Na avaliação do sociólogo português,
protestos como os que ocorrem no norte da África e no Oriente Médio
podem derrubar ditadores, mas para acabar com o capitalismo é preciso
uma sinergia maior entre ações no âmbito global. “O desafio do FSM agora
é se renovar e encontrar uma forma de dialogar com os cidadãos não
organizados”, afirmou.
Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
domingo, 13 de fevereiro de 2011
EUA estão seguindo seu manual no Egito
Em entrevista a Amy Goodman, do
Democracy Now, Noam Chomsky analisa o desenrolar dos protestos no Egito e
o comportamento do governo dos Estados Unidos diante deles. Na sua
avaliação, o governo Obama está seguindo o manual tradicional de
Washington nestas situações: "Há uma rotina padrão nestes casos: seguir
apoiando o tempo que for possível e se ele se tornar insustentável –
especialmente se o exército mudar de lado – dar um giro de 180 graus e
dizer que sempre estiveram do lado do povo, apagar o passado e depois
fazer todas as manobras necessárias para restaurar o velho sistema, mas
com um novo nome".
Amy Goodman - Democracy Now
Nas últimas semanas, os levantes populares
ocorridos no mundo árabe provocaram a destituição do ditador Zine El
Abidine Bem Ali, o iminente fim do regime do presidente egípcio Hosni
Mubarak, a nomeação de um novo governo na Jordânia e a promessa do
ditador de tantos anos do Yemen de abandonar o cargo ao final de seu
mandato. O Democracy Now falou com o professor do MIT, Noam
Chomsky, acerca do que isso significa para o futuro do Oriente Médio e
da política externa dos EUA na região. Indagado sobre os recentes
comentários do presidente Obama sobre Mubarak, Chomsky disse: “Obama foi
muito cuidadoso para não dizer nada; está fazendo o que os líderes
estadunidenses fazem habitualmente quando um de seus ditadores favoritos
têm problemas, tentam apoiá-lo até o final. Se a situação chega a um
ponto insustentável, mudam de lado”.
Amy Goodman: Qual é sua análise sobre o que está acontecendo e como pode repercutir no Oriente Médio?
Noam Chomsky: Em primeiro lugar, o que está ocorrendo é espetacular. A coragem, a determinação e o compromisso dos manifestantes merecem destaque, E, aconteça o que aconteça, estes são momentos que não serão esquecidos e que seguramente terão consequências a posteriori: constrangeram a polícia, tomaram a praça Tahrir e permaneceram ali apesar dos grupos mafiosos de Mubarak. O governo organizou esses bandos para tratar de expulsar os manifestantes ou para gerar uma situação na qual o exército pode dizer que teve que intervir para restaurar a ordem e depois, talvez, instaurar algum governo militar. É muito difícil prever o que vai acontecer.
Os Estados Unidos estão seguindo seu manual habitual. Não é a primeira vez que um ditador “próximo” perde o controle ou está em risco de perdê-lo. Há uma rotina padrão nestes casos: seguir apoiando o tempo que for possível e se ele se tornar insustentável – especialmente se o exército mudar de lado – dar um giro de 180 graus e dizer que sempre estiveram do lado do povo, apagar o passado e depois fazer todas as manobras necessárias para restaurar o velho sistema, mas com um novo nome.
Presumo que é isso que está ocorrendo agora. Estão vendo se Mubarak pode ficar. Se não aguentar, colocarão em prática o manual.
Amy Goodman: Qual sua opinião sobre o apelo de Obama para que se inicie a transição no Egito?
Noam Chomsky: Curiosamente, Obama não disse nada. Mubarak também estaria de acordo com a necessidade de haver uma transição ordenada. Um novo gabinete, alguns arranjos menores na ordem constitucional, isso não é nada. Está fazendo o que os líderes norteamericanos geralmente fazem.
Os Estados Unidos tem um poder constrangedor neste caso. O Egito é o segundo país que mais recebe ajuda militar e econômica de Washington. Israel é o primeiro. O mesmo Obama já se mostrou muito favorável a Mubarak. No famoso discurso do Cairo, o presidente estadunidense disse: “Mubarak é um bom homem. Ele fez coisas boas. Manteve a estabilidade. Seguiremos o apoiando porque é um amigo”.
Mubarak é um dos ditadores mais brutais do mundo. Não sei como, depois disso, alguém pode seguir levando a sério os comentários de Obama sobre os direitos humanos. Mas o apoio tem sido muito grande. Os aviões que estão sobrevoando a praça Tahrir são, certamente, estadunidenses. Os EUA representam o principal sustentáculo do regime egípcio. Não é como na Tunísia, onde o principal apoio era da França. Os EUA são os principais culpados no Egito, junto com Israel e a Arábia Saudita. Foram estes países que prestaram apoio ao regime de Mubarak. De fato, os israelenses estavam furiosos porque Obama não sustentou mais firmemente seu amigo Mubarak.
Amy Goodman: O que significam todas essas revoltas no mundo árabe?
Noam Chomsky: Este é o levante regional mais surpreendente do qual tenho memória. Às vezes fazem comparações com o que ocorreu no leste europeu, mas não é comparável. Ninguém sabe quais serão as consequências desses levantes. Os problemas pelos quais os manifestantes protestam vem de longa data e não serão resolvidos facilmente. Há uma grande pobreza, repressão, falta de democracia e também de desenvolvimento. O Egito e outros países da região recém passaram pelo período neoliberal, que trouxe crescimento nos papéis junto com as consequências habituais: uma alta concentração da riqueza e dos privilégios, um empobrecimento e uma paralisia da maioria da população. E isso não se muda facilmente.
Amy Goodman: Você crê que há alguma relação direta entre esses levantes e os vazamentos de Wikileaks?
Noam Chomsky: Na verdade, a questão é que Wikileaks não nos disse nada novo. Nos deu a confirmação para nossas razoáveis conjecturas.
Amy Goodman: O que acontecerá com a Jordânia?
Noam Chomsky: Na Jordânia, recém mudaram o primeiro ministro. Ele foi substituído por um ex-general que parece ser moderadamente popular, ou ao menos não é tão odiado pela população. Mas essencialmente não mudou nada.
Tradução: Katarina Peixoto
Amy Goodman: Qual é sua análise sobre o que está acontecendo e como pode repercutir no Oriente Médio?
Noam Chomsky: Em primeiro lugar, o que está ocorrendo é espetacular. A coragem, a determinação e o compromisso dos manifestantes merecem destaque, E, aconteça o que aconteça, estes são momentos que não serão esquecidos e que seguramente terão consequências a posteriori: constrangeram a polícia, tomaram a praça Tahrir e permaneceram ali apesar dos grupos mafiosos de Mubarak. O governo organizou esses bandos para tratar de expulsar os manifestantes ou para gerar uma situação na qual o exército pode dizer que teve que intervir para restaurar a ordem e depois, talvez, instaurar algum governo militar. É muito difícil prever o que vai acontecer.
Os Estados Unidos estão seguindo seu manual habitual. Não é a primeira vez que um ditador “próximo” perde o controle ou está em risco de perdê-lo. Há uma rotina padrão nestes casos: seguir apoiando o tempo que for possível e se ele se tornar insustentável – especialmente se o exército mudar de lado – dar um giro de 180 graus e dizer que sempre estiveram do lado do povo, apagar o passado e depois fazer todas as manobras necessárias para restaurar o velho sistema, mas com um novo nome.
Presumo que é isso que está ocorrendo agora. Estão vendo se Mubarak pode ficar. Se não aguentar, colocarão em prática o manual.
Amy Goodman: Qual sua opinião sobre o apelo de Obama para que se inicie a transição no Egito?
Noam Chomsky: Curiosamente, Obama não disse nada. Mubarak também estaria de acordo com a necessidade de haver uma transição ordenada. Um novo gabinete, alguns arranjos menores na ordem constitucional, isso não é nada. Está fazendo o que os líderes norteamericanos geralmente fazem.
Os Estados Unidos tem um poder constrangedor neste caso. O Egito é o segundo país que mais recebe ajuda militar e econômica de Washington. Israel é o primeiro. O mesmo Obama já se mostrou muito favorável a Mubarak. No famoso discurso do Cairo, o presidente estadunidense disse: “Mubarak é um bom homem. Ele fez coisas boas. Manteve a estabilidade. Seguiremos o apoiando porque é um amigo”.
Mubarak é um dos ditadores mais brutais do mundo. Não sei como, depois disso, alguém pode seguir levando a sério os comentários de Obama sobre os direitos humanos. Mas o apoio tem sido muito grande. Os aviões que estão sobrevoando a praça Tahrir são, certamente, estadunidenses. Os EUA representam o principal sustentáculo do regime egípcio. Não é como na Tunísia, onde o principal apoio era da França. Os EUA são os principais culpados no Egito, junto com Israel e a Arábia Saudita. Foram estes países que prestaram apoio ao regime de Mubarak. De fato, os israelenses estavam furiosos porque Obama não sustentou mais firmemente seu amigo Mubarak.
Amy Goodman: O que significam todas essas revoltas no mundo árabe?
Noam Chomsky: Este é o levante regional mais surpreendente do qual tenho memória. Às vezes fazem comparações com o que ocorreu no leste europeu, mas não é comparável. Ninguém sabe quais serão as consequências desses levantes. Os problemas pelos quais os manifestantes protestam vem de longa data e não serão resolvidos facilmente. Há uma grande pobreza, repressão, falta de democracia e também de desenvolvimento. O Egito e outros países da região recém passaram pelo período neoliberal, que trouxe crescimento nos papéis junto com as consequências habituais: uma alta concentração da riqueza e dos privilégios, um empobrecimento e uma paralisia da maioria da população. E isso não se muda facilmente.
Amy Goodman: Você crê que há alguma relação direta entre esses levantes e os vazamentos de Wikileaks?
Noam Chomsky: Na verdade, a questão é que Wikileaks não nos disse nada novo. Nos deu a confirmação para nossas razoáveis conjecturas.
Amy Goodman: O que acontecerá com a Jordânia?
Noam Chomsky: Na Jordânia, recém mudaram o primeiro ministro. Ele foi substituído por um ex-general que parece ser moderadamente popular, ou ao menos não é tão odiado pela população. Mas essencialmente não mudou nada.
Tradução: Katarina Peixoto
sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011
Para RBS, quem sofre são as empresas de ônibus
Do Somosandando da Cris
A
primeira pergunta do jornalista André Machado ao presidente da
Associação dos Transportadores de Passageiros de Porto Alegre (ATP),
Enio Roberto dos Reis, no programa Gaúcha Atualidade, na rádio do grupo
RBS, hoje (09) de manhã, foi quanto ficaria a passagem de ônibus se não
houvesse gratuidades. Referia-se à isenção de cobrança a idosos e outros
que têm direito legal ao passe livre, além da meia-passagem para
estudantes e o dia de transporte gratuito que ocorre quase todo mês na
capital, os verdadeiros culpados pelo aumento acima da inflação, segundo
a lógica de André Machado.
André Machado tentava amenizar as fortes críticas que têm recaído
sobre a Prefeitura de Porto Alegre nos últimos dias. Ontem (08) à tarde
foi decidido que a passagem subiria de R$ 2,45 para R$ 2,70, um aumento
de 10,2%. Hoje pela manhã eu tive que buscar mais moedinhas na carteira
porque a nova tarifa já estava em vigor. Incrível como algumas coisas
são tão rápidas!
Foi assim que o representante naquele momento do grupo RBS começou a
entrevista. Terminou com um afago ao entrevistado e aos que ocupam
posição semelhante na escala social: “eu recebo aqui no programa muitas
críticas dos ouvintes com relação aos empresários. Está difícil ser
empresário hoje em dia?”.
É, deve estar. Dá até pena quando os vejo trocando seus carros só uma
vez por ano. Já nós, ingratos reclamões, temos uma frota
superultramegamoderna de ônibus circulando em nossas ruas, com média,
segundo o próprio Reis, de quatro anos e meio. Alguns até tem ar
condicionado. Claro, não dá pra escolher se morro de calor ou de frio,
porque depende do humor do motorista, quando tem. Mas isso é detalhe.
Reis
queixou-se muito do passe livre, dia em que, segundo ele, 700 mil
passageiros são transportados de graça. Foi esse o número que usou para
justificar o prejuízo, comparando com a arrecadação do mesmo montante de
pessoas em dias de cobrança normal. Esqueceu, no entanto, que em dias
normais essas mesmas 700 mil pessoas andam em muito mais ônibus,
gastando muito mais combustível, tendo em vista que em dias de passe
livre é possível esperar quase dez vezes mais pelo coletivo. Ou seja,
menos ônibus transportam esses passageiros.
De acordo com o portal Sul 21, o valor das passagens aumentou 629,73%
desde 1994. Nos mesmos 17 anos, a inflação foi 257,44%. Recomendo a
leitura da matéria completa, que fornece vários dados importantes para a interpretação desses aumentos.
Transporte é necessidade do cidadão e dever do governo
O fato é que o transporte coletivos de passageiros tem duas pontas:
de um lado, os cidadãos comuns, que usufruem do serviço; de outro, as
empresas, sedentas por lucro. Seguindo a lógica capitalista, nenhum dos
dois pode ser condenado. Acontece que o transporte coletivo deve ser um
serviço público. As pessoas precisam dele, assim como precisam de
escola, de posto de saúde, de viaturas de polícia.
Só que, no caso do transporte, o serviço é repassado a empresas, que
não estão ali para se preocupar com o bem estar dos cidadãos, mas para
obter lucro. A diferença dessas empresas para qualquer outra é que nesse
caso o passageiro não tem a opção de não comprar ou trocar de marca
caso ache caro. O preço lhe é imposto e ele é obrigado a engolir.
Ou seja, a relação da população com esse serviço não é nem bem de
cidadão nem bem de consumidor. Como o transporte deve ser um direito,
cabe ao poder público, eleito para prezar pelos bem estar de seus
cidadãos, fazer o meio de campo e garantir a melhor equação – para os
passageiros, fique claro.
Reis
falou na necessidade de subsídios governamentais para reduzir os
custos. Certo, quem tem que arcar com o prejuízo causado às empresas
pela gratuidade são as prefeituras – que é a esfera de governo
responsável pelo serviço -, não os outros passageiros. Afinal, como
sustentar o discurso de que é preciso ter menos carros nas ruas se a
passagem sobe acima da inflação (e dos salários)?
É preciso entender que o resultado é cíclico. Se o transporte
coletivo é mais caro – e não é cada vez melhor, como dizem -, todos que
puderem correrão para adquirir seu automóvel – pobres dos que não
tiverem condições para tal! -, as ruas precisarão de mais manutenção, o
ambiente precisará de mais cuidados. Ou seja, mais investimentos da
Prefeitura. Um ciclo que não compensa, porque muito desse resultado é
irreversível, como os prejuízos ao meio ambiente.
E ele já alertou que, como será implementado um sistema em que a
passagem sairá de graça quando um segundo ônibus for pego menos de meia
hora depois do primeiro, para quem precisa de mais de um coletivo para
chegar ao destino, é possível que no ano que vem o aumento seja ainda
maior.
A Vida ferida Grita por Misericórdia e Justiça! Basta de Tráfico de Seres Humanos
Por Eurides Alves de Oliveira e Magnus Regis no Correio do Brasil
Comercialização
criminosa que coloca as pessoas a serviço do lucro, ferindo gravemente o
ser humano no que tem de mais precioso: sua dignidade e liberdade de
filhos e filhas de Deus,
sujeitos e cidadãos/ãs de direitos. Esta é uma das muitas definições
sobre o Tráfico de Seres Humanos (TSH), prática criminosa hedionda, que
atinge cerca de 2,5 milhões de vítimas, movimentando, aproximadamente,
32 bilhões de dólares por ano. (UNODC Escritório das Nações Unidas sobre
Drogas e Crime). Atualmente, esse crime está relacionado a práticas
criminosas de violações aos direitos humanos, para fins de exploração
sexual comercial, muitas vezes, ligadas a roteiros de turismo sexual, de
mão-de-obra escrava, e também, para remoção e venda e de órgãos.
O
Tráfico de Seres Humanos, cujas vítimas em potencial são as mulheres,
as crianças e adolescentes, constituem uma das formas mais explicitas da
escravidão do século XXI. Vulnera e viola a dignidade e a liberdade de
numerosas mulheres e meninas, mercantilizando e ferindo seus corpos,
matando seus sonhos e direito de viver. O tráfico de pessoas configura
hoje uma das piores afrontas à dignidade humana e uma das mais cruéis
violações dos direitos humanos. Uma rede lucrativa que ocupa o terceiro
lugar na economia mercadológica do crime organizado, perdendo apenas
para o tráfico de armas e drogas. Estima-se que 700 mil mulheres e
crianças passam todos os anos pelas fronteiras internacionais do tráfico
humano. Isso sem contabilizar o tráfico interno, que no nosso País e
alarmante.
A pobreza, o desemprego, bem como a ausência de
educação e de acesso aos recursos constituem as causas subjacentes ao
Tráfico de Seres Humanos. As mulheres são particularmente vulneráveis ao
tráfico de seres humanos devido à feminização da pobreza, à cultura de
discriminação e desigualdade entre homens e mulheres, a cultura
hedonista que transforma o corpo da mulher em objeto de desejo e cobiça…
O clamor das mulheres, adolescentes e crianças traficadas, se impõem,
hoje, como um eloqüente grito pela vida.
A maioria das vítimas do TSH são mulheres, adolescentes e crianças que têm em comum o mesmo perfil social, marcado pela vulnerabilidade social e suas consequências: analfabetismo, desemprego, imigração, exclusão social e vêem na possibilidade de sair do seu espaço uma oportunidade de conseguir melhoria de vida, conforto financeiro, fama, reconhecimento e outras tantas características nessa linha de raciocínio.
A maioria das vítimas do TSH são mulheres, adolescentes e crianças que têm em comum o mesmo perfil social, marcado pela vulnerabilidade social e suas consequências: analfabetismo, desemprego, imigração, exclusão social e vêem na possibilidade de sair do seu espaço uma oportunidade de conseguir melhoria de vida, conforto financeiro, fama, reconhecimento e outras tantas características nessa linha de raciocínio.
É em cima destas
aspirações que agem os aliciadores, na sua maioria homens de
escolaridade superior associados a negócios ilícitos como drogas,
prostituição e lavagem de dinheiro e que aparentam estar acima de
qualquer suspeita, que procuram suas vítimas através das agências de
emprego, casamento, moda, viagens, internet (sites de relacionamento) e
em redes de entretenimento como shoppings, bares, restaurantes, clubes e
danceterias.
Uma vez seduzidas e conquistadas pelos aliciadores,
as vítimas são levadas para Estados ou países distantes, perdem a
referência de local, têm seus passaportes confiscados, vêem-se
endividadas, são privadas do contato com familiares, ameaçadas,
espancadas e forçadas a trabalhar sem carga horária definida, em
situação de cárcere privado na prostituição forçada ou outras prática
análogas à escravidão.
Todos estes fatores alimentam o crescimento
das estatísticas e cifras econômicas. A prática criminosa do TSH é hoje
a terceira fonte de renda mundial do crime organizado, perdendo apenas
para o tráfico de drogas e de armas. As estatísticas mostram que, dos
casos encontrados, 81% são mulheres e meninas com menos de 18 anos. No
Brasil, números da PESTRAF (Pesquisa sobre tráfico de mulheres, crianças
e Adolescentes para fins de exploração sexual) realizada pelo CECRIA,
apontam a existência de 241 rotas de tráfico, sendo 131 internacionais e
110 nacionais. Além disso, 75 mil brasileiras são traficadas,
exploradas sexualmente, em regime de escravidão nos países da Europa.
Estes números estão crescendo, e neles há corpos, que gemem e gritam por
socorro. São milhares de mulheres, crianças e adolescentes violentadas,
torturadas física, moral e psicologicamente. Precisamos dar um BASTA
nessa ação criminosa que afronta brutalmente a dignidade humana e o
próprio Deus, criador de todos/as. Urge uma ação determinada e firme das
autoridades competentes, bem coibir, punir os que traficam e ao estado e
toda sociedade no sentido de denunciar, informar, e educar bem como
lutar pela superação das causas geradoras e sustentadora desta iníqua
realidade.
Atentas aos clamores dos empobrecidos e empobrecidas em
cada momento histórico, a Congregação das Irmãs do Imaculado Coração de
Maria (ICM), se deixa interpelar por está realidade e assume, em 2010,
ano da Beatificação de sua fundadora Madre Bárbara Maix: O enfrentamento
ao TSH, intensificando sua integração na Rede “Um Grito pela Vida”,
organização da Vida Religiosa do Brasil em prol da Erradicação do
Tráfico de Seres Humanos, desenvolvendo ações de prevenção, assistência e
incidência política, a fim de coibir a inserção de novas vítimas nesta
rede criminosa e escravista.
Sob o tema e lema: “Um grito, um clamor, um crime
Erradicar
pela solidariedade e promoção da vida: Eis a nossa missão”, a
Congregação ICM, que está presente em 14 Estados brasileiros e em mais
oito países, definiu e estruturou esta nova linha de ação como marco da
Beatificação, uma expressão missionária de volta ao carisma fundacional,
uma vez que a defesa da dignidade das mulheres vítimas da exploração
econômica e moral foi assumida pela Bem-Aventurada Bárbara Maix desde as
origens da Obra, ainda em Viena na Áustria em 1847, conforme cita
documento oficial da Congregação: ”causava-lhe dor ver tantas jovens do
interior, vindas a Viena, com alma pura, em busca de trabalho para uma
vida melhor, sendo aos poucos, levadas à desgraça”.
As Irmãs do
Imaculado Coração de Maria trazem, desde a sua origem, um compromisso
efetivo com as mulheres, jovens e crianças injustiçadas e exploradas.
Como expressão deste compromisso acolhe, hoje, o grito das pessoas
traficadas como uma incisiva convocação evangélica, uma causa que brada
aos céus e as desafia a intervir e agir com força carismático-profética
de forma articulada com todas as pessoas, grupos e organismos que atuam
no enfrentamento desta realidade.
Um marco missionário da
celebração da Beatificação de Bárbara Maix: as Irmãs do Imaculado
Coração de Maria abrem uma nova frente missionária no norte do Brasil e
chegam ao coração da Amazônia. No dia 17 de março de 2011, ao celebrar
os 135 anos da morte e ressurreição Bem-Aventurada Bárbara Maix, será
fundada, oficialmente, a nova comunidade ICM, em Manaus, capital do
Amazonas.
A escolha do Amazonas não é por acaso. Lá está um dos
maiores índices de aliciamento de mulheres e adolescentes para o Tráfico
Humano para países da Europa e para os países vizinhos ao Brasil. Três
Irmãs vão compor a nova comunidade ICM que terá essa finalidade da
prevenção e enfrentamento ao TSH.
Gestos simples que provocam libertação
Compreendendo
que o combate ao Tráfico de Seres Humano é dever do Estado e de toda a
sociedade civil, é importante reagir e agir: Sensibilizar-se e
Informar-se é o primeiro passo para que cada um e cada uma possa ajudar
no enfrentamento. Gestos simples desencadeiam ações de libertação:
Colocar a questão em pauta em todos os espaços possíveis: igrejas,
escolas, hospitais, inserções, obras e projetos sociais, em vista da
formação da consciência e ações de intervenção na realidade. Articular
forças – atuar em redes e parcerias com a sociedade civil e o poder
público. Somar na luta por políticas públicas para a juventude e
mulheres. Rezar e aprofundar esta realidade, à luz da Palavra de Deus.
Ir. Eurides Alves de Oliveira, ICM e Magnus Regis – Irmã do Imaculado Coração de Maria / Magnus é jornalista. Rede Um Grito pela Vida
Hipocrisia exposta pelos ventos da mudança
por Robert Fisk, The Independent, UK via Viomundo
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
Nada como uma revolução árabe para expor a hipocrisia dos amigos.
Sobretudo, se a revolução é revolução de civilidade e humanismo, movida
pelo desejo de viver em democracia do tipo que conhecemos na Europa e
na América.
A quantidade estrondosa de bobagens enunciadas por Obama e por La
Clinton nas últimas duas semanas é só uma parte do problema. De
“estabilidade” até “tempestade perfeita” – o Departamento de Estado deve
andar assistindo muito “E o vento levou…”, em matéria de copiar
Hollywood no eterno fracasso de jamais conseguir ver valores morais no
Oriente Médio –, chegamos aos presidenciais “agora-significa-ontem” e
“transição ordeira”, cuja tradução é: nenhuma violência até o ex-general
Mubarak da Força Aérea afastar-se um pouco, para que o ex-chefe da
segurança general Suleiman possa assumir o governo em nome dos EUA e de
Israel.
O canal Fox News já informou seus telespectadores nos EUA que a
Fraternidade Muçulmana – o mais “soft” dos grupos islamistas no Oriente
Médio – estaria manipulando os valentes homens e mulheres que se
atreveram a resistir à polícia política da ditadura. E magotes de
‘intelectuais’ franceses (as aspas são essenciais, no caso de figuras
como Bernard-Henri Lévy, na inolvidável manchete do Le Monde) inventaram “a intelligentsia do silêncio”[1].
Todos sabemos por quê. Alain Finkelstein fala de sua “admiração”
pelos democratas, mas também da necessidade de “vigilância” – o que
sempre garante nota baixa para qualquer ‘filósofo’ – “porque hoje
sabemos sobretudo que não sabemos em que dará tudo isso”. Essa citação
quase rumsfeldiana só é superada pela ideia absolutamente ridícula, pela
obviedade, da lavra de Lévy, segundo a qual “é essencial considerar a
complexidade da situação”. Curiosamente, é exatamente o que os
israelenses sempre dizem quando algum ocidental desorientado sugere que
Israel pare de roubar terras árabes na Cisjordânia para lá instalar
seus colonos de ocupação.
De fato, a própria reação de Israel aos acontecimentos no Egito –
que ainda não seria hora de o Egito chegar à democracia (para não
ameaçar o título de Israel como “a única democracia no Oriente Médio”) –
tem tanto de inadmissível quanto de autoderrotista.
Israel estará sempre mais segura, se cercada por democracias
verdadeiras, do que, como vive hoje, cercada de ditadores pervertidos e
viciosos, ou de monarcas autocratas. Para seu alto crédito, o
historiador francês Daniel Lindenberg disse uma verdade, essa semana:
“Temos, infelizmente, de admitir a realidade: muitos intelectuais creem,
sinceramente, que os povos árabes seriam geneticamente atrasados”.
Sem novidade. Aplica-se aos sentimentos subterrâneos dos europeus sobre todo o mundo muçulmano.
A chanceler Merkel da Alemanha anuncia que o multiculturalismo não
funciona, e um aspirante ao trono da família real da Bavária disse, há
pouco tempo, que há turcos demais na Alemanha porque “os turcos não
querem ser parte da sociedade alemã”. E quando a própria Turquia – a
mais perfeita combinação de Islã e democracia que há hoje no Oriente
Médio – aspira a unir-se à União Europeia e quer partilhar nossa
civilização ocidental, a Europa tenta por todos os meios, inclusive por
meios racistas, impedir que a Turquia integre-se.
Em outras palavras, queremos que eles sejam iguais a nós, desde que
fiquem bem longe. E então, se eles mostram que podem ser como nós, mas
não querem invadir a Europa, fazemos o possível para instalar lá, no
governo ‘deles’, mais um general adestrado nos EUA, para controlá-los.
Exatamente como Paul Wolfowitz reagiu ao Parlamento turco (porque
não autorizara que as tropas que invadiriam o Iraque passassem por
território turco), perguntando se “os generais nada disseram sobre
aquela decisão?”, a Europa, agora, nos reduzimos a ouvir o que o
secretário de Defesa Robert Gates dos EUA diz, rastejante, elogiando o
exército egípcio por sua “contenção” – e aparentemente sem nem perceber
que deveria elogiar, isso sim, o povo do Egito, os que desejam
democracia, eles sim, magnificamente “contidos”, militantes da
não-violência, em vez de elogiar um magote de generais-brucutus.
E é assim que, quando os árabes reivindicam dignidade, respeito e
autorrespeito, quando clamam pelo futuro que o próprio Obama delineou no
então elogiado – e hoje, suponho, já amaldiçoado – discurso na
Universidade do Cairo em junho de 2009, nós desrespeitamos os árabes e
manifestamos desprezo. Em vez de a Europa festejar que os egípcios
estejam lutando por democracia, tratamos a luta e a reivindicação como
um desastre.
É infinito alívio descobrir um jornalista norte-americano sério,
Roger Cohen, que está “por trás das linhas” na praça Tahrir, e de lá
fala a indesmentível verdade sobre essa nossa hipocrisia. E é desgraça
sem alívio, quando falam os ‘líderes’. Macmillan deixou de lado as
pretensões colonialistas, sobre a África não estar preparada para a
democracia, e falou de “ventos de mudança”. Agora, os ventos de mudança
sopram no mundo árabe. E nós lhes damos as costas.
++++
[1] O artigo, “A Paris, l’intelligentsia du silence”, de Thomas Wieder, foi publicado no Le Monde do domingo, 6/2/2011 em http://www.lemonde.fr/cgi-bin/ACHATS/acheter.cgi?offre=ARCHIVES&type_item=ART_ARCH_30J&objet_id=1147799, só para assinantes; pode ser lido na íntegra em http://www.protection-palestine.org/spip.php?article10086 (em francês).
Dilma reafirma compromisso com a educação de qualidade e com o combate à miséria
Nubia Silveira no Sul21
A presidenta Dilma Rousseff fez, nesta quinta-feira (10) — dia em
que o PT comemora 31 anos –, o seu primeiro pronuncimaneto à nação, em
rede de rádio e televisão. Dilma dirigiu-se aos estudantes, a seus pais e
a todos os professores brasileiros. Ela reafirmou seu compromisso com
uma educação de qualidade. “Nenhuma área pode unir melhor a sociedade
que a Educação. Nenhuma ferramenta é mais decisiva do que ela para
superarmos a pobreza e a miséria”, afirmou.
Dilma ressaltou que este é o momento de investir nos professores, na
criação de mais creches, pré-escolas e escolas técnicas e na inclusão
digital. “É hora de acelerar a inclusão digital, pois a juventude
brasileira precisa incorporar, ainda mais rapidamente, os novos modos de
pensar, informar e produzir que hoje se espalham por todo o Planeta”,
disse a presidenta.
Ao final de sua fala de pouco mais de seis minutos, Dilma reafirmou
seu governo vai combater a miséria, de forma obstinada. “Isso significa
fortalecer a economia, ampliar o emprego e aperfeiçoar as políticas
sociais. Isso significa, em especial, melhorar a qualidade do ensino,
pois ninguém sai da pobreza se não tiver acesso a uma educação gratuita,
contínua e de qualidade”, afirmou.
Leia aqui a íntegra do pronunciamento de Dilma Rousseff
Pronunciamento à Nação da Presidenta da República, Dilma Rousseff
Brasília-DF, 10 de fevereiro de 2011
Brasília-DF, 10 de fevereiro de 2011
Queridas brasileiras e queridos brasileiros,
Nossos jovens estão de volta às aulas. A abertura do ano escolar é
sempre uma festa de alegria, de fé e de esperança. É com esse sentimento
que saúdo os estudantes, seus pais e, muito especialmente, todos os
professores brasileiros.
Estou aqui para reafirmar o meu compromisso com a melhoria da
educação e convocar todos os brasileiros e brasileiras para lutarmos
juntos por uma educação de qualidade. Vivemos um momento especial de
nossa história. O Brasil se eleva, com vigor, a um novo patamar de
nação. Temos, portanto, as condições e uma imensa necessidade de darmos
um grande salto na qualidade do nosso ensino. Um desafio que só será
vencido se governo e sociedade se unirem de fato nesta luta, com toda a
força, coragem e convicção.
Nenhuma área pode unir melhor a sociedade que a Educação. Nenhuma
ferramenta é mais decisiva do que ela para superarmos a pobreza e a
miséria. Nenhum espaço pode realizar melhor o presente e projetar com
mais esperança o futuro do que uma sala de aula bem equipada, onde
professores possam ensinar bem, e alunos possam aprender cada vez
melhor. É neste caminho que temos que seguir avançando com passos
largos.
É hora de investir ainda mais na formação e remuneração de
professores, de ampliar o número de creches e pré-escolas em todo o
país, de criar condições de estudo e permanência na escola, para superar
a evasão e a repetência. E, muito especialmente, acabar com essa
trágica ilusão de ver aluno passar de ano sem aprender quase nada.
É hora de fazer mais escolas técnicas, de ampliar os cursos
profissionalizantes, de melhorar o ensino médio, as universidades e
aprimorar os centros científicos e tecnológicos de nível superior. É
hora de acelerar a inclusão digital, pois a juventude brasileira precisa
incorporar, ainda mais rapidamente, os novos modos de pensar, informar e
produzir que hoje se espalham por todo o Planeta. Em suma, esta é a
grande hora da Educação brasileira. Isso só será possível se cada pai,
cada aluno, cada professor, cada prefeito, cada governador, cada
empresário, cada trabalhador tomar para si a tarefa de acompanhar,
discutir, cobrar, propor e construir novos caminhos para a nossa
Educação. Como Presidenta, como mãe e avó, darei tudo de mim para
liderar esse grande movimento.
Queridas brasileiras e queridos brasileiros,
Pouco mais de um mês depois de assumir a Presidência, tenho algumas
coisas a anunciar na Educação. Vamos lançar, ainda neste trimestre, o
Programa Nacional de Acesso à Escola Técnica, o Pronatec, que, entre
outras vantagens, levará ao ensino técnico a bem-sucedida experiência do
ProUni.
Estamos também acelerando a implantação do Plano Nacional de Banda
Larga, não só para que todas as escolas públicas tenham acesso à
internet como, também, para que, no médio e longo prazos, a população
pobre possa ter internet em sua casa ou no seu pequeno negócio a preço
compatível com sua renda.
Informo, também, que o governo está tomando medidas para corrigir e
evitar falhas no Enem e no Sisu, pois é fundamental aperfeiçoar e
aumentar a credibilidade destes instrumentos, que são muito importantes
na avaliação do aluno e da escola e, portanto, na melhoria da qualidade
do ensino.
Para concluir, reafirmo que a luta mais obstinada do meu governo será
o combate à miséria. Isso significa fortalecer a economia, ampliar o
emprego e aperfeiçoar as políticas sociais. Isso significa, em especial,
melhorar a qualidade do ensino, pois ninguém sai da pobreza se não
tiver acesso a uma educação gratuita, contínua e de qualidade. Nenhum
país, igualmente, poderá se desenvolver sem educar bem os seus jovens e
capacitá-los plenamente para o emprego e para as novas necessidades
criadas pela sociedade do conhecimento.
País rico é país sem pobreza. Este será o lema de arrancada do meu
governo. Ele está aí para alertar permanentemente a nós, do governo, e a
todos os setores da sociedade, que só realizaremos o destino de
grandeza do Brasil quando acabarmos com a miséria.
Sem dúvida, essa é uma tarefa para toda uma geração. Mas nós temos
determinação para realizar a parte importante que falta, para que a
única fome neste país seja a fome do saber, a fome de grandeza, a fome
de solidariedade e de igualdade. E para que todos os brasileiros possam
fazer da educação a grande ferramenta de construção do seu sonho.
Muito obrigada e boa noite.
Com informações da Secretaria de Imprensa da Presidência da República
quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011
A ideologia
Sem a ideologia, tendemos a atrofiar e empobrecer nossa relação conosco mesmos.
Leandro Konder
A
ideologia, como sabemos, é uma distorção no conhecimento do outro.
Minha mente, conforme sustentam pensadores dogmáticos, não distorce
nenhuma apreensão da realidade.
O que eu vejo é o
que todo mundo devia estar vendo. O que eu ouço é o que os outros
deviam estar ouvindo. Não preciso mudar nada no meu conhecimento da
realidade.
Os antigos romanos criaram a palavra
alter, que em português passou a significar outro. Se formos fiéis à
história dessa palavra, veremos que o termo original já nos diz com
clareza que só podemos conhecer de fato o outro, alterando-o. Quer
dizer: para entender o que é diferente, é necessário ir ao outro. Viver a
aventura de se modificar.
Nós, neste valente
semanário, que é o Brasil de Fato, reunimos e transformamos realidades
empíricas que precisamos usar contra as mentiras contadas pelos nossos
inimigos. Evitamos, porém, alimentar a ilusão de que vamos convencê-los.
Não
sei da existência de nenhum banqueiro, de nenhum latifundiário, de
nenhum milionário, que se ponha realmente à disposição dos grandes
movimentos sociais. Eles alegarão que estão sempre sob a pressão
plebeia, cercados por adversários implacáveis; dirão que, se não se
defenderem, com energia acabarão tendo seus bens confiscados e,
eventualmente, suas vidas tolhidas.
A força de
Marx está no fato de ele ter mostrado como a história humana tem se
realizado através das duas coisas: de um lado, o desenvolvimento
econômico, o avanço tecnológico, o “progresso”. De outro, a divisão que
os privilegiados mantêm a qualquer custo, reprimindo os movimentos dos
de “baixo”.
Nesse segundo sentido, a educação que
a burguesia organizou e proporciona ao povo ensina os trabalhadores a
repetir velhos preconceitos e acaba desmoralizando a própria ideologia.
Nas
discussões a respeito das inevitáveis distorções ideológicas, aparecem
sempre alguns “mussolinis” que proclamam desavergonhadamente o
assassinato da verdade pela ideologia. Para proteger o caroço de verdade
que a ideologia possui (ao lado da mentira), a esquerda teve o mérito
de inspirar um poeta/cantor brasileiro – Cazuza – que reivindicou para
ele e seus camaradas a liberdade de possuir sua própria ideologia
(Ideologia, eu quero uma pra viver...).
Em Marx, a
atitude em face da ideologia é afrontosamente negativa. O poeta Cazuza,
entretanto, dispõem-se a enfrentar a confusão ideológica dos seus
inimigos (e, se for o caso, também de alguns amigos).
Marx
e Cazuza se dão conta, por diferentes caminhos, do uso da distorção
ideológica e tratam de combatê-la. Para o filósofo alemão, ideologia é
uma categoria que diminui muito a credibilidade do conceito. Marx
sustenta que a chave da ideologia está no fato de que a burguesia
explora o trabalhador, deixando oculta a chamada mais valia.
Cazuza
é menos “radical”. Seu canto o mostra plenamente inserido na realidade,
mas sem se comprometer com as categorias do pensamento
teórico-político. Seus heróis “morreram de overdose” e seus inimigos
estão no poder. Por isso, ele canta: “ideologia, eu quero uma pra
viver”.
Atualmente, o que se vê é a presença do
pensamento conservador pragmático que desfaz as críticas que lhe são
feitas em nome de critérios exclusivamente utilitários e deixa de lado a
análise critica dos fenômenos ideológicos. Para a superação da
ideologia, é imprescindível abrir espaço no pensamento para a
autocrítica. Não uma lenga-lenga que finge ser autocrítica, contudo é
apenas o auto-elogio de intelectuais a serviço da burguesia.
Sem
autocrítica, é impossível aprofundar nossas ideias a respeito da
ideologia. Sem a ideologia, tendemos a atrofiar e empobrecer nossa
relação conosco mesmos.
Temos manifestado falhas e
deficiências no nosso trabalho teórico. O que nos consola é o fato de a
burguesia não ter resolvido nenhum dos problemas que ela vem
enfrentando nas últimas décadas.
Leandro Konder é colunista semanal do Brasil de Fato.
Publicado originalmente na edição 414 do Brasil de Fato
“A comunicação compartilhada é estratégica para o FSM”
A discussão das novas tecnologias e seu papel estratégico ocuparam lugar de destaque neste FSM, em Dacar. O poder político das novas ferramentas, as redes de comunicação que se transformam em grandes negócios, como lidar com tudo isso para a democratização da comunicação e a transformação da realidade estiveram em debate, com a presença do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos.
Por Terezinha Vicente na Revista Fórum
Nunca a informação e a comunicação estiveram tão
disputadas no mundo. A discussão das novas tecnologias e seu papel
estratégico ocuparam lugar de destaque neste FSM, em Dacar. O poder
político das novas ferramentas, as redes de comunicação que se
transformam em grandes negócios, como lidar com tudo isso para a
democratização da comunicação e a transformação da realidade estiveram
em debate, com a presença do sociólogo português Boaventura de Sousa
Santos. Para os participantes, é necessário que os movimentos e
organizações entendam a comunicação como estratégica e prioritária,
elemento a ser incorporado em todas as lutas.
“Penso que o grande problema que temos é o de saber quem vai se beneficiar com o Wikileaks, pois o imperialismo aprende sempre mais depressa do que as forças anti -capitalistas”, diz o professor. Ele cita como exemplo paradigmático a revolução cubana; enquanto as esquerdas na América Latina debatiam a revolução, o imperialismo tratou de criar logo uma “aliança para o progresso” a fim de combatê-la. “O wikileaks é uma metáfora da comunicação insurgente, porque viola segredos do Estado e das corporações, porque os segredos são fundamentais para eles. Penso que temos que ter acesso às informações do wikileaks antes de ser tratada pelos grandes meios, pois há informações importantes para os movimentos sociais que não estão a ser transmitidas”.
Para Jamie Mccielland, da “May first people link”, organização associativa focada na discussão da internet, em Nova York, o reconhecimento do trabalho do wikileaks, os ataques que receberam depois da divulgação das informações secretas e a resistência e mobilização que gerou no mundo, “mostra que esta discussão é mais complicada e que não estamos protegidos contra esse tipo de ataques, mas mostrou também a fraqueza do sistema capitalista, que usa as mesmas ferramentas, e que o ativismo na internet hoje é bastante representativo”.
Como diz o professor Boaventura, em 2003 foi fundamental a informação rápida na justificativa dos EUA para a invasão do Iraque, mas a luta não foi eficaz. Agora, vimos semanas atrás como a informação pode ser rápida e eficaz, no caso da Tunísia e do Egito. “Não queremos Cairos globais, mas muitos Cairos ao mesmo temo, penso que o desafio é sincronizar nossos movimentos, fazendo pressão de maneira convergente”. Para o intelectual, ligado desde o início ao FSM, este é nosso grande desafio. “Somos capazes de sincronizar ações a nível nacional, ainda não somos capazes de sincronizar ações a nível internacional, para desestabilizar os governos contra outro mundo possível”.
Sincronizar ações é necessário
“Como obter informações não divulgadas pelo Wikileaks?”, pergunta Boaventura. “ Para isso o FSM deveria mudar, faço o desafio ao Conselho Internacional, no sentido de dar mais capacidade à comissão da comunicação, pois há muitas informações uteis aos movimentos e quando tivermos essas informações será possível tratá-las, deveríamos formar uma comissão de investigação. Este é o meu grande desafio, para que pudéssemos nos beneficiar de todas as informações do Wikileaks”.
Como as informações foram divulgadas, o papel dos jornalistas, a mediação da grande mídia, são aspectos questionados por Hilde Stephansen, ativista de comunicação, da Goldsmiths, universidade de Londres. “Precisamos refletir como a grande mídia foi responsável pela mediação, como a mídia alternativa pode trabalhar com o wikileaks de forma similar, pois a comunicação envolve essa coisa dialógica, que vem e vai , precisamos falar do processo, não basta falarmos de tecnologia”. Este aspecto, assim como a questão da falta de privacidade que temos ao utilizar estas ferramentas, foi bastante questionado pelos presentes.
Ferramenta política, poderosa em si mesma, “a internet e o uso das tecnologias está no contexto das disputas mundiais pelo tipo de mundo que temos e o mundo que queremos ter”, diz Rita Freire, coordenadora da Ciranda, que faz a cobertura desde o primeiro encontro em Porto Alegre. O conceito de comunicação compartilhada “foi cunhado pelo FSM, quando se introduziu o acordo entre comunicadores e mídias alternativas de como utilizar as tecnologias de modo coletivo e colaborativo, uma proposta que tem acompanhado os 10 anos do FSM, incorporando novas iniciativas de comunicação”.
“Não há gozo no bailar virtualmente”
Outro aspecto destacado é a questão das mobilizações no norte da África terem se iniciado, passando ao largo dos partidos políticos e dos movimentos sociais, mostrando que existe um terreno fértil para a insurgência contra os Estados antidemocráticos. “Toda a comunicação virtual hoje é realmente um grande desafio aos movimentos sociais, pois penso que esta divisão que fazemos dos movimentos com os cidadãos não organizados tem que ser superada, pois eles podem se mobilizar e engajar num determinado momento”. “Estas manifestações, por exemplo, são muito eficazes para derrubar ditadores, como o da Tunísia, mas temo que queiram mudar o sistema para passar a outra ditadura, pró americana, pró Israel, anti palestina e anti Hamas”, analisa Boaventura. “Penso que devemos ter outra relação entre o movimento social e virtual, este fórum é um cara a cara fundamental, mesmo com os problemas de organização, precisamos de outra conexão entre o mundo real e o virtual”.
Temos esperança que essas novas tecnologias cheguem rapidamente a todas as pessoas, mas a maioria das pessoas e das organizações ainda não alcançou o contato com a informação direta, nem consegue comunicar para todos. “Lutamos ao mesmo tempo por infraestrutura e atuamos pela colaboração, pela solidariedade”, diz Rita Freire. “Não entendemos a comunicação compartilhada apenas como a internet compartilhada, a nossa expectativa era de estar trabalhando mais fortemente com as rádios comunitárias, em parcerias que permitissem a quem produz conteúdo, distribuir esse conteúdo a quem fala e dialoga diretamente com as comunidades, através dos meios disponíveis”.
Para o professor, é necessário desenvolver-se a proposta da universidade popular, surgida em 2003, para que possamos juntar os movimentos sociais mais diversos, discutir os problemas e os preconceitos que impedem de ações conjuntas realmente. “Entre os movimentos a comunicação deveria ser horizontal”, segue o professor, “e não é devido a uma hierarquização existente”. Outro problema são as diferenças culturais que geram conceitos diferentes; por exemplo, “o conceito de diáspora é uma coisa na América do Norte, outra na Ásia, e outra ainda na África; o socialismo, conceito apoiado por muitos de nós, é considerado uma armadilha dos brancos para os indígenas”.
“O contato real, o face a face vai ser sempre fundamental, não há gozo no bailar virtualmente”, conclui Boaventura. “A gente continua a fazer uma diferença entre comunicar e agir, e este é o grande problema. Por isso penso que a comissão de comunicação tem que ser mais central no FSM, temos que mudar o paradigma da comunicação. A comunicação partilhada é o grande desafio”.
Publicado por Ciranda.net. Foto por http://www.flickr.com/photos/wagnerinno/.
“Penso que o grande problema que temos é o de saber quem vai se beneficiar com o Wikileaks, pois o imperialismo aprende sempre mais depressa do que as forças anti -capitalistas”, diz o professor. Ele cita como exemplo paradigmático a revolução cubana; enquanto as esquerdas na América Latina debatiam a revolução, o imperialismo tratou de criar logo uma “aliança para o progresso” a fim de combatê-la. “O wikileaks é uma metáfora da comunicação insurgente, porque viola segredos do Estado e das corporações, porque os segredos são fundamentais para eles. Penso que temos que ter acesso às informações do wikileaks antes de ser tratada pelos grandes meios, pois há informações importantes para os movimentos sociais que não estão a ser transmitidas”.
Para Jamie Mccielland, da “May first people link”, organização associativa focada na discussão da internet, em Nova York, o reconhecimento do trabalho do wikileaks, os ataques que receberam depois da divulgação das informações secretas e a resistência e mobilização que gerou no mundo, “mostra que esta discussão é mais complicada e que não estamos protegidos contra esse tipo de ataques, mas mostrou também a fraqueza do sistema capitalista, que usa as mesmas ferramentas, e que o ativismo na internet hoje é bastante representativo”.
Como diz o professor Boaventura, em 2003 foi fundamental a informação rápida na justificativa dos EUA para a invasão do Iraque, mas a luta não foi eficaz. Agora, vimos semanas atrás como a informação pode ser rápida e eficaz, no caso da Tunísia e do Egito. “Não queremos Cairos globais, mas muitos Cairos ao mesmo temo, penso que o desafio é sincronizar nossos movimentos, fazendo pressão de maneira convergente”. Para o intelectual, ligado desde o início ao FSM, este é nosso grande desafio. “Somos capazes de sincronizar ações a nível nacional, ainda não somos capazes de sincronizar ações a nível internacional, para desestabilizar os governos contra outro mundo possível”.
Sincronizar ações é necessário
“Como obter informações não divulgadas pelo Wikileaks?”, pergunta Boaventura. “ Para isso o FSM deveria mudar, faço o desafio ao Conselho Internacional, no sentido de dar mais capacidade à comissão da comunicação, pois há muitas informações uteis aos movimentos e quando tivermos essas informações será possível tratá-las, deveríamos formar uma comissão de investigação. Este é o meu grande desafio, para que pudéssemos nos beneficiar de todas as informações do Wikileaks”.
Como as informações foram divulgadas, o papel dos jornalistas, a mediação da grande mídia, são aspectos questionados por Hilde Stephansen, ativista de comunicação, da Goldsmiths, universidade de Londres. “Precisamos refletir como a grande mídia foi responsável pela mediação, como a mídia alternativa pode trabalhar com o wikileaks de forma similar, pois a comunicação envolve essa coisa dialógica, que vem e vai , precisamos falar do processo, não basta falarmos de tecnologia”. Este aspecto, assim como a questão da falta de privacidade que temos ao utilizar estas ferramentas, foi bastante questionado pelos presentes.
Ferramenta política, poderosa em si mesma, “a internet e o uso das tecnologias está no contexto das disputas mundiais pelo tipo de mundo que temos e o mundo que queremos ter”, diz Rita Freire, coordenadora da Ciranda, que faz a cobertura desde o primeiro encontro em Porto Alegre. O conceito de comunicação compartilhada “foi cunhado pelo FSM, quando se introduziu o acordo entre comunicadores e mídias alternativas de como utilizar as tecnologias de modo coletivo e colaborativo, uma proposta que tem acompanhado os 10 anos do FSM, incorporando novas iniciativas de comunicação”.
“Não há gozo no bailar virtualmente”
Outro aspecto destacado é a questão das mobilizações no norte da África terem se iniciado, passando ao largo dos partidos políticos e dos movimentos sociais, mostrando que existe um terreno fértil para a insurgência contra os Estados antidemocráticos. “Toda a comunicação virtual hoje é realmente um grande desafio aos movimentos sociais, pois penso que esta divisão que fazemos dos movimentos com os cidadãos não organizados tem que ser superada, pois eles podem se mobilizar e engajar num determinado momento”. “Estas manifestações, por exemplo, são muito eficazes para derrubar ditadores, como o da Tunísia, mas temo que queiram mudar o sistema para passar a outra ditadura, pró americana, pró Israel, anti palestina e anti Hamas”, analisa Boaventura. “Penso que devemos ter outra relação entre o movimento social e virtual, este fórum é um cara a cara fundamental, mesmo com os problemas de organização, precisamos de outra conexão entre o mundo real e o virtual”.
Temos esperança que essas novas tecnologias cheguem rapidamente a todas as pessoas, mas a maioria das pessoas e das organizações ainda não alcançou o contato com a informação direta, nem consegue comunicar para todos. “Lutamos ao mesmo tempo por infraestrutura e atuamos pela colaboração, pela solidariedade”, diz Rita Freire. “Não entendemos a comunicação compartilhada apenas como a internet compartilhada, a nossa expectativa era de estar trabalhando mais fortemente com as rádios comunitárias, em parcerias que permitissem a quem produz conteúdo, distribuir esse conteúdo a quem fala e dialoga diretamente com as comunidades, através dos meios disponíveis”.
Para o professor, é necessário desenvolver-se a proposta da universidade popular, surgida em 2003, para que possamos juntar os movimentos sociais mais diversos, discutir os problemas e os preconceitos que impedem de ações conjuntas realmente. “Entre os movimentos a comunicação deveria ser horizontal”, segue o professor, “e não é devido a uma hierarquização existente”. Outro problema são as diferenças culturais que geram conceitos diferentes; por exemplo, “o conceito de diáspora é uma coisa na América do Norte, outra na Ásia, e outra ainda na África; o socialismo, conceito apoiado por muitos de nós, é considerado uma armadilha dos brancos para os indígenas”.
“O contato real, o face a face vai ser sempre fundamental, não há gozo no bailar virtualmente”, conclui Boaventura. “A gente continua a fazer uma diferença entre comunicar e agir, e este é o grande problema. Por isso penso que a comissão de comunicação tem que ser mais central no FSM, temos que mudar o paradigma da comunicação. A comunicação partilhada é o grande desafio”.
Publicado por Ciranda.net. Foto por http://www.flickr.com/photos/wagnerinno/.
Movimento tunisiano apenas catalisou a profunda oposição popular existente no Egito
Escrito por Mário Maestri no Correio da Cidadania | |
Como o temido simum, vento seco, duro, forte, que varre o Saara do sul
ao norte, a tempestade formou-se na Tunísia, golpeando erraticamente o
mundo islâmico − Argélia, Iêmen, Jordânia... − antes de se abater,
duríssima, sobre o Egito. A enorme perplexidade sobre a explosão popular
se deve, sobretudo, ao fato de ferir duramente a apologia do grande
capital de população mundial muda e imóvel diante dos mandos e desmandos
dos poderosos sobre seus destinos. É como se eclodisse, novamente, no
mundo, a era das revoluções.
Nada indicaria a sublevação, ao menos na superfície das aparências,
fixação eterna da grande mídia. Na Tunísia e no Egito, a economia ia de
vento em popa, com importantes aportes de capital estrangeiro, que
garantiam fortes taxas de crescimento do PIB: 5% em média, nos últimos
dez anos, em uma Tunísia embalada pelas privatizações e profunda
liberalização. O valor das ações egípcias na bolsa do Cairo triplicou,
desde 2005.
Tunísia, Arábia Saudita e Egito são o tripé da vasta rede de ditaduras
que o imperialismo USA levantou no mundo islâmico, após a queda de Reza
Pahlavi, o xá da Pérsia, em 1979, para suster Israel e a rapinagem geral
da riqueza petrolífera que exige a acumulação mundial do capitalismo.
Ditaduras com as quais o governo USA conta para combater o Irã e impedir
o ingresso na região de China e Rússia, à procura de mercados e
matérias-primas. O que explica o desespero do governo e da diplomacia
estadunidenses, ao sentirem vacilar, com a multitudinária mobilização,
as ditaduras da Tunísia e principalmente do Egito, país de mais de 80
milhões de habitantes e forças armadas de 500 mil homens, a grande
guarda pretoriana USA na região, após Israel.
Totalmente superado pelos fatos, o governo Obama enviou às pressas ao
Cairo seu mais experiente diplomata para a região, para acelerar a
renúncia de Hosni Mubarak, há trinta anos no poder, e tentar pôr fim à
mobilização popular, como aconteceu na Tunísia, antes que ela atinja o
núcleo duro do regime. Apoiado pelos governos de Israel, Arábia Saudita,
Argélia, por Mahmmoud Abbas, da Autoridade Nacional Palestina, e pela
alta oficialidade do poderoso exército egípcio, ele desconfessou seu
governo. Propôs que o velho ditador seguisse na presidência, até as
eleições de setembro, como segurança contra a radicalização que poderia
originar um Estado do estilo "iraniano" ou "bolchevique"!
Integralismo Islâmico
Sobretudo a derrota do nacional-desenvolvimentismo árabe permitiu a
construção de regimes clientes do imperialismo estadunidense e europeu,
apoiados economicamente na liquidação dos recursos energéticos nacionais
e no turismo, e em burguesia e classes médias rapazes e despreocupadas
com a sorte de população, então, em boa parte camponesa e analfabeta.
A dissolução da URSS, a depreciação do socialismo, o colaboracionismo da
esquerda nessa região e a forte repressão que esta última conheceu
ensejaram que o integralismo islâmico expressasse rusticamente as
reivindicações populares, sob o forte influxo da revolução iraniana −
Egito, Turquia, Marrocos, Líbano (Irmandade Muçulmana); Argélia (FIS);
Líbano (Hizbollah); Palestina (Hamas), Jordânia (FAI), Afeganistão
(Talibãs) etc.
Nas últimas décadas, a África do Norte transformou-se em uma região com
grande população (em torno de 200 milhões de habitantes) nas regiões
mediterrâneas, com alta expectativa de vida (70 anos, nas regiões),
muito urbanizada (Cairo, 14 milhões de habitantes), dominantemente jovem
e, hoje, relativamente instruída (10% de analfabetos entre a população
masculina de 15 a 24 anos). Comumente, as mulheres são maioria nas
universidades.
Uma população jovem e adulta que, há décadas, vive exasperada por
desemprego e sub-emprego que não lhes permitem inserir-se em um mundo
que a educação e a grande mídia lhes apresentam pleno de promessas,
reais e falsas. Piorando tudo, a forte crise mundial do capitalismo
desacelera fortemente a busca na Europa, nem que seja de trabalho duro e
mal pago, realizado sob forte discriminação, quando não de racismo
aberto. Dos dez milhões de tunisianos, um milhão encontra-se fora do
país.
Um mundo sem futuro
Nos últimos anos, no Magrebe, o desespero social é tamanho que se tornou
quase habitual a auto-imolação de jovens em protesto contra as
condições de existência. O estopim da enorme revolta que varre boa parte
do mundo árabe foi o auto-sacrifício, pelo fogo, em 17 de dezembro
2010, do jovem tunisiano Mohamed Bouazizi, informático desempregado, de
26 anos, após ser esbofeteado e humilhado pela polícia, que confiscou
suas mercadorias de camelô pobre.
As transformações sociais em boa parte do mundo muçulmano ensejam
fenômenos políticos raramente registrados pela grande mídia. Entre eles,
destaca-se o descrédito crescente do islamismo político entre as novas
gerações. Crescidas no desemprego e na informalidade, elas afastam-se de
integralismo incapaz de oferecer mais do que medidas paliativas
(escolas, hospitais, comedores etc.), pois integrado social e
ideologicamente à sociedade excludente, da qual seus dirigentes
participam, não raro com destaque.
Característica marcante do movimento na Tunísia e no Egito é seu caráter
laico e a reivindicação de liberdade política que ponha fim ao
desemprego e miséria popular. Entre os manifestantes destacavam-se
mulheres jovens, adultas, idosas. No próprio Egito, a Irmandade
Muçulmana somou-se às manifestações apenas após sua consolidação e
deposita suas fichas em El-Baradei, o ocidentalizado e pró-americano
ex-diretor da Agência Internacional de Energia Atômica.
Fenômeno também pouco discutido é a gênese, sobretudo no Egito, de um
novo sindicalismo classista, reunido em apenas fundada federação de
sindicatos independentes. A sublevação anti-Mubarak é superação das
grandes mobilizações contra o apoio, em 2000, do governo egípcio a
Israel, e à invasão do Iraque, em 2003; das duras greves de
trabalhadores no Delta do Nilo, após dezembro de 2006; das
mini-intifadas, em Borollos e Muhalla, em 2008. Foi nas regiões
operárias do Egito que a população assaltou delegacias, apoderando-se de
armas, durante as últimas manifestações. Desde 2004, no Egito, as ações
de protesto de trabalhadores foram mais de três mil!
A Praça e as ruas são do Povo
O movimento tunisiano apenas catalisou no Egito profunda oposição
popular, à qual se somaram jovens das classes médias, que levou às ruas,
no dia 1º de fevereiro, talvez quatro milhões de manifestantes − um
milhão no Cairo; 500 mil em Alexandria; 300 mil em Suez; 250 mil em
Mahalla. Ao igual que na Tunísia, também no Egito é do movimento
operário que pode surgir centralização de um movimento sem direção
clara, handicap negativo com o qual os regimes ditatoriais e o
imperialismo contam para frustrar a onda revolucionária, por
esgotamento, se possível, ou num banho de sangue, se necessário.
Paradoxalmente, o caráter social, político e laico do movimento é um
enorme problema para o imperialismo. O integralismo islâmico foi usado
tradicionalmente, pelo grande capital, com excepcionais resultados, na
luta contra o nacionalismo, o socialismo e o comunismo árabes. Após a
derrota da URSS, o combate ao integralismo é o fantasma utilizado para
impor hegemonia imperialista política, ideológica e militar − "Guerra ao
Terrorismo" −, à população estadunidense e mundial.
Não existiria o constrangimento de Obama, ao ser flagrado pela opinião
pública interna e mundial, sustentando com um bilhão de dólares anuais a
Hosni Mubarak e à ditadura egípcia, se estivesse em marcha no Magrebe
uma revolução pela imposição da sharia e não pelos direitos democráticos
e sociais básicos.
Mais ainda, o ingresso de milhões de populares na arena política, na
luta por reivindicações democráticas e sociais, já exerce e exercerá uma
influência difícil de ser avaliada sobre a população mundial. Com
destaque para a Europa, onde os trabalhadores gregos − parte do mundo
mediterrâneo − protagonizam batalhas históricas, ainda que isoladas,
contra a nova ofensiva do capital contra os direitos do mundo do
trabalho.
Os ventos da Revolução
Na sexta-feira, 4 de fevereiro, na Albânia, prosseguiram as
manifestações, que resultaram, há poucos dias, em combates de rua, com
mortos e centenas de feridos, para exigir a renúncia do
primeiro-ministro e a antecipação das eleições previstas para 2013. Na
Sérvia, vinte mil populares acabam de baixar às ruas, exigindo do
governo pró-imperialista a antecipação das eleições de 2012, devido ao
desemprego e à inflação.
Tudo isso quando o FMI, os burocratas da União Européia e os governos
nacionais europeus preparam-se para aprofundar as políticas anti-sociais
de austeridade e de redução de direitos e salários, na Bélgica,
Espanha, Grécia, Irlanda, Islândia, Itália, Polônia, Portugal etc.
Medidas destinadas a financiar a farra do capital bancário e financeiro
que levou à crise de 2008-2009.
Surgindo das ameaçadoras entranhas do deserto social, o temido simum da
revolução que despeja os ares do norte da África esforça-se para
sobrepor-se aos ventos neoliberais que avassalam o mundo, desde a
vitória histórica de sua "revolução" nos anos de 1989 e 1990.
Mário Maestri é professor do curso e do programa de pós-graduação em História da UPF.
E-mail:
maestri@via-rs.net
|
Estado quer alavancar projetos esquecidos na gestão anterior
Entrevista
Secretário de Educação ao Jornal do Comércio
08.02.11
Nos próximos quatro anos, a Secretaria de Educação
do Estado (SEC) terá à
sua frente um professor. José Clóvis Azevedo acredita
que a educação no Rio Grande do Sul deve se aproximar
cada vez mais do Ministério da Educação (MEC),
para potencializar seus projetos. Até o final do primeiro semestre
de 2012, todas as salas de aula de lata serão extintas, melhorando
a estrutura física da rede escolar. A aproximação
com o Cpers também é uma meta da atual gestão.
Azevedo acredita que o protagonismo dos educadores auxiliará
a pasta na formatação de políticas de educação
mais eficazes.
Jornal do Comércio - Quais são os principais desafios
para a sua pasta nos próximos anos?
José Clóvis Azevedo - São muitos. Na realidade
cada frente na secretaria é um grande desafio. Mas podemos apontar
como os principais a recuperação física das escolas,
a regularização funcional e a melhoria salarial dos professores.
Estes são os maiores porque exigem grandes investimentos e não
podem ser feitos de uma só vez. É preciso um tempo e um
processo gradual para que sejam cumpridos.
JC - Qual é o papel da SEC na implantação do turno
integral nas escolas?
Azevedo - Nós ainda não conversamos com o MEC sobre a
formatação deste projeto, mas queremos participar. Pretendemos
formar uma parceria com o ministério no sentido de viabilizar
algumas experiências-piloto localizadas, de articulação
entre o Ensino Médio (EM) de formação geral e o
Ensino Técnico Profissional. É de nosso interesse e é
uma proposta correta, pois dialoga com os objetivos da maioria da qualidade
do EM. Pode ser uma saída para a motivação da juventude
e nós queremos avançar neste projeto.
JC - O senhor acredita que a sintonia do governo do Estado com o federal
facilita o trabalho nas duas esferas?
Azevedo - Sem dúvida facilita. O ministério possui muitos
projetos que ainda não foram potencializados aqui no Estado.
Tivemos nos últimos anos uma subutilização dos
recursos colocados à disposição pelo governo federal
para a educação no Rio Grande do Sul. Devemos fazer o
contrário, vamos superpotencializar esses recursos. Juntamente
com o MEC, definiremos as melhores formas que nos habilitem a tomar
esses recursos.
JC - Historicamente a SEC sempre travou quedas de braço com
a representação dos professores. Já houve alguma
aproximação com o Cpers?
Azevedo - Não houve nenhuma tratativa ainda, pois estamos há
pouco tempo no cargo. O que importa é a disposição
em concretizar o diálogo permanente e a discussão das
questões educacionais. Não só as questões
imediatas e coorporativas, mas também as políticas de
educação. Queremos ouvir o Cpers e a contribuição
do sindicato, a fim de trabalhar com o protagonismo de cada professor
e professora, e isto passa pela relação institucional.
Passa também pela relação com a sua entidade de
classe, pela qual nós temos o maior respeito.
JC - O senhor falou desta aproximação do professor e
da valorização da categoria. O Estado tem algum projeto
de cursos de aperfeiçoamento para a classe?
Azevedo - Já estamos discutindo aqui na secretaria um pré-projeto
de formação permanente dos professores que queremos desenvolver
em todo o Rio Grande do Sul. Mas, antes de transformar em um projeto
definitivo, vamos discutir com os nossos principais parceiros que são
as universidades. Formaremos uma parceria com todas estas instituições
para ajustar a nossa proposta com as necessidades e interesses das universidades,
e a partir daí buscar a parceria do MEC para suprir com recursos
através do financiamento e também na parte de conteúdo
destes programas.
JC - Qual é a meta de recuperação da estrutura
das escolas? Quais os projetos?
Azevedo - Temos algumas emergências, em torno de 30, mas ainda
estamos realizando um diagnóstico de toda a rede. Vamos levar
uns 60 dias para formatar um relatório mais preciso. A partir
destes dados, montaremos um plano de recuperação física
da rede para o período de quatro anos. A cada ano, realizaremos
uma etapa significativa deste projeto. E, ao mesmo tempo em que recuperarmos
cada espaço físico, queremos modernizar tecnologicamente
as unidades. É um processo de investimento pesado, mas que faremos
de forma gradativa, porém firme.
JC - Qual é o valor destinado à Educação
para o orçamento deste ano?
Azevedo - Em números redondos são R$ 4,6 bilhões. Deste total, R$ 4,2 bilhões já estão comprometidos com a folha de pagamento, restando apenas R$ 400 milhões para investimento e custeio.
Azevedo - Em números redondos são R$ 4,6 bilhões. Deste total, R$ 4,2 bilhões já estão comprometidos com a folha de pagamento, restando apenas R$ 400 milhões para investimento e custeio.
JC - Há um prazo para acabar com as escolas de lata?
Azevedo - Três delas serão desativadas até março.
E as quatro restantes, durante o primeiro semestre do ano que vem. As
obras já estão em andamento e até junho de 2012
serão extintas todas as salas de aula de lata.
JC - Algum trabalho específico em parceria com a prefeitura de Porto Alegre?
Azevedo - Já tive uma reunião com a prefeitura, onde
tratamos do fim da permuta de pessoal e de projetos como o ProJovem.
Conversamos também sobre o transporte dos alunos que a prefeitura
da Capital já faz com o Ensino Fundamental. Vamos fazer um projeto-piloto
no Ensino Médio para transportar alunos da periferia para escolas
localizadas no Centro. Faremos juntamente com a prefeitura porque eles
já possuem todos os critérios do processo que passa por
convênios com as empresas de ônibus.
JC - Tem alguma região do Estado que requer um olhar mais cuidadoso?
Azevedo - A Região Metropolitana, com certeza. Não que
as outras regiões não mereçam cuidados ou que não
tenham questões graves a serem resolvidas em diversas áreas.
Mas é na Região Metropolitana que a situação
se agrava mais em termos da rede escolar, de equipamentos, de material
didático e de bibliotecas. Precisamos ter uma intervenção
muito grande nesta área.
JC - Existe algum projeto para construção de novas escolas?
Azevedo - Não. O nosso problema não está em expandir
a rede. Temos hoje uma situação nova no Brasil. Está
havendo uma diminuição do público jovem e um envelhecimento
da população. Portanto, temos uma diminuição
da demanda dos ensinos Fundamental e Médio, embora o EM ainda
não tenha sido universalizado. Temos que universalizar a Educação
Infantil, que é de responsabilidade das prefeituras, o EM e o
Ensino Superior são de responsabilidade do MEC. Nosso problema
não está na expansão e sim na qualidade. Investir
em equipamentos, professores, bibliotecas e informatização.
JC - O Estado possui defasagem no número de professores em alguma
área?
Azevedo - O Estado tem alguns problemas específicos, que é
a falta de professores formados ou interessados nas áreas de
Química, Física e Matemática. É um problema
antigo, a que queremos dar um tratamento especial neste projeto de formação.
Em um quadro geral, não temos falta de professores. O nosso problema
é o grande número de educadores contratados. Aquilo que
era emergencial virou prática constante. Precisamos fazer concurso
público.
JC - Qual é o problema da contratação?
Azevedo - Primeiro que é uma relação de trabalho
precarizada. É um contrato que se extingue e todo final de ano
tem de ser renovado. O professor ganha pelo número de aulas dadas,
dessa forma ele não tem tempo para reuniões, não
consegue se integrar com a comunidade. O nosso objetivo é gradativamente
substituir a relação de contrato pela relação
de nomeados e efetivos, com carga horária prevista pela lei.
JC - Qual é o foco central neste primeiro momento?
Azevedo - O nosso principal objetivo é fazer com que o ano letivo
se inicie com tranquilidade. Sem faltas ocasionais de professores, com
acomodações para os alunos e com o fornecimento de todo
o material necessário.
JC - Ao assumir a secretaria, o senhor recebeu relatórios da
antiga gestão. Teve algum ponto mais deficitário ou alguma
área que não tenha recebido a devida atenção?
Azevedo - Eu acho que seria muito difícil ou, quem sabe, cômodo
fazer uma crítica ao governo passado. Mas, talvez, o que a gente
possa apontar como uma questão mais séria seja a não
potencialização da relação com o governo
federal e a não utilização plena dos recursos disponibilizados
pelo MEC.
JC - Por outro lado, houve algum projeto do governo anterior que terá
continuidade na sua gestão?
Azevedo - O processo de informatização das escolas e
a modernização da alimentação dos dados
via internet, em uma rede integrada para todo o Estado, deverá
ser continuado e ampliado. Nós temos um novo projeto, fomos eleitos
para isso, mas temos que ter um espírito republicano de não
zerar todos os processos que estão em andamento. Temos que aproveitar
tudo de bom que o antigo governo fez e corrigir aquilo que não
tenha sido benfeito ou potencializado. Na área da tecnologia
houve avanços positivos, mas a área de formação
de professores deixou muito a desejar.
fonte: Jornal
do Comércio 08.02.11
Assinar:
Postagens (Atom)