quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

A ideologia


Sem a ideologia, tendemos a atrofiar e empobrecer nossa relação conosco mesmos.

Leandro Konder

A ideologia, como sabemos, é uma distorção no conhecimento do outro. Minha mente, conforme sustentam pensadores dogmáticos, não distorce nenhuma apreensão da realidade.
O que eu vejo é o que todo mundo devia estar vendo. O que eu ouço é o que os outros deviam estar ouvindo. Não preciso mudar nada no meu conhecimento da realidade.
Os antigos romanos criaram a palavra alter, que em português passou a significar outro. Se formos fiéis à história dessa palavra, veremos que o termo original já nos diz com clareza que só podemos conhecer de fato o outro, alterando-o. Quer dizer: para entender o que é diferente, é necessário ir ao outro. Viver a aventura de se modificar.
Nós, neste valente semanário, que é o Brasil de Fato, reunimos e transformamos realidades empíricas que precisamos usar contra as mentiras contadas pelos nossos inimigos. Evitamos, porém, alimentar a ilusão de que vamos convencê-los.
Não sei da existência de nenhum banqueiro, de nenhum latifundiário, de nenhum milionário, que se ponha realmente à disposição dos grandes movimentos sociais. Eles alegarão que estão sempre sob a pressão plebeia, cercados por adversários implacáveis; dirão que, se não se defenderem, com energia acabarão tendo seus bens confiscados e, eventualmente, suas vidas tolhidas.
A força de Marx está no fato de ele ter mostrado como a história humana tem se realizado através das duas coisas: de um lado, o desenvolvimento econômico, o avanço tecnológico, o “progresso”. De outro, a divisão que os privilegiados mantêm a qualquer custo, reprimindo os movimentos dos de “baixo”.
Nesse segundo sentido, a educação que a burguesia organizou e proporciona ao povo ensina os trabalhadores a repetir velhos preconceitos e acaba desmoralizando a própria ideologia.
Nas discussões a respeito das inevitáveis distorções ideológicas, aparecem sempre alguns “mussolinis” que proclamam desavergonhadamente o assassinato da verdade pela ideologia. Para proteger o caroço de verdade que a ideologia possui (ao lado da mentira), a esquerda teve o mérito de inspirar um poeta/cantor brasileiro – Cazuza – que reivindicou para ele e seus camaradas a liberdade de possuir sua própria ideologia (Ideologia, eu quero uma pra viver...).
Em Marx, a atitude em face da ideologia é afrontosamente negativa. O poeta Cazuza, entretanto, dispõem-se a enfrentar a confusão ideológica dos seus inimigos (e, se for o caso, também de alguns amigos).
Marx e Cazuza se dão conta, por diferentes caminhos, do uso da distorção ideológica e tratam de combatê-la. Para o filósofo alemão, ideologia é uma categoria que diminui muito a credibilidade do conceito. Marx sustenta que a chave da ideologia está no fato de que a burguesia explora o trabalhador, deixando oculta a chamada mais valia.
Cazuza é menos “radical”. Seu canto o mostra plenamente inserido na realidade, mas sem se comprometer com as categorias do pensamento teórico-político. Seus heróis “morreram de overdose” e seus inimigos estão no poder. Por isso, ele canta: “ideologia, eu quero uma pra viver”.
Atualmente, o que se vê é a presença do pensamento conservador pragmático que desfaz as críticas que lhe são feitas em nome de critérios exclusivamente utilitários e deixa de lado a análise critica dos fenômenos ideológicos. Para a superação da ideologia, é imprescindível abrir espaço no pensamento para a autocrítica. Não uma lenga-lenga que finge ser autocrítica, contudo é apenas o auto-elogio de intelectuais a serviço da burguesia.
Sem autocrítica, é impossível aprofundar nossas ideias a respeito da ideologia. Sem a ideologia, tendemos a atrofiar e empobrecer nossa relação conosco mesmos.
Temos manifestado falhas e deficiências no nosso trabalho teórico. O que nos consola é o fato de a burguesia não ter resolvido nenhum dos problemas que ela vem enfrentando nas últimas décadas.

Leandro Konder é colunista semanal do Brasil de Fato.
Publicado originalmente na edição 414 do Brasil de Fato

“A comunicação compartilhada é estratégica para o FSM”

A discussão das novas tecnologias e seu papel estratégico ocuparam lugar de destaque neste FSM, em Dacar. O poder político das novas ferramentas, as redes de comunicação que se transformam em grandes negócios, como lidar com tudo isso para a democratização da comunicação e a transformação da realidade estiveram em debate, com a presença do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos.

Por Terezinha Vicente na Revista Fórum

Nunca a informação e a comunicação estiveram tão disputadas no mundo. A discussão das novas tecnologias e seu papel estratégico ocuparam lugar de destaque neste FSM, em Dacar. O poder político das novas ferramentas, as redes de comunicação que se transformam em grandes negócios, como lidar com tudo isso para a democratização da comunicação e a transformação da realidade estiveram em debate, com a presença do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos. Para os participantes, é necessário que os movimentos e organizações entendam a comunicação como estratégica e prioritária, elemento a ser incorporado em todas as lutas.

“Penso que o grande problema que temos é o de saber quem vai se beneficiar com o Wikileaks, pois o imperialismo aprende sempre mais depressa do que as forças anti -capitalistas”, diz o professor. Ele cita como exemplo paradigmático a revolução cubana; enquanto as esquerdas na América Latina debatiam a revolução, o imperialismo tratou de criar logo uma “aliança para o progresso” a fim de combatê-la. “O wikileaks é uma metáfora da comunicação insurgente, porque viola segredos do Estado e das corporações, porque os segredos são fundamentais para eles. Penso que temos que ter acesso às informações do wikileaks antes de ser tratada pelos grandes meios, pois há informações importantes para os movimentos sociais que não estão a ser transmitidas”.

Para Jamie Mccielland, da “May first people link”, organização associativa focada na discussão da internet, em Nova York, o reconhecimento do trabalho do wikileaks, os ataques que receberam depois da divulgação das informações secretas e a resistência e mobilização que gerou no mundo, “mostra que esta discussão é mais complicada e que não estamos protegidos contra esse tipo de ataques, mas mostrou também a fraqueza do sistema capitalista, que usa as mesmas ferramentas, e que o ativismo na internet hoje é bastante representativo”.

Como diz o professor Boaventura, em 2003 foi fundamental a informação rápida na justificativa dos EUA para a invasão do Iraque, mas a luta não foi eficaz. Agora, vimos semanas atrás como a informação pode ser rápida e eficaz, no caso da Tunísia e do Egito. “Não queremos Cairos globais, mas muitos Cairos ao mesmo temo, penso que o desafio é sincronizar nossos movimentos, fazendo pressão de maneira convergente”. Para o intelectual, ligado desde o início ao FSM, este é nosso grande desafio. “Somos capazes de sincronizar ações a nível nacional, ainda não somos capazes de sincronizar ações a nível internacional, para desestabilizar os governos contra outro mundo possível”.

Sincronizar ações é necessário

“Como obter informações não divulgadas pelo Wikileaks?”, pergunta Boaventura. “ Para isso o FSM deveria mudar, faço o desafio ao Conselho Internacional, no sentido de dar mais capacidade à comissão da comunicação, pois há muitas informações uteis aos movimentos e quando tivermos essas informações será possível tratá-las, deveríamos formar uma comissão de investigação. Este é o meu grande desafio, para que pudéssemos nos beneficiar de todas as informações do Wikileaks”.

Como as informações foram divulgadas, o papel dos jornalistas, a mediação da grande mídia, são aspectos questionados por Hilde Stephansen, ativista de comunicação, da Goldsmiths, universidade de Londres. “Precisamos refletir como a grande mídia foi responsável pela mediação, como a mídia alternativa pode trabalhar com o wikileaks de forma similar, pois a comunicação envolve essa coisa dialógica, que vem e vai , precisamos falar do processo, não basta falarmos de tecnologia”. Este aspecto, assim como a questão da falta de privacidade que temos ao utilizar estas ferramentas, foi bastante questionado pelos presentes.

Ferramenta política, poderosa em si mesma, “a internet e o uso das tecnologias está no contexto das disputas mundiais pelo tipo de mundo que temos e o mundo que queremos ter”, diz Rita Freire, coordenadora da Ciranda, que faz a cobertura desde o primeiro encontro em Porto Alegre. O conceito de comunicação compartilhada “foi cunhado pelo FSM, quando se introduziu o acordo entre comunicadores e mídias alternativas de como utilizar as tecnologias de modo coletivo e colaborativo, uma proposta que tem acompanhado os 10 anos do FSM, incorporando novas iniciativas de comunicação”.

“Não há gozo no bailar virtualmente”

Outro aspecto destacado é a questão das mobilizações no norte da África terem se iniciado, passando ao largo dos partidos políticos e dos movimentos sociais, mostrando que existe um terreno fértil para a insurgência contra os Estados antidemocráticos. “Toda a comunicação virtual hoje é realmente um grande desafio aos movimentos sociais, pois penso que esta divisão que fazemos dos movimentos com os cidadãos não organizados tem que ser superada, pois eles podem se mobilizar e engajar num determinado momento”. “Estas manifestações, por exemplo, são muito eficazes para derrubar ditadores, como o da Tunísia, mas temo que queiram mudar o sistema para passar a outra ditadura, pró americana, pró Israel, anti palestina e anti Hamas”, analisa Boaventura. “Penso que devemos ter outra relação entre o movimento social e virtual, este fórum é um cara a cara fundamental, mesmo com os problemas de organização, precisamos de outra conexão entre o mundo real e o virtual”.

Temos esperança que essas novas tecnologias cheguem rapidamente a todas as pessoas, mas a maioria das pessoas e das organizações ainda não alcançou o contato com a informação direta, nem consegue comunicar para todos. “Lutamos ao mesmo tempo por infraestrutura e atuamos pela colaboração, pela solidariedade”, diz Rita Freire. “Não entendemos a comunicação compartilhada apenas como a internet compartilhada, a nossa expectativa era de estar trabalhando mais fortemente com as rádios comunitárias, em parcerias que permitissem a quem produz conteúdo, distribuir esse conteúdo a quem fala e dialoga diretamente com as comunidades, através dos meios disponíveis”.

Para o professor, é necessário desenvolver-se a proposta da universidade popular, surgida em 2003, para que possamos juntar os movimentos sociais mais diversos, discutir os problemas e os preconceitos que impedem de ações conjuntas realmente. “Entre os movimentos a comunicação deveria ser horizontal”, segue o professor, “e não é devido a uma hierarquização existente”. Outro problema são as diferenças culturais que geram conceitos diferentes; por exemplo, “o conceito de diáspora é uma coisa na América do Norte, outra na Ásia, e outra ainda na África; o socialismo, conceito apoiado por muitos de nós, é considerado uma armadilha dos brancos para os indígenas”.

“O contato real, o face a face vai ser sempre fundamental, não há gozo no bailar virtualmente”, conclui Boaventura. “A gente continua a fazer uma diferença entre comunicar e agir, e este é o grande problema. Por isso penso que a comissão de comunicação tem que ser mais central no FSM, temos que mudar o paradigma da comunicação. A comunicação partilhada é o grande desafio”.

Publicado por Ciranda.net. Foto por http://www.flickr.com/photos/wagnerinno/.

Movimento tunisiano apenas catalisou a profunda oposição popular existente no Egito

Escrito por Mário Maestri   no Correio da Cidadania
 
Como o temido simum, vento seco, duro, forte, que varre o Saara do sul ao norte, a tempestade formou-se na Tunísia, golpeando erraticamente o mundo islâmico − Argélia, Iêmen, Jordânia... − antes de se abater, duríssima, sobre o Egito. A enorme perplexidade sobre a explosão popular se deve, sobretudo, ao fato de ferir duramente a apologia do grande capital de população mundial muda e imóvel diante dos mandos e desmandos dos poderosos sobre seus destinos. É como se eclodisse, novamente, no mundo, a era das revoluções.
 
Nada indicaria a sublevação, ao menos na superfície das aparências, fixação eterna da grande mídia. Na Tunísia e no Egito, a economia ia de vento em popa, com importantes aportes de capital estrangeiro, que garantiam fortes taxas de crescimento do PIB: 5% em média, nos últimos dez anos, em uma Tunísia embalada pelas privatizações e profunda liberalização. O valor das ações egípcias na bolsa do Cairo triplicou, desde 2005.
 
Tunísia, Arábia Saudita e Egito são o tripé da vasta rede de ditaduras que o imperialismo USA levantou no mundo islâmico, após a queda de Reza Pahlavi, o xá da Pérsia, em 1979, para suster Israel e a rapinagem geral da riqueza petrolífera que exige a acumulação mundial do capitalismo. Ditaduras com as quais o governo USA conta para combater o Irã e impedir o ingresso na região de China e Rússia, à procura de mercados e matérias-primas. O que explica o desespero do governo e da diplomacia estadunidenses, ao sentirem vacilar, com a multitudinária mobilização, as ditaduras da Tunísia e principalmente do Egito, país de mais de 80 milhões de habitantes e forças armadas de 500 mil homens, a grande guarda pretoriana USA na região, após Israel.
 
Totalmente superado pelos fatos, o governo Obama enviou às pressas ao Cairo seu mais experiente diplomata para a região, para acelerar a renúncia de Hosni Mubarak, há trinta anos no poder, e tentar pôr fim à mobilização popular, como aconteceu na Tunísia, antes que ela atinja o núcleo duro do regime. Apoiado pelos governos de Israel, Arábia Saudita, Argélia, por Mahmmoud Abbas, da Autoridade Nacional Palestina, e pela alta oficialidade do poderoso exército egípcio, ele desconfessou seu governo. Propôs que o velho ditador seguisse na presidência, até as eleições de setembro, como segurança contra a radicalização que poderia originar um Estado do estilo "iraniano" ou "bolchevique"!
 
Integralismo Islâmico
 
Sobretudo a derrota do nacional-desenvolvimentismo árabe permitiu a construção de regimes clientes do imperialismo estadunidense e europeu, apoiados economicamente na liquidação dos recursos energéticos nacionais e no turismo, e em burguesia e classes médias rapazes e despreocupadas com a sorte de população, então, em boa parte camponesa e analfabeta.
 
A dissolução da URSS, a depreciação do socialismo, o colaboracionismo da esquerda nessa região e a forte repressão que esta última conheceu ensejaram que o integralismo islâmico expressasse rusticamente as reivindicações populares, sob o forte influxo da revolução iraniana − Egito, Turquia, Marrocos, Líbano (Irmandade Muçulmana); Argélia (FIS); Líbano (Hizbollah); Palestina (Hamas), Jordânia (FAI), Afeganistão (Talibãs) etc.
 
Nas últimas décadas, a África do Norte transformou-se em uma região com grande população (em torno de 200 milhões de habitantes) nas regiões mediterrâneas, com alta expectativa de vida (70 anos, nas regiões), muito urbanizada (Cairo, 14 milhões de habitantes), dominantemente jovem e, hoje, relativamente instruída (10% de analfabetos entre a população masculina de 15 a 24 anos). Comumente, as mulheres são maioria nas universidades.
 
Uma população jovem e adulta que, há décadas, vive exasperada por desemprego e sub-emprego que não lhes permitem inserir-se em um mundo que a educação e a grande mídia lhes apresentam pleno de promessas, reais e falsas. Piorando tudo, a forte crise mundial do capitalismo desacelera fortemente a busca na Europa, nem que seja de trabalho duro e mal pago, realizado sob forte discriminação, quando não de racismo aberto. Dos dez milhões de tunisianos, um milhão encontra-se fora do país.
 
Um mundo sem futuro
 
Nos últimos anos, no Magrebe, o desespero social é tamanho que se tornou quase habitual a auto-imolação de jovens em protesto contra as condições de existência. O estopim da enorme revolta que varre boa parte do mundo árabe foi o auto-sacrifício, pelo fogo, em 17 de dezembro 2010, do jovem tunisiano Mohamed Bouazizi, informático desempregado, de 26 anos, após ser esbofeteado e humilhado pela polícia, que confiscou suas mercadorias de camelô pobre.
 
As transformações sociais em boa parte do mundo muçulmano ensejam fenômenos políticos raramente registrados pela grande mídia. Entre eles, destaca-se o descrédito crescente do islamismo político entre as novas gerações. Crescidas no desemprego e na informalidade, elas afastam-se de integralismo incapaz de oferecer mais do que medidas paliativas (escolas, hospitais, comedores etc.), pois integrado social e ideologicamente à sociedade excludente, da qual seus dirigentes participam, não raro com destaque.
 
Característica marcante do movimento na Tunísia e no Egito é seu caráter laico e a reivindicação de liberdade política que ponha fim ao desemprego e miséria popular. Entre os manifestantes destacavam-se mulheres jovens, adultas, idosas. No próprio Egito, a Irmandade Muçulmana somou-se às manifestações apenas após sua consolidação e deposita suas fichas em El-Baradei, o ocidentalizado e pró-americano ex-diretor da Agência Internacional de Energia Atômica.
 
Fenômeno também pouco discutido é a gênese, sobretudo no Egito, de um novo sindicalismo classista, reunido em apenas fundada federação de sindicatos independentes. A sublevação anti-Mubarak é superação das grandes mobilizações contra o apoio, em 2000, do governo egípcio a Israel, e à invasão do Iraque, em 2003; das duras greves de trabalhadores no Delta do Nilo, após dezembro de 2006; das mini-intifadas, em Borollos e Muhalla, em 2008. Foi nas regiões operárias do Egito que a população assaltou delegacias, apoderando-se de armas, durante as últimas manifestações. Desde 2004, no Egito, as ações de protesto de trabalhadores foram mais de três mil!
 
A Praça e as ruas são do Povo
 
O movimento tunisiano apenas catalisou no Egito profunda oposição popular, à qual se somaram jovens das classes médias, que levou às ruas, no dia 1º de fevereiro, talvez quatro milhões de manifestantes − um milhão no Cairo; 500 mil em Alexandria; 300 mil em Suez; 250 mil em Mahalla. Ao igual que na Tunísia, também no Egito é do movimento operário que pode surgir centralização de um movimento sem direção clara, handicap negativo com o qual os regimes ditatoriais e o imperialismo contam para frustrar a onda revolucionária, por esgotamento, se possível, ou num banho de sangue, se necessário.
 
Paradoxalmente, o caráter social, político e laico do movimento é um enorme problema para o imperialismo. O integralismo islâmico foi usado tradicionalmente, pelo grande capital, com excepcionais resultados, na luta contra o nacionalismo, o socialismo e o comunismo árabes. Após a derrota da URSS, o combate ao integralismo é o fantasma utilizado para impor hegemonia imperialista política, ideológica e militar − "Guerra ao Terrorismo" −, à população estadunidense e mundial.
 
Não existiria o constrangimento de Obama, ao ser flagrado pela opinião pública interna e mundial, sustentando com um bilhão de dólares anuais a Hosni Mubarak e à ditadura egípcia, se estivesse em marcha no Magrebe uma revolução pela imposição da sharia e não pelos direitos democráticos e sociais básicos.
 
Mais ainda, o ingresso de milhões de populares na arena política, na luta por reivindicações democráticas e sociais, já exerce e exercerá uma influência difícil de ser avaliada sobre a população mundial. Com destaque para a Europa, onde os trabalhadores gregos − parte do mundo mediterrâneo − protagonizam batalhas históricas, ainda que isoladas, contra a nova ofensiva do capital contra os direitos do mundo do trabalho.
 
Os ventos da Revolução
 
Na sexta-feira, 4 de fevereiro, na Albânia, prosseguiram as manifestações, que resultaram, há poucos dias, em combates de rua, com mortos e centenas de feridos, para exigir a renúncia do primeiro-ministro e a antecipação das eleições previstas para 2013. Na Sérvia, vinte mil populares acabam de baixar às ruas, exigindo do governo pró-imperialista a antecipação das eleições de 2012, devido ao desemprego e à inflação.
 
Tudo isso quando o FMI, os burocratas da União Européia e os governos nacionais europeus preparam-se para aprofundar as políticas anti-sociais de austeridade e de redução de direitos e salários, na Bélgica, Espanha, Grécia, Irlanda, Islândia, Itália, Polônia, Portugal etc. Medidas destinadas a financiar a farra do capital bancário e financeiro que levou à crise de 2008-2009.
 
Surgindo das ameaçadoras entranhas do deserto social, o temido simum da revolução que despeja os ares do norte da África esforça-se para sobrepor-se aos ventos neoliberais que avassalam o mundo, desde a vitória histórica de sua "revolução" nos anos de 1989 e 1990.
 
Mário Maestri é professor do curso e do programa de pós-graduação em História da UPF.

Estado quer alavancar projetos esquecidos na gestão anterior

Entrevista Secretário de Educação ao Jornal do Comércio 08.02.11

Nos próximos quatro anos, a Secretaria de Educação do Estado (SEC) terá à sua frente um professor. José Clóvis Azevedo acredita que a educação no Rio Grande do Sul deve se aproximar cada vez mais do Ministério da Educação (MEC), para potencializar seus projetos. Até o final do primeiro semestre de 2012, todas as salas de aula de lata serão extintas, melhorando a estrutura física da rede escolar. A aproximação com o Cpers também é uma meta da atual gestão. Azevedo acredita que o protagonismo dos educadores auxiliará a pasta na formatação de políticas de educação mais eficazes.
Jornal do Comércio - Quais são os principais desafios para a sua pasta nos próximos anos?
José Clóvis Azevedo - São muitos. Na realidade cada frente na secretaria é um grande desafio. Mas podemos apontar como os principais a recuperação física das escolas, a regularização funcional e a melhoria salarial dos professores. Estes são os maiores porque exigem grandes investimentos e não podem ser feitos de uma só vez. É preciso um tempo e um processo gradual para que sejam cumpridos.
JC - Qual é o papel da SEC na implantação do turno integral nas escolas?
Azevedo - Nós ainda não conversamos com o MEC sobre a formatação deste projeto, mas queremos participar. Pretendemos formar uma parceria com o ministério no sentido de viabilizar algumas experiências-piloto localizadas, de articulação entre o Ensino Médio (EM) de formação geral e o Ensino Técnico Profissional. É de nosso interesse e é uma proposta correta, pois dialoga com os objetivos da maioria da qualidade do EM. Pode ser uma saída para a motivação da juventude e nós queremos avançar neste projeto.
JC - O senhor acredita que a sintonia do governo do Estado com o federal facilita o trabalho nas duas esferas?
Azevedo - Sem dúvida facilita. O ministério possui muitos projetos que ainda não foram potencializados aqui no Estado. Tivemos nos últimos anos uma subutilização dos recursos colocados à disposição pelo governo federal para a educação no Rio Grande do Sul. Devemos fazer o contrário, vamos superpotencializar esses recursos. Juntamente com o MEC, definiremos as melhores formas que nos habilitem a tomar esses recursos.
JC - Historicamente a SEC sempre travou quedas de braço com a representação dos professores. Já houve alguma aproximação com o Cpers?
Azevedo - Não houve nenhuma tratativa ainda, pois estamos há pouco tempo no cargo. O que importa é a disposição em concretizar o diálogo permanente e a discussão das questões educacionais. Não só as questões imediatas e coorporativas, mas também as políticas de educação. Queremos ouvir o Cpers e a contribuição do sindicato, a fim de trabalhar com o protagonismo de cada professor e professora, e isto passa pela relação institucional. Passa também pela relação com a sua entidade de classe, pela qual nós temos o maior respeito.
JC - O senhor falou desta aproximação do professor e da valorização da categoria. O Estado tem algum projeto de cursos de aperfeiçoamento para a classe?
Azevedo - Já estamos discutindo aqui na secretaria um pré-projeto de formação permanente dos professores que queremos desenvolver em todo o Rio Grande do Sul. Mas, antes de transformar em um projeto definitivo, vamos discutir com os nossos principais parceiros que são as universidades. Formaremos uma parceria com todas estas instituições para ajustar a nossa proposta com as necessidades e interesses das universidades, e a partir daí buscar a parceria do MEC para suprir com recursos através do financiamento e também na parte de conteúdo destes programas.
JC - Qual é a meta de recuperação da estrutura das escolas? Quais os projetos?
Azevedo - Temos algumas emergências, em torno de 30, mas ainda estamos realizando um diagnóstico de toda a rede. Vamos levar uns 60 dias para formatar um relatório mais preciso. A partir destes dados, montaremos um plano de recuperação física da rede para o período de quatro anos. A cada ano, realizaremos uma etapa significativa deste projeto. E, ao mesmo tempo em que recuperarmos cada espaço físico, queremos modernizar tecnologicamente as unidades. É um processo de investimento pesado, mas que faremos de forma gradativa, porém firme.
JC - Qual é o valor destinado à Educação para o orçamento deste ano?

Azevedo - Em números redondos são R$ 4,6 bilhões. Deste total, R$ 4,2 bilhões já estão comprometidos com a folha de pagamento, restando apenas R$ 400 milhões para investimento e custeio.
JC - Há um prazo para acabar com as escolas de lata?
Azevedo - Três delas serão desativadas até março. E as quatro restantes, durante o primeiro semestre do ano que vem. As obras já estão em andamento e até junho de 2012 serão extintas todas as salas de aula de lata.

JC - Algum trabalho específico em parceria com a prefeitura de Porto Alegre?
Azevedo - Já tive uma reunião com a prefeitura, onde tratamos do fim da permuta de pessoal e de projetos como o ProJovem. Conversamos também sobre o transporte dos alunos que a prefeitura da Capital já faz com o Ensino Fundamental. Vamos fazer um projeto-piloto no Ensino Médio para transportar alunos da periferia para escolas localizadas no Centro. Faremos juntamente com a prefeitura porque eles já possuem todos os critérios do processo que passa por convênios com as empresas de ônibus.
JC - Tem alguma região do Estado que requer um olhar mais cuidadoso?
Azevedo - A Região Metropolitana, com certeza. Não que as outras regiões não mereçam cuidados ou que não tenham questões graves a serem resolvidas em diversas áreas. Mas é na Região Metropolitana que a situação se agrava mais em termos da rede escolar, de equipamentos, de material didático e de bibliotecas. Precisamos ter uma intervenção muito grande nesta área.

JC - Existe algum projeto para construção de novas escolas?
Azevedo - Não. O nosso problema não está em expandir a rede. Temos hoje uma situação nova no Brasil. Está havendo uma diminuição do público jovem e um envelhecimento da população. Portanto, temos uma diminuição da demanda dos ensinos Fundamental e Médio, embora o EM ainda não tenha sido universalizado. Temos que universalizar a Educação Infantil, que é de responsabilidade das prefeituras, o EM e o Ensino Superior são de responsabilidade do MEC. Nosso problema não está na expansão e sim na qualidade. Investir em equipamentos, professores, bibliotecas e informatização.
JC - O Estado possui defasagem no número de professores em alguma área?
Azevedo - O Estado tem alguns problemas específicos, que é a falta de professores formados ou interessados nas áreas de Química, Física e Matemática. É um problema antigo, a que queremos dar um tratamento especial neste projeto de formação. Em um quadro geral, não temos falta de professores. O nosso problema é o grande número de educadores contratados. Aquilo que era emergencial virou prática constante. Precisamos fazer concurso público.
JC - Qual é o problema da contratação?
Azevedo - Primeiro que é uma relação de trabalho precarizada. É um contrato que se extingue e todo final de ano tem de ser renovado. O professor ganha pelo número de aulas dadas, dessa forma ele não tem tempo para reuniões, não consegue se integrar com a comunidade. O nosso objetivo é gradativamente substituir a relação de contrato pela relação de nomeados e efetivos, com carga horária prevista pela lei.
JC - Qual é o foco central neste primeiro momento?
Azevedo - O nosso principal objetivo é fazer com que o ano letivo se inicie com tranquilidade. Sem faltas ocasionais de professores, com acomodações para os alunos e com o fornecimento de todo o material necessário.
JC - Ao assumir a secretaria, o senhor recebeu relatórios da antiga gestão. Teve algum ponto mais deficitário ou alguma área que não tenha recebido a devida atenção?
Azevedo - Eu acho que seria muito difícil ou, quem sabe, cômodo fazer uma crítica ao governo passado. Mas, talvez, o que a gente possa apontar como uma questão mais séria seja a não potencialização da relação com o governo federal e a não utilização plena dos recursos disponibilizados pelo MEC.
JC - Por outro lado, houve algum projeto do governo anterior que terá continuidade na sua gestão?
Azevedo - O processo de informatização das escolas e a modernização da alimentação dos dados via internet, em uma rede integrada para todo o Estado, deverá ser continuado e ampliado. Nós temos um novo projeto, fomos eleitos para isso, mas temos que ter um espírito republicano de não zerar todos os processos que estão em andamento. Temos que aproveitar tudo de bom que o antigo governo fez e corrigir aquilo que não tenha sido benfeito ou potencializado. Na área da tecnologia houve avanços positivos, mas a área de formação de professores deixou muito a desejar.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Entrevista com Taoufik Ben Abdallah


O senegalês de origem tunisiana Taoufik Ben Abdallah afirma, em entrevista à Carta Maior, a importância de se realizar o FSM pela segunda vez na África, destaca que todo povo é capaz de fazer sua revolução -- e que as contribuições com os valores universais não são monopólio dos países ricos.

Mudou Lula ou mudou o FSM?

Emir Sader na Carta Maior

Na reunião do Comitê Internacional do Fórum Social Mundial de 2001 com Lula, este foi duramente interpelado por todas as intervenções, seja sobre o papel do Brasil na OMC, sobre as relações do governo brasileiro com as empresas de agronegócios, seja pelo lugar do governo na polarização politica mundial.

Neste Fórum de 2011, Lula foi aclamado como ninguém, aparece como um grande líder de projeção mundial. Naquela que deveria ser a reunião correspondente à de 2001, com o Ministro Secretario Geral do governo, Gilberto Carvalho, ninguém levantou nenhum questionamento – nem sobre Belo Monte, São Francisco, OMC, Haiti ou qualquer outra questão -, ao contrário, houve enorme congraçamento, especialmente entre ONGs e governo.

Mudou Lula e o governo brasileiro ou mudou o FSM?

Ambos mudaram. Basta dizer que a abertura deste FSM teve apenas duas intervenções – a do presidente da Bolívia, Evo Morales, e a do Ministro do governo Dilma, Gilberto Carvalho. Isto é, ao contrário dos Foros anteriores, incluído o de Belém, em que a presença de 5 presidentes latino-americanos teve que encontrar um espaço paralelo à programação do Fórum, desta vez dois representantes de governo ocuparam lugar central e – tirando a corda excessivamente para o outro lado - nenhum movimento social falou na abertura do FSM.

De qualquer maneira avançou-se de uma atitude de exclusão de governos, partidos, políticos, para a incorporação de representantes de governos progressistas da América Latina no corpo mesmo do FSM. Certamente mudou a situação politica e isto representa um reconhecimento de que os governos progressistas da América Latina estão construindo o outro mundo possível.

Lula, antes objeto de grandes críticas, aparece como um grande líder dos povos de Sul do mundo, engajado na construção de um mundo multipolar, na critica dura à dominação do mundo pelas potencias tradicionais, na crítica à forma como os países do centro do capitalismo geraram a crise atual e não conseguem sair dela, por se manterem no marco das posições neoliberais.

Mas certamente também mudou o FSM. Se vê uma participação relativamente menor dos movimentos sociais e mesmo das próprias ONGs. A situação destas ficou mais explicita em intervenções na reunião com Gilberto Carvalho, onde representantes das ONGs expressaram a crise financeira que as afeta, além da visão de que nunca teriam sido anti governamentais, mas contra governos neoliberais e aceitando a proposta do governo de uma comissão permanente de intercambio entre o governo do Brasil e o Comitê Internacional do FSM.

É bom que seja assim, mas sempre que o FSM fortaleça a presença dos movimentos sociais – sua forma central de existência.

Lula tampouco é o mesmo de 2003. Seu discurso foi se desenvolvendo conforme o mundo foi mudando e, com ele, a politica externa brasileira foi se tornando mais abrangente. O diagnóstico da crise feito por Lula aponta para responsabilidades centrais das potências capitalistas e sua forma de resgatar aos bancos, mas não a economia dos seus países e a massa da população – vitimas diretas da crise.

O Brasil foi desenvolvendo uma estratégia internacional centrada nas alianças com os países do Sul do mundo – sela na América do Sul, assim com os Brics -, trabalhando na direção de um mundo economicamente multipolar. Da mesma forma que o Brasil foi incorporando temas como a questão palestina e o conflito dos EUA com o Irã, no entendimento de que outros atores deveriam intervir, não apenas para buscar evitar novos focos de guerra, mas também para desarticular focos existentes, com soluções que contemplem todas as partes envolvidas.

São todos temas caros ao próprio FSM, que não teria mesmo como não se alinhar com os governos progressistas latino-americanos que, mesmo com matizes distintos, buscam a construção de alternativas ao neoliberalismo.

Desse ponto de vista, o Fórum de Dacar foi um avanço na superação das barreiras artificiais entre forças sociais e forças politicas, entre resistência e construção de alternativas. Pela evolução do FSM e de Lula foi possível a passagem das diferenças e dos conflitos de 2003 à convergência de 2011.
O próximo – que, ao que tudo indica, será realizado em Porto Alegre – pode permitir uma formatação distinta, talvez colocando no centro mesmo do FSM a relação desses governos com os movimentos sociais, especialmente nos temas em que existem diferenças e tensões – como as questões do meio ambiente, da reforma agrária, da exploração dos recursos naturais, da democratização dos meios de comunicação, entre outros. Assim o FSM assumiria um formato adequado às condições atuais de luta pela superação do neoliberalismo, que representam uma vitória das teses defendidas desde sua origem pelo Fórum e que, por isso mesmo, demandam a atualização de suas formas de existência, para estar à altura dos desafios atuais da construção do outro mundo possível.

Chomsky: EUA estão seguindo seu manual no Egito




Em entrevista a Amy Goodman, do Democracy Now, Noam Chomsky analisa o desenrolar dos protestos no Egito e o comportamento do governo dos Estados Unidos diante deles. Na sua avaliação, o governo Obama está seguindo o manual tradicional de Washington nestas situações: "Há uma rotina padrão nestes casos: seguir apoiando o tempo que for possível e se ele se tornar insustentável – especialmente se o exército mudar de lado – dar um giro de 180 graus e dizer que sempre estiveram do lado do povo, apagar o passado e depois fazer todas as manobras necessárias para restaurar o velho sistema, mas com um novo nome".

Nas últimas semanas, os levantes populares ocorridos no mundo árabe provocaram a destituição do ditador Zine El Abidine Bem Ali, o iminente fim do regime do presidente egípcio Hosni Mubarak, a nomeação de um novo governo na Jordânia e a promessa do ditador de tantos anos do Yemen de abandonar o cargo ao final de seu mandato. O Democracy Now falou com o professor do MIT, Noam Chomsky, acerca do que isso significa para o futuro do Oriente Médio e da política externa dos EUA na região. Indagado sobre os recentes comentários do presidente Obama sobre Mubarak, Chomsky disse: “Obama foi muito cuidadoso para não dizer nada; está fazendo o que os líderes estadunidenses fazem habitualmente quando um de seus ditadores favoritos têm problemas, tentam apoiá-lo até o final. Se a situação chega a um ponto insustentável, mudam de lado”.

Amy Goodman: Qual é sua análise sobre o que está acontecendo e como pode repercutir no Oriente Médio?

Noam Chomsky: Em primeiro lugar, o que está ocorrendo é espetacular. A coragem, a determinação e o compromisso dos manifestantes merecem destaque, E, aconteça o que aconteça, estes são momentos que não serão esquecidos e que seguramente terão consequências a posteriori: constrangeram a polícia, tomaram a praça Tahrir e permaneceram ali apesar dos grupos mafiosos de Mubarak. O governo organizou esses bandos para tratar de expulsar os manifestantes ou para gerar uma situação na qual o exército pode dizer que teve que intervir para restaurar a ordem e depois, talvez, instaurar algum governo militar. É muito difícil prever o que vai acontecer.

Os Estados Unidos estão seguindo seu manual habitual. Não é a primeira vez que um ditador “próximo” perde o controle ou está em risco de perdê-lo. Há uma rotina padrão nestes casos: seguir apoiando o tempo que for possível e se ele se tornar insustentável – especialmente se o exército mudar de lado – dar um giro de 180 graus e dizer que sempre estiveram do lado do povo, apagar o passado e depois fazer todas as manobras necessárias para restaurar o velho sistema, mas com um novo nome.

Presumo que é isso que está ocorrendo agora. Estão vendo se Mubarak pode ficar. Se não aguentar, colocarão em prática o manual.

Amy Goodman: Qual sua opinião sobre o apelo de Obama para que se inicie a transição no Egito?

Noam Chomsky: Curiosamente, Obama não disse nada. Mubarak também estaria de acordo com a necessidade de haver uma transição ordenada. Um novo gabinete, alguns arranjos menores na ordem constitucional, isso não é nada. Está fazendo o que os líderes norteamericanos geralmente fazem.

Os Estados Unidos tem um poder constrangedor neste caso. O Egito é o segundo país que mais recebe ajuda militar e econômica de Washington. Israel é o primeiro. O mesmo Obama já se mostrou muito favorável a Mubarak. No famoso discurso do Cairo, o presidente estadunidense disse: “Mubarak é um bom homem. Ele fez coisas boas. Manteve a estabilidade. Seguiremos o apoiando porque é um amigo”.

Mubarak é um dos ditadores mais brutais do mundo. Não sei como, depois disso, alguém pode seguir levando a sério os comentários de Obama sobre os direitos humanos. Mas o apoio tem sido muito grande. Os aviões que estão sobrevoando a praça Tahrir são, certamente, estadunidenses. Os EUA representam o principal sustentáculo do regime egípcio. Não é como na Tunísia, onde o principal apoio era da França. Os EUA são os principais culpados no Egito, junto com Israel e a Arábia Saudita. Foram estes países que prestaram apoio ao regime de Mubarak. De fato, os israelenses estavam furiosos porque Obama não sustentou mais firmemente seu amigo Mubarak.

Amy Goodman: O que significam todas essas revoltas no mundo árabe?

Noam Chomsky: Este é o levante regional mais surpreendente do qual tenho memória. Às vezes fazem comparações com o que ocorreu no leste europeu, mas não é comparável. Ninguém sabe quais serão as consequências desses levantes. Os problemas pelos quais os manifestantes protestam vem de longa data e não serão resolvidos facilmente. Há uma grande pobreza, repressão, falta de democracia e também de desenvolvimento. O Egito e outros países da região recém passaram pelo período neoliberal, que trouxe crescimento nos papéis junto com as consequências habituais: uma alta concentração da riqueza e dos privilégios, um empobrecimento e uma paralisia da maioria da população. E isso não se muda facilmente.

Amy Goodman: Você crê que há alguma relação direta entre esses levantes e os vazamentos de Wikileaks?

Noam Chomsky: Na verdade, a questão é que Wikileaks não nos disse nada novo. Nos deu a confirmação para nossas razoáveis conjecturas.

Amy Goodman: O que acontecerá com a Jordânia?

Noam Chomsky: Na Jordânia, recém mudaram o primeiro ministro. Ele foi substituído por um ex-general que parece ser moderadamente popular, ou ao menos não é tão odiado pela população. Mas essencialmente não mudou nada.

Tradução: Katarina Peixoto

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Lula começa a desencarnar no FSM

Renato Rovai da Revista Fórum

A grande atração de ontem no Fórum Social Mundial foi a mesa da qual participaram o ex-presidente Lula e o presidente do Senegal Abdulaye Wade. Lula falou antes do senegalês. Sorte do público, que teve a liberdade de ir embora depois da fala do brasileiro sem ter de ouvir uma empolgada defesa do liberalismo econômico.
Lula deu sinais no discurso de hoje que começou a desencarnar. Na entrevista concedida aos blogueiros em dezembro ele disse que precisa de um tempo fora da presidência para poder começar a falar alguma coisas. Seu discurso voltou a ser mais petista. E de um petismo fora do governo. O que pode ser muito interessante para puxar o partido para uma linha menos recuada.
Lula falou sem meias palavras que a crise financeira de 2008 comprovou que o consenso de Washington e a agenda neoliberal fracassaram. Que os países ricos sempre trataram a periferia do mundo como problemática e perigosa e que só quando a crise atingiu o centro do capitalismo mundial é que eles buscaram dialogar com esse setor pra tentar resolver o problema deles.
Também deu pau na direita européia e estadunidense “que aponta a imigração como responsável pela corrosão do sistema econômico dos seus países”.
Chamou a elite africana na chincha e deu recados explícitos ao presidente senegalês. “Não há soberania efetiva sem soberania alimentar. As savanas africanas têm 400 mil hectares e só 10% disso é aproveitado para agricultura. Mesmo assim, 1/ 4 de toda a produção de alimentos do continente vem dali. É preciso começar a mudar essa situação”.
O futuro presidente de honra do PT também afirmou que “é fundamental a criação do Estado Palestino que tenha condições de se desenvolver e que conviva em paz com Israel”.
E lembrou que, em 2005, quando visitou a Ilha de Gore, pediu perdão em nome de todos os brasileiros pelo período de escravidão no seu país. Mas acrescentou: “a melhor maneira que temos de fazer essa reparação não é só pedir perdão, mas lutar por uma África justa”.
No âmbito das organizações internacionais, Lula disse que o G20 não tem sensibilidade para o problema da fome e para outras questões que deveriam ser prioridades no mundo. E que enquanto presidente do Brasil nunca foi chamado para uma reunião dos países ricos. “Só fomos chamados quando eles entraram em crise.”
Ao final Lula provocou os presentes dizendo que não bastava ser militante só durante o FSM, mas que era preciso sê-lo durante os 365 dias do ano. Depois desse discurso forte e posicionado de Lula, traduzido pelo sociólogo Emir Sader para o francês, o presidente do Senegal iniciou sua fala também de forma forte e posicionada.
Mas dizendo que era partidário da economia de mercado, porque a economia de Estado havia sido um fracasso onde tinha sido implantada. Mas que achava que a economia de mercado precisava de um regulação do Estado liberal. Para na seqüência perguntar à platéia: “Por que o liberal que eu sou abre as portas do seu país para um evento como Fórum? Para responder em seguida que é porque ele acha importante o debate de idéias.
A intervenção de Abdulaye Wade só não foi mais constrangedora, porque o público do FSM deu mais uma demonstração de grandeza e sabedoria política e não o deixeou falando literalmente sozinho. Algumas pessoas saíram do auditório durante sua “aula de neoliberalismo”, mas a maioria respeitou o contraditório. E ficou até o final.
Um pouco antes de terminar, Abdulaye Waded decidiu fazer uma pergunta meio boba à platéia, até de forma deselegante, dizendo que achava que nesses 10 ano o FSM não tinha conseguido nada de concreto e se tinha o que era?
Teve de ouviu um grito em uníssono de Lula, Lula, Lula que ecoou por uns 3 minutos na sala. Lula estava no 1º FSM, em 2001, antes de ser eleito presidente da República. E veio ao FSM de Dacar para fazer a seu primeiro discurso político público após deixar a presidência.
A provocação de Abdulaye Wade serviu para muitos altermundistas reivindicarem o ex-presidente Lula também como um símbolo internacional deste processo.
Aliás, não seria nada mal que Lula assumisse bandeiras do FSM e saísse por aí como um mascate de um outro mundo possível.

Portal Só Esquerda reúne sites e blogs alternativos na internet


Recém-lançado, o portal Só Esquerda é uma iniciativa para aglutinar os veículos de comunicação alternativos, dispersos pela internet. A ideia surgiu no 1º Fórum de Mídia Livre, em 2008, entretanto só foi concretizada em janeiro deste ano.


Por Juliana Sada, no blog Escrevinhador

O Escrevinhador conversou com Arthur William, jornalista e militante, que criou a página. Ele conta que o site surgiu a partir do “diagnóstico de que a esquerda utilizava mal os recursos virtuais, era dispersiva na web e não compartilhava recursos. Cada um ficava disputando o público com o site do outro”.

Para o jornalista, “o diferencial do Só Esquerda é que se pode ter acesso, em uma só olhada, a conteúdos aos quais não costuma ler”, além disso o portal “facilita a busca por novas informações e conteúdos. Tirando da mesmice o militante político e atualizando o comunicador popular”.

No Só Esquerda os sites estão separados por categorias (Blogs, Movimentos, Partidos, Mídia Livre, etc), e em cada seção é possível ver as últimas atualizações de cada página. Este espaço pode ser reordenado por cada internauta, que define quais são preferências.

William explica que o portal “apenas fornece uma infraestrutura para que o ativista monte sua própria página inicial com sites de movimentos sociais, sindicatos, associações, blogs progressistas e ONGs. Como o conceito de esquerda é abstrato, cada internauta definiria seus sites de esquerda favoritos. Esta função seria dele e não de um editor ou webmaster”.

Inclusão de novas páginas

O Só Esquerda pretende estar sempre em construção, recebendo constantemente novos cadastros de sites, por meio de sugestões dos internautas. Diante da tarefa de administrar a página, Arthur William explica que “como o conceito de esquerda é bem amplo e polêmico, o critério que usamos é o da autodeclaração. Não queremos saber (nem impor) os sites de maior relevância para cada um. Por isso, é possível ordenar os sites”.

Para indicar alguma página, basta mandar um email para soesquerda@soesquerda.com.br ou pelo Twitter no @soesquerda, com o link do RSS – se não houver RSS, é possível também cadastrar o perfil do Twitter. E o site pode ser acessado pelo endereço www.soesquerda.com.br.

Em SP, ativistas LGBT organizam manifestação pela criminalização da homofobia

Projeto foi desarquivado pelo Senado
 

Em SP, ativistas LGBT organizam manifestação pela criminalização da homofobia
Integrantes de movimentos LGBT se reunirão no próximo dia 19 contra homofobia (Foto: Elza Fiúza/Agência Brasil)

São Paulo – Militantes de movimentos de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT) reforçarão a luta contra a homofobia com dois eventos no próximo dia 19, em São Paulo. Ambos ocorrem na avenida Paulista, e contarão com a presença da ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário. O objetivo da mobilização é defender a aprovação do Projeto de Lei 122/06, que criminaliza a homofobia – e foi desarquivado.
Os ativistas se reunirão às 14h no vão livre do Masp em comemoração à ampliação do Disque 100 que, além de receber denúncias de exploração sexual contra crianças e adolescentes, também passará a atender casos de homofobia. Às 15h, o grupo seguirá para a praça do Ciclista para passeata a partir das 16h, a fim de relembrar um caso de agressão motivada por homofobia, quando um jovem foi atacado com lâmpada fluorescente, no ano passado.
Criada em dezembro de 2010 após contínuos ataques a homossexuais e visando promover ações de conscientização, a Frente Paulista Contra a Homofobia apoia a manifestação. A prefeitura, que também faz parte da frente, deverá anunciar o programa "Sampa, na luta contra a homofobia" no início das atividades relacionadas ao carnaval.
Nesta terça-feira (8), o projeto foi desarquivado. O PLC 122, que havia sido arquivado em 2 de fevereiro pelo regimento do Senado, já tinha as 27 assinaturas necessárias para o pedido de desarquivamento para a Mesa Diretora da Casa. A senadora Marta Suplicy (PT-SP), responsável pela coleta dos apoios, pode ser a nova relatora. A relatora até então, Fatima Cleide (PT-RO), não foi reeleita para o cargo.