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Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
domingo, 20 de fevereiro de 2011
A solução para os problemas do Egito está na ditadura do proletariado e na extensão da revolução árabe
A fuga para a frente de Hugo Chávez
O bairro 23 de Enero, em Caracas
por Luiz Carlos Azenha no Viomundo
Existe uma consistente crítica de esquerda a Hugo Chávez na
Venezuela. Em alguns círculos bolivarianos, a crítica se dirige ao
voluntarismo e ao militarismo do presidente. O jornalista e advogado
José Vicente Rangel, que já foi vice-presidente e ministro de Chávez,
mencionou as duas questões em uma entrevista com o presidente. Foi de
passagem, mas deu para notar um certo mal estar no entrevistado.
Na recente viagem que fiz ao país, além de reler A Venezuela que se inventa, de Gilberto Maringoni, li também Venezuela: La Revolución como espectáculo, de Rafael Uzcátegui, e La Herencia de la Tribu, de Ana Teresa Torres.
O primeiro trata das contradições entre o discurso nacionalista e
anticapitalista de Hugo Chávez e o fato de que o presidente, ao criar
empresas de economia mista para explorar o petróleo, em parcerias da
PDVSA com estrangeiros, na verdade criou um marco regulatório estável
para as petroleiras de fora; da proximidade do governo com a Chevron; da
subordinação do sindicalismo oficialista; da baixa tolerância à
dissidência.
O segundo livro explora o mito em torno do herói da independência da
Venezuela, Simón Bolivar, na tentativa de demonstrar como a associação
com Bolívar foi explorada politicamente ao longo da história do país.
Os dois livros enquadram Chávez muito mais como mantenedor de
práticas políticas antigas da Venezuela do que como verdadeiramente
revolucionário.
Durante a viagem estive no bairro 23 de Enero, que fica bem atrás do
palácio Miraflores, em Caracas. Na Venezuela se diz que quem controla
politicamente o 23 de Enero, um antigo bairro operário, controla o país.
O curioso é que, na mesma entrevista a José Vicente Rangel, Chávez
deu piruetas para agradar o bairro, naquele estilo retórico pomposo que é
tradição de nuestra America. O presidente disse que tinha nascido
espirituralmente lá.
A oposição venezuelana conseguiu avanços na recente eleição
parlamentar. Diz que teve 52% dos votos, contra 48% do governismo. Uma
demonstração, na avaliação dos oposicionistas, de que é possível
derrotar Hugo Chávez nas presidenciais de dezembro de 2012.
A criminalidade, a falta de alguns produtos da cesta básica e a
inflação alta podem ajudar a oposição, para não falar de uma certa
improvisação que marca as ações de governo. Doze anos de poder
desgastam. O problema é que, sob a aparente capa de unidade, a própria
oposição parece incapaz de arrancar tração política de sua atuação no
Congresso. A recente prestação de contas de ministros, transmitida ao
vivo por emissoras de alcance nacional, deixou isso claro.
A tônica do governo foi a de prestar contas sobre os dois mandatos de
Chávez, comparando os avanços do país neste período com o de governos
anteriores. Em resumo, pendurando o FHC no pescoço do Serra.
Chávez “fugiu para a frente” dos problemas do país. Numa recente
edição do programa Alô Presidente, assinou decreto desapropriando terras
para construir 150 mil casas até o final de 2011. Ou seja, lançou a
versão venezuelana do Minha Casa, Minha Vida. Curiosamente, o decreto
não incluiu expropriações, mas transferência de áreas públicas para o
programa habitacional.
Além disso, o governo venezuelano fez o cadastro de cerca de 500 mil
pequenos proprietários de terra para incorporá-los ao programa de
soberania alimentar (proporcionalmente ao PIB, a produção agrícola na
Venezuela cresceu muito pouco nos últimos 12 anos). O governo também
pretende facilitar o acesso popular ao crédito, o que talvez explique o
interesse de Chávez pelas ações da Caixa Econômica Federal brasileira.
Casa própria, incentivos à pequena burguesia do campo, acesso a
crédito. Que revolução é essa, diria a ultraesquerda venezuelana?
sábado, 19 de fevereiro de 2011
Mubarak se foi, a indignação sindical permanece
Hosni Mubarak cometeu, nos últimos cinco anos, um dos maiores
erros de seus 30 anos como presidente do Egito, de não aprender as
lições das centenas de pequenas greves registradas nesse período.
Por Emad Mekay, na agência IPS
Isso lhe custou o poder. Estes fatos
foram os verdadeiros precursores do levante que começou em 25 de
janeiro e no dia 11 pôs fim a um governo de três décadas (1981-2011).
“Tivemos sorte pelo fato de, em sua arrogância e atitude distante, o regime não ter aprendido nenhuma lição com as muitas greves e os muitos protestos que aconteceram nos últimos cinco anos”, disse Mohammad Fathy, sindicalista de 46 anos radicado na cidade de el-Mahala, cuja candidatura para a União Geral de Trabalhadores – patrocinada pelo governo – foi dificultada por sua opinião contrária ao regime.
“Fomos, inclusive, mais sortudos por eles, os governantes, não compreenderem que havia genuínos problemas econômicos, profissionais e trabalhistas, especialmente aqui, em el-Mahala, no dia 6 de abril de 2008”, disse Mohammad. Nessa data, o Egito experimentou o primeiro exemplo em décadas de uma ação sindical que se converteu em um levante popular, uma minirrevolta nas ruas desta cidade industrial que atraiu homens, mulheres e crianças.
Foi aqui que os ativistas pelos direitos trabalhistas organizaram dois dias de protestos maciços, nos quais os moradores do lugar deixaram suas casas e retiraram imagens e cartazes de Mubarak, pela primeira vez desde sua chegada ao poder. Estes fatos assinalaram o nascimento do grupo de ativistas antiMubarak na Internet, o Movimento 6 de Abril, que tomou seu nome desse dia histórico. Quase três anos mais tarde, esse grupo ajudou a organizar os acontecimentos do dia 25 de janeiro. Desta vez, não só retirou as imagens de Mubarak, como também o próprio presidente.
Se Mubarak tivesse tomado nota dos protestos sindicais, poderia ter aprendido algumas maneiras de prevenir ou frustrar a revolução de 25 de janeiro, afirmam vários dirigentes sindicais. “A reação dos partidários de Mubarak foi a de que nós éramos apenas um punhado de jovens que podiam ser facilmente abatidos pela polícia. Sua única resposta foi cada vez mais segurança, nada político e nada econômico. Eles não se deram conta de quanto alterada estava a força de trabalho do país”, disse Fathy. De fato, essa força continua alterada mesmo após a derrubada de Mubarak.
Anos de assédio policial, políticas desfavoráveis aos trabalhadores e más condições econômicas deixaram profundas cicatrizes nos operários egípcios, que até agora sentem que ficaram foram do lugar que lhes corresponde. Assim, não surpreende que as manifestações sindicais tenham continuado, exortando o Conselho Supremo das Forças Armadas, que governa o país, a emitir seu quinto comunicado, chamando especificamente os dirigentes deste setor a atenuarem seus protestos.
O governo interino de Ahmed Shafiq queixou-se ao Conselho Supremo de que as contínuas greves não ajudam esta nação de 85 milhões de habitantes a voltar à normalidade. Quase todos os setores da economia são afetados. O Banco Central teve de conceder um feriado bancário improvisado no dia 14, que se somou ao feriado religioso de ontem, em uma aposta para frustrar as crescentes greves no setor, cujos trabalhadores pedem a investigação dos altos salários dos principais executivos. Inclusive, a polícia culpa seus baixos salários para explicar a corrupção dentro dessa força, e pede mais benefícios trabalhistas.
Esta onda de greves posteriores à queda de Mubarak coloca em relevo a divisão existente entre os líderes sindicais, os que querem benefícios imediatos para os trabalhadores e aqueles que querem dar tempo ao novo governo provisório para atender suas demandas trabalhistas. Isto não quer dizer que o setor operário deixa de lutar por seus direitos, disse o ferroviário Mohammad Mourad, sindicalista de el-Mahala.
O ferroviário disse que a queda de Mubarak é boa notícia para a força de trabalho do país, já que significa o fim de algumas das políticas desfavoráveis aos trabalhadores. Entre elas, mencionou especificamente as privatizações de empresas estatais – o que sabotou as eleições sindicais – e a interferência policial como obstáculos que desaparecerão junto com a queda de Mubarak. Embora seja possível que isto aconteça, de todo modo não oferece um alívio imediato para os trabalhadores impacientes.
Em el-Mahala, o salário mínimo médio dos 25 mil trabalhadores têxteis da Egyptian Spinning & Weaving Company, a maior fábrica têxtil do Oriente Médio, é de apenas US$ 102. A maioria dos funcionários acaba buscando outros empregos para completar a renda. Para que essa situação mude, sugerem que o novo governo confisque milhares de milhões de dólares dos membros corruptos do regime anterior e os invista em benefícios para os trabalhadores. Mubarak gastou muito dinheiro em segurança, e esses fundos também poderiam ir para os trabalhadores pobres, segundo o sindicalista Hamdi Hussein.
Os dirigentes sindicais afirmam que a maioria das greves e dos protestos trabalhistas tem três objetivos: pôr fim à corrupção nas altas esferas de algumas empresas, aumentar o salário mínimo para pelo menos US$ 255 e realizar eleições sindicais livres. “Se essas três reclamações não forem atendidas logo, os trabalhadores continuarão agindo até que a revolução signifique uma mudança real para eles”, disse Hamdi, que trabalha para o Comitê Coordenador para as Liberdades e os Direitos Trabalhistas.
Fonte: Envolverde
“Tivemos sorte pelo fato de, em sua arrogância e atitude distante, o regime não ter aprendido nenhuma lição com as muitas greves e os muitos protestos que aconteceram nos últimos cinco anos”, disse Mohammad Fathy, sindicalista de 46 anos radicado na cidade de el-Mahala, cuja candidatura para a União Geral de Trabalhadores – patrocinada pelo governo – foi dificultada por sua opinião contrária ao regime.
“Fomos, inclusive, mais sortudos por eles, os governantes, não compreenderem que havia genuínos problemas econômicos, profissionais e trabalhistas, especialmente aqui, em el-Mahala, no dia 6 de abril de 2008”, disse Mohammad. Nessa data, o Egito experimentou o primeiro exemplo em décadas de uma ação sindical que se converteu em um levante popular, uma minirrevolta nas ruas desta cidade industrial que atraiu homens, mulheres e crianças.
Foi aqui que os ativistas pelos direitos trabalhistas organizaram dois dias de protestos maciços, nos quais os moradores do lugar deixaram suas casas e retiraram imagens e cartazes de Mubarak, pela primeira vez desde sua chegada ao poder. Estes fatos assinalaram o nascimento do grupo de ativistas antiMubarak na Internet, o Movimento 6 de Abril, que tomou seu nome desse dia histórico. Quase três anos mais tarde, esse grupo ajudou a organizar os acontecimentos do dia 25 de janeiro. Desta vez, não só retirou as imagens de Mubarak, como também o próprio presidente.
Se Mubarak tivesse tomado nota dos protestos sindicais, poderia ter aprendido algumas maneiras de prevenir ou frustrar a revolução de 25 de janeiro, afirmam vários dirigentes sindicais. “A reação dos partidários de Mubarak foi a de que nós éramos apenas um punhado de jovens que podiam ser facilmente abatidos pela polícia. Sua única resposta foi cada vez mais segurança, nada político e nada econômico. Eles não se deram conta de quanto alterada estava a força de trabalho do país”, disse Fathy. De fato, essa força continua alterada mesmo após a derrubada de Mubarak.
Anos de assédio policial, políticas desfavoráveis aos trabalhadores e más condições econômicas deixaram profundas cicatrizes nos operários egípcios, que até agora sentem que ficaram foram do lugar que lhes corresponde. Assim, não surpreende que as manifestações sindicais tenham continuado, exortando o Conselho Supremo das Forças Armadas, que governa o país, a emitir seu quinto comunicado, chamando especificamente os dirigentes deste setor a atenuarem seus protestos.
O governo interino de Ahmed Shafiq queixou-se ao Conselho Supremo de que as contínuas greves não ajudam esta nação de 85 milhões de habitantes a voltar à normalidade. Quase todos os setores da economia são afetados. O Banco Central teve de conceder um feriado bancário improvisado no dia 14, que se somou ao feriado religioso de ontem, em uma aposta para frustrar as crescentes greves no setor, cujos trabalhadores pedem a investigação dos altos salários dos principais executivos. Inclusive, a polícia culpa seus baixos salários para explicar a corrupção dentro dessa força, e pede mais benefícios trabalhistas.
Esta onda de greves posteriores à queda de Mubarak coloca em relevo a divisão existente entre os líderes sindicais, os que querem benefícios imediatos para os trabalhadores e aqueles que querem dar tempo ao novo governo provisório para atender suas demandas trabalhistas. Isto não quer dizer que o setor operário deixa de lutar por seus direitos, disse o ferroviário Mohammad Mourad, sindicalista de el-Mahala.
O ferroviário disse que a queda de Mubarak é boa notícia para a força de trabalho do país, já que significa o fim de algumas das políticas desfavoráveis aos trabalhadores. Entre elas, mencionou especificamente as privatizações de empresas estatais – o que sabotou as eleições sindicais – e a interferência policial como obstáculos que desaparecerão junto com a queda de Mubarak. Embora seja possível que isto aconteça, de todo modo não oferece um alívio imediato para os trabalhadores impacientes.
Em el-Mahala, o salário mínimo médio dos 25 mil trabalhadores têxteis da Egyptian Spinning & Weaving Company, a maior fábrica têxtil do Oriente Médio, é de apenas US$ 102. A maioria dos funcionários acaba buscando outros empregos para completar a renda. Para que essa situação mude, sugerem que o novo governo confisque milhares de milhões de dólares dos membros corruptos do regime anterior e os invista em benefícios para os trabalhadores. Mubarak gastou muito dinheiro em segurança, e esses fundos também poderiam ir para os trabalhadores pobres, segundo o sindicalista Hamdi Hussein.
Os dirigentes sindicais afirmam que a maioria das greves e dos protestos trabalhistas tem três objetivos: pôr fim à corrupção nas altas esferas de algumas empresas, aumentar o salário mínimo para pelo menos US$ 255 e realizar eleições sindicais livres. “Se essas três reclamações não forem atendidas logo, os trabalhadores continuarão agindo até que a revolução signifique uma mudança real para eles”, disse Hamdi, que trabalha para o Comitê Coordenador para as Liberdades e os Direitos Trabalhistas.
Fonte: Envolverde
DITADURA MILITAR - AS HISTÓRIAS QUE A FOLHA NÃO CONTA
Francisco Bicudo em seu blog
Retomo e desenvolvo neste texto alguns posts que escrevi no twitter. O tema merece.
Caderno
especial publicado pela Folha de São Paulo neste sábado, 19 de
fevereiro, sobre os 90 anos do jornal traz um breve relato a respeito do
papel desempenhado pela publicação durante a ditadura militar. O
texto adota a estratégia da afirmação que parece assumir, mas que acaba
por sempre oferecer uma "nuance", uma "justificativa", uma "ressalva"
ou um "mas...", suavizando e pulverizando o que se relata.
A
Folha admite que apoiou o golpe - "como praticamente toda a grande
imprensa brasileira". É justificável o comportamento "maria vai com as
outras, só porque os outros foram eu embarco também?"
O
texto diz ainda que "jornal submeteu-se à censura, acatando
proibições", mas ignora benefícios alcançados por conta do silêncio
conivente. Será que não foi muito mais auto-censura, sem necessidade de
intervenção direta dos militares, justamente porque o jornal compreendeu
com bastante clareza o que era permitido e o que era proibido dizer? A
Folha nunca precisou ter censores em sua redação.
A
matéria deste sábado alega que a redação da Folha da Tarde foi entregue
a jornalistas entusiastas da linha dura como reação à presença de
militantes da ALN. Será mesmo? Seria então aceitável transportar para o
jornal a guerra suja dos milicos e permitir a atuação de agentes
infiltrados no jornal?
No final, diz o texto que "segundo relato depois divulgado por militantes presos na época, caminhonetes de entrega do jornal teriam sido usadas por agentes da repressão para acompanhar sob disfarce a movimentação de guerrilheiros". O
que os militantes contam, desde sempre, é que a empresa emprestava
viaturas de reportagem para transportar opositores do regime para
centros de tortura.
Vejamos
o que escreve o jornalista Jorge Claudio Ribeiro, em passagem do livro
"Sempre Alerta - Condições e contradições do trabalho jornalístico", da
editora Olho D´Água, em parceria com a Brasiliense:
"A
partir de 1969, a FT (Folha da Tarde) fez a festa da direita, atuando
como porta-voz do regime militar e chegando até a ser aparelhada pela
polícia. Lourenço Diaféria lembra como foi essa oscilação: 'A FSP sempre
foi um jornal ambíguo; botava uns caras de direita, outros de esquerda.
Já a FT era feita por gente ligada à ditadura. A empresa tinha ligações
com delegados do Dops".
Em
outro trecho da obra, Ribeiro cita a socióloga Gisela Taschner, autora
de "Folhas ao Vento", que lembra que "jogando sempre dos dois lados no
campo político nos marcos do capitalismo e, na medida de suas
possibilidades, diversificando a linha de produção, mesmo com alguns
desacertos do ponto de vista de segmentação, o grupo consolidou seu
império. Para qualquer tendência de mercado ou da política que se
esboçasse, ele tinha um produto pronto para ser ativado. Nos momentos de
opacidade apostava dos dois lados. Tinha montado um aparato para seguir
os ventos e tirar proveito deles, qualquer que fosse a sua direção".
Eis
o famoso jornal-camaleão, a mudar de cor de acordo com a conjuntura
política, que se cala e sustenta o projeto de terror da ditadura nos
anos de chumbo para em seguida tentar se redimir e se consolidar como o
porta-voz dos ventos da redemocratização no país, quando a tirania do
regime militar já estava com os dias contados. Oportunismo ideológico de
mercado, não?
Em
março de 2009, em ato de repúdio contra a Folha, que havia em editorial
classificado a ditadura de "ditabranda", o ex-preso político Ivan
Seixas lembrou que "o jornal colocava carros à disposição da tortura,
colocou um jornal inteiro à disposição do DOI-CODI" (clique aqui
para ver o vídeo do depoimento). Na época, Ivan chegou a enviar cartas
para a Folha (jamais publicadas), lembrando que a empresa "empregava
carros para nos capturar e entregar para sessões de interrogatórios,
como sofremos eu e meu pai. Ninguém me contou, eu vi carro da Folha na
porta da OBAN/DOI-CODI.” (clique aqui para ler artigo publicado na Agência Carta Maior).
No Observatório da Imprensa, em resenha do livro "Cães
de Guarda: Jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988", de
Beatriz Kushnir, a jornalista e à época mestranda em História Social
pela Universidade de São Paulo (USP) Juliana Sayuri Ogassawara destaca que "a Folha da Tarde pôde
ser considerada um porta-voz, o "diário oficial" da Operação
Bandeirantes, a Oban, por publicar informes oficiais do governo como se
fossem reportagens. Além disso, a partir de 1969 passaram a circular
pelas redações os setoristas, isto é, jornalistas credenciados e
vinculados à seara policial, dentre os quais se destacam o repórter e
major da PM Edson Corrêa e o editor de Internacional e agente do Dops
Carlos Antonio Guimarães Sequeira".
Como
se vê, há várias outras histórias sobre as relações da Folha com a
ditadura militar. Mas o jornal crítico, plural e apartidário não dá
conta dessas outras versões.
Mais uma vez, quem defende a tese da "ditabranda" tenta mudar a História e apagar a memória dos anos de chumbo no Brasil.
A ETA em busca de novos caminhos
Criação de novo partido pode levar ao abandono da violência e ser crucial para uma solução pacífica
Pequena nação encravada no norte da Espanha (e com ramificações no
sul da França), o País Basco sempre esteve nas primeiras páginas dos
jornais espanhóis. Seja pela sua encarniçada luta contra o regime
franquista ou pela sua insistente luta por independência, os Bascos
sempre foram destaque e grandes responsáveis por mudanças históricas em
todo o Estado.
Há pelo menos 50 anos a ETA (Euskadi Ta Askatasuna, ou Pátria Basca e
Liberdade, em língua basca) vem lutando contra o Estado Espanhol com o
objetivo de conseguir a independência total do que chamam de Euskal
Herria, ou País Basco e, para isto, se valem de extrema violência
respondida na mesma mesmo medida pelas forças de segurança espanhola
que, nos anos 80, chegaram até mesmo a formar grupos terroristas de
direita para assassinar políticos bascos destacados.
Depois de décadas de luta, mortes, casos incontáveis de tortura e
desaparecimentos, a ETA vem mostrando sinais de que pretende abandonar
as armas e participar apenas da luta no campo político institucional.
Desde a redemocratização espanhola (entre 77 e 79) que a ETA tem no
Batasuna (“Unidade”) seu braço político. Ele chegou a angariar, em seu
auge, cerca de 20% dos votos na chamada Comunidade Autônoma Basca, mas,
desde 2002, se encontra ilegalizado pelo Tribunal Superior Espanhol sob
acusação de ser o mesmo que a ETA. Todas as tentativas da militância de
Esquerda Nacionalista ou Patriota (chamada localmente de Izquierda
Abertzale) de fundarem novos partidos é barrada por este mesmo tribunal.
Virtualmente, cerca de 20% da população basca se encontra sem a
possibilidade de se ver representada no parlamento basco e espanhol
desde que, em 2008, o Partido Comunista das Terras Bascas (EHAK, em
basco) foi ilegalizado por ser alegadamente uma continuação do Batasuna,
logo, parte da ETA.
Desde então, diversas tentativas de fundar um novo partido esbarraram
não só nas negativas dos tribunais espanhóis, mas também nas ações
policiais contra os militantes nacionalistas (o que levou à prisão do
maior número de pessoas ligadas à esquerda nacionalista desde o regime
de Franco) e também na insistência da ETA em não abandonar a violência.
Em 2010, porém, a ETA deu os primeiros sinais de que estava pronta a
se desarmar quando declarou cessar-fogo e aceitou a mediação
internacional de um grupo composto por diversos ganhadores do Prêmio
Nobel – como Mandela, Desmond Tutu e Mary Robinson, capitaneados pelo
negociado sul-africano Brian Currin – e apoiou a assinatura da chamada
Declaração de Bruxelas, onde acordou respeitar os chamados Princípios
Mitchell e apoiar uma verificação internacional e independente de seu
desarmamento.
Segundo Paul Rios, coordenador da organização Lokarri e responsável
por levar à frente o processo de paz, a trégua veio em meio à intensa
negociação envolvendo não só diversos atores, mas também devido a forte
resistência por parte de políticos e de cidadãos, cansados da violência.
Ele ainda acrescenta que nada “pode garantir que o cessar-fogo da ETA
seja definitivo, porém é difícil que aconteça um novo atentado”.
Para Pello Urizar, deputado pelo partido nacionalista EA (Social
Democracia Basca), a ETA “entrou em um caminho sem volta” e que é hora
de começar a negociar seu fim.
Apesar da descrença do governo espanhol (comandado pelos Socialistas
do PSOE) e da franca oposição dos pós-franquistas do Partido Popular, a
ETA e os remanescentes do Batasuna continuaram a seguir no caminho da
via pacífica e da concordância.
Jesús Egiguren, presidente do Partido Socialista no País Basco foi um
dos poucos ligados a partidos não-nacionalistas a apoiar a iniciativa
de negociação com o grupo radical, o que o fez entrar em rota de
conflito com o resto de seu partido. Na época, Eguiguren chegou a
declarar que “o Batasuna recuperou a liderança no mundo nacionalista e
está condicionando a atividade armada da ETA”.
Depois de meses de conversas e consultas com as bases sociais da
Esquerda Nacionalista, no dia 07 de fevereiro de 2011, antigos membros
do Batasuna e militantes históricos apresentaram o estatuto de um novo
partido político que tem por objetivo superar a barreria legal imposta a
esta significativa parcela da população pela Lei de Partidos, o
instrumento utilizado tanto pela oposição pró-Espanha quanto pela
justiça para ilegalizar o Batasuna e partidos tributários.
No dia seguinte o nome do novo partido foi divulgado: Sortu, que significa “recomeço” em Basco.
A Lei de Partidos explicita a necessidade de uma condenação completa e
irrestrita de qualquer tipo de violência, buscando claramente
dificultar a sobrevivência de qualquer partido que possa servir como
braço de grupos armados. Segundo interpretações de tribunais superiores,
o Batasuna seria, inegavelmente, braço da ETA, logo, não cumpriria com
os preceitos básicos para ser legal.
O estatuto – e o discurso – do novo partido, redigido pelo advogado
nacionalista Iñigo Iruin, porém, foi pensado para conseguir superar esta
barreira e deixa explícito em diversos momentos o rechaço frontal a
qualquer tipo de violência política e abre o caminho para futuras
condenações caso a ETA resolva quebrar o acordo de não mais cometer
atentados.
Iruin deixou claro que “a intensidade do rechaço a toda violência
presente no estatuto do novo partido, deve bastar para acabar com
qualquer presunção de conivência com a violência ou com organizações
ilegalizadas”.
Não foi a primeira vez que a ETA declarou um cessar-fogo e alguns
meses depois voltou a cometer atentados, ainda que desta vez os
compromissos assumidos pelo grupo tenham ido mais longe do que nunca e
existam sinais de que será duradouro.
Paul Rios se mostrou extremamente otimista com a oportunidade que se
abre, ainda que este sentimento não seja unânime sequer entre aqueles de
seu entorno. Depois de diversas tréguas e tentativas frustradas de
superar o conflito político, os sentimentos são ambíguos. O
primeiro-ministro espanhol, José Luis Rodrigues Zapatero, chegou a
comentar que a Esquerda Nacionalista “nunca tinha dado um passo assim”
em direção a um repúdio tão explícito da violência.
Alfredo Rubalcaba, ministro do Interior, afirmou ter visto uma
“melhora significativa” na postura dos ex-membros do Batasuna e que
esta é a “primeira vez” que tomam atitude firme e, em geral, o clima é
de muita expectativa sobre a decisão da justiça espanhola sobre a
possível legalização da formação.
Andoni Ortuzar, parlamentar no nacionalista PNV (Partido Nacionalista
Basco) deu as boas vindas ao novo partido, felicitando-os pela
iniciativa de rechaçar a violência, dizendo “antes tarde do que nunca,
antes tivessem feito isto há 35 anos!”.
À direita, Antônio Basagoiti, presidente da seção basca do PP não é
apenas cético como virulento em suas críticas contra a nova formação,
que acusa de ser insuficiente em seu comprometimento com a paz e
declarações. Em comunicado oficial, o PP se limitou a declarar que o
partido que nasce “é o mesmo Batasuna de sempre”.
O vice-secretário de comunicações do PP, Esteban Gonzáles Pons,
chegou a ser ainda mais crítico, declarando que “legalizar o Batasuna
seria como se os aliados fizessem um pacto com os Nazistas ao entrar em
Berlin”.
O novo partido, porém, ainda é um embrião e precisa passar não só
pelo crivo da justiça, mas também pelo crivo da própria militância. O
jornalista José Luis salgado acrescenta que “apesar da claridade com que
o [partido] Sortu cumpre com os requisitos exigidos na lei de
partidos, sua legalização terá ainda de ser referendada pela justiça
espanhola”, ao que Ignácio Escolar completa, afirmando que os
descontentes não podem fazer nada “além de novamente pedir a ilegalidade
do partido à justiça”, porque desta vez “nenhuma lei conhecida” pode
proibir o novo partido de participar das eleições.
Resta agora aos promotores do novo partido, Sortu, esperar por uma
decisão da justiça espanhola sobre a possibilidade ou não de concorrerem
a cargos nas próximas eleições, marcadas para maio. Resta também a
incógnita se a ETA irá regressar ao terrorismo ou irá fazer alguma
declaração dando apoio à tese da Esquerda Nacionalista de que o grupo
logo irá se dissolver.
Como comentado pelo historiador Iñaki Egaña, porém, a história da ETA
é cheia de separações e rachas, e pouco se pode prever para o futuro do
grupo.
CartaCapital entrevistou Paul Rios, coordenador da Lokarri:
CartaCapital (CC): Agora é possível falar em uma trégua
definitiva da ETA e que a sociedade Basca poderá seguir pela via
pacífica?
Paul Rios (PR): Não posso garantir totalmente que o
cessar-fogo seja definitivo, mas acredito ser muito difícil que a ETA
volte a cometer atentados. Depois do passo dado ontem (dia 7) pelos
impulsionadores do novo partido, Sortu, é muito complicado para a ETA
cometer um atentado sabendo que receberá o rechaço do setor político que
até agora esteve mais perto de suas propostas e idéias.
Creio que a ETA enfrenta apenas um dilema: um final rápido e ordenado
ou lento e desordenado. Em qualquer caso, o final da violência. E
acompanha as decisões da Esquerda Abertzale, o final será mais rápido e
será factível conversar com o governo questões técnicas (como armas,
presos). Se decide continuar com a violência, se verá apartada da
Esquerda Abertzale e, sem um braço político, a ETA ficará reduzida a um
mero problema de segurança.
CC – Pensas que o Tribunal Constitucional (máximo órgão de justiça espanhola) permitirá o registro da nova formação (Sortu)? Como agirá o governo espanhol?
CC – Pensas que o Tribunal Constitucional (máximo órgão de justiça espanhola) permitirá o registro da nova formação (Sortu)? Como agirá o governo espanhol?
PR - O governo tentará impugnar o partido. Os
estatutos do Sortu vão muito além do que é estabelecido na Lei de
Partidos. Com ele em mãos, é muito difícil que um tribunal possa
rechaçar a legalização. Outra questão distinta é que há um risco de que
os tribunais não tomem sua decisão antes das próximas eleições.
CC – O que acha dos comentários negativos feitos pelo PP e a falta de entusiasmo do PSOE frente ao lançamento do novo partido?
PR - Deve-se matizar. O PSOE aprecia o passo dado,
mas fica em cima do mudo e deixa a decisão nas mãos dos tribunais. Um
governo responsável deveria permitir a legalização e, caso veja indícios
de que se trata de uma enganação – o que não é o caso, estou convencido
-, então pode pôr em marcha outro processo de ilegalização, como já
fizeram no passado. Quanto ao PP e ao UPyD (oposição de direita), eles
propõem diretamente vulnerabilizar o Estado de Direito. O respeito às
leis é fundamental e se Sortu, o novo partido, as cumpre, não se pode
propor ignorar a lei e inventar novos requisitos para a legalização,
como estão fazendo estes partidos.
Milhares de manifestantes pedem o fim da dinastia sunita que governa o Bahrein
Jorge Seadi no Sul21
Milhares de pessoas participaram, nesta manhã de sexta-feira (18), em
Manama, capital do Bahrein, do funeral dos três mortos nas
manifestações contra a dinastia sunita que governa o país que atacou os
manifestantes na Praça da Pérola com tanques e blindados de combate,
deixando 231 feridos e prendendo centenas de outros.
Apesar do governo ter proibido, a partir de ontem (17), qualquer
manifestação nas ruas do Emirado, a polícia e o exército ficaram
distantes das demonstrações de dor durante o cortejo com os três corpos
pelas ruas da capital. Milhares de pessoas levaram os caixões em uma
onda de reclamações contra o governo e, pela primeira vez, contra o rei
Hamad. O povo pede a saída da dinastia sunita comandada pelo rei Hamad
há 40 anos.
Ahmed Makki Abu Taki, irmão de Mahmud, um dos mortos que está sendo
enterrado hoje, disse que “havíamos apenas pedido a saída do governo,
mas agora queremos que o rei também saia”. Os corpos dos três mortos
estão sendo levados para o cemitério de Sitra, uma pequena cidade ao
lado da capital do país. Após o sepultamento todos vão para uma
mesquita, orar no dia sagrado para o islamismo (sexta-feira é o domingo
dos árabes).
Além dos protestos nas ruas, a família real começa a enfrentar a
oposição de destacados membros da comunidade sunita, que mantém o
governo, e que parecem concordar com os pedidos da população. A pressão
contra o regime aumentou nas últimas horas quando o maior líder
religioso dos xiitas, Issa Qassem, qualificou a morte dos três
manifestantes como “massacre”. Em um sermão para milhares de pessoas na
mesquita xiita da cidade de Diraz, no noroeste do país, o clérigo
advertiu que o “governo fechou todas as portas para o diálogo”.
E o governo não dá mostras de que deseja o diálogo. O ministro de
Relações Exteriores, Jalid al Jalifa, disse que a ação do Exército foi
necessária porque “as manifestações estavam polarizando o país e
colocando o Bahrein à beira da guerra sectaria”. Enquanto isto, líderes
do movimento contra o governo se articulam para tomar a praça da Pérola
como uma grande demonstração de força dos movimentos de oposição na
manhã deste sábado. Observadores afirmam que a tomada da praça poderá
provocar muita violência.
com informações do El Mundo, Espanha
sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011
Desigualdade social e renda injusta
Frei Betto*
Escritor e assessor de movimentos sociais
Entre
os 15 países mais desiguais do mundo, 10 se encontram na América Latina e
Caribe. Atenção: não confundir desigualdade com pobreza. Desigualdade resulta
da distribuição desproporcional da renda entre a população.
O
mais desigual é a Bolívia, seguida de Camarões, Madagascar, África do Sul,
Haiti, Tailândia, Brasil (7º lugar), Equador, Uganda, Colômbia, Paraguai,
Honduras, Panamá, Chile e Guatemala.
A ONU
reconhece que, nos últimos anos, houve redução da desigualdade no Brasil. Em
nosso continente, os países com menos desigualdade social são Costa Rica,
Argentina, Venezuela e Uruguai.
Na
América Latina, a renda é demasiadamente concentrada em mãos de uma minoria da
população, os mais ricos. São apontadas como principais causas a falta de
acesso da população a serviços básicos, como transporte e saúde; os salários
baixos; a estrutura fiscal injusta (os mais pobres pagam, proporcionalmente,
mais impostos que os mais ricos); e a precariedade do sistema educacional.
No
Brasil, o nível de escolaridade dos pais influencia em 55% o nível educacional
a ser atingido pelos filhos. Numa casa sem livros, por exemplo, o hábito de
leitura dos filhos tende a ser inferior ao da família que possui biblioteca.
Na
América Latina, a desigualdade é agravada pelas discriminações racial e sexual.
Mulheres negras e indígenas são, em geral, mais pobres. O número de pessoas
obrigadas a sobreviver com menos de um dólar por dia é duas vezes maior entre a
população indígena e negra, comparada à branca. E as mulheres recebem menor
salário que os homens ao desempenhar o mesmo tipo de trabalho, além de
trabalharem mais horas e se dedicarem mais à economia informal.
Graças
à ascensão de governos democráticos-populares, nos últimos anos o gasto público
com políticas sociais atingiu, em geral, 5% do PIB dos 18 países do continente.
De 2001 a 2007, o gasto social por habitante aumentou 30%.
Hoje,
no Brasil, 20% da rendas das famílias provêm de programas de transferência de
renda do poder público, como aposentadorias, Bolsa Família e assistência
social. Segundo o IPEA, em 1988 essas transferências representavam 8,1% da
renda familiar per capita. De lá para cá, graças aos programas sociais do governo,
21,8 milhões de pessoas deixaram a pobreza extrema.
Essa
política de transferência de renda tem compensado as perdas sofridas pela
população nas décadas de 1980-1990, quando os salários foram deteriorados pela
inflação e o desemprego. Em 1978, apenas 8,3% das famílias brasileiras recebiam
recursos governamentais. Em 2008, o índice subiu para 58,3%.
A
transferência de recursos do governo à população não ocorre apenas nos estados
mais pobres. O Rio de Janeiro ocupa o quarto lugar entre os beneficiários
(25,5% das famílias), antecedido por Piauí (31,2%), Paraíba (27,5%) e
Pernambuco (25,7%). Isso se explica pelo fato de o estado fluminense abrigar um
grande número de idosos, superior à media nacional, e que dependem de
aposentadorias pagas pelos cofres públicos.
Hoje,
em todo o Brasil, 82 milhões de pessoas recebem aposentadorias do poder
público. Aparentemente, o Brasil é verdadeira mãe para os aposentados. Só na
aparência. A Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE demonstra que, para os
servidores públicos mais ricos (com renda mensal familiar superior a R$
10.375), as aposentadorias representam 9% dos ganhos mensais. Para as famílias
mais pobres, com renda de até R$ 830, o peso de aposentadorias e pensões da
previdência pública é de apenas 0,9%.
No
caso do INSS, as aposentadorias e pensões representam 15,5% dos rendimentos
totais de famílias que recebem, por mês, até R$ 830. Três vezes mais que o
grupo dos mais ricos (ganhos acima de R$ 10.375), cuja participação é de 5%.
O
vilão do sistema previdenciário brasileiro encontra-se no que é pago a
servidores públicos, em especial do Judiciário, do Legislativo e das Forças
Armadas, cujos militares de alta patente ainda gozam do absurdo privilégio de
poder transferir, como herança, o benefício a filhas solteiras.
Para
Marcelo Neri, do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas, no
Brasil "o Estado joga dinheiro pelo helicóptero. Mas na hora de abrir as portas
para os pobres, joga moedas. Na hora de abrir as portas para os ricos, joga
notas de cem reais. É quase uma bolsa para as classes A e B, que têm 18,9% de
suas rendas vindo das aposentadorias. O pobre que precisa é que deveria receber
mais do governo. Pelo atual sistema previdenciário, replicamos a desigualdade.”
A esperança
é que a presidente Dilma Rousseff promova reformas estruturais, incluída a da
Previdência, desonerando 80% da população (os mais pobres) e onerando os 20%
mais ricos, que concentram em suas mãos cerca de 65% da riqueza nacional.
***********
Artigo 2:
Os sonhos de Kepler
Os sonhos de Kepler
No
século XX, o ser humano conquistou o "impossível". Sabemos voar como
os pássaros, navegar sob as águas como os peixes, correr mais rápido do que os
coelhos e somos capazes de nos comunicar a distâncias outrora inimagináveis.
Somos a geração automotiva. O relógio mede cada segundo do nosso tempo, cavalos
e carruagens cederam lugar a carros e aviões, trovadores invisíveis cantam
através de nosso equipamento de som, arautos sem rosto divulgam os fatos pelo
rádio, o circo e o teatro irrompem em nossa sala nas dimensões de uma pequena
tela eletrônica.
Melhor
do que dividir a história em antiga, medieval, moderna e contemporânea, é
distingui-la pelas eras agrícola, que durou 10.000 anos; industrial, nos
últimos 100 anos; e, agora, cibernética. Johannes Kepler, nascido na Alemanha
em 1571, atraído pelo faro estético dos gregos -que acreditavam ter o Universo
uma natural simetria- descobriu a arquitetura do sistema solar e levou quatro
anos para calcular a órbita de Marte, uma elipse perfeita. Com um computador,
bastariam quatro segundos.
Kepler,
que escreveu um livro intitulado O Sonho, teria invejado a nossa geração se
imaginasse quanto tempo poderíamos poupar. Daria asas à imaginação, sonhando em
fazer tudo aquilo que o trabalho exaustivo não lhe permitia: desfrutar da vida
campestre, perder tempo com os amigos, ficar na igreja ouvindo o som inebriante
do órgão, contemplar o céu noturno para captar a música das estrelas. O que ele
jamais poderia supor é que, com tanta tecnologia, a nossa geração dispõe cada
vez mais de menos tempo.
Somos
incorrigivelmente vorazes. Queremos processar o máximo de informações no mínimo
de tempo. Desafiamos, a cada momento, as barreiras do espaço. Ansiamos por
estar lá -não no caminho- e, por isso, afundamos o pé no acelerador do carro
possante e afugentamos os pedestres, disputando com o motorista ao lado um
palmo de asfalto, como se à frente não houvesse sinais vermelhos contrários à
nossa sofreguidão. Reduzimos as distâncias com telefones celulares e operações
digitais no computador.
Ainda
que no trânsito ou no aeroporto, no trabalho ou no clube, a "coleira
eletrônica" impede que nos percam de vista. Entre uma marcha e outra, uma
flexão abdominal e outra, uma decisão e outra no trabalho, controlamos os
filhos, as aplicações financeiras, os negócios geograficamente distantes. Como
Prometeu, queremos arrebatar o fogo dos deuses, fazendo de conta que não somos
frágeis e mortais.
Porque
precisava pensar, Kant nunca saiu de Königsberg, onde construiu uma obra
filosófica monumental. Ora, para que livros se há milhares de vídeos
interessantes? Basta saber que o patrimônio cultural da humanidade se encontra
armazenado nas bibliotecas. Relaxados, passamos horas, dias, meses e anos de
nossas vidas vendo um punhado de homens correrem atrás de uma bola e carros
velozes desafiando as curvas da morte. Nossos heróis estão distantes da arte
musical de Mozart, da física de Planck ou da literatura de Machado de Assis.
Veneramos aqueles que quebram limites. O Evangelho da "pós-modernidade"
são os índices do mercado financeiro. A Bíblia, o
Guiness Book of the Records. Pelé fez 1.000 gols. Michael Jackson
coloriu de branco sua pele negra. Ayrton Senna andou mais depressa grudado ao
solo que qualquer outro mamífero.
Só
não descobrimos o elixir da felicidade. Por que nenhuma empresa vende o que
mais procuramos? Ora, talvez possamos deixar de pagar, com o sacrifício da
própria vida, o preço letal dessa busca, se abraçarmos os sonhos de Kepler: a
vida campestre, a roda de amigos, o coro de anjos numa igreja e a melodia das
estrelas.
[Frei
Betto é escritor, autor do romance "Um homem chamado Jesus” (Rocco), entre
outros livros. www.freibetto.org -
twitter:@freibetto
quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011
István Mészáros e a educação para além do capital
Escrito por Demetrio Cherobini no Correio da Cidadania | |
Um clássico, um engodo e uma aposta: tal é o que se encontra na edição brasileira de A educação para além do capital
de István Mészáros, lançado primeiramente em 2005 e depois em 2008,
pela Editora Boitempo. O clássico fica por conta do próprio texto de
Mészáros, uma proposta consistente, coerente e radical a respeito de
como os revolucionários do século XXI podem orientar seus esforços no
campo da educação, a fim de superar a dominação exercida pelo capital
sobre o sócio-metabolismo humano e realizar a "comunidade humana
emancipada". O engodo, destaque negativo da publicação, cabe
inteiramente ao prefaciador do livro, Emir Sader, que, desgraçadamente,
tenta desviar a atenção do leitor para preocupações e objetivos diversos
dos que estão contidos nas formulações do pensador húngaro. A aposta, o
que resta disso tudo, é a de que os trabalhadores saibam ter a postura
crítica necessária para perceber e superar as mistificações ideológicas
que proliferam em nossos dias – até mesmo em torno das publicações
progressistas - e tentam lhes perpetuar na condição de acomodação,
entorpecimento e paralisia frente ao seu inimigo visceral.
Desde A teoria da alienação em Marx, escrito na década de 1960, até seus textos mais recentes, como O desafio e o fardo do tempo histórico, de 2007, o ponto-chave que orienta a reflexão filosófica de Mészáros é a realização da transcendência positiva da auto-alienação do trabalho. O mesmo se dá, evidentemente, em A educação para além do capital,
concebido originalmente como uma conferência a ser proferida no Fórum
Mundial de Educação, na cidade de Porto Alegre, em 2004. Nesse contexto,
pode-se dizer que a crítica radical da alienação é o elemento decisivo
para se entender não apenas a proposta, discutida nesse livro, de "contra-interiorização"
da realidade histórico-social, que precisa se dar em ambientes formais e
informais de aprendizagem, mas da teoria social e política do filósofo
húngaro em sua totalidade.
Sem compreender isso, qualquer empreendimento que vise elucidar
criticamente as proposições de Mészáros sobre as formas – atuais e
vindouras - de mediar o sócio-metabolismo humano fica tremendamente
prejudicado. A educação é importante para um projeto político-social
alternativo porque a superação da alienação só pode ser feita por meio
de uma atividade autoconsciente. Esta é, pois, a condição para
passarmos de uma situação onde nos encontramos completamente
fragmentados, cindidos, diminuídos, submissos às nossas próprias
criações materiais e estranhos em relação aos nossos semelhantes, para
uma outra, na qual poderemos nos desenvolver ao máximo e nos tornarmos ricos no sentido qualitativo da palavra: sujeitos que sentem intimamente a carência de uma multiplicidade de manifestações humanas de vida (Cf. Marx).
Mas quem lê desavisadamente o prefácio à edição brasileira de A educação para além do capital é induzido a crer que as preocupações de Mészáros são as mesmas de Sader, a saber: como fortalecer a esfera pública em contraposição ao domínio do privado.
Vejamos, nesse sentido, o que afirma o politólogo brasileiro: "Talvez
nada exemplifique melhor o universo instaurado pelo neoliberalismo, em
que ‘tudo se vende, tudo se compra’, ‘tudo tem preço’, do que a
mercantilização da educação. Uma sociedade que impede a emancipação só
pode transformar os espaços educacionais em shoppings centers,
funcionais à sua lógica do consumo e do lucro. O enfraquecimento da
educação pública, paralelo ao crescimento do sistema privado, deu-se ao
mesmo tempo em que a socialização se deslocou da escola para a mídia, a
publicidade e o consumo" (Cf. SADER, 2005, 16).
Uma leitura atenta, contudo, vai nos mostrar que os termos de referência
de Mészáros são completamente outros. Em primeiro lugar, porque não é o
neoliberalismo que mercantiliza tudo – inclusive a educação -, e sim,
em nosso contexto, o sistema do capital. Em segundo lugar, a
questão realmente importante não é exatamente o "enfraquecimento da
educação pública" em comparação com o crescimento do ensino privado. Ao
colocar as questões desse modo, Sader tenta fazer-nos crer que a
preocupação de Mészáros seria com um eventual fortalecimento do setor
público em contraposição ao setor privado – seria, portanto, combater
precipuamente o "neoliberalismo".
Mas o filósofo húngaro não é tão ingênuo assim e não mistifica dessa
maneira o setor "público" (o Estado). Antes disso, está muito mais
interessado em demonstrar como é o sistema do capital – e não somente o "neoliberalismo" -, com todas as suas contradições, incluindo-se aí o próprio Estado,
que faz parte de sua base material e que deve ser superado em
concomitância com esse complexo mais amplo no qual está inserido. A
educação pode contribuir com esse propósito, desde que não se limite
apenas ao âmbito formal de ensino – note-se, então, que não se
trata de colocar a questão em termos de "público" e "privado" - e se
volte para a formação das mediações materiais não antagônicas de
regulação do sócio-metabolismo humano. E isso só pode ser feito se a
educação em questão for radicalmente crítica, isto é, articuladora teórico-prática de negação e afirmação no sentido da construção do socialismo – ponto importantíssimo que nem sequer é tocado no curioso prefácio.
A preocupação de Mészáros, portanto, é em firmar uma educação revolucionária, e não meramente "pública" (ademais, em Para além do capital, o filósofo húngaro deixa bem claro que o objetivo dos socialistas é a socialização do poder de decisão sobre todos os âmbitos da atividade humana, e não a mera estatização das coisas – porque isto não elimina, em definitivo, o problema da alienação).
Em terceiro lugar, é um equívoco completo afirmar algo parecido com "a
socialização se deslocou da escola para a mídia, a publicidade e o
consumo". Na verdade, a socialização - isto é, o aprendizado das
relações, normas e valores sociais, a internalização do mundo
humano, a apropriação ativa das produções histórico-culturais - nunca
poderia ter feito esse percurso porque ela é, na verdade, como a
educação, "a própria vida", ou seja, se confunde com a própria vida,
seja na escola ou fora dela. O referido prefácio, portanto, desvia o foco da nossa atenção para pontos que não são
preocupações centrais de Mészáros. Constitui, na verdade, um
tragicômico registro de um caso de prefaciador que apresentou como se
fossem do prefaciado idéias que na verdade não lhe pertenciam
(acreditamos que mistificação seja um termo bastante apropriado para designar o sentido desse tipo de operação intelectual).
A educação para a superação da alienação é, de acordo com Mészáros, a que se insere conscientemente na luta de classes. Aí, ela se desenvolve a partir da adoção crítica de um ponto de vista
estruturalmente antagônico em relação ao sistema do capital. Essa nova
práxis compreende tal perspectiva, os interesses que lhe são inerentes,
articula-os em torno de uma ideologia capaz de proporcionar os
devidos "estímulos mobilizadores" para as ações sócio-políticas da
"classe com cadeias radicais" rumo à sua emancipação. É uma educação que
está, pois, consciente de que só uma revolução pode libertar os
trabalhadores da prisão configurada pelos processos alienados e
alienantes de produção e reprodução do capital.
Nesse contexto, todas as mistificações sobre as relações dos
homens com os produtos do seu trabalho, onde estes lhes aparecem como
auto-constituídos e dotados de propriedades humanas, devem ser
combatidas. A educação socialista é, por definição, uma educação desmistificadora dos
processos atualmente estabelecidos de controle sócio-metabólico,
realizados de acordo com as exigências do capital. É, pois, numa
palavra, crítica radical dos fetiches de um sistema que vive de produzir fetiches – incluindo-se aí, evidentemente, o próprio fetiche do Estado.
O projeto socialista requer, assim, que nos orientemos a partir de um
quadro estratégico adequado, de atuação nacional e internacional, com
vistas a irmos para além do capital, e não meramente do capitalismo e seu regime jurídico garantidor da propriedade privada. A educação para além do capital é aquela que, concebendo-se como mediação indispensável, se integra conscientemente nesse projeto de transição que deverá fazer vir à luz uma sociedade capaz de proporcionar tempo disponível para a realização das potencialidades humanas. A educação é, portanto, na visão de Mészáros, parte de um projeto político-social - mediação coadunada com outras mediações - que precisa progressivamente negar a forma de sociabilidade atualmente cristalizada e afirmar
uma alternativa viável em relação a ela. É esse movimento que
constitui, pois, a crítica radical, a práxis revolucionária rumo à
comunidade humana emancipada, a sociedade regulada pelos produtores
livremente associados de que falava Marx.
É importante ressaltar tais questões, pois Mészáros volta a elas freqüentemente. É a crítica da ordem do capital que deve constituir a forma da educação transformadora. Isto exige uma ampla e profunda modificação de práticas e relações materiais – ou seja, dos sistemas de mediações atualmente estabelecidos -, que deve se dar com base no objetivo de transferir o poder de decisão sobre
os processos sócio-metabólicos da humanidade para os produtores
associados. Por isso, a reflexão sobre educação não pode se realizar
meramente tendo-se em vista os ambientes formais de ensino, mas sim, sobretudo, as esferas informais
de apropriação dos produtos históricos. Nessas duas "frentes de
batalha", ela necessita se estabelecer como prática que é, assim como a
revolução, auto-determinada e permanente.
O filósofo húngaro frisa constantemente que as formas de apropriação do
mundo que o capital controla não se dão somente na escola ou na
universidade, mas na vida como um todo. Por causa disso, a educação
revolucionária não pode visar apenas os ambientes formais de ensino, mas
sim se voltar para todas as outras atividades em que a interiorização
ocorre, a fim de produzir uma contra-interiorização (ou contra-consciência)
radical. Não mais hierárquica, fetichista, perdulária, destrutiva, e
sim sustentável, cooperativa, consciente, emancipada, numa palavra, socialista. Por tal razão, uma educação alternativa só pode ser bem fundamentada se estiver amparada por uma teoria política
concretamente produzida para fins específicos de confrontação de um
determinado sistema de relacionamento social. Isto deve estar claro para
os sujeitos envolvidos com atividades formais de ensino, pois eles
necessitam ser capazes de fazer com que a sua instituição específica se
abra para toda a sociedade, a fim de poder se articular com os
movimentos materiais que visam superar a ordem do capital rumo à "nova
forma histórica".
A teoria de Mészáros é, portanto, uma defesa intransigente e sem
concessões de que as instituições de ensino e seus participantes –
educadores, educandos, trabalhadores da educação, comunidade escolar –
entrem numa relação dialética com os processos políticos e sociais que,
em nosso tempo, visam à construção do futuro emancipado da humanidade.
Isto não significa, contudo, que tal teoria não diga algo digno de poder
ser utilizado para orientar ações dentro do âmbito da escola ou
da universidade. Por exemplo: se a atividade organizada pelo sistema
fetichista de exploração de trabalho excedente – isto é, o sistema do capital - é estruturada hierarquicamente,
a prática superadora de tal conjunto de relações precisa se ordenar de
modo diverso. Isto pode ocorrer tanto no que toca à própria estrutura
institucional como no interior da sala de aula: um movimento progressivo
de transcendência da forma da interiorização que se dá de acordo com a
lógica do capital (hierárquica), para uma outra, não fetichista, horizontal,
cooperativa, auto-determinada. É esse novo tipo de prática social que
torna possível a generalização do pensamento crítico e a formação da consciência socialista de massa de que fala Mészáros.
Uma forma revolucionária de educação é, pois, segundo o filósofo
húngaro, imprescindível para as classes trabalhadoras na sua luta contra
o capital. Não uma educação que, impregnada de retórica mistificadora,
contemporize com interesses escusos de partidos que desejam se perpetuar
nos postos mais altos do Estado a partir de uma engenharia política
hábil na conciliação entre as classes. Não uma educação que se dê
meramente no âmbito "público", mas que seja capaz de criticar os
próprios fundamentos da divisão entre o público e o privado. Não uma
educação que fetichize o Estado, considerando-o como panacéia
para todos os problemas, mas que combata suas contradições lá onde elas
se enraízam. Finalmente: não uma educação apenas contra o setor privado,
o neoliberalismo, o partido X ou Y, e sim uma educação contra o capital,
suas personificações e seus ideólogos de todos os tipos -
principalmente, os que exercem sua influência deletéria no interior da
própria esquerda...
Ficha
Título: A educação para além do capital
Autor: István Mészáros
Editora: Boitempo
Ano: 2008 (2ª edição)
Páginas: 124
Preço: R$ 25,00
Sobre o autor: István Mészáros nasceu em Budapeste, em 1930. Em
sua juventude, trabalhou em fábricas de aviões, tratores, têxteis,
tipografias e até no departamento de manutenção de uma ferrovia
elétrica. Aos dezoito anos, graças ao fato de haver se formado com notas
máximas, ganhou uma bolsa de estudos na Universidade de Budapeste, onde
pôde conhecer o filósofo György Lukács, de quem foi grande amigo e
discípulo. Da Hungria, Mészáros foi para a Itália, onde trabalhou na
Universidade de Turim. A partir de 1959, seu destino foi a Grã-Bretanha,
onde lecionou em vários lugares: no Bedford College da Universidade de
Londres (1959-1961), na Universidade de Saint Andrews, na Escócia
(1961-1966), e na Universidade de Sussex, em Brighton, na Inglaterra
(1966-1971). Em 1971, trabalhou na Universidade Nacional Autônoma do
México, e em 1972 foi nomeado professor de Filosofia e Ciências Sociais
da Universidade de York, em Toronto, no Canadá. Em janeiro de 1977,
retornou à Universidade de Sussex, onde veio a receber o título de
Professor Emérito de Filosofia em 1991. Afastou-se das atividades
docentes em 1995 e atualmente vive na cidade de Rochester, próxima a
Londres.
Demetrio Cherobini é cientista social (UFSM) e mestre em Educação (UFSC).
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O início preocupante do governo Dilma
A decisão da presidenta Dilma Rousseff de promover um corte cirúrgico de
50 bilhões no Orçamento da União confirma que os tecnocratas
neoliberais estão com a bola toda no início do novo governo. Eles já
bombardearam a proposta de aumento real do salário mínimo, aplaudiram a
decisão do Banco Central de elevar a taxa de juros e, agora, festejam os
cortes nos gastos púbicos. Tudo bem ao gosto das elites rentistas e
para delírio da mídia do capital, que agora decidiu bajular a nova
presidenta.
Na justificativa para o corte dos gastos, o ministro Guido Mantega, tão duro contra o sindicalismo na questão do salário mínimo, mostrou-se dócil diante do “deus-mercado”. Sem meias palavras, ele afirmou: “Nós estaremos revertendo todos os estímulos que fizemos para a economia brasileira entre 2009 e 2010... Nós já estamos retirando esses incentivos e agora falta uma parte deles que estão sendo retirados do Orçamento de 2011, que são os gastos públicos, que ajudaram a estimular a demanda”.
Um triste regresso ao “malocismo”?
Numa linguagem empolada, típica de quem esconde as maldades, Mantega argumentou que “este ajuste, esta consolidação fiscal, possibilitará que nós alcancemos o superávit primário” – outro termo que causa orgasmos nos banqueiros e rentistas. A União, explicou o ministro, já teria reservado “quase R$ 81,8 bilhões” somente para o pagamento dos juros – isto é, o dobro dos investimentos orçamentários destinados ao Plano de Aceleração do Crescimento, o PAC (de R$ 40,15 bilhões).
Na prática, as decisões recentes do governo parecem indicar um triste regresso ao “malocismo” – uma mistura de Pedro Malan, czar da economia no reinado de FHC, e Antonio Palocci, czar da economia no primeiro mandato de Lula. Os seus efeitos poderão ser dramáticos, inclusive para a popularidade da presidenta Dilma. De imediato, as medidas de elevação dos juros e redução dos investimentos representam um freio no crescimento da economia e, conseqüentemente, na geração de emprego e renda.
Suspensão de concursos e outras maldades
Além de reduzir o papel do Estado como indutor do crescimento, o corte drástico de R$ 50 bilhões no Orçamento da União terá impacto nos serviços públicos prestados à população. O governo já anunciou a suspensão dos concursos para a contratação de novos funcionários e protelou a nomeação de 40 mil servidores aprovados em seleções anteriores. Para Maria Thereza Sombra, diretora da Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursados, estas medidas levarão ao “estrangulamento da máquina”.
Empolgado com a retomada de alguns dogmas neoliberais, O Globo diariamente dá manchete às medidas de “ajuste fiscal” do ministro Mantega. Na edição de 10 de fevereiro, o jornal festejou: “O corte de R$ 50 bilhões nas despesas do Orçamento de 2011 deixará alguns ministérios a pão e água”. No estratégico Ministério da Ciência e Tecnologia, por exemplo, o corte previsto é de R$ 1,3 bilhão. Até o sistema de vigilância ambiental, alardeado após a tragédia carioca das chuvas, corre sério risco de ser enterrado.
A ditadura do capital financeiro
Como se observa, as perspectivas no início do governo da presidenta Dilma Rousseff são preocupantes. Ainda é cedo para se fazer qualquer avaliação mais conclusiva, taxativa. Mas há indícios de que as velhas teses ortodoxas voltaram a ganhar força no Palácio do Planalto, sob o comando do todo-poderoso ministro Antonio Palocci. Na prática, a opção por retomar a desgastada ortodoxia neoliberal, com aumento dos juros e cortes dos investimentos, evidencia a força da ditadura financeira no Brasil.
Esta opção, porém, não tem nada de racional sob o ponto de vista dos trabalhadores. Foram exatamente as medidas heterodoxas de estímulo ao mercado interno, adotadas no segundo mandado de Lula, que evitaram que o país afundasse na crise mundial que abala o capitalismo desde 2008. Nas eleições de 2010, o povo votou na continuidade e no avanço daquele modelo econômico de desenvolvimento e não na regressão à ortodoxia neoliberal.
Na justificativa para o corte dos gastos, o ministro Guido Mantega, tão duro contra o sindicalismo na questão do salário mínimo, mostrou-se dócil diante do “deus-mercado”. Sem meias palavras, ele afirmou: “Nós estaremos revertendo todos os estímulos que fizemos para a economia brasileira entre 2009 e 2010... Nós já estamos retirando esses incentivos e agora falta uma parte deles que estão sendo retirados do Orçamento de 2011, que são os gastos públicos, que ajudaram a estimular a demanda”.
Um triste regresso ao “malocismo”?
Numa linguagem empolada, típica de quem esconde as maldades, Mantega argumentou que “este ajuste, esta consolidação fiscal, possibilitará que nós alcancemos o superávit primário” – outro termo que causa orgasmos nos banqueiros e rentistas. A União, explicou o ministro, já teria reservado “quase R$ 81,8 bilhões” somente para o pagamento dos juros – isto é, o dobro dos investimentos orçamentários destinados ao Plano de Aceleração do Crescimento, o PAC (de R$ 40,15 bilhões).
Na prática, as decisões recentes do governo parecem indicar um triste regresso ao “malocismo” – uma mistura de Pedro Malan, czar da economia no reinado de FHC, e Antonio Palocci, czar da economia no primeiro mandato de Lula. Os seus efeitos poderão ser dramáticos, inclusive para a popularidade da presidenta Dilma. De imediato, as medidas de elevação dos juros e redução dos investimentos representam um freio no crescimento da economia e, conseqüentemente, na geração de emprego e renda.
Suspensão de concursos e outras maldades
Além de reduzir o papel do Estado como indutor do crescimento, o corte drástico de R$ 50 bilhões no Orçamento da União terá impacto nos serviços públicos prestados à população. O governo já anunciou a suspensão dos concursos para a contratação de novos funcionários e protelou a nomeação de 40 mil servidores aprovados em seleções anteriores. Para Maria Thereza Sombra, diretora da Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursados, estas medidas levarão ao “estrangulamento da máquina”.
Empolgado com a retomada de alguns dogmas neoliberais, O Globo diariamente dá manchete às medidas de “ajuste fiscal” do ministro Mantega. Na edição de 10 de fevereiro, o jornal festejou: “O corte de R$ 50 bilhões nas despesas do Orçamento de 2011 deixará alguns ministérios a pão e água”. No estratégico Ministério da Ciência e Tecnologia, por exemplo, o corte previsto é de R$ 1,3 bilhão. Até o sistema de vigilância ambiental, alardeado após a tragédia carioca das chuvas, corre sério risco de ser enterrado.
A ditadura do capital financeiro
Como se observa, as perspectivas no início do governo da presidenta Dilma Rousseff são preocupantes. Ainda é cedo para se fazer qualquer avaliação mais conclusiva, taxativa. Mas há indícios de que as velhas teses ortodoxas voltaram a ganhar força no Palácio do Planalto, sob o comando do todo-poderoso ministro Antonio Palocci. Na prática, a opção por retomar a desgastada ortodoxia neoliberal, com aumento dos juros e cortes dos investimentos, evidencia a força da ditadura financeira no Brasil.
Esta opção, porém, não tem nada de racional sob o ponto de vista dos trabalhadores. Foram exatamente as medidas heterodoxas de estímulo ao mercado interno, adotadas no segundo mandado de Lula, que evitaram que o país afundasse na crise mundial que abala o capitalismo desde 2008. Nas eleições de 2010, o povo votou na continuidade e no avanço daquele modelo econômico de desenvolvimento e não na regressão à ortodoxia neoliberal.
Fidel a intelectuais: É preciso começar já a salvar a humanidade
O líder cubano Fidel Castro reapareceu nesta terça-feira (15), animado e bem disposto, em um encontro com intelectuais de vários países que participavam, em Havana, da Feira Internacional do Livro. No encontro, o ex-presidente da ilha advertiu a respeito dos riscos que a humanidade corre, diante de ameaças como uma eventual guerra nuclear e a crise alimentar provocada pela mudança climática. Do sitio Vermelho
Em seu primeiro ato público deste
ano, transmitido pela emissora de TV estatal, Fidel abordou assuntos
como a alta dos preços dos alimentos, a mudança climática e as revoltas
populares ocorridas no Egito e na Tunísia.
"Nossa espécie não aprendeu a sobreviver", afirmou durante o evento. Ele enfatizou que os intelectuais "podem ter um papel decisivo" na tomada da consciência mundial e pediu a eles que contribuam para "persuadir as criaturas mais autossuficientes e incapazes que já existiram: nós, os políticos" sobre perigos que ameaçam a sobrevivência da espécie..
"Não se trata de salvar a humanidade em termos de séculos ou milênios: é preciso começar a salvar a humanidade já", disse Fidel, agora com 84 anos, a escritores da Argentina, Venezuela, Peru, México, Espanha e Cuba.
O líder cubano ressaltou que as consequências da crise alimentar vão muito além de questões econômicas. Nesse sentido aludiu à influência da alta dos preços dos alimentos no desencadeamento das revoltas contra os governos do Oriente. Além disso, referiu-se ao aumento incessante da população mundial, o que acentua o problema.
Assim como na última de suas "reflexões", dedicada à revolução no Egito, Fidel definiu o ex-presidente Hosni Mubarak como "um grande estrategista" para esconder dinheiro, enquanto 80% dos egípcios vivem na pobreza.
Nesta quarta, Castro se encontra mais uma vez com os intelectuais e terá a transmissão da televisão estatal.
Leia abaixo a fala inicial de Fidel no encontro com intelectuais:
Soube que vários intelectuais de prestígio e amigos sinceros de Cuba
visitou nossa capital para participar da XX Feira Internacional do Livro
de Havana.
Esta feira é uma das modestas coisas boas que temos impulsionado. Os
livros e as ideias que vocês elaboram e promovem têm sido fontes de
alento e de esperança; graças a eles, conhecemos o que vale o enxerto
de talento e bondade. Seus nomes se familiarizam e se repetem ao longo
da vida, durante anos, que sempre nos parecem curtos.
Entre os fatores que ameaçam o mundo, estão as guerras. Os cientistas
foram capazes de colocar nas mãos do homem colossais energias, que estão
servindo, entre outras coisas, para criar um instrumento
autodestrutivo e cruel como a arma nuclear.
Os intelectuais podem, talvez, prestar um grande serviço à humanidade.
Não se trata de salvar a humanidade em termos de milênios, nem sequer em
termos de séculos. O problema é que nossa espécie se encontra ante
problemas novos, e não aprendeu sequer a sobreviver.
"Nossa espécie não aprendeu a sobreviver", afirmou durante o evento. Ele enfatizou que os intelectuais "podem ter um papel decisivo" na tomada da consciência mundial e pediu a eles que contribuam para "persuadir as criaturas mais autossuficientes e incapazes que já existiram: nós, os políticos" sobre perigos que ameaçam a sobrevivência da espécie..
"Não se trata de salvar a humanidade em termos de séculos ou milênios: é preciso começar a salvar a humanidade já", disse Fidel, agora com 84 anos, a escritores da Argentina, Venezuela, Peru, México, Espanha e Cuba.
O líder cubano ressaltou que as consequências da crise alimentar vão muito além de questões econômicas. Nesse sentido aludiu à influência da alta dos preços dos alimentos no desencadeamento das revoltas contra os governos do Oriente. Além disso, referiu-se ao aumento incessante da população mundial, o que acentua o problema.
Assim como na última de suas "reflexões", dedicada à revolução no Egito, Fidel definiu o ex-presidente Hosni Mubarak como "um grande estrategista" para esconder dinheiro, enquanto 80% dos egípcios vivem na pobreza.
Nesta quarta, Castro se encontra mais uma vez com os intelectuais e terá a transmissão da televisão estatal.
Leia abaixo a fala inicial de Fidel no encontro com intelectuais:
Texto
Introdutório do Comandante em Chefe Fidel Castro, em debate com
intelectuais, realizado na terça-feira, 15 de fevereiro de 2011
Se conseguirmos que os intelectuais compreendam o risco que estamos
vivendo neste momento, em que a resposta não pode ser adiada, talvez
eles consigam persuadir as criaturas mais autossuficientes e incapazes
que já existiram: nós, os políticos.
Como?
Coube a mim, há quase 20 anos, a desagradável tarefa de advertir ao
mundo, na Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e
Desenvolvimento, que nossa espécie está em perigo de extinção.
Argumentei então, ainda que o perigo não fosse iminente como agora, e
fui escutado com atenção, embora talvez seja melhor dizer que com
benevolência.
Houve aplausos. Um homem tinha percebido isso. Os super poderosos se
reuniram ali reunidos se deram conta que era verdade, mas um problema
que eles, naturalmente, se ocupariam de resolver nos séculos que tinham
pela frente.
A cara sorridente de Bush pai e a figura do chanceler alemão Helmut
Kohl, marchando rapidamente por um amplo corredor, à frente do grupo
após a última foto, propiciava a impressão de que nada poderia perturbar
o feliz sossego do nosso mundo esplêndido.
Tão tonto como os demais mortais, fiquei com a ideia de que talvez
tivesse exagerado. Passaram-se apenas 19 anos e vejo hoje as coisas
perturbadoras que já estão acontecendo e não admitem demora nenhuma.
Mais vale parecer louco que sê-lo e não parecê-lo. Se pensarmos que já
estamos a um passo do abismo, e nosso cálculo não fora exato, nenhum
dano faríamos à humanidade. Quando nos aproximamos já aos 7 bilhões de
habitantes, não é questão começar a filosofar sobre Malthus e as
possibilidades de soja, do trigo e do milho geneticamente modificados.
Os norte-americanos, que nisso são os mais avançados, sabem bem qual é o limite de suas possibilidades.
É hora de prestar atenção aos ambientalistas e cientistas, como Lester
Brown, a maior autoridade mundial nesta matéria e na produção de
alimentos.
Eminentes pensadores veem claramente que o sistema capitalista
desenvolvido marcha até um desastre inevitável. Ninguém teria sido capaz
de antecipar as situações novas que são criadas ao longo do caminho, e
nada é negado, pelo contrário, só se confirmam as crises que nos
converteram em revolucionários. Agora não se trata da inevitabilidade da
mudança na sociedade, mas do direito da espécie a uma vida diferente
para a qual nós não deixamos de lutar.
Nem mesmo entre as religiões que postulam o Apocalipse, uma idéia em que
muitos acreditam, ninguém, que eu saiba, sugeriu que seria neste
milênio e, muito menos, neste século.
Pensei muito estes dias nos eventos que estão acontecendo e lhes peço
que façam o mesmo, sem medo de estar pedindo um esforço inútil. Eu tenho
o hábito de ler quantas análises de ecologistas e cientistas chegam às
minhas mãos.
Ontem, quando eu refletia sobre o que aconteceu na Tunísia e no Egipto,
me chamou a atenção um recente artigo de Paul Krugman, famoso escritor e
economista sério, cujas análises sobre as medidas de Roosevelt, com a
Grande Depressão e a guerra, refletiam um especial conhecimento da
economia dos EUA e do papel desempenhado pelo autor do New Deal. Não é
marxista nem socialista. Ele recebeu o Prêmio Nobel de Economia em 2008.
Vejam (aqui no Vermelho) o que escreveu sobre a crise alimentar a pessoa talvez mais autorizada a fazê-lo.
Passaram quase 19 anos desde a Cúpula do Rio de Janeiro e estamos diante
do problema. Ali estávamos levantando esses problemas, sem imaginar que
o fim da espécie pode acontecer dentro de um século ou de décadas, se
antes não ocorrer uma guerra.
O aumento dos preços dos alimentos agravará imediatamente, sem qualquer
dúvida, a situação política internacional. Se, como resultado disso tudo
se agravam os problemas, eu me pergunto: devemos ignorá-los?
Gostaria de focar nosso debate neste tema.
É preciso começar já a salvar a humanidade.
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