domingo, 13 de fevereiro de 2011

Palestra com Boaventura de Sousa Santos


Na avaliação do sociólogo português, protestos como os que ocorrem no norte da África e no Oriente Médio podem derrubar ditadores, mas para acabar com o capitalismo é preciso uma sinergia maior entre ações no âmbito global. “O desafio do FSM agora é se renovar e encontrar uma forma de dialogar com os cidadãos não organizados”, afirmou.

EUA estão seguindo seu manual no Egito

Em entrevista a Amy Goodman, do Democracy Now, Noam Chomsky analisa o desenrolar dos protestos no Egito e o comportamento do governo dos Estados Unidos diante deles. Na sua avaliação, o governo Obama está seguindo o manual tradicional de Washington nestas situações: "Há uma rotina padrão nestes casos: seguir apoiando o tempo que for possível e se ele se tornar insustentável – especialmente se o exército mudar de lado – dar um giro de 180 graus e dizer que sempre estiveram do lado do povo, apagar o passado e depois fazer todas as manobras necessárias para restaurar o velho sistema, mas com um novo nome".

Nas últimas semanas, os levantes populares ocorridos no mundo árabe provocaram a destituição do ditador Zine El Abidine Bem Ali, o iminente fim do regime do presidente egípcio Hosni Mubarak, a nomeação de um novo governo na Jordânia e a promessa do ditador de tantos anos do Yemen de abandonar o cargo ao final de seu mandato. O Democracy Now falou com o professor do MIT, Noam Chomsky, acerca do que isso significa para o futuro do Oriente Médio e da política externa dos EUA na região. Indagado sobre os recentes comentários do presidente Obama sobre Mubarak, Chomsky disse: “Obama foi muito cuidadoso para não dizer nada; está fazendo o que os líderes estadunidenses fazem habitualmente quando um de seus ditadores favoritos têm problemas, tentam apoiá-lo até o final. Se a situação chega a um ponto insustentável, mudam de lado”.

Amy Goodman: Qual é sua análise sobre o que está acontecendo e como pode repercutir no Oriente Médio?

Noam Chomsky: Em primeiro lugar, o que está ocorrendo é espetacular. A coragem, a determinação e o compromisso dos manifestantes merecem destaque, E, aconteça o que aconteça, estes são momentos que não serão esquecidos e que seguramente terão consequências a posteriori: constrangeram a polícia, tomaram a praça Tahrir e permaneceram ali apesar dos grupos mafiosos de Mubarak. O governo organizou esses bandos para tratar de expulsar os manifestantes ou para gerar uma situação na qual o exército pode dizer que teve que intervir para restaurar a ordem e depois, talvez, instaurar algum governo militar. É muito difícil prever o que vai acontecer.

Os Estados Unidos estão seguindo seu manual habitual. Não é a primeira vez que um ditador “próximo” perde o controle ou está em risco de perdê-lo. Há uma rotina padrão nestes casos: seguir apoiando o tempo que for possível e se ele se tornar insustentável – especialmente se o exército mudar de lado – dar um giro de 180 graus e dizer que sempre estiveram do lado do povo, apagar o passado e depois fazer todas as manobras necessárias para restaurar o velho sistema, mas com um novo nome.

Presumo que é isso que está ocorrendo agora. Estão vendo se Mubarak pode ficar. Se não aguentar, colocarão em prática o manual.

Amy Goodman: Qual sua opinião sobre o apelo de Obama para que se inicie a transição no Egito?

Noam Chomsky: Curiosamente, Obama não disse nada. Mubarak também estaria de acordo com a necessidade de haver uma transição ordenada. Um novo gabinete, alguns arranjos menores na ordem constitucional, isso não é nada. Está fazendo o que os líderes norteamericanos geralmente fazem.

Os Estados Unidos tem um poder constrangedor neste caso. O Egito é o segundo país que mais recebe ajuda militar e econômica de Washington. Israel é o primeiro. O mesmo Obama já se mostrou muito favorável a Mubarak. No famoso discurso do Cairo, o presidente estadunidense disse: “Mubarak é um bom homem. Ele fez coisas boas. Manteve a estabilidade. Seguiremos o apoiando porque é um amigo”.

Mubarak é um dos ditadores mais brutais do mundo. Não sei como, depois disso, alguém pode seguir levando a sério os comentários de Obama sobre os direitos humanos. Mas o apoio tem sido muito grande. Os aviões que estão sobrevoando a praça Tahrir são, certamente, estadunidenses. Os EUA representam o principal sustentáculo do regime egípcio. Não é como na Tunísia, onde o principal apoio era da França. Os EUA são os principais culpados no Egito, junto com Israel e a Arábia Saudita. Foram estes países que prestaram apoio ao regime de Mubarak. De fato, os israelenses estavam furiosos porque Obama não sustentou mais firmemente seu amigo Mubarak.

Amy Goodman: O que significam todas essas revoltas no mundo árabe?

Noam Chomsky: Este é o levante regional mais surpreendente do qual tenho memória. Às vezes fazem comparações com o que ocorreu no leste europeu, mas não é comparável. Ninguém sabe quais serão as consequências desses levantes. Os problemas pelos quais os manifestantes protestam vem de longa data e não serão resolvidos facilmente. Há uma grande pobreza, repressão, falta de democracia e também de desenvolvimento. O Egito e outros países da região recém passaram pelo período neoliberal, que trouxe crescimento nos papéis junto com as consequências habituais: uma alta concentração da riqueza e dos privilégios, um empobrecimento e uma paralisia da maioria da população. E isso não se muda facilmente.

Amy Goodman: Você crê que há alguma relação direta entre esses levantes e os vazamentos de Wikileaks?

Noam Chomsky: Na verdade, a questão é que Wikileaks não nos disse nada novo. Nos deu a confirmação para nossas razoáveis conjecturas.

Amy Goodman: O que acontecerá com a Jordânia?

Noam Chomsky: Na Jordânia, recém mudaram o primeiro ministro. Ele foi substituído por um ex-general que parece ser moderadamente popular, ou ao menos não é tão odiado pela população. Mas essencialmente não mudou nada.

Tradução: Katarina Peixoto

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Para RBS, quem sofre são as empresas de ônibus

Do Somosandando da Cris



A primeira pergunta do jornalista André Machado ao presidente da Associação dos Transportadores de Passageiros de Porto Alegre (ATP), Enio Roberto dos Reis, no programa Gaúcha Atualidade, na rádio do grupo RBS, hoje (09) de manhã, foi quanto ficaria a passagem de ônibus se não houvesse gratuidades. Referia-se à isenção de cobrança a idosos e outros que têm direito legal ao passe livre, além da meia-passagem para estudantes e o dia de transporte gratuito que ocorre quase todo mês na capital, os verdadeiros culpados pelo aumento acima da inflação, segundo a lógica de André Machado.
André Machado tentava amenizar as fortes críticas que têm recaído sobre a Prefeitura de Porto Alegre nos últimos dias. Ontem (08) à tarde foi decidido que a passagem subiria de R$ 2,45 para R$ 2,70, um aumento de 10,2%. Hoje pela manhã eu tive que buscar mais moedinhas na carteira porque a nova tarifa já estava em vigor. Incrível como algumas coisas são tão rápidas!
Foi assim que o representante naquele momento do grupo RBS começou a entrevista. Terminou com um afago ao entrevistado e aos que ocupam posição semelhante na escala social: “eu recebo aqui no programa muitas críticas dos ouvintes com relação aos empresários. Está difícil ser empresário hoje em dia?”.
É, deve estar. Dá até pena quando os vejo trocando seus carros só uma vez por ano. Já nós, ingratos reclamões, temos uma frota superultramegamoderna de ônibus circulando em nossas ruas, com média, segundo o próprio Reis, de quatro anos e meio. Alguns até tem ar condicionado. Claro, não dá pra escolher se morro de calor ou de frio, porque depende do humor do motorista, quando tem. Mas isso é detalhe.
Reis queixou-se muito do passe livre, dia em que, segundo ele, 700 mil passageiros são transportados de graça. Foi esse o número que usou para justificar o prejuízo, comparando com a arrecadação do mesmo montante de pessoas em dias de cobrança normal. Esqueceu, no entanto, que em dias normais essas mesmas 700 mil pessoas andam em muito mais ônibus, gastando muito mais combustível, tendo em vista que em dias de passe livre é possível esperar quase dez vezes mais pelo coletivo. Ou seja, menos ônibus transportam esses passageiros.
De acordo com o portal Sul 21, o valor das passagens aumentou 629,73% desde 1994. Nos mesmos 17 anos, a inflação foi 257,44%. Recomendo a leitura da matéria completa, que fornece vários dados importantes para a interpretação desses aumentos.
Transporte é necessidade do cidadão e dever do governo
O fato é que o transporte coletivos de passageiros tem duas pontas: de um lado, os cidadãos comuns, que usufruem do serviço; de outro, as empresas, sedentas por lucro. Seguindo a lógica capitalista, nenhum dos dois pode ser condenado. Acontece que o transporte coletivo deve ser um serviço público. As pessoas precisam dele, assim como precisam de escola, de posto de saúde, de viaturas de polícia.
Só que, no caso do transporte, o serviço é repassado a empresas, que não estão ali para se preocupar com o bem estar dos cidadãos, mas para obter lucro. A diferença dessas empresas para qualquer outra é que nesse caso o passageiro não tem a opção de não comprar ou trocar de marca caso ache caro. O preço lhe é imposto e ele é obrigado a engolir.
Ou seja, a relação da população com esse serviço não é nem bem de cidadão nem bem de consumidor. Como o transporte deve ser um direito, cabe ao poder público, eleito para prezar pelos bem estar de seus cidadãos, fazer o meio de campo e garantir a melhor equação – para os passageiros, fique claro.
Reis falou na necessidade de subsídios governamentais para reduzir os custos. Certo, quem tem que arcar com o prejuízo causado às empresas pela gratuidade são as prefeituras – que é a esfera de governo responsável pelo serviço -, não os outros passageiros. Afinal, como sustentar o discurso de que é preciso ter menos carros nas ruas se a passagem sobe acima da inflação (e dos salários)?
É preciso entender que o resultado é cíclico. Se o transporte coletivo é mais caro – e não é cada vez melhor, como dizem -, todos que puderem correrão para adquirir seu automóvel – pobres dos que não tiverem condições para tal! -, as ruas precisarão de mais manutenção, o ambiente precisará de mais cuidados. Ou seja, mais investimentos da Prefeitura. Um ciclo que não compensa, porque muito desse resultado é irreversível, como os prejuízos ao meio ambiente.
E ele já alertou que, como será implementado um sistema em que a passagem sairá de graça quando um segundo ônibus for pego menos de meia hora depois do primeiro, para quem precisa de mais de um coletivo para chegar ao destino, é possível que no ano que vem o aumento seja ainda maior.

A Vida ferida Grita por Misericórdia e Justiça! Basta de Tráfico de Seres Humanos

  Por Eurides Alves de Oliveira e Magnus Regis no Correio do Brasil

Comercialização criminosa que coloca as pessoas a serviço do lucro, ferindo gravemente o ser humano no que tem de mais precioso: sua dignidade e liberdade de filhos e filhas de Deus, 
sujeitos e cidadãos/ãs de direitos. Esta é uma das muitas definições sobre o Tráfico de Seres Humanos (TSH), prática criminosa hedionda, que atinge cerca de 2,5 milhões de vítimas, movimentando, aproximadamente, 32 bilhões de dólares por ano. (UNODC Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime). Atualmente, esse crime está relacionado a práticas criminosas de violações aos direitos humanos, para fins de exploração sexual comercial, muitas vezes, ligadas a roteiros de turismo sexual, de mão-de-obra escrava, e também, para remoção e venda e de órgãos.
O Tráfico de Seres Humanos, cujas vítimas em potencial são as mulheres, as crianças e adolescentes, constituem uma das formas mais explicitas da escravidão do século XXI. Vulnera e viola a dignidade e a liberdade de numerosas mulheres e meninas, mercantilizando e ferindo seus corpos, matando seus sonhos e direito de viver. O tráfico de pessoas configura hoje uma das piores afrontas à dignidade humana e uma das mais cruéis violações dos direitos humanos. Uma rede lucrativa que ocupa o terceiro lugar na economia mercadológica do crime organizado, perdendo apenas para o tráfico de armas e drogas. Estima-se que 700 mil mulheres e crianças passam todos os anos pelas fronteiras internacionais do tráfico humano. Isso sem contabilizar o tráfico interno, que no nosso País e alarmante.
A pobreza, o desemprego, bem como a ausência de educação e de acesso aos recursos constituem as causas subjacentes ao Tráfico de Seres Humanos. As mulheres são particularmente vulneráveis ao tráfico de seres humanos devido à feminização da pobreza, à cultura de discriminação e desigualdade entre homens e mulheres, a cultura hedonista que transforma o corpo da mulher em objeto de desejo e cobiça… O clamor das mulheres, adolescentes e crianças traficadas, se impõem, hoje, como um eloqüente grito pela vida.
A maioria das vítimas do TSH são mulheres, adolescentes e crianças que têm em comum o mesmo perfil social, marcado pela vulnerabilidade social e suas consequências: analfabetismo, desemprego, imigração, exclusão social e vêem na possibilidade de sair do seu espaço uma oportunidade de conseguir melhoria de vida, conforto financeiro, fama, reconhecimento e outras tantas características nessa linha de raciocínio.
É em cima destas aspirações que agem os aliciadores, na sua maioria homens de escolaridade superior associados a negócios ilícitos como drogas, prostituição e lavagem de dinheiro e que aparentam estar acima de qualquer suspeita, que procuram suas vítimas através das agências de emprego, casamento, moda, viagens, internet (sites de relacionamento) e em redes de entretenimento como shoppings, bares, restaurantes, clubes e danceterias.
Uma vez seduzidas e conquistadas pelos aliciadores, as vítimas são levadas para Estados ou países distantes, perdem a referência de local, têm seus passaportes confiscados, vêem-se endividadas, são privadas do contato com familiares, ameaçadas, espancadas e forçadas a trabalhar sem carga horária definida, em situação de cárcere privado na prostituição forçada ou outras prática análogas à escravidão.
Todos estes fatores alimentam o crescimento das estatísticas e cifras econômicas. A prática criminosa do TSH é hoje a terceira fonte de renda mundial do crime organizado, perdendo apenas para o tráfico de drogas e de armas. As estatísticas mostram que, dos casos encontrados, 81% são mulheres e meninas com menos de 18 anos. No Brasil, números da PESTRAF (Pesquisa sobre tráfico de mulheres, crianças e Adolescentes para fins de exploração sexual) realizada pelo CECRIA, apontam a existência de 241 rotas de tráfico, sendo 131 internacionais e 110 nacionais. Além disso, 75 mil brasileiras são traficadas, exploradas sexualmente, em regime de escravidão nos países da Europa. Estes números estão crescendo, e neles há corpos, que gemem e gritam por socorro. São milhares de mulheres, crianças e adolescentes violentadas, torturadas física, moral e psicologicamente. Precisamos dar um BASTA nessa ação criminosa que afronta brutalmente a dignidade humana e o próprio Deus, criador de todos/as. Urge uma ação determinada e firme das autoridades competentes, bem coibir, punir os que traficam e ao estado e toda sociedade no sentido de denunciar, informar, e educar bem como lutar pela superação das causas geradoras e sustentadora desta iníqua realidade.
Atentas aos clamores dos empobrecidos e empobrecidas em cada momento histórico, a Congregação das Irmãs do Imaculado Coração de Maria (ICM), se deixa interpelar por está realidade e assume, em 2010, ano da Beatificação de sua fundadora Madre Bárbara Maix: O enfrentamento ao TSH, intensificando sua integração na Rede “Um Grito pela Vida”, organização da Vida Religiosa do Brasil em prol da Erradicação do Tráfico de Seres Humanos, desenvolvendo ações de prevenção, assistência e incidência política, a fim de coibir a inserção de novas vítimas nesta rede criminosa e escravista.

Sob o tema e lema: “Um grito, um clamor, um crime

Erradicar pela solidariedade e promoção da vida: Eis a nossa missão”, a Congregação ICM, que está presente em 14 Estados brasileiros e em mais oito países, definiu e estruturou esta nova linha de ação como marco da Beatificação, uma expressão missionária de volta ao carisma fundacional, uma vez que a defesa da dignidade das mulheres vítimas da exploração econômica e moral foi assumida pela Bem-Aventurada Bárbara Maix desde as origens da Obra, ainda em Viena na Áustria em 1847, conforme cita documento oficial da Congregação: ”causava-lhe dor ver tantas jovens do interior, vindas a Viena, com alma pura, em busca de trabalho para uma vida melhor, sendo aos poucos, levadas à desgraça”.
As Irmãs do Imaculado Coração de Maria trazem, desde a sua origem, um compromisso efetivo com as mulheres, jovens e crianças injustiçadas e exploradas. Como expressão deste compromisso acolhe, hoje, o grito das pessoas traficadas como uma incisiva convocação evangélica, uma causa que brada aos céus e as desafia a intervir e agir com força carismático-profética de forma articulada com todas as pessoas, grupos e organismos que atuam no enfrentamento desta realidade.
Um marco missionário da celebração da Beatificação de Bárbara Maix: as Irmãs do Imaculado Coração de Maria abrem uma nova frente missionária no norte do Brasil e chegam ao coração da Amazônia. No dia 17 de março de 2011, ao celebrar os 135 anos da morte e ressurreição Bem-Aventurada Bárbara Maix, será fundada, oficialmente, a nova comunidade ICM, em Manaus, capital do Amazonas.
A escolha do Amazonas não é por acaso. Lá está um dos maiores índices de aliciamento de mulheres e adolescentes para o Tráfico Humano para países da Europa e para os países vizinhos ao Brasil. Três Irmãs vão compor a nova comunidade ICM que terá essa finalidade da prevenção e enfrentamento ao TSH.

Gestos simples que provocam libertação

Compreendendo que o combate ao Tráfico de Seres Humano é dever do Estado e de toda a sociedade civil, é importante reagir e agir: Sensibilizar-se e Informar-se é o primeiro passo para que cada um e cada uma possa ajudar no enfrentamento. Gestos simples desencadeiam ações de libertação: Colocar a questão em pauta em todos os espaços possíveis: igrejas, escolas, hospitais, inserções, obras e projetos sociais, em vista da formação da consciência e ações de intervenção na realidade. Articular forças – atuar em redes e parcerias com a sociedade civil e o poder público. Somar na luta por políticas públicas para a juventude e mulheres. Rezar e aprofundar esta realidade, à luz da Palavra de Deus.

Ir. Eurides Alves de Oliveira, ICM e Magnus Regis – Irmã do Imaculado Coração de Maria / Magnus é jornalista. Rede Um Grito pela Vida

Hipocrisia exposta pelos ventos da mudança


por Robert Fisk, The Independent, UK via Viomundo

Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu

Nada como uma revolução árabe para expor a hipocrisia dos amigos. Sobretudo, se a revolução é revolução de civilidade e humanismo, movida pelo desejo de viver em democracia do tipo que conhecemos na Europa e na América.
A quantidade estrondosa de bobagens enunciadas por Obama e por La Clinton nas últimas duas semanas é só uma parte do problema. De “estabilidade” até “tempestade perfeita” – o Departamento de Estado deve andar assistindo muito “E o vento levou…”, em matéria de copiar Hollywood no eterno fracasso de jamais conseguir ver valores morais no Oriente Médio –, chegamos aos presidenciais “agora-significa-ontem” e “transição ordeira”, cuja tradução é: nenhuma violência até o ex-general Mubarak da Força Aérea afastar-se um pouco, para que o ex-chefe da segurança general Suleiman possa assumir o governo em nome dos EUA e de Israel.
O canal Fox News já informou seus telespectadores nos EUA que a Fraternidade Muçulmana – o mais “soft” dos grupos islamistas no Oriente Médio – estaria manipulando os valentes homens e mulheres que se atreveram a resistir à polícia política da ditadura. E magotes de ‘intelectuais’ franceses (as aspas são essenciais, no caso de figuras como Bernard-Henri Lévy, na inolvidável manchete do Le Monde) inventaram “a intelligentsia do silêncio”[1].
Todos sabemos por quê. Alain Finkelstein fala de sua “admiração” pelos democratas, mas também da necessidade de “vigilância” – o que sempre garante nota baixa para qualquer ‘filósofo’ – “porque hoje sabemos sobretudo que não sabemos em que dará tudo isso”. Essa citação quase rumsfeldiana só é superada pela ideia absolutamente ridícula, pela obviedade, da lavra de Lévy, segundo a qual “é essencial considerar a complexidade da situação”. Curiosamente, é exatamente o que os israelenses sempre dizem quando algum ocidental desorientado sugere que Israel pare de roubar terras árabes na Cisjordânia para lá instalar seus colonos de ocupação.
De fato, a própria reação de Israel aos acontecimentos no Egito – que ainda não seria hora de o Egito chegar à democracia (para não ameaçar o título de Israel como “a única democracia no Oriente Médio”) – tem tanto de inadmissível quanto de autoderrotista.
Israel estará sempre mais segura, se cercada por democracias verdadeiras, do que, como vive hoje, cercada de ditadores pervertidos e viciosos, ou de monarcas autocratas. Para seu alto crédito, o historiador francês Daniel Lindenberg disse uma verdade, essa semana: “Temos, infelizmente, de admitir a realidade: muitos intelectuais creem, sinceramente, que os povos árabes seriam geneticamente atrasados”.
Sem novidade. Aplica-se aos sentimentos subterrâneos dos europeus sobre todo o mundo muçulmano.
A chanceler Merkel da Alemanha anuncia que o multiculturalismo não funciona, e um aspirante ao trono da família real da Bavária disse, há pouco tempo, que há turcos demais na Alemanha porque “os turcos não querem ser parte da sociedade alemã”. E quando a própria Turquia – a mais perfeita combinação de Islã e democracia que há hoje no Oriente Médio – aspira a unir-se à União Europeia e quer partilhar nossa civilização ocidental, a Europa tenta por todos os meios, inclusive por meios racistas, impedir que a Turquia integre-se.
Em outras palavras, queremos que eles sejam iguais a nós, desde que fiquem bem longe. E então, se eles mostram que podem ser como nós, mas não querem invadir a Europa, fazemos o possível para instalar lá, no governo ‘deles’, mais um general adestrado nos EUA, para controlá-los.
Exatamente como Paul Wolfowitz reagiu ao Parlamento turco (porque não autorizara que as tropas que invadiriam o Iraque passassem por território turco), perguntando se “os generais nada disseram sobre aquela decisão?”, a Europa, agora, nos reduzimos a ouvir o que o secretário de Defesa Robert Gates dos EUA diz, rastejante, elogiando o exército egípcio por sua “contenção” – e aparentemente sem nem perceber que deveria elogiar, isso sim, o povo do Egito, os que desejam democracia, eles sim, magnificamente “contidos”, militantes da não-violência, em vez de elogiar um magote de generais-brucutus.
E é assim que, quando os árabes reivindicam dignidade, respeito e autorrespeito, quando clamam pelo futuro que o próprio Obama delineou no então elogiado – e hoje, suponho, já amaldiçoado – discurso na Universidade do Cairo em junho de 2009, nós desrespeitamos os árabes e manifestamos desprezo. Em vez de a Europa festejar que os egípcios estejam lutando por democracia, tratamos a luta e a reivindicação como um desastre.
É infinito alívio descobrir um jornalista norte-americano sério, Roger Cohen, que está “por trás das linhas” na praça Tahrir, e de lá fala a indesmentível verdade sobre essa nossa hipocrisia. E é desgraça sem alívio, quando falam os ‘líderes’. Macmillan deixou de lado as pretensões colonialistas, sobre a África não estar preparada para a democracia, e falou de “ventos de mudança”. Agora, os ventos de mudança sopram no mundo árabe. E nós lhes damos as costas.
++++
[1] O artigo, “A Paris, l’intelligentsia du silence”, de Thomas Wieder, foi publicado no Le Monde do domingo, 6/2/2011 em http://www.lemonde.fr/cgi-bin/ACHATS/acheter.cgi?offre=ARCHIVES&type_item=ART_ARCH_30J&objet_id=1147799, só para assinantes; pode ser lido na íntegra em http://www.protection-palestine.org/spip.php?article10086 (em francês).

Dilma reafirma compromisso com a educação de qualidade e com o combate à miséria

Nubia Silveira no Sul21

A presidenta Dilma Rousseff fez, nesta quinta-feira (10) — dia em que o PT comemora 31 anos –, o seu primeiro pronuncimaneto à nação, em rede de rádio e televisão. Dilma dirigiu-se aos estudantes, a seus pais e a todos os professores brasileiros. Ela reafirmou seu compromisso com uma educação de qualidade. “Nenhuma área pode unir melhor a sociedade que a Educação. Nenhuma ferramenta é mais decisiva do que ela para superarmos a pobreza e a miséria”, afirmou.
Dilma ressaltou que este é o momento de investir nos professores, na criação de mais creches, pré-escolas e escolas técnicas e na inclusão digital. “É hora de acelerar a inclusão digital, pois a juventude brasileira precisa incorporar, ainda mais rapidamente, os novos modos de pensar, informar e produzir que hoje se espalham por todo o Planeta”, disse a presidenta.
Ao final de sua fala de pouco mais de seis minutos, Dilma reafirmou seu governo vai combater a miséria, de forma obstinada. “Isso significa fortalecer a economia, ampliar o emprego e aperfeiçoar as políticas sociais. Isso significa, em especial, melhorar a qualidade do ensino, pois ninguém sai da pobreza se não tiver acesso a uma educação gratuita, contínua e de qualidade”, afirmou.
Leia aqui a íntegra do pronunciamento de Dilma Rousseff
Pronunciamento à Nação da Presidenta da República, Dilma Rousseff
Brasília-DF, 10 de fevereiro de 2011
Queridas brasileiras e queridos brasileiros,
Nossos jovens estão de volta às aulas. A abertura do ano escolar é sempre uma festa de alegria, de fé e de esperança. É com esse sentimento que saúdo os estudantes, seus pais e, muito especialmente, todos os professores brasileiros.
Estou aqui para reafirmar o meu compromisso com a melhoria da educação e convocar todos os brasileiros e brasileiras para lutarmos juntos por uma educação de qualidade. Vivemos um momento especial de nossa história. O Brasil se eleva, com vigor, a um novo patamar de nação. Temos, portanto, as condições e uma imensa necessidade de darmos um grande salto na qualidade do nosso ensino. Um desafio que só será vencido se governo e sociedade se unirem de fato nesta luta, com toda a força, coragem e convicção.
Nenhuma área pode unir melhor a sociedade que a Educação. Nenhuma ferramenta é mais decisiva do que ela para superarmos a pobreza e a miséria. Nenhum espaço pode realizar melhor o presente e projetar com mais esperança o futuro do que uma sala de aula bem equipada, onde professores possam ensinar bem, e alunos possam aprender cada vez melhor. É neste caminho que temos que seguir avançando com passos largos.
É hora de investir ainda mais na formação e remuneração de professores, de ampliar o número de creches e pré-escolas em todo o país, de criar condições de estudo e permanência na escola, para superar a evasão e a repetência. E, muito especialmente, acabar com essa trágica ilusão de ver aluno passar de ano sem aprender quase nada.
É hora de fazer mais escolas técnicas, de ampliar os cursos profissionalizantes, de melhorar o ensino médio, as universidades e aprimorar os centros científicos e tecnológicos de nível superior. É hora de acelerar a inclusão digital, pois a juventude brasileira precisa incorporar, ainda mais rapidamente, os novos modos de pensar, informar e produzir que hoje se espalham por todo o Planeta. Em suma, esta é a grande hora da Educação brasileira. Isso só será possível se cada pai, cada aluno, cada professor, cada prefeito, cada governador, cada empresário, cada trabalhador tomar para si a tarefa de acompanhar, discutir, cobrar, propor e construir novos caminhos para a nossa Educação. Como Presidenta, como mãe e avó, darei tudo de mim para liderar esse grande movimento.
Queridas brasileiras e queridos brasileiros,
Pouco mais de um mês depois de assumir a Presidência, tenho algumas coisas a anunciar na Educação. Vamos lançar, ainda neste trimestre, o Programa Nacional de Acesso à Escola Técnica, o Pronatec, que, entre outras vantagens, levará ao ensino técnico a bem-sucedida experiência do ProUni.
Estamos também acelerando a implantação do Plano Nacional de Banda Larga, não só para que todas as escolas públicas tenham acesso à internet como, também, para que, no médio e longo prazos, a população pobre possa ter internet em sua casa ou no seu pequeno negócio a preço compatível com sua renda.
Informo, também, que o governo está tomando medidas para corrigir e evitar falhas no Enem e no Sisu, pois é fundamental aperfeiçoar e aumentar a credibilidade destes instrumentos, que são muito importantes na avaliação do aluno e da escola e, portanto, na melhoria da qualidade do ensino.
Para concluir, reafirmo que a luta mais obstinada do meu governo será o combate à miséria. Isso significa fortalecer a economia, ampliar o emprego e aperfeiçoar as políticas sociais. Isso significa, em especial, melhorar a qualidade do ensino, pois ninguém sai da pobreza se não tiver acesso a uma educação gratuita, contínua e de qualidade. Nenhum país, igualmente, poderá se desenvolver sem educar bem os seus jovens e capacitá-los plenamente para o emprego e para as novas necessidades criadas pela sociedade do conhecimento.
País rico é país sem pobreza. Este será o lema de arrancada do meu governo. Ele está aí para alertar permanentemente a nós, do governo, e a todos os setores da sociedade, que só realizaremos o destino de grandeza do Brasil quando acabarmos com a miséria.
Sem dúvida, essa é uma tarefa para toda uma geração. Mas nós temos determinação para realizar a parte importante que falta, para que a única fome neste país seja a fome do saber, a fome de grandeza, a fome de solidariedade e de igualdade. E para que todos os brasileiros possam fazer da educação a grande ferramenta de construção do seu sonho.
Muito obrigada e boa noite.
Com informações da Secretaria de Imprensa da Presidência da República

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

A ideologia


Sem a ideologia, tendemos a atrofiar e empobrecer nossa relação conosco mesmos.

Leandro Konder

A ideologia, como sabemos, é uma distorção no conhecimento do outro. Minha mente, conforme sustentam pensadores dogmáticos, não distorce nenhuma apreensão da realidade.
O que eu vejo é o que todo mundo devia estar vendo. O que eu ouço é o que os outros deviam estar ouvindo. Não preciso mudar nada no meu conhecimento da realidade.
Os antigos romanos criaram a palavra alter, que em português passou a significar outro. Se formos fiéis à história dessa palavra, veremos que o termo original já nos diz com clareza que só podemos conhecer de fato o outro, alterando-o. Quer dizer: para entender o que é diferente, é necessário ir ao outro. Viver a aventura de se modificar.
Nós, neste valente semanário, que é o Brasil de Fato, reunimos e transformamos realidades empíricas que precisamos usar contra as mentiras contadas pelos nossos inimigos. Evitamos, porém, alimentar a ilusão de que vamos convencê-los.
Não sei da existência de nenhum banqueiro, de nenhum latifundiário, de nenhum milionário, que se ponha realmente à disposição dos grandes movimentos sociais. Eles alegarão que estão sempre sob a pressão plebeia, cercados por adversários implacáveis; dirão que, se não se defenderem, com energia acabarão tendo seus bens confiscados e, eventualmente, suas vidas tolhidas.
A força de Marx está no fato de ele ter mostrado como a história humana tem se realizado através das duas coisas: de um lado, o desenvolvimento econômico, o avanço tecnológico, o “progresso”. De outro, a divisão que os privilegiados mantêm a qualquer custo, reprimindo os movimentos dos de “baixo”.
Nesse segundo sentido, a educação que a burguesia organizou e proporciona ao povo ensina os trabalhadores a repetir velhos preconceitos e acaba desmoralizando a própria ideologia.
Nas discussões a respeito das inevitáveis distorções ideológicas, aparecem sempre alguns “mussolinis” que proclamam desavergonhadamente o assassinato da verdade pela ideologia. Para proteger o caroço de verdade que a ideologia possui (ao lado da mentira), a esquerda teve o mérito de inspirar um poeta/cantor brasileiro – Cazuza – que reivindicou para ele e seus camaradas a liberdade de possuir sua própria ideologia (Ideologia, eu quero uma pra viver...).
Em Marx, a atitude em face da ideologia é afrontosamente negativa. O poeta Cazuza, entretanto, dispõem-se a enfrentar a confusão ideológica dos seus inimigos (e, se for o caso, também de alguns amigos).
Marx e Cazuza se dão conta, por diferentes caminhos, do uso da distorção ideológica e tratam de combatê-la. Para o filósofo alemão, ideologia é uma categoria que diminui muito a credibilidade do conceito. Marx sustenta que a chave da ideologia está no fato de que a burguesia explora o trabalhador, deixando oculta a chamada mais valia.
Cazuza é menos “radical”. Seu canto o mostra plenamente inserido na realidade, mas sem se comprometer com as categorias do pensamento teórico-político. Seus heróis “morreram de overdose” e seus inimigos estão no poder. Por isso, ele canta: “ideologia, eu quero uma pra viver”.
Atualmente, o que se vê é a presença do pensamento conservador pragmático que desfaz as críticas que lhe são feitas em nome de critérios exclusivamente utilitários e deixa de lado a análise critica dos fenômenos ideológicos. Para a superação da ideologia, é imprescindível abrir espaço no pensamento para a autocrítica. Não uma lenga-lenga que finge ser autocrítica, contudo é apenas o auto-elogio de intelectuais a serviço da burguesia.
Sem autocrítica, é impossível aprofundar nossas ideias a respeito da ideologia. Sem a ideologia, tendemos a atrofiar e empobrecer nossa relação conosco mesmos.
Temos manifestado falhas e deficiências no nosso trabalho teórico. O que nos consola é o fato de a burguesia não ter resolvido nenhum dos problemas que ela vem enfrentando nas últimas décadas.

Leandro Konder é colunista semanal do Brasil de Fato.
Publicado originalmente na edição 414 do Brasil de Fato

“A comunicação compartilhada é estratégica para o FSM”

A discussão das novas tecnologias e seu papel estratégico ocuparam lugar de destaque neste FSM, em Dacar. O poder político das novas ferramentas, as redes de comunicação que se transformam em grandes negócios, como lidar com tudo isso para a democratização da comunicação e a transformação da realidade estiveram em debate, com a presença do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos.

Por Terezinha Vicente na Revista Fórum

Nunca a informação e a comunicação estiveram tão disputadas no mundo. A discussão das novas tecnologias e seu papel estratégico ocuparam lugar de destaque neste FSM, em Dacar. O poder político das novas ferramentas, as redes de comunicação que se transformam em grandes negócios, como lidar com tudo isso para a democratização da comunicação e a transformação da realidade estiveram em debate, com a presença do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos. Para os participantes, é necessário que os movimentos e organizações entendam a comunicação como estratégica e prioritária, elemento a ser incorporado em todas as lutas.

“Penso que o grande problema que temos é o de saber quem vai se beneficiar com o Wikileaks, pois o imperialismo aprende sempre mais depressa do que as forças anti -capitalistas”, diz o professor. Ele cita como exemplo paradigmático a revolução cubana; enquanto as esquerdas na América Latina debatiam a revolução, o imperialismo tratou de criar logo uma “aliança para o progresso” a fim de combatê-la. “O wikileaks é uma metáfora da comunicação insurgente, porque viola segredos do Estado e das corporações, porque os segredos são fundamentais para eles. Penso que temos que ter acesso às informações do wikileaks antes de ser tratada pelos grandes meios, pois há informações importantes para os movimentos sociais que não estão a ser transmitidas”.

Para Jamie Mccielland, da “May first people link”, organização associativa focada na discussão da internet, em Nova York, o reconhecimento do trabalho do wikileaks, os ataques que receberam depois da divulgação das informações secretas e a resistência e mobilização que gerou no mundo, “mostra que esta discussão é mais complicada e que não estamos protegidos contra esse tipo de ataques, mas mostrou também a fraqueza do sistema capitalista, que usa as mesmas ferramentas, e que o ativismo na internet hoje é bastante representativo”.

Como diz o professor Boaventura, em 2003 foi fundamental a informação rápida na justificativa dos EUA para a invasão do Iraque, mas a luta não foi eficaz. Agora, vimos semanas atrás como a informação pode ser rápida e eficaz, no caso da Tunísia e do Egito. “Não queremos Cairos globais, mas muitos Cairos ao mesmo temo, penso que o desafio é sincronizar nossos movimentos, fazendo pressão de maneira convergente”. Para o intelectual, ligado desde o início ao FSM, este é nosso grande desafio. “Somos capazes de sincronizar ações a nível nacional, ainda não somos capazes de sincronizar ações a nível internacional, para desestabilizar os governos contra outro mundo possível”.

Sincronizar ações é necessário

“Como obter informações não divulgadas pelo Wikileaks?”, pergunta Boaventura. “ Para isso o FSM deveria mudar, faço o desafio ao Conselho Internacional, no sentido de dar mais capacidade à comissão da comunicação, pois há muitas informações uteis aos movimentos e quando tivermos essas informações será possível tratá-las, deveríamos formar uma comissão de investigação. Este é o meu grande desafio, para que pudéssemos nos beneficiar de todas as informações do Wikileaks”.

Como as informações foram divulgadas, o papel dos jornalistas, a mediação da grande mídia, são aspectos questionados por Hilde Stephansen, ativista de comunicação, da Goldsmiths, universidade de Londres. “Precisamos refletir como a grande mídia foi responsável pela mediação, como a mídia alternativa pode trabalhar com o wikileaks de forma similar, pois a comunicação envolve essa coisa dialógica, que vem e vai , precisamos falar do processo, não basta falarmos de tecnologia”. Este aspecto, assim como a questão da falta de privacidade que temos ao utilizar estas ferramentas, foi bastante questionado pelos presentes.

Ferramenta política, poderosa em si mesma, “a internet e o uso das tecnologias está no contexto das disputas mundiais pelo tipo de mundo que temos e o mundo que queremos ter”, diz Rita Freire, coordenadora da Ciranda, que faz a cobertura desde o primeiro encontro em Porto Alegre. O conceito de comunicação compartilhada “foi cunhado pelo FSM, quando se introduziu o acordo entre comunicadores e mídias alternativas de como utilizar as tecnologias de modo coletivo e colaborativo, uma proposta que tem acompanhado os 10 anos do FSM, incorporando novas iniciativas de comunicação”.

“Não há gozo no bailar virtualmente”

Outro aspecto destacado é a questão das mobilizações no norte da África terem se iniciado, passando ao largo dos partidos políticos e dos movimentos sociais, mostrando que existe um terreno fértil para a insurgência contra os Estados antidemocráticos. “Toda a comunicação virtual hoje é realmente um grande desafio aos movimentos sociais, pois penso que esta divisão que fazemos dos movimentos com os cidadãos não organizados tem que ser superada, pois eles podem se mobilizar e engajar num determinado momento”. “Estas manifestações, por exemplo, são muito eficazes para derrubar ditadores, como o da Tunísia, mas temo que queiram mudar o sistema para passar a outra ditadura, pró americana, pró Israel, anti palestina e anti Hamas”, analisa Boaventura. “Penso que devemos ter outra relação entre o movimento social e virtual, este fórum é um cara a cara fundamental, mesmo com os problemas de organização, precisamos de outra conexão entre o mundo real e o virtual”.

Temos esperança que essas novas tecnologias cheguem rapidamente a todas as pessoas, mas a maioria das pessoas e das organizações ainda não alcançou o contato com a informação direta, nem consegue comunicar para todos. “Lutamos ao mesmo tempo por infraestrutura e atuamos pela colaboração, pela solidariedade”, diz Rita Freire. “Não entendemos a comunicação compartilhada apenas como a internet compartilhada, a nossa expectativa era de estar trabalhando mais fortemente com as rádios comunitárias, em parcerias que permitissem a quem produz conteúdo, distribuir esse conteúdo a quem fala e dialoga diretamente com as comunidades, através dos meios disponíveis”.

Para o professor, é necessário desenvolver-se a proposta da universidade popular, surgida em 2003, para que possamos juntar os movimentos sociais mais diversos, discutir os problemas e os preconceitos que impedem de ações conjuntas realmente. “Entre os movimentos a comunicação deveria ser horizontal”, segue o professor, “e não é devido a uma hierarquização existente”. Outro problema são as diferenças culturais que geram conceitos diferentes; por exemplo, “o conceito de diáspora é uma coisa na América do Norte, outra na Ásia, e outra ainda na África; o socialismo, conceito apoiado por muitos de nós, é considerado uma armadilha dos brancos para os indígenas”.

“O contato real, o face a face vai ser sempre fundamental, não há gozo no bailar virtualmente”, conclui Boaventura. “A gente continua a fazer uma diferença entre comunicar e agir, e este é o grande problema. Por isso penso que a comissão de comunicação tem que ser mais central no FSM, temos que mudar o paradigma da comunicação. A comunicação partilhada é o grande desafio”.

Publicado por Ciranda.net. Foto por http://www.flickr.com/photos/wagnerinno/.

Movimento tunisiano apenas catalisou a profunda oposição popular existente no Egito

Escrito por Mário Maestri   no Correio da Cidadania
 
Como o temido simum, vento seco, duro, forte, que varre o Saara do sul ao norte, a tempestade formou-se na Tunísia, golpeando erraticamente o mundo islâmico − Argélia, Iêmen, Jordânia... − antes de se abater, duríssima, sobre o Egito. A enorme perplexidade sobre a explosão popular se deve, sobretudo, ao fato de ferir duramente a apologia do grande capital de população mundial muda e imóvel diante dos mandos e desmandos dos poderosos sobre seus destinos. É como se eclodisse, novamente, no mundo, a era das revoluções.
 
Nada indicaria a sublevação, ao menos na superfície das aparências, fixação eterna da grande mídia. Na Tunísia e no Egito, a economia ia de vento em popa, com importantes aportes de capital estrangeiro, que garantiam fortes taxas de crescimento do PIB: 5% em média, nos últimos dez anos, em uma Tunísia embalada pelas privatizações e profunda liberalização. O valor das ações egípcias na bolsa do Cairo triplicou, desde 2005.
 
Tunísia, Arábia Saudita e Egito são o tripé da vasta rede de ditaduras que o imperialismo USA levantou no mundo islâmico, após a queda de Reza Pahlavi, o xá da Pérsia, em 1979, para suster Israel e a rapinagem geral da riqueza petrolífera que exige a acumulação mundial do capitalismo. Ditaduras com as quais o governo USA conta para combater o Irã e impedir o ingresso na região de China e Rússia, à procura de mercados e matérias-primas. O que explica o desespero do governo e da diplomacia estadunidenses, ao sentirem vacilar, com a multitudinária mobilização, as ditaduras da Tunísia e principalmente do Egito, país de mais de 80 milhões de habitantes e forças armadas de 500 mil homens, a grande guarda pretoriana USA na região, após Israel.
 
Totalmente superado pelos fatos, o governo Obama enviou às pressas ao Cairo seu mais experiente diplomata para a região, para acelerar a renúncia de Hosni Mubarak, há trinta anos no poder, e tentar pôr fim à mobilização popular, como aconteceu na Tunísia, antes que ela atinja o núcleo duro do regime. Apoiado pelos governos de Israel, Arábia Saudita, Argélia, por Mahmmoud Abbas, da Autoridade Nacional Palestina, e pela alta oficialidade do poderoso exército egípcio, ele desconfessou seu governo. Propôs que o velho ditador seguisse na presidência, até as eleições de setembro, como segurança contra a radicalização que poderia originar um Estado do estilo "iraniano" ou "bolchevique"!
 
Integralismo Islâmico
 
Sobretudo a derrota do nacional-desenvolvimentismo árabe permitiu a construção de regimes clientes do imperialismo estadunidense e europeu, apoiados economicamente na liquidação dos recursos energéticos nacionais e no turismo, e em burguesia e classes médias rapazes e despreocupadas com a sorte de população, então, em boa parte camponesa e analfabeta.
 
A dissolução da URSS, a depreciação do socialismo, o colaboracionismo da esquerda nessa região e a forte repressão que esta última conheceu ensejaram que o integralismo islâmico expressasse rusticamente as reivindicações populares, sob o forte influxo da revolução iraniana − Egito, Turquia, Marrocos, Líbano (Irmandade Muçulmana); Argélia (FIS); Líbano (Hizbollah); Palestina (Hamas), Jordânia (FAI), Afeganistão (Talibãs) etc.
 
Nas últimas décadas, a África do Norte transformou-se em uma região com grande população (em torno de 200 milhões de habitantes) nas regiões mediterrâneas, com alta expectativa de vida (70 anos, nas regiões), muito urbanizada (Cairo, 14 milhões de habitantes), dominantemente jovem e, hoje, relativamente instruída (10% de analfabetos entre a população masculina de 15 a 24 anos). Comumente, as mulheres são maioria nas universidades.
 
Uma população jovem e adulta que, há décadas, vive exasperada por desemprego e sub-emprego que não lhes permitem inserir-se em um mundo que a educação e a grande mídia lhes apresentam pleno de promessas, reais e falsas. Piorando tudo, a forte crise mundial do capitalismo desacelera fortemente a busca na Europa, nem que seja de trabalho duro e mal pago, realizado sob forte discriminação, quando não de racismo aberto. Dos dez milhões de tunisianos, um milhão encontra-se fora do país.
 
Um mundo sem futuro
 
Nos últimos anos, no Magrebe, o desespero social é tamanho que se tornou quase habitual a auto-imolação de jovens em protesto contra as condições de existência. O estopim da enorme revolta que varre boa parte do mundo árabe foi o auto-sacrifício, pelo fogo, em 17 de dezembro 2010, do jovem tunisiano Mohamed Bouazizi, informático desempregado, de 26 anos, após ser esbofeteado e humilhado pela polícia, que confiscou suas mercadorias de camelô pobre.
 
As transformações sociais em boa parte do mundo muçulmano ensejam fenômenos políticos raramente registrados pela grande mídia. Entre eles, destaca-se o descrédito crescente do islamismo político entre as novas gerações. Crescidas no desemprego e na informalidade, elas afastam-se de integralismo incapaz de oferecer mais do que medidas paliativas (escolas, hospitais, comedores etc.), pois integrado social e ideologicamente à sociedade excludente, da qual seus dirigentes participam, não raro com destaque.
 
Característica marcante do movimento na Tunísia e no Egito é seu caráter laico e a reivindicação de liberdade política que ponha fim ao desemprego e miséria popular. Entre os manifestantes destacavam-se mulheres jovens, adultas, idosas. No próprio Egito, a Irmandade Muçulmana somou-se às manifestações apenas após sua consolidação e deposita suas fichas em El-Baradei, o ocidentalizado e pró-americano ex-diretor da Agência Internacional de Energia Atômica.
 
Fenômeno também pouco discutido é a gênese, sobretudo no Egito, de um novo sindicalismo classista, reunido em apenas fundada federação de sindicatos independentes. A sublevação anti-Mubarak é superação das grandes mobilizações contra o apoio, em 2000, do governo egípcio a Israel, e à invasão do Iraque, em 2003; das duras greves de trabalhadores no Delta do Nilo, após dezembro de 2006; das mini-intifadas, em Borollos e Muhalla, em 2008. Foi nas regiões operárias do Egito que a população assaltou delegacias, apoderando-se de armas, durante as últimas manifestações. Desde 2004, no Egito, as ações de protesto de trabalhadores foram mais de três mil!
 
A Praça e as ruas são do Povo
 
O movimento tunisiano apenas catalisou no Egito profunda oposição popular, à qual se somaram jovens das classes médias, que levou às ruas, no dia 1º de fevereiro, talvez quatro milhões de manifestantes − um milhão no Cairo; 500 mil em Alexandria; 300 mil em Suez; 250 mil em Mahalla. Ao igual que na Tunísia, também no Egito é do movimento operário que pode surgir centralização de um movimento sem direção clara, handicap negativo com o qual os regimes ditatoriais e o imperialismo contam para frustrar a onda revolucionária, por esgotamento, se possível, ou num banho de sangue, se necessário.
 
Paradoxalmente, o caráter social, político e laico do movimento é um enorme problema para o imperialismo. O integralismo islâmico foi usado tradicionalmente, pelo grande capital, com excepcionais resultados, na luta contra o nacionalismo, o socialismo e o comunismo árabes. Após a derrota da URSS, o combate ao integralismo é o fantasma utilizado para impor hegemonia imperialista política, ideológica e militar − "Guerra ao Terrorismo" −, à população estadunidense e mundial.
 
Não existiria o constrangimento de Obama, ao ser flagrado pela opinião pública interna e mundial, sustentando com um bilhão de dólares anuais a Hosni Mubarak e à ditadura egípcia, se estivesse em marcha no Magrebe uma revolução pela imposição da sharia e não pelos direitos democráticos e sociais básicos.
 
Mais ainda, o ingresso de milhões de populares na arena política, na luta por reivindicações democráticas e sociais, já exerce e exercerá uma influência difícil de ser avaliada sobre a população mundial. Com destaque para a Europa, onde os trabalhadores gregos − parte do mundo mediterrâneo − protagonizam batalhas históricas, ainda que isoladas, contra a nova ofensiva do capital contra os direitos do mundo do trabalho.
 
Os ventos da Revolução
 
Na sexta-feira, 4 de fevereiro, na Albânia, prosseguiram as manifestações, que resultaram, há poucos dias, em combates de rua, com mortos e centenas de feridos, para exigir a renúncia do primeiro-ministro e a antecipação das eleições previstas para 2013. Na Sérvia, vinte mil populares acabam de baixar às ruas, exigindo do governo pró-imperialista a antecipação das eleições de 2012, devido ao desemprego e à inflação.
 
Tudo isso quando o FMI, os burocratas da União Européia e os governos nacionais europeus preparam-se para aprofundar as políticas anti-sociais de austeridade e de redução de direitos e salários, na Bélgica, Espanha, Grécia, Irlanda, Islândia, Itália, Polônia, Portugal etc. Medidas destinadas a financiar a farra do capital bancário e financeiro que levou à crise de 2008-2009.
 
Surgindo das ameaçadoras entranhas do deserto social, o temido simum da revolução que despeja os ares do norte da África esforça-se para sobrepor-se aos ventos neoliberais que avassalam o mundo, desde a vitória histórica de sua "revolução" nos anos de 1989 e 1990.
 
Mário Maestri é professor do curso e do programa de pós-graduação em História da UPF.

Estado quer alavancar projetos esquecidos na gestão anterior

Entrevista Secretário de Educação ao Jornal do Comércio 08.02.11

Nos próximos quatro anos, a Secretaria de Educação do Estado (SEC) terá à sua frente um professor. José Clóvis Azevedo acredita que a educação no Rio Grande do Sul deve se aproximar cada vez mais do Ministério da Educação (MEC), para potencializar seus projetos. Até o final do primeiro semestre de 2012, todas as salas de aula de lata serão extintas, melhorando a estrutura física da rede escolar. A aproximação com o Cpers também é uma meta da atual gestão. Azevedo acredita que o protagonismo dos educadores auxiliará a pasta na formatação de políticas de educação mais eficazes.
Jornal do Comércio - Quais são os principais desafios para a sua pasta nos próximos anos?
José Clóvis Azevedo - São muitos. Na realidade cada frente na secretaria é um grande desafio. Mas podemos apontar como os principais a recuperação física das escolas, a regularização funcional e a melhoria salarial dos professores. Estes são os maiores porque exigem grandes investimentos e não podem ser feitos de uma só vez. É preciso um tempo e um processo gradual para que sejam cumpridos.
JC - Qual é o papel da SEC na implantação do turno integral nas escolas?
Azevedo - Nós ainda não conversamos com o MEC sobre a formatação deste projeto, mas queremos participar. Pretendemos formar uma parceria com o ministério no sentido de viabilizar algumas experiências-piloto localizadas, de articulação entre o Ensino Médio (EM) de formação geral e o Ensino Técnico Profissional. É de nosso interesse e é uma proposta correta, pois dialoga com os objetivos da maioria da qualidade do EM. Pode ser uma saída para a motivação da juventude e nós queremos avançar neste projeto.
JC - O senhor acredita que a sintonia do governo do Estado com o federal facilita o trabalho nas duas esferas?
Azevedo - Sem dúvida facilita. O ministério possui muitos projetos que ainda não foram potencializados aqui no Estado. Tivemos nos últimos anos uma subutilização dos recursos colocados à disposição pelo governo federal para a educação no Rio Grande do Sul. Devemos fazer o contrário, vamos superpotencializar esses recursos. Juntamente com o MEC, definiremos as melhores formas que nos habilitem a tomar esses recursos.
JC - Historicamente a SEC sempre travou quedas de braço com a representação dos professores. Já houve alguma aproximação com o Cpers?
Azevedo - Não houve nenhuma tratativa ainda, pois estamos há pouco tempo no cargo. O que importa é a disposição em concretizar o diálogo permanente e a discussão das questões educacionais. Não só as questões imediatas e coorporativas, mas também as políticas de educação. Queremos ouvir o Cpers e a contribuição do sindicato, a fim de trabalhar com o protagonismo de cada professor e professora, e isto passa pela relação institucional. Passa também pela relação com a sua entidade de classe, pela qual nós temos o maior respeito.
JC - O senhor falou desta aproximação do professor e da valorização da categoria. O Estado tem algum projeto de cursos de aperfeiçoamento para a classe?
Azevedo - Já estamos discutindo aqui na secretaria um pré-projeto de formação permanente dos professores que queremos desenvolver em todo o Rio Grande do Sul. Mas, antes de transformar em um projeto definitivo, vamos discutir com os nossos principais parceiros que são as universidades. Formaremos uma parceria com todas estas instituições para ajustar a nossa proposta com as necessidades e interesses das universidades, e a partir daí buscar a parceria do MEC para suprir com recursos através do financiamento e também na parte de conteúdo destes programas.
JC - Qual é a meta de recuperação da estrutura das escolas? Quais os projetos?
Azevedo - Temos algumas emergências, em torno de 30, mas ainda estamos realizando um diagnóstico de toda a rede. Vamos levar uns 60 dias para formatar um relatório mais preciso. A partir destes dados, montaremos um plano de recuperação física da rede para o período de quatro anos. A cada ano, realizaremos uma etapa significativa deste projeto. E, ao mesmo tempo em que recuperarmos cada espaço físico, queremos modernizar tecnologicamente as unidades. É um processo de investimento pesado, mas que faremos de forma gradativa, porém firme.
JC - Qual é o valor destinado à Educação para o orçamento deste ano?

Azevedo - Em números redondos são R$ 4,6 bilhões. Deste total, R$ 4,2 bilhões já estão comprometidos com a folha de pagamento, restando apenas R$ 400 milhões para investimento e custeio.
JC - Há um prazo para acabar com as escolas de lata?
Azevedo - Três delas serão desativadas até março. E as quatro restantes, durante o primeiro semestre do ano que vem. As obras já estão em andamento e até junho de 2012 serão extintas todas as salas de aula de lata.

JC - Algum trabalho específico em parceria com a prefeitura de Porto Alegre?
Azevedo - Já tive uma reunião com a prefeitura, onde tratamos do fim da permuta de pessoal e de projetos como o ProJovem. Conversamos também sobre o transporte dos alunos que a prefeitura da Capital já faz com o Ensino Fundamental. Vamos fazer um projeto-piloto no Ensino Médio para transportar alunos da periferia para escolas localizadas no Centro. Faremos juntamente com a prefeitura porque eles já possuem todos os critérios do processo que passa por convênios com as empresas de ônibus.
JC - Tem alguma região do Estado que requer um olhar mais cuidadoso?
Azevedo - A Região Metropolitana, com certeza. Não que as outras regiões não mereçam cuidados ou que não tenham questões graves a serem resolvidas em diversas áreas. Mas é na Região Metropolitana que a situação se agrava mais em termos da rede escolar, de equipamentos, de material didático e de bibliotecas. Precisamos ter uma intervenção muito grande nesta área.

JC - Existe algum projeto para construção de novas escolas?
Azevedo - Não. O nosso problema não está em expandir a rede. Temos hoje uma situação nova no Brasil. Está havendo uma diminuição do público jovem e um envelhecimento da população. Portanto, temos uma diminuição da demanda dos ensinos Fundamental e Médio, embora o EM ainda não tenha sido universalizado. Temos que universalizar a Educação Infantil, que é de responsabilidade das prefeituras, o EM e o Ensino Superior são de responsabilidade do MEC. Nosso problema não está na expansão e sim na qualidade. Investir em equipamentos, professores, bibliotecas e informatização.
JC - O Estado possui defasagem no número de professores em alguma área?
Azevedo - O Estado tem alguns problemas específicos, que é a falta de professores formados ou interessados nas áreas de Química, Física e Matemática. É um problema antigo, a que queremos dar um tratamento especial neste projeto de formação. Em um quadro geral, não temos falta de professores. O nosso problema é o grande número de educadores contratados. Aquilo que era emergencial virou prática constante. Precisamos fazer concurso público.
JC - Qual é o problema da contratação?
Azevedo - Primeiro que é uma relação de trabalho precarizada. É um contrato que se extingue e todo final de ano tem de ser renovado. O professor ganha pelo número de aulas dadas, dessa forma ele não tem tempo para reuniões, não consegue se integrar com a comunidade. O nosso objetivo é gradativamente substituir a relação de contrato pela relação de nomeados e efetivos, com carga horária prevista pela lei.
JC - Qual é o foco central neste primeiro momento?
Azevedo - O nosso principal objetivo é fazer com que o ano letivo se inicie com tranquilidade. Sem faltas ocasionais de professores, com acomodações para os alunos e com o fornecimento de todo o material necessário.
JC - Ao assumir a secretaria, o senhor recebeu relatórios da antiga gestão. Teve algum ponto mais deficitário ou alguma área que não tenha recebido a devida atenção?
Azevedo - Eu acho que seria muito difícil ou, quem sabe, cômodo fazer uma crítica ao governo passado. Mas, talvez, o que a gente possa apontar como uma questão mais séria seja a não potencialização da relação com o governo federal e a não utilização plena dos recursos disponibilizados pelo MEC.
JC - Por outro lado, houve algum projeto do governo anterior que terá continuidade na sua gestão?
Azevedo - O processo de informatização das escolas e a modernização da alimentação dos dados via internet, em uma rede integrada para todo o Estado, deverá ser continuado e ampliado. Nós temos um novo projeto, fomos eleitos para isso, mas temos que ter um espírito republicano de não zerar todos os processos que estão em andamento. Temos que aproveitar tudo de bom que o antigo governo fez e corrigir aquilo que não tenha sido benfeito ou potencializado. Na área da tecnologia houve avanços positivos, mas a área de formação de professores deixou muito a desejar.