mil anuais para um limite de até £9 mil a partir de 2012.
A primeira das manifestações ocorreu em 10 de novembro, quando, estima-se, 50 mil estudantes de todas as partes do país foram às ruas de Londres para um protesto, em sua maioria pacífico, mas que acabou em pancadaria e quebra-quebra no prédio que abriga a sede do partido Conservador, na região próxima de onde fica o Parlamento. Várias manifestações menores se seguiram naquelas semanas, com prédios de universidades sendo ocupados ao redor do país.
Embora derrotadas em suas demandas imediatas – o não-aumento das anuidades nas universidades – essas manifestações estudantis estabeleceram dois fatos. Primeiro, uma mudança de humor significativa em Londres, uma cidade que não testemunhava manifestações nessa escala desde 2003, nas passeatas contra a invasão do Iraque. Mas com uma diferença fundamental: esses estudantes levantavam uma bandeira interna e não internacionalista, como seus pares da década passada.
Mas o segundo fato, e talvez o mais importante é que a vitória do governo veio com uma etiqueta que estabelecia um preço bem claro, os primeiros abalos na coalizão entre Conservadores e Liberais Democratas.
Em um país onde a palavra tem um valor muito grande, Nick Clegg, o vice-primeiro ministro e candidato do Partido Liberal Democrata que concorreu contra Cameron nas eleições de 2010, havia comprometido-se a não aumentar as tarifas de educação. O que, obviamente, só aumentou a frustração dos estudantes. No seu partido, na votação de dezembro, 28 parlamentares foram com o governo e 21 contra.
Os Liberais Democratas, de Clegg, donos de 23% das cadeiras parlamentares, residem em outro espectro político que não o do estado mínimo dos Conservadores. Porém, com apenas 36% das cadeiras sob seu controle depois da eleição de 2010 e afastados do poder há 13 anos, um retorno dos Conservadores ao famoso número 10 da rua Downing passava pela construção de uma coalizão com o partido de centro-esquerda de Clegg, e assim uma série de concessões nas plataformas de ambos os partidos foram costuradas e acordadas.
Em outubro de 2010, cinco meses depois de tomar posse, a coalizão anunciou os planos detalhados de cortes de orçamento – £80 bilhões em quatro anos. Naquela mesma semana, um membro do governo foi fotografado carregando documentos que revelavam estimativas de extinção de até 500 mil vagas no setor público no país, dando avanço àquilo que David Cameron chama de “A Grande Sociedade”. A expressão foi cunhada pelo primeiro-ministro durante a campanha eleitoral para resumir um conjunto de medidas que visa a redução das responsabilidades do poder central, o estimulo ao voluntarismo e ao cooperativismo, a transferência de poder para os governos locais – em resumo, medidas de enxugamento da máquina estatal.
Por todo o país, bibliotecas públicas e centros de lazer e esportes estão fechando; há cortes nos orçamentos da polícia; diminuição de repasses aos municípios; criminosos são colocados em liberdade condicional em função da redução de gastos com construção de novas vagas prisionais; impostos sobre mercadorias e serviços aumentam, assim como tarifas de transporte público; as regras de benefícios como seguro-desemprego, auxílio-moradia e maternidade sofrem revisão; há planos para o aumento da idade de aposentadoria. Adicione-se a isso ainda uma taxa de desemprego na casa dos 8%, inflação em alta e uma economia que luta para manter-se em crescimento por mais que dois trimestres seguidos: é impossível encontrar um morador das ilhas britânicas intocado pela crise deflagrada em 2008 e pela austeridade orçamentária anunciadas em outubro passado.
Mas para muitos, faltava apresentar a parte da conta referente aos fat cats, para fazer uso de uma expressão local – bancos e grandes corporações e a fatia mais rica da sociedade. Logo depois do ministro das finanças apresentar os planos à sociedade britânica, um grupo de amigos discutia o estado das coisas em um pub, no centro de Londres, e se perguntava como havia se chegado a tal situação sem que ninguém fizesse nada para evitar que a responsabilidade por resolver a crise criada pelos mercados recaísse majoritariamente sobre as costas dos trabalhadores.
Tom Phillips, um enfermeiro de 23 anos que estava presente nessa noite, relata na mais recente edição da revista progressista norte-americana The Nation: “Nós gastamos um monte de energia perguntando por que não estava acontecendo. E então de repente percebemos que isso era o que todos estavam dizendo também. Por que não fazer algo? Por que nós não começamos? Se fizermos, talvez as pessoas parem de ser perguntar por que não está acontecendo e se juntem a nós”.
Exatamente uma semana depois do anúncio da revisão de gastos pelo governo conservador, o grupo estava na rua. Organizando-se via Twitter e Facebook, marcaram hora e local para encontrar-se no centro de Londres, numa quarta-feira, no começo da manhã.
Sessenta pessoas compareceram e ocuparam pacificamente a mais movimentada lojas de uma das principais empresas de telefonia móvel da Europa. Queriam chamar atenção para o fato de que o novo governo, por trás de todas as medidas de austeridade, teria deixado de cobrar £6 bilhões em impostos da empresa. A polícia foi chamada e na rua curiosos se perguntavam o que estava acontecendo.
“O que me chamou atenção foi que quando explicávamos nossos motivos, as pessoas que passavam se mostravam incrivelmente favoráveis. Elas paravam e contavam como estavam apavoradas com a perspectiva de perder suas casas e seus trabalhos – e quando elas ouviam que nada disso teria de acontecer se essas grandes companhias gigantescas pagassem seus impostos, elas ficavam furiosas. Muitas delas pararam o que estavam fazendo e se juntaram a nós”, relata um manifestante à reportagem do The Nation. Sentados à porta da loja, impedindo a entrada de clientes; cantando frases rimadas que pediam o pagamento dos impostos devidos, os manifestantes da UKUncut não sabiam o que estava por vir.
No dia seguinte, o evento começou a se replicar, quando em Leeds ativistas sem relação com os de Londres, fecharam três lojas da mesma empresa. Dois dias depois, com outras companhias como alvo, num sábado, as manifestações haviam se espalhado para 17 outras cidades, alcançando Edinburgo e Glasgow, na Escócia. No final de semana anterior ao de Natal, os protestos já haviam se espalhados para mais de 50 cidades, chegando a Belfast, na Irlanda do Norte, e Cardiff, no País de Gales. Os manifestantes apresentam-se como coletores de impostos fazendo trabalho voluntário em nome da “Grande Sociedade” de Cameron.
Usando táticas inspiradas nos flash mobs – eventos combinados pela internet onde as pessoas eram convidadas a se comportar coletivamente de uma maneira estranha, como atravessar rua num pé só, pelo simples prazer da bizarrisse – a maior façanha da UKUncut até agora foi fechar por alguns minutos uma das maiores lojas de departamento do centro de Londres. Manifestantes foram instruidos a entrar e misturar-se aos clientes e, ao som de um apito, sentar-se ao chão da loja, cantando palavras de ordem e exibindo seus cartazes.
Embalado por esse clima, a TUC, central sindical com aproximadamente 6,5 milhões de membros, fundada em 1868, está organizando uma manifestação em Londres no dia 26 de março. “Os cortes de gasto do governo irão atingir os serviços públicos e desempregar mais de um milhão de pessoas. Eles irão atingir as comunidades vulneráveis e em dificuldades e colocar em risco muito do que mantém a integridade da sociedade”, justifica o site MarchfortheAlternative.org.uk, mantido pela TUC. A sete semanas do evento, os organizadores afirmam contar com mais de 500 ônibus levando pessoas a Londres.
“Com a economia voltando a ostentar um crescimento negativo (…) mais e mais pessoas estão procurando uma alternativa e meios de demonstrar sua oposição aos cortes rápidos e profundos do governo”, ”diz Brendan Barber, secretário geral da TUC, em um manifesto publicado no site da central sindical em inicio de fevereiro. “Fica claro”, ele prossegue, “que a marcha da TUC capturou o sentimento do país e parece pronta para ser o maior evento de nossa história recente”.
Os organizadores da Marcha para a Alternativa (que em inglês também pode ser lido como Março para a Alternativa) esperam atrair “dezenas de milhares” de ativistas de todo o país para o centro de Londres, em 26 de março próximo, para pedir mudança “nos planos do governo de rápidos e profundos cortes nos gastos públicos”, os maiores desde a Segunda Guerra. O tamanho da manifestação e o resultado político dela ainda são incertezas a serem respondidas nos dias subsequentes, porém o recrudescimento do ativismo político já é um fato no país.
Em uma escalada que começou logo depois de a coalizão entre Conservadores e Liberais Democratas anunciar cortes de 80 bilhões de libras no orçamento dos próximos quatro anos e deixar vazar a expectativa de demissão de milhares de funcionários públicos, o ativismo inglês vem renascendo – das tradicionais marchas de estudantes até protestos originados na interação de desconhecidos através de redes sociais.
As ações mais barulhentas e de maior repercussão na mídia foram patrocinadas por grupos de estudantes, que por várias vezes entre novembro e dezembro passados foram até o coração político britânico – o Parlamento, às margens do rio Tâmisa, em Londres – pedir que os representantes votassem contra o aumento das anuidades das universidades proposto pelo novo governo. O novo regime – aprovado em dezembro de 2010 apesar dos protestos – permite a triplicação das matrículas, indo de cerca dos £3,2 mil anuais para um limite de até £9 mil a partir de 2012.
A primeira das manifestações ocorreu em 10 de novembro, quando, estima-se, 50 mil estudantes de todas as partes do país foram às ruas de Londres para um protesto, em sua maioria pacífico, mas que acabou em pancadaria e quebra-quebra no prédio que abriga a sede do partido Conservador, na região próxima de onde fica o Parlamento. Várias manifestações menores se seguiram naquelas semanas, com prédios de universidades sendo ocupados ao redor do país.
Embora derrotadas em suas demandas imediatas – o não-aumento das anuidades nas universidades – essas manifestações estudantis estabeleceram dois fatos. Primeiro, uma mudança de humor significativa em Londres, uma cidade que não testemunhava manifestações nessa escala desde 2003, nas passeatas contra a invasão do Iraque. Mas com uma diferença fundamental: esses estudantes levantavam uma bandeira interna e não internacionalista, como seus pares da década passada.
Mas o segundo fato, e talvez o mais importante é que a vitória do governo veio com uma etiqueta que estabelecia um preço bem claro, os primeiros abalos na coalizão entre Conservadores e Liberais Democratas.
Em um país onde a palavra tem um valor muito grande, Nick Clegg, o vice-primeiro ministro e candidato do Partido Liberal Democrata que concorreu contra Cameron nas eleições de 2010, havia comprometido-se a não aumentar as tarifas de educação. O que, obviamente, só aumentou a frustração dos estudantes. No seu partido, na votação de dezembro, 28 parlamentares foram com o governo e 21 contra.
Os Liberais Democratas, de Clegg, donos de 23% das cadeiras parlamentares, residem em outro espectro político que não o do estado mínimo dos Conservadores. Porém, com apenas 36% das cadeiras sob seu controle depois da eleição de 2010 e afastados do poder há 13 anos, um retorno dos Conservadores ao famoso número 10 da rua Downing passava pela construção de uma coalizão com o partido de centro-esquerda de Clegg, e assim uma série de concessões nas plataformas de ambos os partidos foram costuradas e acordadas.
Em outubro de 2010, cinco meses depois de tomar posse, a coalizão anunciou os planos detalhados de cortes de orçamento – £80 bilhões em quatro anos. Naquela mesma semana, um membro do governo foi fotografado carregando documentos que revelavam estimativas de extinção de até 500 mil vagas no setor público no país, dando avanço àquilo que David Cameron chama de “A Grande Sociedade”. A expressão foi cunhada pelo primeiro-ministro durante a campanha eleitoral para resumir um conjunto de medidas que visa a redução das responsabilidades do poder central, o estimulo ao voluntarismo e ao cooperativismo, a transferência de poder para os governos locais – em resumo, medidas de enxugamento da máquina estatal.
Por todo o país, bibliotecas públicas e centros de lazer e esportes estão fechando; há cortes nos orçamentos da polícia; diminuição de repasses aos municípios; criminosos são colocados em liberdade condicional em função da redução de gastos com construção de novas vagas prisionais; impostos sobre mercadorias e serviços aumentam, assim como tarifas de transporte público; as regras de benefícios como seguro-desemprego, auxílio-moradia e maternidade sofrem revisão; há planos para o aumento da idade de aposentadoria. Adicione-se a isso ainda uma taxa de desemprego na casa dos 8%, inflação em alta e uma economia que luta para manter-se em crescimento por mais que dois trimestres seguidos: é impossível encontrar um morador das ilhas britânicas intocado pela crise deflagrada em 2008 e pela austeridade orçamentária anunciadas em outubro passado.
Mas para muitos, faltava apresentar a parte da conta referente aos fat cats, para fazer uso de uma expressão local – bancos e grandes corporações e a fatia mais rica da sociedade. Logo depois do ministro das finanças apresentar os planos à sociedade britânica, um grupo de amigos discutia o estado das coisas em um pub, no centro de Londres, e se perguntava como havia se chegado a tal situação sem que ninguém fizesse nada para evitar que a responsabilidade por resolver a crise criada pelos mercados recaísse majoritariamente sobre as costas dos trabalhadores.
Tom Phillips, um enfermeiro de 23 anos que estava presente nessa noite, relata na mais recente edição da revista progressista norte-americana The Nation: “Nós gastamos um monte de energia perguntando por que não estava acontecendo. E então de repente percebemos que isso era o que todos estavam dizendo também. Por que não fazer algo? Por que nós não começamos? Se fizermos, talvez as pessoas parem de ser perguntar por que não está acontecendo e se juntem a nós”.
Exatamente uma semana depois do anúncio da revisão de gastos pelo governo conservador, o grupo estava na rua. Organizando-se via Twitter e Facebook, marcaram hora e local para encontrar-se no centro de Londres, numa quarta-feira, no começo da manhã.
Sessenta pessoas compareceram e ocuparam pacificamente a mais movimentada lojas de uma das principais empresas de telefonia móvel da Europa. Queriam chamar atenção para o fato de que o novo governo, por trás de todas as medidas de austeridade, teria deixado de cobrar £6 bilhões em impostos da empresa. A polícia foi chamada e na rua curiosos se perguntavam o que estava acontecendo.
“O que me chamou atenção foi que quando explicávamos nossos motivos, as pessoas que passavam se mostravam incrivelmente favoráveis. Elas paravam e contavam como estavam apavoradas com a perspectiva de perder suas casas e seus trabalhos – e quando elas ouviam que nada disso teria de acontecer se essas grandes companhias gigantescas pagassem seus impostos, elas ficavam furiosas. Muitas delas pararam o que estavam fazendo e se juntaram a nós”, relata um manifestante à reportagem do The Nation. Sentados à porta da loja, impedindo a entrada de clientes; cantando frases rimadas que pediam o pagamento dos impostos devidos, os manifestantes da UKUncut não sabiam o que estava por vir.
No dia seguinte, o evento começou a se replicar, quando em Leeds ativistas sem relação com os de Londres, fecharam três lojas da mesma empresa. Dois dias depois, com outras companhias como alvo, num sábado, as manifestações haviam se espalhado para 17 outras cidades, alcançando Edinburgo e Glasgow, na Escócia. No final de semana anterior ao de Natal, os protestos já haviam se espalhados para mais de 50 cidades, chegando a Belfast, na Irlanda do Norte, e Cardiff, no País de Gales. Os manifestantes apresentam-se como coletores de impostos fazendo trabalho voluntário em nome da “Grande Sociedade” de Cameron.
Usando táticas inspiradas nos flash mobs – eventos combinados pela internet onde as pessoas eram convidadas a se comportar coletivamente de uma maneira estranha, como atravessar rua num pé só, pelo simples prazer da bizarrisse – a maior façanha da UKUncut até agora foi fechar por alguns minutos uma das maiores lojas de departamento do centro de Londres. Manifestantes foram instruidos a entrar e misturar-se aos clientes e, ao som de um apito, sentar-se ao chão da loja, cantando palavras de ordem e exibindo seus cartazes.
Embalado por esse clima, a TUC, central sindical com aproximadamente 6,5 milhões de membros, fundada em 1868, está organizando uma manifestação em Londres no dia 26 de março. “Os cortes de gasto do governo irão atingir os serviços públicos e desempregar mais de um milhão de pessoas. Eles irão atingir as comunidades vulneráveis e em dificuldades e colocar em risco muito do que mantém a integridade da sociedade”, justifica o site MarchfortheAlternative.org.uk, mantido pela TUC. A sete semanas do evento, os organizadores afirmam contar com mais de 500 ônibus levando pessoas a Londres.
“Com a economia voltando a ostentar um crescimento negativo (…) mais e mais pessoas estão procurando uma alternativa e meios de demonstrar sua oposição aos cortes rápidos e profundos do governo”, ”diz Brendan Barber, secretário geral da TUC, em um manifesto publicado no site da central sindical em inicio de fevereiro. “Fica claro”, ele prossegue, “que a marcha da TUC capturou o sentimento do país e parece pronta para ser o maior evento de nossa história recente”.
Servidor sofre assédio moral após denunciar privilégio da Globo
Do Portal Vermelho
Em maio de 2009, os servidores Silvio Bahiana e Regina Santiago foram sumariamente afastados de suas funções no Escritório de Direitos Autorais da Biblioteca Nacional por um único motivo: defender o bem público contra privilégios da Globo. Mais de um ano depois, solidários a Silvio e Regina, servidores da Funarte (Fundação Nacional das Artes) sofreram nova agressão. Desta vez o crime foi panfletar a denúncia do jogo promíscuo entre o presidente da Biblioteca e a Fundação Roberto Marinho.
“Em 25 de maio, eu e a Regina fomos
surpreendidos pela nossa secretária nos avisando que um telefonema vindo
do Muniz Sodré, presidente da Biblioteca Nacional, ordenava que uma
pessoa de suas relações fosse recebida no Escritório de Direitos
Autorais, e que o documento que ela portava fosse deferido e registrado
imediatamente”, conta Sílvio, em entrevista a Rafael Maul, do Grupo
Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro.
O documento a ser registrado era o roteiro Roberto Marinho – Os Caminhos do Poder, de autoria de Rosane Braga. Como o expediente daquele dia já havia sido encerrado, o documento não poderia ser recebido. Porém, diante das ameaças da representante da Fundação da Rede Globo, Sílvio abriu uma exceção. “Mas avisei que (o documento) só seria protocolado no dia seguinte e que ele entraria na fila normal de atendimento.” A cena acabou com a seguinte frase: “‘Vê o que vocês podem fazer por mim. Eu sou amiga do presidente, hein”, narra Sílvio.
“Cadeia alimentar do poder”
Meia hora depois, Sílvio recebe uma ligação do chefe jurídico, Jaury Nepomuceno, bastante nervoso. Aflito ele questiona Sílvio: “está tentando me derrubar?”. Disse ainda que Sílvio estaria desobedecendo uma ordem sua e do presidente, Muniz Sodré. “Respondi que não estava tentando derrubar ninguém, que aquela função era de minha responsabilidade, e que eu estava defendendo o tratamento igualitário ao cidadão”, explica Sílvio.
No final da conversa Jaury faz o registro imediatamente, ignorando uma fila de dois mil cidadãos brasileiros que esperavam o mesmo do Escritório de Direitos Autorais (EDA). Confiante nos 19 anos de trabalho prestados à Biblioteca, Sílvio não deixou por menos e denunciou, junto com a colega Regina Santiago, o ocorrido à direção hierarquicamente acima do EDA. Porém, não só a denúncia foi ignorada como, apenas dois dias depois, sua função foi extinta da gerência administrativa do Escritório de Direitos Autorais.
Segundo Sílvio, o áudio da reunião em que foi informado de sua “desobediência em relação à ‘cadeia alimentar’ de poder da Biblioteca” está anexado ao processo que tramita no Ministério Público Federal. O futuro de Sílvio, após o incidente, é de apreensão. “A Regina voltou para o seu setor de origem e eu me mantenho afastado, em uma situação de limbo profissional, sofrendo assédio moral, desde junho de 2009”, lamenta.
MinC faz vistas grossas
Em julho de 2009, Sílvio deu entrada em uma representação no Ministério da Cultura (MinC), relatando o ocorrido. O MinC devolveu a competência de averiguação e resolução do problema para o próprio acusado, Muniz Sodré. “Eu repudiei esse encaminhamento, juntamente com um representante legal”, afirma. O MinC então encaminhou o processo para a Corregedoria Setorial dos Ministérios da Cultura e dos Esportes, em agosto de 2009.
Apenas em março de 2010 e após a notificação recebida por Muniz Sodré pelo MPF , a Corregedoria Setorial mandou instaurar uma sindicância de caráter exclusivamente investigativo, e não punitivo. “Parece óbvia a orientação no âmbito do MinC de não dar encaminhamento à questão, deixando que caia no esquecimento”, avalia o servidor.
Desde então Sílvio busca entidades e parlamentares para enfrentar o isolamento junto aos colegas, servidores públicos federais. “O servidor público federal é moralmente e por lei o guardião da coisa pública. Infelizmente, a categoria de uma forma geral parece desconhecer isso. A estabilidade, tão atacada, existe para isso: enfrentar os gestores que cometem improbidades administrativas”, argumenta.
Solidariedade e apoio
O vídeo abaixo é uma mostra do que acontece àqueles que pensam como Sílvio. Solidários ao colega, cinco servidores da Funarte, entre eles o autor das imagens Bruno Gawryszewski, aproveitaram uma festa de comemoração dos 200 anos da Biblioteca Nacional, realizada em 4 de novembro de 2010, para panfletar carta enviada ao então ministro da Cultura, Juca Ferreira. Em retaliação foram agredidos e impedidos de saírem do local do evento:
Agora o Ministério da Cultura, sob a direção de Ana de Hollanda, passa por mudanças. A polêmica em torno da retirada da licença Creative Commons do site do ministério ascendeu o debate sobre direitos autorais. Espera-se que a ministra, preocupada com o tema, dê encaminhamento a denúncia de Sílvio e garanta uma Biblioteca Nacional a serviço de todos os brasileiros.
Você também pode se manifestar, encaminhando a seguinte moção de repúdio, à ministra da Cultura:
O documento a ser registrado era o roteiro Roberto Marinho – Os Caminhos do Poder, de autoria de Rosane Braga. Como o expediente daquele dia já havia sido encerrado, o documento não poderia ser recebido. Porém, diante das ameaças da representante da Fundação da Rede Globo, Sílvio abriu uma exceção. “Mas avisei que (o documento) só seria protocolado no dia seguinte e que ele entraria na fila normal de atendimento.” A cena acabou com a seguinte frase: “‘Vê o que vocês podem fazer por mim. Eu sou amiga do presidente, hein”, narra Sílvio.
“Cadeia alimentar do poder”
Meia hora depois, Sílvio recebe uma ligação do chefe jurídico, Jaury Nepomuceno, bastante nervoso. Aflito ele questiona Sílvio: “está tentando me derrubar?”. Disse ainda que Sílvio estaria desobedecendo uma ordem sua e do presidente, Muniz Sodré. “Respondi que não estava tentando derrubar ninguém, que aquela função era de minha responsabilidade, e que eu estava defendendo o tratamento igualitário ao cidadão”, explica Sílvio.
No final da conversa Jaury faz o registro imediatamente, ignorando uma fila de dois mil cidadãos brasileiros que esperavam o mesmo do Escritório de Direitos Autorais (EDA). Confiante nos 19 anos de trabalho prestados à Biblioteca, Sílvio não deixou por menos e denunciou, junto com a colega Regina Santiago, o ocorrido à direção hierarquicamente acima do EDA. Porém, não só a denúncia foi ignorada como, apenas dois dias depois, sua função foi extinta da gerência administrativa do Escritório de Direitos Autorais.
Segundo Sílvio, o áudio da reunião em que foi informado de sua “desobediência em relação à ‘cadeia alimentar’ de poder da Biblioteca” está anexado ao processo que tramita no Ministério Público Federal. O futuro de Sílvio, após o incidente, é de apreensão. “A Regina voltou para o seu setor de origem e eu me mantenho afastado, em uma situação de limbo profissional, sofrendo assédio moral, desde junho de 2009”, lamenta.
MinC faz vistas grossas
Em julho de 2009, Sílvio deu entrada em uma representação no Ministério da Cultura (MinC), relatando o ocorrido. O MinC devolveu a competência de averiguação e resolução do problema para o próprio acusado, Muniz Sodré. “Eu repudiei esse encaminhamento, juntamente com um representante legal”, afirma. O MinC então encaminhou o processo para a Corregedoria Setorial dos Ministérios da Cultura e dos Esportes, em agosto de 2009.
Apenas em março de 2010 e após a notificação recebida por Muniz Sodré pelo MPF , a Corregedoria Setorial mandou instaurar uma sindicância de caráter exclusivamente investigativo, e não punitivo. “Parece óbvia a orientação no âmbito do MinC de não dar encaminhamento à questão, deixando que caia no esquecimento”, avalia o servidor.
Desde então Sílvio busca entidades e parlamentares para enfrentar o isolamento junto aos colegas, servidores públicos federais. “O servidor público federal é moralmente e por lei o guardião da coisa pública. Infelizmente, a categoria de uma forma geral parece desconhecer isso. A estabilidade, tão atacada, existe para isso: enfrentar os gestores que cometem improbidades administrativas”, argumenta.
Solidariedade e apoio
O vídeo abaixo é uma mostra do que acontece àqueles que pensam como Sílvio. Solidários ao colega, cinco servidores da Funarte, entre eles o autor das imagens Bruno Gawryszewski, aproveitaram uma festa de comemoração dos 200 anos da Biblioteca Nacional, realizada em 4 de novembro de 2010, para panfletar carta enviada ao então ministro da Cultura, Juca Ferreira. Em retaliação foram agredidos e impedidos de saírem do local do evento:
Agora o Ministério da Cultura, sob a direção de Ana de Hollanda, passa por mudanças. A polêmica em torno da retirada da licença Creative Commons do site do ministério ascendeu o debate sobre direitos autorais. Espera-se que a ministra, preocupada com o tema, dê encaminhamento a denúncia de Sílvio e garanta uma Biblioteca Nacional a serviço de todos os brasileiros.
Você também pode se manifestar, encaminhando a seguinte moção de repúdio, à ministra da Cultura:
Exma. Ministra de Estado da Cultura, Sra. Ana de Hollanda,
Repudiamos veementemente a morosidade deste Ministério na apuração da
denúncia feita pelo servidor da Fundação Biblioteca Nacional (FBN),
Silvio Bahiana, em maio de 2009, referente ao favorecimento, por ordem
do presidente da instituição, Sr. Muniz Sodré, de projeto da Fundação
Roberto Marinho no Escritório de Direitos Autorais da FBN.
Da mesma forma, repudiamos a perseguição política e o assédio moral, já
de amplo conhecimento deste Ministério, impostos ao servidor pela
direção do órgão público, tendo em vista que o trabalhador agiu no
cumprimento de suas obrigações, em defesa dos princípios da
administração pública.
É igualmente inaceitável o fato ocorrido no dia 4 de novembro de 2010,
quando cidadãos, após distribuição democrática de panfletos em evento da
Biblioteca Nacional, relatando a improbidade administrativa cometida,
foram violentamente, e sem qualquer justificativa, impedidos de deixar o
prédio da FBN, por ordem da Sr. Tânia Pacheco, sofrendo, inclusive,
agressões físicas por parte dos seguranças.
É inadmissível o autoritarismo, o patrimonialismo e a violência presentes nos episódios relatados.
Solicitamos rigor na punição a estes atos, de acordo com a legislação brasileira.
Ministra de Estado da Cultura : Anna de Hollanda Tels.: (61) 2024-2460/ 2464 Fax.: (61) 3225-9162 E-mail: gm@cultura.gov.br
Esplanada dos Ministérios, Bloco B, sala 401
CEP 70068-900
Brasília – Distrito Federal
Salvar a humanidade e o planeta
Essa foi a principal mensagem de
Evo Morales aos participantes da marcha da abertura do Fórum Social
Mundial 2011, que aconteceu na tarde do dia 6. Para o presidente
boliviano, que falou no encerramento da caminhada, é preciso “defender
os interesses da mãe Terra para defender a todos”.
Ele criticou os resultados das últimas rodadas das reuniões sobre clima – realizadas em Copenhague e em Cancun – e chamou os movimentos sociais à mobilização sobre o tema. “Temos que nos preparar para o próximo encontro. Os povos da África devem forçar seus governos a se somar à luta pelo planeta. Para tanto, é preciso mudar o modelo de desenvolvimento econômico”, defendeu.
Mudança
Um dos símbolos da guinada progressista que a América Latina experimentou na última década com a eleição de governantes identificados com a esquerda, Morales saudou a realização de mais uma edição do FSM. “Essa grande mobilização é uma mensagem contra o imperialismo norte-americano. Sou aluno desta escola do Fórum Social Mundial e dos movimentos sociais do mundo, sou parte disso. Me eduquei no movimento sindical para me preparar e estar hoje na presidência.”
Esse importante passo, da resistência à emancipação, afirmou ele só é possível a partir de um programa social, econômico e cultural que venha do povo. “A partir de um dos setores mais discriminados, que são os povos indígenas, chegamos à presidência para mudar a Bolívia”, asseverou.
Entre as transformações já implementadas desde a primeira eleição em 2005, ele citou a garantia de que os serviços essenciais sejam públicos e não privatizados. Com a nova Constituição, destacou, a água tornou-se um direito humano. Com a nacionalização dos recursos naturais, a Bolívia ampliou o investimento de U$ 600 milhões para os atuais US$ 3,2 bilhões. Além disso, em 2005, havia reservar de US$ 2,7 bilhões, que saltaram para US$ 10 bilhões. “Se os recursos naturais são em favor do povo, outro mundo é possível”, afirmou.
Mensagem brasileira
Representando a presidente do Brasil, Dilma Rousseff, o ministro Gilberto de Carvalho também se dirigiu aos participantes do FSM. Ele manifestou o pesar pela diáspora africana e a escravidão e lembrou que ainda hoje os afrodescendentes, cujos antepassados lutaram pela liberdade, ainda precisam enfrentar a discriminação, embora já sejam a maioria da população brasileira.
Carvalho propôs ainda a intensificação das relações entre o Brasil e as nações africanas. “Que se dê entre iguais e não entre dominados e dominadores”, enfatizou.
Foto: Hilde Stephanes
Ele criticou os resultados das últimas rodadas das reuniões sobre clima – realizadas em Copenhague e em Cancun – e chamou os movimentos sociais à mobilização sobre o tema. “Temos que nos preparar para o próximo encontro. Os povos da África devem forçar seus governos a se somar à luta pelo planeta. Para tanto, é preciso mudar o modelo de desenvolvimento econômico”, defendeu.
Mudança
Um dos símbolos da guinada progressista que a América Latina experimentou na última década com a eleição de governantes identificados com a esquerda, Morales saudou a realização de mais uma edição do FSM. “Essa grande mobilização é uma mensagem contra o imperialismo norte-americano. Sou aluno desta escola do Fórum Social Mundial e dos movimentos sociais do mundo, sou parte disso. Me eduquei no movimento sindical para me preparar e estar hoje na presidência.”
Esse importante passo, da resistência à emancipação, afirmou ele só é possível a partir de um programa social, econômico e cultural que venha do povo. “A partir de um dos setores mais discriminados, que são os povos indígenas, chegamos à presidência para mudar a Bolívia”, asseverou.
Entre as transformações já implementadas desde a primeira eleição em 2005, ele citou a garantia de que os serviços essenciais sejam públicos e não privatizados. Com a nova Constituição, destacou, a água tornou-se um direito humano. Com a nacionalização dos recursos naturais, a Bolívia ampliou o investimento de U$ 600 milhões para os atuais US$ 3,2 bilhões. Além disso, em 2005, havia reservar de US$ 2,7 bilhões, que saltaram para US$ 10 bilhões. “Se os recursos naturais são em favor do povo, outro mundo é possível”, afirmou.
Mensagem brasileira
Representando a presidente do Brasil, Dilma Rousseff, o ministro Gilberto de Carvalho também se dirigiu aos participantes do FSM. Ele manifestou o pesar pela diáspora africana e a escravidão e lembrou que ainda hoje os afrodescendentes, cujos antepassados lutaram pela liberdade, ainda precisam enfrentar a discriminação, embora já sejam a maioria da população brasileira.
Carvalho propôs ainda a intensificação das relações entre o Brasil e as nações africanas. “Que se dê entre iguais e não entre dominados e dominadores”, enfatizou.
Foto: Hilde Stephanes
domingo, 6 de fevereiro de 2011
A marcha dos povos no FSM do Senegal
Por Adriana Delorenzo, de Dacar na Revista Forum
Neste domingo, 6, teve início em Dacar o Fórum Social
Mundial de 2011. Cerca de 50 mil pessoas participaram da marcha de
abertura do evento, que partiu da sede da Radio Television Senegalaise
(RTS) e foi até a Universidade Cheik Anta Diop, onde acontece o FSM.
Ativistas e militantes altermundistas percorreram uma distância de cerca
de quatro quilômetros sob um forte sol.
Como é tradicional em todos os Fóruns, a diversidade de organizações e bandeiras de luta marcou a marcha. Por ser na África, muitos movimentos e manifestações culturais locais fizeram a diferença. A marcha contou com refugiados da Mauritânia no Senegal, ativistas em defesa da independência do Saara Ocidental e senegaleses reivindicando paz em Casamance (região do país onde há conflito por conta de um movimento separatista), entre outros militantes do norte da África.
Em seu 10º aniversário, o FSM reúne participantes e organizações de 123 países, Palestina e Curdistão. A grande maioria é de países da África (45), seguidos dos europeus (29), asiáticos (22), centro-americanos e caribenhos (12), sul-americanos (10), norte-americanos (3) e países da oceania (2).
Movimentos
Segundo Taoufik Ben Abdallah, um dos organizadores do Fórum Social Africano, a realização do FSM de Dacar mobilizou cerca de mil pessoas nos processos preparatórios. Em torno de 200 organizações participam do Comitê do Senegal, além de outras mil organizações africanas que se empenham na construção do evento.
Para ele, um dos desafios do FSM na África é o de construir uma nova relação entre os intelectuais e os movimentos sociais locais. “Na África não existe essa aliança”, diz. “Já na América Latina, muitos intelectuais fazem parte dos movimentos sociais e vice-versa”, acrescenta.
Com a crise internacional, especialmente nos EUA e Europa, Taoufik avalia que se abriu um novo equilíbrio de poder global, onde há o crescimento do G-20 e novos atores, como os BRICs. Ele considera que a África precisa aproveitar essa nova oportunidade geopolítica de uma forma positiva, enfrentando os conflitos e a pobreza. Tanto a crise, como a África serão debatidas em muitas das quase mil atividades autogestionadas propostas pelas organizações que participam do Fórum.
Diversidade
O médico marroquino Abdelkebir Saaf deixou Rabat junto com 50 ativistas. Integrante do Fórum Civil Democrático de Marrocos, ele defende o direito à saúde e ao meio ambiente saudável para todos. “Na marcha, as pessoas exprimem seus desejos e grandes ideais. Depois teremos espaço para trocar experiências”, diz.
Outra ativista presente na marcha inaugural do FSM foi Josephine Irene Uwamariya, de Ruanda. Diretora da organização Actionaid, ela atua em defesa dos direitos das mulheres. Mas a idéia é dar voz a elas, para que elas mesmas lutem por seus direitos. Questionada pela reportagem sobre a situação política de seu país, Josephine analisa que não há comparação com aquela retratada por Terry George no filme Hotel Ruanda, de 2004. Segundo ela, na última eleição parlamentar as mulheres conseguiram fazer 56% do total de eleitos.
A colombiana Alexandra Patricia Jurado também traz ao FSM a bandeira das mulheres. Membro do Movimiento Social de Mujeres contra La Guerra y por La Paz, ela vem ao FSM para rechaçar todas as formas de violência. “Estamos congregados para ser um grito de protesto a todas as violações de direitos humanos, mas também para gritar ao mundo que estamos cansados de guerra e que continuam militarizando a vida e nossos corpos, como mulheres”, afirma. “Estamos cansados que os recursos sejam destinados cada vez mais a guerras e menos à educação, à saúde e à qualidade de vida justa e digna para todos os homens e mulheres do mundo.”
Já o vietnamita Tran Dac Loi conta que o principal desafio do movimento social daquele país é como manter o socialismo, num contexto de globalização capitalista. Vice-presidente da Vietnam Union of Friendship Organizations, ele afirma que os 25 anos de regime socialista no seu país trouxeram muitos benefícios ao povo. “Reduzimos a pobreza de 75% para 10%”, diz. “O socialismo visa o desenvolvimento da pessoa humana, já o capitalismo apenas o lucro”, defende ele, que ressalta o sentimento de solidariedade e fraternidade presente no FSM.
Como é tradicional em todos os Fóruns, a diversidade de organizações e bandeiras de luta marcou a marcha. Por ser na África, muitos movimentos e manifestações culturais locais fizeram a diferença. A marcha contou com refugiados da Mauritânia no Senegal, ativistas em defesa da independência do Saara Ocidental e senegaleses reivindicando paz em Casamance (região do país onde há conflito por conta de um movimento separatista), entre outros militantes do norte da África.
Em seu 10º aniversário, o FSM reúne participantes e organizações de 123 países, Palestina e Curdistão. A grande maioria é de países da África (45), seguidos dos europeus (29), asiáticos (22), centro-americanos e caribenhos (12), sul-americanos (10), norte-americanos (3) e países da oceania (2).
Movimentos
Segundo Taoufik Ben Abdallah, um dos organizadores do Fórum Social Africano, a realização do FSM de Dacar mobilizou cerca de mil pessoas nos processos preparatórios. Em torno de 200 organizações participam do Comitê do Senegal, além de outras mil organizações africanas que se empenham na construção do evento.
Para ele, um dos desafios do FSM na África é o de construir uma nova relação entre os intelectuais e os movimentos sociais locais. “Na África não existe essa aliança”, diz. “Já na América Latina, muitos intelectuais fazem parte dos movimentos sociais e vice-versa”, acrescenta.
Com a crise internacional, especialmente nos EUA e Europa, Taoufik avalia que se abriu um novo equilíbrio de poder global, onde há o crescimento do G-20 e novos atores, como os BRICs. Ele considera que a África precisa aproveitar essa nova oportunidade geopolítica de uma forma positiva, enfrentando os conflitos e a pobreza. Tanto a crise, como a África serão debatidas em muitas das quase mil atividades autogestionadas propostas pelas organizações que participam do Fórum.
Diversidade
O médico marroquino Abdelkebir Saaf deixou Rabat junto com 50 ativistas. Integrante do Fórum Civil Democrático de Marrocos, ele defende o direito à saúde e ao meio ambiente saudável para todos. “Na marcha, as pessoas exprimem seus desejos e grandes ideais. Depois teremos espaço para trocar experiências”, diz.
Outra ativista presente na marcha inaugural do FSM foi Josephine Irene Uwamariya, de Ruanda. Diretora da organização Actionaid, ela atua em defesa dos direitos das mulheres. Mas a idéia é dar voz a elas, para que elas mesmas lutem por seus direitos. Questionada pela reportagem sobre a situação política de seu país, Josephine analisa que não há comparação com aquela retratada por Terry George no filme Hotel Ruanda, de 2004. Segundo ela, na última eleição parlamentar as mulheres conseguiram fazer 56% do total de eleitos.
A colombiana Alexandra Patricia Jurado também traz ao FSM a bandeira das mulheres. Membro do Movimiento Social de Mujeres contra La Guerra y por La Paz, ela vem ao FSM para rechaçar todas as formas de violência. “Estamos congregados para ser um grito de protesto a todas as violações de direitos humanos, mas também para gritar ao mundo que estamos cansados de guerra e que continuam militarizando a vida e nossos corpos, como mulheres”, afirma. “Estamos cansados que os recursos sejam destinados cada vez mais a guerras e menos à educação, à saúde e à qualidade de vida justa e digna para todos os homens e mulheres do mundo.”
Já o vietnamita Tran Dac Loi conta que o principal desafio do movimento social daquele país é como manter o socialismo, num contexto de globalização capitalista. Vice-presidente da Vietnam Union of Friendship Organizations, ele afirma que os 25 anos de regime socialista no seu país trouxeram muitos benefícios ao povo. “Reduzimos a pobreza de 75% para 10%”, diz. “O socialismo visa o desenvolvimento da pessoa humana, já o capitalismo apenas o lucro”, defende ele, que ressalta o sentimento de solidariedade e fraternidade presente no FSM.
Hoje inicia o FSM de Dacar
Fórum Social Mundial reflete sobre a condição africana em tempos de globalização
Rui Felten no Sul21
Uma marcha de abertura, marcada para as 13 horas deste domingo (06),
dá início às atividades de mais uma edição do Fórum Social Mundial
(FSM), que este ano se realiza em Dacar, no Senegal — país da África
Ocidental. Dacar é a capital senegalesa e abriga cerca de 2,6 milhões de
habitantes. Durante os seis dias do FSM, deverão passar por lá
representantes e organizações de 123 países.
Com presença já confirmada, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) deve comparecer acompanhado do ex-ministro Luiz Dulci e do
ex-presidente do Sebrae Paulo Okamotto. Lula é esperado para participar,
na segunda-feira (07), junto com o presidente do Senegal, Abdou
Layewade, do painel A África na Geopolítica Mundial, prevista
para se iniciar às 12h30min e se estender até as 15h30min. Está
confirmada também a presença de Evo Morales, presidente da Bolívia.
Temas como desigualdades, pobreza, discriminações, guerras e a
ascensão de novos países à condição de potências mundiais vão conduzir
os debates a respeito da crise. Também vão estar na pauta questões
referentes à ecologia (como as mudanças climáticas e a ameaça de
esgotamento das fontes naturais) e à ideologia — envolvendo,
particularmente, segurança pública, liberdades, democracia e cultura,
além de ciência e modernidade.
A situação da África no contexto mundial estará sempre no centro das
reflexões, considerando a ideia de que ela não é pobre, e sim
empobrecida. E de que também não é marginalizada, mas explorada. Essa
análise é feita por Gustave Massiah, membro do Research and Information
Center for Development (CRID), da França, e integrante do Conselho
Internacional do FSM. Mas se a África é usurpada, ele não deixa de
reconhecer, também, que existe uma “cumplicidade ativa” de uma parcela
dos dirigentes de estados africanos para que a cobiça de países ricos ou
emergentes pelas matérias-primas e pelos recursos naturais e humanos do
continente seja satisfeita.
Outras questões a serem levadas ao Fórum são a crise da hegemonia
norte-americana e do neoliberalismo e a descolonização como um processo
histórico ainda por ser concluído. A programação reserva espaço, ainda, a
debates sobre as migrações como fator decorrente da globalização.
Construção da solidariedade
O ex-governador Olívio Dutra, que estava à frente do Executivo gaúcho
nas duas primeiras edições do FSM, avalia o evento como um processo de
construção da solidariedade, da igualdade, da justiça e da democracia.
Afirma que ainda há um enorme desafio pela frente, mas que o Fórum já se
firmou como espaço de articulação da esperança de evolução para um
mundo em que as decisões não sejam tomadas apenas pelos países mais
fortes, por dominação.
“Todos devem influir nas decisões. E o Fórum Social Mundial, embora
não seja um organismo formal, deve ser ouvido pelos organismos formais,
como instância de representação no combate à miséria, à exploração, à
guerra e à fome”, diz o ex-governador. Ele acredita que a força do FSM
já pôde ser sentida no Fórum Econômico Mundial (FEM), que reúne
anualmente em Davos, na Suíça, os principais líderes empresariais e
políticos.
O Rio Grande em Dacar
A representação gaúcha que estará em Dacar a partir de segunda-feira
vai participar do FSM com dois propósitos principais: confirmar a
determinação de atuar na organização da edição descentralizada prevista
para o FSM no ano que vem e tentar atrair o Fórum novamente para Porto
Alegre em 2013. “Não será uma conquista simples, porque também concorrem
como sedes a Europa e a China”, diz o assessor de Relações
Internacionais do Governo do Estado, Tarson Nuñez, que vai participar em
companhia do secretário estadual adjunto da Cultura, Jeferson Assunção.
Pesam a favor do Rio Grande do Sul, na opinião de Nuñez, o fato de os
governos europeus serem mais conservadores e de os movimentos sociais
não terem tanta força nos países da Europa, o que ocorre também com a
China. Serão encaminhadas pela representação gaúcha manifestações de um
grande número de segmentos governamentais e não-governamentais em prol
da realização do FSM no Estado daqui a dois anos.
Nuñez defende que o FSM não deve mais ser somente um ambiente de
debates, mas se transformar em uma dinâmica permanente de intercâmbio
entre as nações participantes. “Deve haver um processo continuado, que
não se esgote naqueles momentos de discussões, mas que expanda os seus
efeitos de forma perene e propositiva”, afirma. É disso, na opinião
dele, que poderá resultar o aprofundamento da reflexão sobre o modelo de
desenvolvimento desejado pela humanidade. “Precisamos definir um
paradigma desse modelo”, ressalta. Nuñez acrescenta que o FSM também já
não deve mais estar preocupado apenas em criticar o sistema vigente, mas
em formular um sistema alternativo.
Histórico
O primeiro FSM ocorreu em janeiro de 2001, em Porto Alegre.
Participaram cerca de 20 mil pessoas. Realizada novamente na capital
gaúcha, em 2003, a segunda edição atraiu mais de 50 mil pessoas. No ano
seguinte, Porto Alegre recebeu em torno de 100 mil pessoas do mundo
inteiro para o evento.
Em 2004, o Fórum foi promovido pela primeira vez fora do Brasil, por
decisão de seu Conselho Internacional de fazer dele um evento
internacionalizado. A cidade escolhida, naquele ano, foi Mumbai, na
Índia. Em 2005, o FSM retornou para Porto Alegre. Já em 2006, teve uma
edição descentralizada, com programações em Bamako (África), Caracas
(Venezuela) e Karachi (Paquistão). O de 2007 ocorreu em Nairóbi (Quênia)
e, em 2008, o Conselho Internacional decidiu que haveria não um fórum
nos moldes anteriores, mas uma semana de mobilização e ação global, que
culminou com o Dia de Visibilidade Mundial, em 26 de janeiro.
Belém, a capital do Pará, foi sede da nona edição, em 2009, quando
participaram cerca de 120 mil pessoas de 150 países. E em 2010, houve
novamente um fórum descentralizado, com programação desenvolvida ao
longo do ano em diversas partes do mundo, incluindo o Brasil. No Rio
Grande do Sul, o FSM teve atividades em Porto Alegre, Canoas e Santa
Maria.
Uma breve história do Fórum Social Mundial
Nas origens do FSM estão o "grito
zapatista" de 1994 e as manifestações em Seattle, em 1999, que impediram
a realização da reunião da OMC. Na sequência, o movimento
anti-neoliberal passou da fase de resistência à fase de construção de
alternativas. Este FSM demonstrará se permanece na fase de resistência,
de fragmentação de temáticas, de limitação à “sociedade civil” ou se se
coloca à altura da etapa atual de disputa hegemônica, já não mais a
nível nacional ou regional, mas a nível global. A análise é de Emir
Sader.
Emir Sader, no CARTA MAIOR
O Fórum Social Mundial já tem história. Uma
história que não pode ser entendida separada daquilo que lhe deu
nascimento e a que ele está intrinsecamente vinculado: a luta contra o
neoliberalismo e por um mundo posneoliberal – que é o sentido de seu
lema central “Um outro mundo possível”.
Nas suas origens está o “grito zapatista” de 1994”, conclamando à luta global contra o neoliberalismo. Em seguida, veio o editorial do Le Monde Diplomatique, de Ignacio Ramonet, chamando à luta contra o “pensamento único”, seguida pelas manifestações em Seattle, que impediram a realização da reunião da OMC e as outras, em tantas cidades do mundo. Enquanto isso, se realizavam anualmente manifestações na Suiça, chamadas de anti-Davos.
Até que, com o crescimento da resistência ao neoliberalismo, se pensou no projeto de organizar um Forum Social Mundial em oposição ao Forum Economico de Davos. A idéia foi de Bernard Cassen, jornalista francês que naquele momento dirigia a Attac, que ao mesmo tempo propôs que a sede fosse na periferia do sistema – onde residem as vitimas privilegiadas do neoliberalismo -, na América Latina – onde se desenvolviam os principais movimentos de resistência, no Brasil – que tinha a esquerda mais forte naquele momento – e, em particular, em Porto Alegre – pelas políticas dos governos do PT, de Orçamento Participativo.
Depois do primeiro Fórum se constituiu um Conselho Internacional, com participação de todas as entidades que quisessem se incorporar, porém a direção continuou em um estrito grupo de entidades brasileiras, dominadas por ONGs. Este foi um limitante original do FSM, dado que o movimento se apoiava centralmente em movimentos sociais – de que a Via Campesina agrupa a parte significativa deles -, enquanto as ONGs – cujo caráter ambíguo, até mesmo neoliberal pela sua definição anti-governamental, mas também com várias delas com ações obscuras no seu sentido, no seu financiamento e nas suas alianças com grandes empresas privadas – se apoderava do controle da organização, imprimindo-lhe um caráter restrito.
Restrito, porque limitado a um suposta “sociedade civil”, o que já lhe imprimia um caráter liberal, oposto a governos, a partidos, a Estados, bloqueando a capacidade de construção de “um outro mundo possível”, que teria que ser um mundo global, com transformação das relações de poder, do Estado e da sociedade no seu conjunto. Também ficava fora um tema que passou a ser central no mundo conforme os EUA adotavam sua política de “guerras infinitas” – a luta pela paz -, que no entanto representou o momento de maior capacidade de mobilização dos novos movimentos populares no mundo, com as mobilizações de resistência à guerra do Iraque, em 2003.
O Conselho Internacional decidiu a alternância de sedes do FSM, que passou a se realizar em outros continentes, com o que se realizaram encontros na Índia e no Quênia. Também decidiu que os FSM seriam realizadosa cada dois anos, alternados por FSM regionais. No entanto o FSM passou realmente a girar em falso conforme a definição inicial de se limitar um espaço de troça de experiências entre entidades da “sociedade civil” foi limitando suas temáticas e sua capacidade de formular alternativas. Nem sequer balanços das maiores mobilizações populares jamais havidas, as contra a guerra do Iraque, foram feitas, para definir a continuidade da luta.
A fragmentação dos temas se acentuou conforme foi decidido que as atividades dos FSM seriam “autogestionadas”, sem definição política dos temas fundamentais, que deveriam ser financiados centralizadamente, promovendo um imenso privilegio das ONGs e outras entidades que dispõem de recursos contra os movimentos sociais – que deveriam ser os protagonistas fundamentais do FSM.
Hoje, o FSM tem em governos latinoamericanos progressistas os agentes de construção da agenda proposta pelo movimento. Os movimentos sociais que souberam rearticular de maneira criativa suas relações com a esfera política – de que a fundação pelos movimentos bolivianos do MAS – e disputar a criação de novos governos e a construção de projetos hegemônicos alternativos, avançaram significativamente na criação do “outro mundo possível”. Enquanto que os que seguiram refugiados na chamada “autonomia dos movimentos sociais” – como os casos dos piqueteiros argentinos ou dos zapatistas – perderam peso ou até mesmo tenderam a desaparecer politicamente.
Em 2009, o Fórum voltou ao Brasil, sendo realizado em Belém, no Pará. O encontro foi marcado, entre outras coisas, pela presença de 5 presidentes latino-americanos – Evo Morales, Rafael Correa, Hugo Chavez, Fernando Lugo e Lula, líderes de governos que, em distintos níveis, colocam em prática políticas que identificaram, desde o seu nascimento, o FSM: a Alba, o Banco do Sul, a prioridade das políticas sociais, a regulamentação da circulação do capital financeiro, a Operação Milagre, as campanhas que terminaram com analfabetismo na Venezuela e na Bolívia, a formação das primeiras gerações de médicos pobres no continente, pelas Escolas Latinoamericanas de Medicina, a Unasul, o Conselho Sulamericano de Segurança, o gasoduto continental, a Telesul – entre outras. A cara nova e vitoriosa do FSM, nos avanços da construção do posneoliberalismo na América Latina.
O FSM 2009 foi marcado também pela forte presença d os povos indígenas e pelo Forum PanAmazonico, com os movimentos camponeses e a Via Campesina, os sindicatos e o Mundo do Trabalho, os movimentos feministas e a Marcha Mundial das Mulheres, os movimentos negros, os movimentos de estudantes, os de jovens.
O movimento anti-neoliberal passou da fase de resistência à fase de construção de alternativas. Este FSM demonstrará se permanece na fase de resistência, de fragmentação de temáticas, de limitação à “sociedade civil” ou se se coloca à altura da etapa atual de disputa hegemônica, já não mais a nível nacional ou regional, mas a nível global, quando a crise capitalista e o esgotamento do modelo neoliberal coloca para o FSM seu maior desafio: ser agente na construção concreta do “outro mundo possível” ou permanecer como espaço de testemunhos, ricos, mas impotentes.
O Fórum Social Mundial 2011, em Dakar, ganhou uma nova agenda com a onda de protestos populares que já atingiu a Tunísia, o Egito, o Iêmen e a Jordânia. O mais significativo de todos, sem dúvida, é o Egito, em função do que o país representa em termos geopolíticos no Oriente Médio. Egito e Arábia Saudita são dois pilares centrais da aliança EUA-Israel na região. Uma mudança de regime político em um desses dois países pode significar um terremoto geopolítico de grandes proporções.
A aplicação da consigna do FSM aos problemas dessa região coloca a seguinte questão: “Outro Oriente Médio é possível?”. O que está acontecendo no Egito mostra que o castelo das autocracias apoiadas e sustentadas pelos EUA é menos sólido do que parecia. Milhões de jovens, homens e mulheres, estão nas ruas dizendo que é possível, sim. E necessário.
Nas suas origens está o “grito zapatista” de 1994”, conclamando à luta global contra o neoliberalismo. Em seguida, veio o editorial do Le Monde Diplomatique, de Ignacio Ramonet, chamando à luta contra o “pensamento único”, seguida pelas manifestações em Seattle, que impediram a realização da reunião da OMC e as outras, em tantas cidades do mundo. Enquanto isso, se realizavam anualmente manifestações na Suiça, chamadas de anti-Davos.
Até que, com o crescimento da resistência ao neoliberalismo, se pensou no projeto de organizar um Forum Social Mundial em oposição ao Forum Economico de Davos. A idéia foi de Bernard Cassen, jornalista francês que naquele momento dirigia a Attac, que ao mesmo tempo propôs que a sede fosse na periferia do sistema – onde residem as vitimas privilegiadas do neoliberalismo -, na América Latina – onde se desenvolviam os principais movimentos de resistência, no Brasil – que tinha a esquerda mais forte naquele momento – e, em particular, em Porto Alegre – pelas políticas dos governos do PT, de Orçamento Participativo.
Depois do primeiro Fórum se constituiu um Conselho Internacional, com participação de todas as entidades que quisessem se incorporar, porém a direção continuou em um estrito grupo de entidades brasileiras, dominadas por ONGs. Este foi um limitante original do FSM, dado que o movimento se apoiava centralmente em movimentos sociais – de que a Via Campesina agrupa a parte significativa deles -, enquanto as ONGs – cujo caráter ambíguo, até mesmo neoliberal pela sua definição anti-governamental, mas também com várias delas com ações obscuras no seu sentido, no seu financiamento e nas suas alianças com grandes empresas privadas – se apoderava do controle da organização, imprimindo-lhe um caráter restrito.
Restrito, porque limitado a um suposta “sociedade civil”, o que já lhe imprimia um caráter liberal, oposto a governos, a partidos, a Estados, bloqueando a capacidade de construção de “um outro mundo possível”, que teria que ser um mundo global, com transformação das relações de poder, do Estado e da sociedade no seu conjunto. Também ficava fora um tema que passou a ser central no mundo conforme os EUA adotavam sua política de “guerras infinitas” – a luta pela paz -, que no entanto representou o momento de maior capacidade de mobilização dos novos movimentos populares no mundo, com as mobilizações de resistência à guerra do Iraque, em 2003.
O Conselho Internacional decidiu a alternância de sedes do FSM, que passou a se realizar em outros continentes, com o que se realizaram encontros na Índia e no Quênia. Também decidiu que os FSM seriam realizadosa cada dois anos, alternados por FSM regionais. No entanto o FSM passou realmente a girar em falso conforme a definição inicial de se limitar um espaço de troça de experiências entre entidades da “sociedade civil” foi limitando suas temáticas e sua capacidade de formular alternativas. Nem sequer balanços das maiores mobilizações populares jamais havidas, as contra a guerra do Iraque, foram feitas, para definir a continuidade da luta.
A fragmentação dos temas se acentuou conforme foi decidido que as atividades dos FSM seriam “autogestionadas”, sem definição política dos temas fundamentais, que deveriam ser financiados centralizadamente, promovendo um imenso privilegio das ONGs e outras entidades que dispõem de recursos contra os movimentos sociais – que deveriam ser os protagonistas fundamentais do FSM.
Hoje, o FSM tem em governos latinoamericanos progressistas os agentes de construção da agenda proposta pelo movimento. Os movimentos sociais que souberam rearticular de maneira criativa suas relações com a esfera política – de que a fundação pelos movimentos bolivianos do MAS – e disputar a criação de novos governos e a construção de projetos hegemônicos alternativos, avançaram significativamente na criação do “outro mundo possível”. Enquanto que os que seguiram refugiados na chamada “autonomia dos movimentos sociais” – como os casos dos piqueteiros argentinos ou dos zapatistas – perderam peso ou até mesmo tenderam a desaparecer politicamente.
Em 2009, o Fórum voltou ao Brasil, sendo realizado em Belém, no Pará. O encontro foi marcado, entre outras coisas, pela presença de 5 presidentes latino-americanos – Evo Morales, Rafael Correa, Hugo Chavez, Fernando Lugo e Lula, líderes de governos que, em distintos níveis, colocam em prática políticas que identificaram, desde o seu nascimento, o FSM: a Alba, o Banco do Sul, a prioridade das políticas sociais, a regulamentação da circulação do capital financeiro, a Operação Milagre, as campanhas que terminaram com analfabetismo na Venezuela e na Bolívia, a formação das primeiras gerações de médicos pobres no continente, pelas Escolas Latinoamericanas de Medicina, a Unasul, o Conselho Sulamericano de Segurança, o gasoduto continental, a Telesul – entre outras. A cara nova e vitoriosa do FSM, nos avanços da construção do posneoliberalismo na América Latina.
O FSM 2009 foi marcado também pela forte presença d os povos indígenas e pelo Forum PanAmazonico, com os movimentos camponeses e a Via Campesina, os sindicatos e o Mundo do Trabalho, os movimentos feministas e a Marcha Mundial das Mulheres, os movimentos negros, os movimentos de estudantes, os de jovens.
O movimento anti-neoliberal passou da fase de resistência à fase de construção de alternativas. Este FSM demonstrará se permanece na fase de resistência, de fragmentação de temáticas, de limitação à “sociedade civil” ou se se coloca à altura da etapa atual de disputa hegemônica, já não mais a nível nacional ou regional, mas a nível global, quando a crise capitalista e o esgotamento do modelo neoliberal coloca para o FSM seu maior desafio: ser agente na construção concreta do “outro mundo possível” ou permanecer como espaço de testemunhos, ricos, mas impotentes.
O Fórum Social Mundial 2011, em Dakar, ganhou uma nova agenda com a onda de protestos populares que já atingiu a Tunísia, o Egito, o Iêmen e a Jordânia. O mais significativo de todos, sem dúvida, é o Egito, em função do que o país representa em termos geopolíticos no Oriente Médio. Egito e Arábia Saudita são dois pilares centrais da aliança EUA-Israel na região. Uma mudança de regime político em um desses dois países pode significar um terremoto geopolítico de grandes proporções.
A aplicação da consigna do FSM aos problemas dessa região coloca a seguinte questão: “Outro Oriente Médio é possível?”. O que está acontecendo no Egito mostra que o castelo das autocracias apoiadas e sustentadas pelos EUA é menos sólido do que parecia. Milhões de jovens, homens e mulheres, estão nas ruas dizendo que é possível, sim. E necessário.
sábado, 5 de fevereiro de 2011
Quando confunde-se religião com práticas
Raphael Tsavkko Garcia
É possível afirmar, como o fez Amâncio Siqueira em artigo recente
no Amálgama, que o Irã é uma teocracia islâmica e, ao mesmo tempo, que é
uma ditadura com diversos aspectos que merecem nosso franco repúdio.
Não há problema nisso.
Problema há quando ligam ditadura e repressão ao islamismo. Quando a
ideia de “ditadura repressiva” passa a estar intimamente ligada ao
islamismo, quando estamos diante não do islamismo, mas de uma leitura que, em geral, envergonha a maior parte daqueles que professam a religião.
Ditaduras independem de religião. São políticas. Feitas por homens
que encontram uma desculpa para manter seu poder e perpetuar a
repressão. Pode ser o Islamismo, Cristianismo ou até o Pastafarianismo –
basta acreditar. Pessoas matam e morrem em nome de grandes ou de
pequenas religiões. Entregam todo seu dinheiro para templos evangélicos.
Trata-se de leituras deturpadas.
Obviamente a religião em si abre portas para o fanatismo, mas não
pode ser totalmente responsável pelas leituras mais radicais que são
feitas. Senão todos os crentes seriam fanáticos por princípio.
Imagino que nenhum cristão se vanglorie dos milhões de mortos durante
as Cruzadas ou defenda a Inquisição, ou mesmo reconheça estes dois
exemplos como base ou resultados do “Cristianismo”, mas apenas faces de
uma igreja ou mesmo uma interpretação absurda da “palavra” de seu deus.
Quem já leu o Corão ou ao menos conhece muçulmanos o
suficiente para ter uma ideia de seus costumes e práticas, vê que o
suposto islamismo pregado por aqueles fanáticos nada mais é que uma
versão fascista e deturpada de suas crenças. É a leitura crua, sem
atualização ou interpretação honesta. É a politização de uma crença
levada ao mundo estatocêntrico com o intuito de garantir a alguns o
poder sobre os demais.
Seria, em paralelo, o mesmo que o Comunismo (sic) nas mãos
de Stalin. O Comunismo seria naturalmente ruim pela interpretação
genocida de alguns. Assim como as religiões, as teses marxistas foram
usadas por milhões da pior forma possível. O problema não está na
religião/ideologia, mas na prática desta, na apropriação e leituras
feitas a posteriori por quem tinha claros interesses em
desvirtuar aquilo que milhões seguem ou acreditam. Da mesma forma que
você precisa interpretar e atualizar os escritos de Marx, que não têm
nem 300 anos, você precisa interpretar e atualizar aquilo que foi
escrito a 1500 ou 2 mil anos.
A própria gênese de muitas religiões se baseia apenas no interesse de
um ou uns dominarem um grupo através do medo ou de promessas de
benesses eternas. É bom ter isto em mente, porém: o neopentecostalismo,
como tal, é nocivo desde seu princípio e por base.
Não estou aqui falando que o Islamismo ou mesmo o Cristianismo sejam
“puros” — imagino já ter deixado isto claro –, que mesmo em seus
ensinamentos não exista algo recriminável, longe disso, o problema na
verdade são as interpretações ou, mais ainda, a insistência dos mais
puristas em evoluir a si mesmos e à própria religião. No fim das contas,
o problema surge quando, de apoio, religião passa a ser a razão da
vida.
Religião, enquanto re-ligamento, não me parece poder ser encarado
como um monolito, senão estamos ligando o homem do século XXI a um deus
do século 1 ou 5. Não me parece haver conforto para um alma do século
XXI em seguir preceitos que no século XV já estavam ultrapassados.
Mas o que há de reconfortante na religião permanece inalterado, a
sensação de proximidade com um deus, com uma verdade, com uma forma de
viver. E é isto que deve ser defendido, e não os aspectos obscurantistas
que são comumente usados por aqueles em busca de poder.
Notem que sou ateu, não sigo qualquer religião e tampouco entendo a
necessidade que muitos têm de encontrar conforto em um deus, em algo
externo e inexplicável. Mas respeito.
Teocracia nada mais é que uma ditadura fascista, mas ao invés do
discurso puramente político, adotam medos ancestrais e utilizam a
religião como subterfúgio para suas práticas. E encontramos isto em todas
as grandes religiões e não apenas no Islamismo, que, parece, está na
moda. As razões, aliás, para tal “moda”, ao menos no Oriente Médio,
foram dadas neste post em que analisei o terrorismo no Cáucaso Russo.
É fato, aquilo que está em livros religiosos propicia o surgimento de fanáticos e genocidas. São livros (Bíblia, Corão…)
que não só podem ser interpretados de diversas maneiras como também
possuem incontestáveis mensagens de ódio, da necessidade de conversão
forçada, de machismo, odes à violência etc., mas devem — como tudo na
vida — ser interpretados.
E falo “interpretado” não no sentido de deturpar ainda mais ou de se
seguir ao pé da letra (como quem vive sem eletricidade ou contato com o
mundo exterior achando que assim agradará a deus), mas no sentido de se
enxergar estes livros como peças de uma época completamente diferente e
extrair destes mensagens que possam ser trazidas até os dia de hoje.
Não importa se na Bíblia de quase 2 mil anos ou, por exemplo, no Manifesto Comunista
– o que está escrito é passível de e deve ser interpretado, trazido
para os dias atuais, ou senão iremos nos limitar a repetir erros ou
viver eternamente no passado.
Sim, o Irã é uma teocracia islâmica assassina. Mas os EUA são uma
suposta democracia baseada em princípios cristãos e com presidentes
tementes ao seu deus e são ainda mais genocidas. Seria então culpa do
islamismo? Do cristianismo? Ou da transformação de religião em
política? Ou ainda pior, na transformação da religião, de algo
subsidiário, de um suporte, para um valor imprescindível e que permeia
nossas vidas — acima da razão?
Alguns fanáticos islâmicos proíbem o contato entre homens e mulheres…
Outros cristãos fazem o mesmo. Alguns fanáticos islâmicos colocam as
mulheres como inferiores… Mas a Igreja Católica não faz o mesmo? Entre
evangélicos as mulheres não são muitas vezes forçadas a deixar sua
feminilidade de lado e a se submeter à vontade dos homens? Os judeus
mais ortodoxos não relegam à mulher o papel de subalternas?
Mas, muitos dirão, os islâmicos são diferentes, afinal, eles matam
pela religião! Oras, até bem perto do século XX os cristãos à mando da
Igreja Católica faziam pior. A Inquisição durou na Espanha até
princípios do século XX. E mesmo a extrema-direita dos EUA, neonazistas e
gente ligada à KKK são cristãos fanáticos, que acreditam que todos os
não-crentes devem morrer – além de negros, imigrantes, judeus…
Mubarak é um ditador e é muçulmano. Ben Ali era um ditador e é
muçulmano. Saddam Husseim era um ditador e era muçulmano… O ponto em
comum entre todos estes não é só o islamismo, mas o fato de terem
chegado ao poder o ao menos terem sido apoiados por um grande país
cristão, os EUA, com presidentes cristãos.
E a Nicarágua foi uma ditadura – seu ditador era cristão. O Brasil
teve sua ditadura, assim como a Argentina, o Uruguai… Todos os ditadores
eram cristãos.
Religião é, enfim, apenas parte do problema, senão o menor deles.
Jornalista e blogueiro. Formado em Relações Internacionais (PUC-SP) e
Mestrando em Comunicação (Cásper Líbero), escreve o Blog do Tsavkko, é
autor e tradutor do Global Voices Online e escreve a coluna semanal "Defenderei a casa de meu pai" no Diário Liberdade.
Raphael Tsavkko Garcia
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