domingo, 20 de fevereiro de 2011

A solução para os problemas do Egito está na ditadura do proletariado e na extensão da revolução árabe





200211_egyptians_002PCO - Ao contrário do que afirma a esquerda burguesa, de que a solução para o Egito estaria na democracia, a revolução colocou em questão o problema dos povos oprimidos, que só pode ser resolvido pela ditadura do proletariado.
A revolução no Egito que derrubou Hosnik Mubarak, há 30 anos no poder, foi, sobretudo, motivada pela miséria crescente da população e pelo aumento no preço dos alimentos no mercado mundial, em resumo, pelos efeitos diretos da crise capitalista mundial.
Hosnik Mubarak e seu regime eram um dos principais pontos de apoio dos Estados Unidos e de Israel no Oriente Médio. Os EUA eram os responsáveis por praticamente sustentar o aparato bélico das forças armadas egípcias com a transferência de milhões de dólares todo ano.
Após a queda de Mubarak pela ação revolucionária do povo egípcio, a esquerda burguesa e pequeno-burguesa e seus analistas de plantão procuram apresentar que a solução para o país seria a democracia, que mantêm bilhões de pessoas abaixo da linha da miséria para sustentar um punhado de capitalistas.
Um dos propagandistas dessa ideia é Mohamed Habib, professor da Unicamp e vice-presidente do Instituto da Cultura Árabe (ICArabe).
Ele declarou recentemente: "Se Israel for inteligente, se for governada por pessoas inteligentes, tem que perceber que acordos firmados com ditadores não se sustentam. É melhor para Israel viver cercado por países democráticos do que por ditaduras supostamente amigas. É muito mais justo e muito mais duradouro também. Os dirigentes de Israel, dos Estados Unidos e da Europa precisam estar atentos a estes detalhes. Um ditador amigo e corrupto não é sinônimo de paz e prosperidade. Há chances muito melhores para paz se países democráticos estiverem sentados à mesa de negociações". Nada poderia ser mais falso. A revolução opõe-se verticalmente à sobrevivência do Estado de Israel.
Hosnik Mubarak foi fiel aliado de Israel e dos Estados Unidos por longos trinta anos. Inclusive, a política e o modo de agir dos países neoliberais, democráticos, é justamente sustentar ditaduras em países subdesenvolvidos. Elas são estabelecidas e mantidas para garantir a politica do imperialismo nesses países.
A questão no Egito não é, como declarou Habib, chegar a um acordo com os EUA ou com Israel ou estabelecer eleições e uma constituição, mas acabar com a situação de miséria em que vive a população do país, mantida por uma ditadura, a serviço da política neoliberal dos seus aliados.
A democracia é a política neoliberal de super-exploração e opressão
Para tentar justificar o fato dos Estados Unidos serem uma "democracia", o que seria a solução para o mundo árabe, e financiar ditaduras nos outros países, Habiba firmou: "Chega uma hora em que a incoerência começa a ter efeitos negativos. Os EUA são um país democrático. Mas, na sua política externa, não aplicam os mesmos conceitos que pregam em sua democracia interna. Essa incoerência acaba desmoralizando o seu discurso frente aos demais países. No caso da revolta no Egito, demoraram muito para abrir a boca e quando abriram foi para apoiar a indicação como vice do chefe de serviço de inteligência de Mubarak durante 18 anos, amigo da CIA e do Mossad. Acharam que os egípcios eram tão burros e ignorantes que aceitariam isso. Mas acabaram se surpreendendo com a reação do povo egípcio. Resultado: os Estados Unidos acabaram se queimando politicamente. Quando o mundo ficou sabendo de tudo isso, os EUA se desmoralizaram. Esse episódio mostra que, para o mundo viver em paz, deve-se buscar a coerência em primeiro lugar: democracia para todos e não apenas no nosso país. Aí poderemos ter um mundo mais justo, com ética e prosperidade...".
A democracia é o regime da burguesia e dos capitalistas, seu modo de atuar é subjugando países e continentes inteiros aos interesses do imperialismo. No entanto, mesmo assim, se os EUA são uma democracia como explicar que o seu reflexo no Egito seja uma ditadura brutal? É que, na realidade, os EUA são a maior ditadura do mundo dentro dos próprios limites nacionais norte-americanos.
Embora a democracia, defendida pela esquerda burguesa como solução para os problemas do imperialismo no Oriente Médio, seja um enfraquecimento da política do imperialismo nessa região, não revolve o problema das massas. Ela representa a política neoliberal, que precisa de milhões de miseráveis para sustentar um punhado de capitalistas.
O que foi colocado em questão pela revolução no Egito e demais países não foi a solução dos problemas do imperialismo no mundo árabe, mas dos problemas dos povos oprimidos do Egito e dos demais países da região.
Nenhuma democracia vai resolver os problemas de miséria, super-exploração e opressão dos povos árabes.
Nesse sentido, a revolução colocou o problema da ditadura do proletariado como única solução para a miséria e opressão dos povos do Oriente Médio.

A fuga para a frente de Hugo Chávez


O bairro 23 de Enero, em Caracas

por Luiz Carlos Azenha no Viomundo

Existe uma consistente crítica de esquerda a Hugo Chávez na Venezuela. Em alguns círculos bolivarianos, a crítica se dirige ao voluntarismo e ao militarismo do presidente. O jornalista e advogado José Vicente Rangel, que já foi vice-presidente e ministro de Chávez, mencionou as duas questões em uma entrevista com o presidente. Foi de passagem, mas deu para notar um certo mal estar no entrevistado.
Na recente viagem que fiz ao país, além de reler A Venezuela que se inventa, de Gilberto Maringoni, li também Venezuela: La Revolución como espectáculo, de Rafael Uzcátegui, e La Herencia de la Tribu, de Ana Teresa Torres.
O primeiro trata das contradições entre o discurso nacionalista e anticapitalista de Hugo Chávez e o fato de que o presidente, ao criar empresas de economia mista para explorar o petróleo, em parcerias da PDVSA com estrangeiros, na verdade criou um marco regulatório estável para as petroleiras de fora; da proximidade do governo com a Chevron; da subordinação do sindicalismo oficialista; da baixa tolerância à dissidência.
O segundo livro explora o mito em torno do herói da independência da Venezuela, Simón Bolivar, na tentativa de demonstrar como a associação com Bolívar foi explorada politicamente ao longo da história do país.
Os dois livros enquadram Chávez muito mais como mantenedor de práticas políticas antigas da Venezuela do que como verdadeiramente revolucionário.
Durante a viagem estive no bairro 23 de Enero, que fica bem atrás do palácio Miraflores, em Caracas. Na Venezuela se diz que quem controla politicamente o 23 de Enero, um antigo bairro operário, controla o país.
O curioso é que, na mesma entrevista a José Vicente Rangel, Chávez deu piruetas para agradar o bairro, naquele estilo retórico pomposo que é tradição de nuestra America. O presidente disse que tinha nascido espirituralmente lá.
A oposição venezuelana conseguiu avanços na recente eleição parlamentar. Diz que teve 52% dos votos, contra 48% do governismo. Uma demonstração, na avaliação dos oposicionistas, de que é possível derrotar Hugo Chávez nas presidenciais de dezembro de 2012.
A criminalidade, a falta de alguns produtos da cesta básica e a inflação alta podem ajudar a oposição, para não falar de uma certa improvisação que marca as ações de governo. Doze anos de poder desgastam. O problema é que, sob a aparente capa de unidade, a própria oposição parece incapaz de arrancar tração política de sua atuação no Congresso. A recente prestação de contas de ministros, transmitida ao vivo por emissoras de alcance nacional, deixou isso claro.
A tônica do governo foi a de prestar contas sobre os dois mandatos de Chávez, comparando os avanços do país neste período com o de governos anteriores. Em resumo, pendurando o FHC no pescoço do Serra.
Chávez “fugiu para a frente” dos problemas do país. Numa recente edição do programa Alô Presidente, assinou decreto desapropriando terras para construir 150 mil casas até o final de 2011. Ou seja, lançou a versão venezuelana do Minha Casa, Minha Vida. Curiosamente, o decreto não incluiu expropriações, mas transferência de áreas públicas para o programa habitacional.
Além disso, o governo venezuelano fez o cadastro de cerca de 500 mil pequenos proprietários de terra para incorporá-los ao programa de soberania alimentar (proporcionalmente ao PIB, a produção agrícola na Venezuela cresceu muito pouco nos últimos 12 anos). O governo também pretende facilitar o acesso popular ao crédito, o que talvez explique o interesse de Chávez pelas ações da Caixa Econômica Federal brasileira.
Casa própria, incentivos à pequena burguesia do campo, acesso a crédito. Que revolução é essa, diria a ultraesquerda venezuelana?
 

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Mubarak se foi, a indignação sindical permanece


Hosni Mubarak cometeu, nos últimos cinco anos, um dos maiores erros de seus 30 anos como presidente do Egito, de não aprender as lições das centenas de pequenas greves registradas nesse período.


Por Emad Mekay, na agência IPS

Isso lhe custou o poder. Estes fatos foram os verdadeiros precursores do levante que começou em 25 de janeiro e no dia 11 pôs fim a um governo de três décadas (1981-2011).

“Tivemos sorte pelo fato de, em sua arrogância e atitude distante, o regime não ter aprendido nenhuma lição com as muitas greves e os muitos protestos que aconteceram nos últimos cinco anos”, disse Mohammad Fathy, sindicalista de 46 anos radicado na cidade de el-Mahala, cuja candidatura para a União Geral de Trabalhadores – patrocinada pelo governo – foi dificultada por sua opinião contrária ao regime.

“Fomos, inclusive, mais sortudos por eles, os governantes, não compreenderem que havia genuínos problemas econômicos, profissionais e trabalhistas, especialmente aqui, em el-Mahala, no dia 6 de abril de 2008”, disse Mohammad. Nessa data, o Egito experimentou o primeiro exemplo em décadas de uma ação sindical que se converteu em um levante popular, uma minirrevolta nas ruas desta cidade industrial que atraiu homens, mulheres e crianças.

Foi aqui que os ativistas pelos direitos trabalhistas organizaram dois dias de protestos maciços, nos quais os moradores do lugar deixaram suas casas e retiraram imagens e cartazes de Mubarak, pela primeira vez desde sua chegada ao poder. Estes fatos assinalaram o nascimento do grupo de ativistas antiMubarak na Internet, o Movimento 6 de Abril, que tomou seu nome desse dia histórico. Quase três anos mais tarde, esse grupo ajudou a organizar os acontecimentos do dia 25 de janeiro. Desta vez, não só retirou as imagens de Mubarak, como também o próprio presidente.

Se Mubarak tivesse tomado nota dos protestos sindicais, poderia ter aprendido algumas maneiras de prevenir ou frustrar a revolução de 25 de janeiro, afirmam vários dirigentes sindicais. “A reação dos partidários de Mubarak foi a de que nós éramos apenas um punhado de jovens que podiam ser facilmente abatidos pela polícia. Sua única resposta foi cada vez mais segurança, nada político e nada econômico. Eles não se deram conta de quanto alterada estava a força de trabalho do país”, disse Fathy. De fato, essa força continua alterada mesmo após a derrubada de Mubarak.

Anos de assédio policial, políticas desfavoráveis aos trabalhadores e más condições econômicas deixaram profundas cicatrizes nos operários egípcios, que até agora sentem que ficaram foram do lugar que lhes corresponde. Assim, não surpreende que as manifestações sindicais tenham continuado, exortando o Conselho Supremo das Forças Armadas, que governa o país, a emitir seu quinto comunicado, chamando especificamente os dirigentes deste setor a atenuarem seus protestos.

O governo interino de Ahmed Shafiq queixou-se ao Conselho Supremo de que as contínuas greves não ajudam esta nação de 85 milhões de habitantes a voltar à normalidade. Quase todos os setores da economia são afetados. O Banco Central teve de conceder um feriado bancário improvisado no dia 14, que se somou ao feriado religioso de ontem, em uma aposta para frustrar as crescentes greves no setor, cujos trabalhadores pedem a investigação dos altos salários dos principais executivos. Inclusive, a polícia culpa seus baixos salários para explicar a corrupção dentro dessa força, e pede mais benefícios trabalhistas.

Esta onda de greves posteriores à queda de Mubarak coloca em relevo a divisão existente entre os líderes sindicais, os que querem benefícios imediatos para os trabalhadores e aqueles que querem dar tempo ao novo governo provisório para atender suas demandas trabalhistas. Isto não quer dizer que o setor operário deixa de lutar por seus direitos, disse o ferroviário Mohammad Mourad, sindicalista de el-Mahala.

O ferroviário disse que a queda de Mubarak é boa notícia para a força de trabalho do país, já que significa o fim de algumas das políticas desfavoráveis aos trabalhadores. Entre elas, mencionou especificamente as privatizações de empresas estatais – o que sabotou as eleições sindicais – e a interferência policial como obstáculos que desaparecerão junto com a queda de Mubarak. Embora seja possível que isto aconteça, de todo modo não oferece um alívio imediato para os trabalhadores impacientes.

Em el-Mahala, o salário mínimo médio dos 25 mil trabalhadores têxteis da Egyptian Spinning & Weaving Company, a maior fábrica têxtil do Oriente Médio, é de apenas US$ 102. A maioria dos funcionários acaba buscando outros empregos para completar a renda. Para que essa situação mude, sugerem que o novo governo confisque milhares de milhões de dólares dos membros corruptos do regime anterior e os invista em benefícios para os trabalhadores. Mubarak gastou muito dinheiro em segurança, e esses fundos também poderiam ir para os trabalhadores pobres, segundo o sindicalista Hamdi Hussein.

Os dirigentes sindicais afirmam que a maioria das greves e dos protestos trabalhistas tem três objetivos: pôr fim à corrupção nas altas esferas de algumas empresas, aumentar o salário mínimo para pelo menos US$ 255 e realizar eleições sindicais livres. “Se essas três reclamações não forem atendidas logo, os trabalhadores continuarão agindo até que a revolução signifique uma mudança real para eles”, disse Hamdi, que trabalha para o Comitê Coordenador para as Liberdades e os Direitos Trabalhistas.

Fonte: Envolverde

DITADURA MILITAR - AS HISTÓRIAS QUE A FOLHA NÃO CONTA

Francisco Bicudo em seu blog
 
Retomo e desenvolvo neste texto alguns posts que escrevi no twitter. O tema merece.

Caderno especial publicado pela Folha de São Paulo neste sábado, 19 de fevereiro, sobre os 90 anos do jornal traz um breve relato a respeito do papel desempenhado pela publicação durante a ditadura militar. O texto adota a estratégia da afirmação que parece assumir, mas que acaba por sempre oferecer uma "nuance", uma "justificativa", uma "ressalva" ou um "mas...", suavizando e pulverizando o que se relata. 

A Folha admite que apoiou o golpe - "como praticamente toda a grande imprensa brasileira". É justificável o comportamento "maria vai com as outras, só porque os outros foram eu embarco também?"

O texto diz ainda que "jornal submeteu-se à censura, acatando proibições", mas ignora benefícios alcançados por conta do silêncio conivente. Será que não foi muito mais auto-censura, sem necessidade de intervenção direta dos militares, justamente porque o jornal compreendeu com bastante clareza o que era permitido e o que era proibido dizer? A Folha nunca precisou ter censores em sua redação. 

A matéria deste sábado alega que a redação da Folha da Tarde foi entregue a jornalistas entusiastas da linha dura como reação à presença de militantes da ALN. Será mesmo? Seria então aceitável transportar para o jornal a guerra suja dos milicos e permitir a atuação de agentes infiltrados no jornal? 

No final, diz o texto que "segundo relato depois divulgado por militantes presos na época, caminhonetes de entrega do jornal teriam sido usadas por agentes da repressão para acompanhar sob disfarce a movimentação de guerrilheiros". O que os militantes contam, desde sempre,  é que a empresa emprestava viaturas de reportagem para transportar opositores do regime para centros de tortura. 

Vejamos o que escreve o jornalista Jorge Claudio Ribeiro, em passagem do livro "Sempre Alerta - Condições e contradições do trabalho jornalístico", da editora Olho D´Água, em parceria com a Brasiliense:

"A partir de 1969, a FT (Folha da Tarde) fez a festa da direita, atuando como porta-voz do regime militar e chegando até a ser aparelhada pela polícia. Lourenço Diaféria lembra como foi essa oscilação: 'A FSP sempre foi um jornal ambíguo; botava uns caras de direita, outros de esquerda. Já a FT era feita por gente ligada à ditadura. A empresa tinha ligações com delegados do Dops".

Em outro trecho da obra, Ribeiro cita a socióloga Gisela Taschner, autora de "Folhas ao Vento", que lembra que "jogando sempre dos dois lados no campo político nos marcos do capitalismo e, na medida de suas possibilidades, diversificando a linha de produção, mesmo com alguns desacertos do ponto de vista de segmentação, o grupo consolidou seu império. Para qualquer tendência de mercado ou da política que se esboçasse, ele tinha um produto pronto para ser ativado. Nos momentos de opacidade apostava dos dois lados. Tinha montado um aparato para seguir os ventos e tirar proveito deles, qualquer que fosse a sua direção".

Eis o famoso jornal-camaleão, a mudar de cor de acordo com a conjuntura política, que se cala e sustenta o projeto de terror da ditadura nos anos de chumbo para em seguida tentar se redimir e se consolidar como o porta-voz dos ventos da redemocratização no país, quando a tirania do regime militar já estava com os dias contados. Oportunismo ideológico de mercado, não? 

Em março de 2009, em ato de repúdio contra a Folha, que havia em editorial classificado a ditadura de "ditabranda", o ex-preso político Ivan Seixas lembrou que "o jornal colocava carros à disposição da tortura, colocou um jornal inteiro à disposição do DOI-CODI" (clique aqui para ver o vídeo do depoimento). Na época, Ivan chegou a enviar cartas para a Folha (jamais publicadas), lembrando que a empresa "empregava carros para nos capturar e entregar para sessões de interrogatórios, como sofremos eu e meu pai. Ninguém me contou, eu vi carro da Folha na porta da OBAN/DOI-CODI.” (clique aqui para ler artigo publicado na Agência Carta Maior). 

No Observatório da Imprensa, em resenha do livro "Cães de Guarda: Jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988", de Beatriz Kushnir, a jornalista e à época mestranda em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) Juliana Sayuri Ogassawara destaca que "a Folha da Tarde pôde ser considerada um porta-voz, o "diário oficial" da Operação Bandeirantes, a Oban, por publicar informes oficiais do governo como se fossem reportagens. Além disso, a partir de 1969 passaram a circular pelas redações os setoristas, isto é, jornalistas credenciados e vinculados à seara policial, dentre os quais se destacam o repórter e major da PM Edson Corrêa e o editor de Internacional e agente do Dops Carlos Antonio Guimarães Sequeira".

Como se vê, há várias outras histórias sobre as relações da Folha com a ditadura militar. Mas o jornal crítico, plural e apartidário não dá conta dessas outras versões.

Mais uma vez, quem defende a tese da "ditabranda" tenta mudar a História e apagar a memória dos anos de chumbo no Brasil.

A ETA em busca de novos caminhos





Criação de novo partido pode levar ao abandono da violência e ser crucial para uma solução pacífica. Por Raphael Tsvakko. Foto: Rafa Rivas/AFP


Criação de novo partido pode levar ao abandono da violência e ser crucial para uma solução pacífica



Pequena nação encravada no norte da Espanha (e com ramificações no sul da França), o País Basco sempre esteve nas primeiras páginas dos jornais espanhóis. Seja pela sua encarniçada luta contra o regime franquista ou pela sua insistente luta por independência, os Bascos sempre foram destaque e grandes responsáveis por mudanças históricas em todo o Estado.
Há pelo menos 50 anos a ETA (Euskadi Ta Askatasuna, ou Pátria Basca e Liberdade, em língua basca) vem lutando contra o Estado Espanhol com o objetivo de conseguir a independência total do que chamam de Euskal Herria, ou País Basco e, para isto, se valem de extrema violência respondida na mesma mesmo medida pelas forças de segurança espanhola que, nos anos 80, chegaram até mesmo a formar grupos terroristas de direita para assassinar políticos bascos destacados.
Depois de décadas de luta, mortes, casos incontáveis de tortura e desaparecimentos, a ETA vem mostrando sinais de que pretende abandonar as armas e participar apenas da luta no campo político institucional. Desde a redemocratização espanhola (entre 77 e 79) que a ETA tem no Batasuna (“Unidade”) seu braço político. Ele chegou a angariar, em seu auge, cerca de 20% dos votos na chamada Comunidade Autônoma Basca, mas, desde 2002, se encontra ilegalizado pelo Tribunal Superior Espanhol sob acusação de ser o mesmo que a ETA. Todas as tentativas da militância de Esquerda Nacionalista ou Patriota (chamada localmente de Izquierda Abertzale) de fundarem novos partidos é barrada por este mesmo tribunal.
Virtualmente, cerca de 20% da população basca se encontra sem a possibilidade de se ver representada no parlamento basco e espanhol desde que, em 2008, o Partido Comunista das Terras Bascas (EHAK, em basco) foi ilegalizado por ser alegadamente uma continuação do Batasuna, logo, parte da ETA.
Desde então, diversas tentativas de fundar um novo partido esbarraram não só nas negativas dos tribunais espanhóis, mas também nas ações policiais contra os militantes nacionalistas (o que levou à prisão do maior número de pessoas ligadas à esquerda nacionalista desde o regime de Franco) e também na insistência da ETA em não abandonar a violência.
Em 2010, porém, a ETA deu os primeiros sinais de que estava pronta a se desarmar quando declarou cessar-fogo e aceitou a mediação internacional de um grupo composto por diversos ganhadores do Prêmio Nobel – como Mandela, Desmond Tutu e Mary Robinson, capitaneados pelo negociado sul-africano Brian Currin – e apoiou a assinatura da chamada Declaração de Bruxelas, onde acordou respeitar os chamados Princípios Mitchell e apoiar uma verificação internacional e independente de seu desarmamento.
Segundo Paul Rios, coordenador da organização Lokarri e responsável por levar à frente o processo de paz, a trégua veio em meio à intensa negociação envolvendo não só diversos atores, mas também devido a forte resistência por parte de políticos e de cidadãos, cansados da violência.
Ele ainda acrescenta que nada “pode garantir que o cessar-fogo da ETA seja definitivo, porém é difícil que aconteça um novo atentado”.
Para Pello Urizar, deputado pelo partido nacionalista EA (Social Democracia Basca), a ETA “entrou em um caminho sem volta” e que é hora de começar a negociar seu fim.
Apesar da descrença do governo espanhol (comandado pelos Socialistas do PSOE) e da franca oposição dos pós-franquistas do Partido Popular, a ETA e os remanescentes do Batasuna continuaram a seguir no caminho da via pacífica e da concordância.
Jesús Egiguren, presidente do Partido Socialista no País Basco foi um dos poucos ligados a partidos não-nacionalistas a apoiar a iniciativa de negociação com o grupo radical, o que o fez entrar em rota de conflito com o resto de seu partido. Na época, Eguiguren chegou a declarar que “o Batasuna recuperou a liderança no mundo nacionalista e está condicionando a atividade armada da ETA”.
Depois de meses de conversas e consultas com as bases sociais da Esquerda Nacionalista, no dia 07 de fevereiro de 2011, antigos membros do Batasuna e militantes históricos apresentaram o estatuto de um novo partido político que tem por objetivo superar a barreria legal imposta a esta significativa parcela da população pela Lei de Partidos, o instrumento utilizado tanto pela oposição pró-Espanha quanto pela justiça para ilegalizar o Batasuna e partidos tributários.
No dia seguinte o nome do novo partido foi divulgado: Sortu, que significa “recomeço” em Basco.
A Lei de Partidos explicita a necessidade de uma condenação completa e irrestrita de qualquer tipo de violência, buscando claramente dificultar a sobrevivência de qualquer partido que possa servir como braço de grupos armados. Segundo interpretações de tribunais superiores, o Batasuna seria, inegavelmente, braço da ETA, logo, não cumpriria com os preceitos básicos para ser legal.
O estatuto – e o discurso – do novo partido, redigido pelo advogado nacionalista Iñigo Iruin, porém, foi pensado para conseguir superar esta barreira e deixa explícito em diversos momentos o rechaço frontal a qualquer tipo de violência política e abre o caminho para futuras condenações caso a ETA resolva quebrar o acordo de não mais cometer atentados.
Iruin deixou claro que “a intensidade do rechaço a toda violência presente no estatuto do novo partido, deve bastar para acabar com qualquer presunção de conivência com a violência ou com organizações ilegalizadas”.
Não foi a primeira vez que a ETA declarou um cessar-fogo e alguns meses depois voltou a cometer atentados, ainda que desta vez os compromissos assumidos pelo grupo tenham ido mais longe do que nunca e existam sinais de que será duradouro.
Paul Rios se mostrou extremamente otimista com a oportunidade que se abre, ainda que este sentimento não seja unânime sequer entre aqueles de seu entorno. Depois de diversas tréguas e tentativas frustradas de superar o conflito político, os sentimentos são ambíguos. O primeiro-ministro espanhol, José Luis Rodrigues Zapatero, chegou a comentar que a Esquerda Nacionalista “nunca tinha dado um passo assim” em direção a um repúdio tão explícito da violência.
Alfredo Rubalcaba, ministro do Interior, afirmou ter visto uma “melhora significativa” na postura dos ex-membros do Batasuna  e que esta é a “primeira vez” que tomam atitude firme e, em geral, o clima é de muita expectativa sobre a decisão da justiça espanhola sobre a possível legalização da formação.
Andoni Ortuzar, parlamentar no nacionalista PNV (Partido Nacionalista Basco) deu as boas vindas ao novo partido, felicitando-os pela iniciativa de rechaçar a violência, dizendo “antes tarde do que nunca, antes tivessem feito isto há 35 anos!”.
À direita, Antônio Basagoiti, presidente da seção basca do PP não é apenas cético como virulento em suas críticas contra a nova formação, que acusa de ser insuficiente em seu comprometimento com a paz e declarações. Em comunicado oficial, o PP se limitou a declarar que o partido que nasce “é o mesmo Batasuna de sempre”.
O vice-secretário de comunicações do PP, Esteban Gonzáles Pons, chegou a ser ainda mais crítico, declarando que “legalizar o Batasuna seria como se os aliados fizessem um pacto com os Nazistas ao entrar em Berlin”.
O novo partido, porém, ainda é um embrião e precisa passar não só pelo crivo da justiça, mas também pelo crivo da própria militância. O jornalista José Luis salgado acrescenta que “apesar da claridade com que o [partido] Sortu  cumpre com os requisitos exigidos na lei de partidos, sua legalização terá ainda de ser referendada pela justiça espanhola”, ao que Ignácio Escolar completa, afirmando que os descontentes não podem fazer nada “além de novamente pedir a ilegalidade do partido à justiça”, porque desta vez “nenhuma lei conhecida” pode proibir o novo partido de participar das eleições.
Resta agora aos promotores do novo partido, Sortu, esperar por uma decisão da justiça espanhola sobre a possibilidade ou não de concorrerem a cargos nas próximas eleições, marcadas para maio. Resta também a incógnita se a ETA irá regressar ao terrorismo ou irá fazer alguma declaração dando apoio à tese da Esquerda Nacionalista de que o grupo logo irá se dissolver.
Como comentado pelo historiador Iñaki Egaña, porém, a história da ETA é cheia de separações e rachas, e pouco se pode prever para o futuro do grupo.
CartaCapital entrevistou Paul Rios, coordenador da Lokarri:
CartaCapital (CC): Agora é possível falar em uma trégua definitiva da ETA e que a sociedade Basca poderá seguir pela via pacífica?
Paul Rios (PR): Não posso garantir totalmente que o cessar-fogo seja definitivo, mas acredito ser muito difícil que a ETA volte a cometer atentados. Depois do passo dado ontem (dia 7) pelos impulsionadores do novo partido, Sortu, é muito complicado para a ETA cometer um atentado sabendo que receberá o rechaço do setor político que até agora esteve mais perto de suas propostas e idéias.
Creio que a ETA enfrenta apenas um dilema: um final rápido e ordenado ou lento e desordenado. Em qualquer caso, o final da violência. E acompanha as decisões da Esquerda Abertzale, o final será mais rápido e será factível conversar com o governo questões técnicas (como armas, presos). Se decide continuar com a violência, se verá apartada da Esquerda Abertzale e, sem um braço político, a ETA ficará reduzida a um mero problema de segurança.
CC – Pensas que o Tribunal Constitucional (máximo órgão de justiça espanhola) permitirá o registro da nova formação (Sortu)? Como agirá o governo espanhol?
PR - O governo tentará impugnar o partido. Os estatutos do Sortu vão muito além do que é estabelecido na Lei de Partidos. Com ele em mãos, é muito difícil que um tribunal possa rechaçar a legalização. Outra questão distinta é que há um risco de que os tribunais não tomem sua decisão antes das próximas eleições.
CC – O que acha dos comentários negativos feitos pelo PP e a falta de entusiasmo do PSOE frente ao lançamento do novo partido?
PR - Deve-se matizar. O PSOE aprecia o passo dado, mas fica em cima do mudo e deixa a decisão nas mãos dos tribunais. Um governo responsável deveria permitir a legalização e, caso veja indícios de que se trata de uma enganação – o que não é o caso, estou convencido -, então pode pôr em marcha outro processo de ilegalização, como já fizeram no passado. Quanto ao PP e ao UPyD (oposição de direita), eles propõem diretamente vulnerabilizar o Estado de Direito. O respeito às leis é fundamental e se Sortu, o novo partido, as cumpre, não se pode propor ignorar a lei e inventar novos requisitos para a legalização, como estão fazendo estes partidos.

Milhares de manifestantes pedem o fim da dinastia sunita que governa o Bahrein


Protestos no Bahrein

Jorge Seadi no Sul21

Milhares de pessoas participaram, nesta manhã de sexta-feira (18), em Manama, capital do Bahrein, do funeral dos três mortos nas manifestações contra a dinastia sunita que governa o país que atacou os manifestantes na Praça da Pérola  com tanques e blindados de combate, deixando 231 feridos e prendendo centenas de outros.
Apesar do governo ter proibido, a partir de ontem (17), qualquer manifestação nas ruas do Emirado, a polícia e o exército ficaram distantes das demonstrações de dor durante o cortejo com os três corpos pelas ruas da capital. Milhares de pessoas levaram os caixões em uma onda de reclamações contra o governo e, pela primeira vez, contra o rei Hamad. O povo pede a saída da dinastia sunita comandada pelo rei Hamad há 40 anos.
Ahmed Makki Abu Taki, irmão de Mahmud, um dos mortos que está sendo enterrado hoje, disse que “havíamos apenas pedido a saída do governo, mas agora queremos que o rei também saia”. Os corpos dos três mortos estão sendo levados para o cemitério de Sitra, uma pequena cidade ao lado da capital do país. Após o sepultamento todos vão para uma mesquita, orar no dia sagrado para o islamismo (sexta-feira é o domingo dos árabes).
Além dos protestos nas ruas, a família real começa a enfrentar a oposição de destacados membros da comunidade sunita, que mantém o governo, e que parecem concordar com os pedidos da população. A pressão contra o regime aumentou nas últimas horas quando o maior líder religioso dos xiitas, Issa Qassem, qualificou a morte dos três manifestantes como “massacre”. Em um sermão para milhares de pessoas na mesquita xiita da cidade de Diraz, no noroeste do país, o clérigo advertiu que o “governo fechou todas as portas para o diálogo”.
E o governo não dá mostras de que deseja o diálogo. O ministro de Relações Exteriores, Jalid al Jalifa, disse que a ação do Exército foi necessária porque “as manifestações estavam polarizando o país e colocando o Bahrein à beira da guerra sectaria”.  Enquanto isto, líderes do movimento contra o governo se articulam para tomar a praça da Pérola como uma grande demonstração de força dos movimentos de oposição na manhã deste sábado. Observadores afirmam que a tomada da praça poderá provocar muita violência.    

 com informações do El Mundo, Espanha

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Desigualdade social e renda injusta


Frei Betto*
Escritor e assessor de movimentos sociais

Entre os 15 países mais desiguais do mundo, 10 se encontram na América Latina e Caribe. Atenção: não confundir desigualdade com pobreza. Desigualdade resulta da distribuição desproporcional da renda entre a população.
O mais desigual é a Bolívia, seguida de Camarões, Madagascar, África do Sul, Haiti, Tailândia, Brasil (7º lugar), Equador, Uganda, Colômbia, Paraguai, Honduras, Panamá, Chile e Guatemala.
A ONU reconhece que, nos últimos anos, houve redução da desigualdade no Brasil. Em nosso continente, os países com menos desigualdade social são Costa Rica, Argentina, Venezuela e Uruguai.
Na América Latina, a renda é demasiadamente concentrada em mãos de uma minoria da população, os mais ricos. São apontadas como principais causas a falta de acesso da população a serviços básicos, como transporte e saúde; os salários baixos; a estrutura fiscal injusta (os mais pobres pagam, proporcionalmente, mais impostos que os mais ricos); e a precariedade do sistema educacional.
No Brasil, o nível de escolaridade dos pais influencia em 55% o nível educacional a ser atingido pelos filhos. Numa casa sem livros, por exemplo, o hábito de leitura dos filhos tende a ser inferior ao da família que possui biblioteca.
Na América Latina, a desigualdade é agravada pelas discriminações racial e sexual. Mulheres negras e indígenas são, em geral, mais pobres. O número de pessoas obrigadas a sobreviver com menos de um dólar por dia é duas vezes maior entre a população indígena e negra, comparada à branca. E as mulheres recebem menor salário que os homens ao desempenhar o mesmo tipo de trabalho, além de trabalharem mais horas e se dedicarem mais à economia informal.
Graças à ascensão de governos democráticos-populares, nos últimos anos o gasto público com políticas sociais atingiu, em geral, 5% do PIB dos 18 países do continente. De 2001 a 2007, o gasto social por habitante aumentou 30%.
Hoje, no Brasil, 20% da rendas das famílias provêm de programas de transferência de renda do poder público, como aposentadorias, Bolsa Família e assistência social. Segundo o IPEA, em 1988 essas transferências representavam 8,1% da renda familiar per capita. De lá para cá, graças aos programas sociais do governo, 21,8 milhões de pessoas deixaram a pobreza extrema.
Essa política de transferência de renda tem compensado as perdas sofridas pela população nas décadas de 1980-1990, quando os salários foram deteriorados pela inflação e o desemprego. Em 1978, apenas 8,3% das famílias brasileiras recebiam recursos governamentais. Em 2008, o índice subiu para 58,3%.
A transferência de recursos do governo à população não ocorre apenas nos estados mais pobres. O Rio de Janeiro ocupa o quarto lugar entre os beneficiários (25,5% das famílias), antecedido por Piauí (31,2%), Paraíba (27,5%) e Pernambuco (25,7%). Isso se explica pelo fato de o estado fluminense abrigar um grande número de idosos, superior à media nacional, e que dependem de aposentadorias pagas pelos cofres públicos.
Hoje, em todo o Brasil, 82 milhões de pessoas recebem aposentadorias do poder público. Aparentemente, o Brasil é verdadeira mãe para os aposentados. Só na aparência. A Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE demonstra que, para os servidores públicos mais ricos (com renda mensal familiar superior a R$ 10.375), as aposentadorias representam 9% dos ganhos mensais. Para as famílias mais pobres, com renda de até R$ 830, o peso de aposentadorias e pensões da previdência pública é de apenas 0,9%.
No caso do INSS, as aposentadorias e pensões representam 15,5% dos rendimentos totais de famílias que recebem, por mês, até R$ 830. Três vezes mais que o grupo dos mais ricos (ganhos acima de R$ 10.375), cuja participação é de 5%.
O vilão do sistema previdenciário brasileiro encontra-se no que é pago a servidores públicos, em especial do Judiciário, do Legislativo e das Forças Armadas, cujos militares de alta patente ainda gozam do absurdo privilégio de poder transferir, como herança, o benefício a filhas solteiras.
Para Marcelo Neri, do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas, no Brasil "o Estado joga dinheiro pelo helicóptero. Mas na hora de abrir as portas para os pobres, joga moedas. Na hora de abrir as portas para os ricos, joga notas de cem reais. É quase uma bolsa para as classes A e B, que têm 18,9% de suas rendas vindo das aposentadorias. O pobre que precisa é que deveria receber mais do governo. Pelo atual sistema previdenciário, replicamos a desigualdade.”
A esperança é que a presidente Dilma Rousseff promova reformas estruturais, incluída a da Previdência, desonerando 80% da população (os mais pobres) e onerando os 20% mais ricos, que concentram em suas mãos cerca de 65% da riqueza nacional.
***********
Artigo 2:
Os sonhos de Kepler
No século XX, o ser humano conquistou o "impossível". Sabemos voar como os pássaros, navegar sob as águas como os peixes, correr mais rápido do que os coelhos e somos capazes de nos comunicar a distâncias outrora inimagináveis. Somos a geração automotiva. O relógio mede cada segundo do nosso tempo, cavalos e carruagens cederam lugar a carros e aviões, trovadores invisíveis cantam através de nosso equipamento de som, arautos sem rosto divulgam os fatos pelo rádio, o circo e o teatro irrompem em nossa sala nas dimensões de uma pequena tela eletrônica.
Melhor do que dividir a história em antiga, medieval, moderna e contemporânea, é distingui-la pelas eras agrícola, que durou 10.000 anos; industrial, nos últimos 100 anos; e, agora, cibernética. Johannes Kepler, nascido na Alemanha em 1571, atraído pelo faro estético dos gregos -que acreditavam ter o Universo uma natural simetria- descobriu a arquitetura do sistema solar e levou quatro anos para calcular a órbita de Marte, uma elipse perfeita. Com um computador, bastariam quatro segundos.
Kepler, que escreveu um livro intitulado O Sonho, teria invejado a nossa geração se imaginasse quanto tempo poderíamos poupar. Daria asas à imaginação, sonhando em fazer tudo aquilo que o trabalho exaustivo não lhe permitia: desfrutar da vida campestre, perder tempo com os amigos, ficar na igreja ouvindo o som inebriante do órgão, contemplar o céu noturno para captar a música das estrelas. O que ele jamais poderia supor é que, com tanta tecnologia, a nossa geração dispõe cada vez mais de menos tempo.
Somos incorrigivelmente vorazes. Queremos processar o máximo de informações no mínimo de tempo. Desafiamos, a cada momento, as barreiras do espaço. Ansiamos por estar lá -não no caminho- e, por isso, afundamos o pé no acelerador do carro possante e afugentamos os pedestres, disputando com o motorista ao lado um palmo de asfalto, como se à frente não houvesse sinais vermelhos contrários à nossa sofreguidão. Reduzimos as distâncias com telefones celulares e operações digitais no computador.
Ainda que no trânsito ou no aeroporto, no trabalho ou no clube, a "coleira eletrônica" impede que nos percam de vista. Entre uma marcha e outra, uma flexão abdominal e outra, uma decisão e outra no trabalho, controlamos os filhos, as aplicações financeiras, os negócios geograficamente distantes. Como Prometeu, queremos arrebatar o fogo dos deuses, fazendo de conta que não somos frágeis e mortais.
Porque precisava pensar, Kant nunca saiu de Königsberg, onde construiu uma obra filosófica monumental. Ora, para que livros se há milhares de vídeos interessantes? Basta saber que o patrimônio cultural da humanidade se encontra armazenado nas bibliotecas. Relaxados, passamos horas, dias, meses e anos de nossas vidas vendo um punhado de homens correrem atrás de uma bola e carros velozes desafiando as curvas da morte. Nossos heróis estão distantes da arte musical de Mozart, da física de Planck ou da literatura de Machado de Assis. Veneramos aqueles que quebram limites. O Evangelho da "pós-modernidade" são os índices do mercado financeiro. A Bíblia, o Guiness Book of the Records. Pelé fez 1.000 gols. Michael Jackson coloriu de branco sua pele negra. Ayrton Senna andou mais depressa grudado ao solo que qualquer outro mamífero.
Só não descobrimos o elixir da felicidade. Por que nenhuma empresa vende o que mais procuramos? Ora, talvez possamos deixar de pagar, com o sacrifício da própria vida, o preço letal dessa busca, se abraçarmos os sonhos de Kepler: a vida campestre, a roda de amigos, o coro de anjos numa igreja e a melodia das estrelas.

[Frei Betto é escritor, autor do romance "Um homem chamado Jesus” (Rocco), entre outros livros. www.freibetto.org - twitter:@freibetto

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

István Mészáros e a educação para além do capital

Escrito por Demetrio Cherobini  no Correio da Cidadania
 
Um clássico, um engodo e uma aposta: tal é o que se encontra na edição brasileira de A educação para além do capital de István Mészáros, lançado primeiramente em 2005 e depois em 2008, pela Editora Boitempo. O clássico fica por conta do próprio texto de Mészáros, uma proposta consistente, coerente e radical a respeito de como os revolucionários do século XXI podem orientar seus esforços no campo da educação, a fim de superar a dominação exercida pelo capital sobre o sócio-metabolismo humano e realizar a "comunidade humana emancipada". O engodo, destaque negativo da publicação, cabe inteiramente ao prefaciador do livro, Emir Sader, que, desgraçadamente, tenta desviar a atenção do leitor para preocupações e objetivos diversos dos que estão contidos nas formulações do pensador húngaro. A aposta, o que resta disso tudo, é a de que os trabalhadores saibam ter a postura crítica necessária para perceber e superar as mistificações ideológicas que proliferam em nossos dias – até mesmo em torno das publicações progressistas - e tentam lhes perpetuar na condição de acomodação, entorpecimento e paralisia frente ao seu inimigo visceral.
 
Desde A teoria da alienação em Marx, escrito na década de 1960, até seus textos mais recentes, como O desafio e o fardo do tempo histórico, de 2007, o ponto-chave que orienta a reflexão filosófica de Mészáros é a realização da transcendência positiva da auto-alienação do trabalho. O mesmo se dá, evidentemente, em A educação para além do capital, concebido originalmente como uma conferência a ser proferida no Fórum Mundial de Educação, na cidade de Porto Alegre, em 2004. Nesse contexto, pode-se dizer que a crítica radical da alienação é o elemento decisivo para se entender não apenas a proposta, discutida nesse livro, de "contra-interiorização" da realidade histórico-social, que precisa se dar em ambientes formais e informais de aprendizagem, mas da teoria social e política do filósofo húngaro em sua totalidade.
livro_educacao_alem_capital.jpg
Sem compreender isso, qualquer empreendimento que vise elucidar criticamente as proposições de Mészáros sobre as formas – atuais e vindouras - de mediar o sócio-metabolismo humano fica tremendamente prejudicado. A educação é importante para um projeto político-social alternativo porque a superação da alienação só pode ser feita por meio de uma atividade autoconsciente. Esta é, pois, a condição para passarmos de uma situação onde nos encontramos completamente fragmentados, cindidos, diminuídos, submissos às nossas próprias criações materiais e estranhos em relação aos nossos semelhantes, para uma outra, na qual poderemos nos desenvolver ao máximo e nos tornarmos ricos no sentido qualitativo da palavra: sujeitos que sentem intimamente a carência de uma multiplicidade de manifestações humanas de vida (Cf. Marx).
 
Mas quem lê desavisadamente o prefácio à edição brasileira de A educação para além do capital é induzido a crer que as preocupações de Mészáros são as mesmas de Sader, a saber: como fortalecer a esfera pública em contraposição ao domínio do privado. Vejamos, nesse sentido, o que afirma o politólogo brasileiro: "Talvez nada exemplifique melhor o universo instaurado pelo neoliberalismo, em que ‘tudo se vende, tudo se compra’, ‘tudo tem preço’, do que a mercantilização da educação. Uma sociedade que impede a emancipação só pode transformar os espaços educacionais em shoppings centers, funcionais à sua lógica do consumo e do lucro. O enfraquecimento da educação pública, paralelo ao crescimento do sistema privado, deu-se ao mesmo tempo em que a socialização se deslocou da escola para a mídia, a publicidade e o consumo" (Cf. SADER, 2005, 16).
 
Uma leitura atenta, contudo, vai nos mostrar que os termos de referência de Mészáros são completamente outros. Em primeiro lugar, porque não é o neoliberalismo que mercantiliza tudo – inclusive a educação -, e sim, em nosso contexto, o sistema do capital. Em segundo lugar, a questão realmente importante não é exatamente o "enfraquecimento da educação pública" em comparação com o crescimento do ensino privado. Ao colocar as questões desse modo, Sader tenta fazer-nos crer que a preocupação de Mészáros seria com um eventual fortalecimento do setor público em contraposição ao setor privado – seria, portanto, combater precipuamente o "neoliberalismo".
 
Mas o filósofo húngaro não é tão ingênuo assim e não mistifica dessa maneira o setor "público" (o Estado). Antes disso, está muito mais interessado em demonstrar como é o sistema do capital – e não somente o "neoliberalismo" -, com todas as suas contradições, incluindo-se aí o próprio Estado, que faz parte de sua base material e que deve ser superado em concomitância com esse complexo mais amplo no qual está inserido. A educação pode contribuir com esse propósito, desde que não se limite apenas ao âmbito formal de ensino – note-se, então, que não se trata de colocar a questão em termos de "público" e "privado" - e se volte para a formação das mediações materiais não antagônicas de regulação do sócio-metabolismo humano. E isso só pode ser feito se a educação em questão for radicalmente crítica, isto é, articuladora teórico-prática de negação e afirmação no sentido da construção do socialismo ponto importantíssimo que nem sequer é tocado no curioso prefácio.
 
A preocupação de Mészáros, portanto, é em firmar uma educação revolucionária, e não meramente "pública" (ademais, em Para além do capital, o filósofo húngaro deixa bem claro que o objetivo dos socialistas é a socialização do poder de decisão sobre todos os âmbitos da atividade humana, e não a mera estatização das coisas – porque isto não elimina, em definitivo, o problema da alienação).
 
Em terceiro lugar, é um equívoco completo afirmar algo parecido com "a socialização se deslocou da escola para a mídia, a publicidade e o consumo". Na verdade, a socialização - isto é, o aprendizado das relações, normas e valores sociais, a internalização do mundo humano, a apropriação ativa das produções histórico-culturais - nunca poderia ter feito esse percurso porque ela é, na verdade, como a educação, "a própria vida", ou seja, se confunde com a própria vida, seja na escola ou fora dela. O referido prefácio, portanto, desvia o foco da nossa atenção para pontos que não são preocupações centrais de Mészáros. Constitui, na verdade, um tragicômico registro de um caso de prefaciador que apresentou como se fossem do prefaciado idéias que na verdade não lhe pertenciam (acreditamos que mistificação seja um termo bastante apropriado para designar o sentido desse tipo de operação intelectual).
 
A educação para a superação da alienação é, de acordo com Mészáros, a que se insere conscientemente na luta de classes. Aí, ela se desenvolve a partir da adoção crítica de um ponto de vista estruturalmente antagônico em relação ao sistema do capital. Essa nova práxis compreende tal perspectiva, os interesses que lhe são inerentes, articula-os em torno de uma ideologia capaz de proporcionar os devidos "estímulos mobilizadores" para as ações sócio-políticas da "classe com cadeias radicais" rumo à sua emancipação. É uma educação que está, pois, consciente de que só uma revolução pode libertar os trabalhadores da prisão configurada pelos processos alienados e alienantes de produção e reprodução do capital.
 
Nesse contexto, todas as mistificações sobre as relações dos homens com os produtos do seu trabalho, onde estes lhes aparecem como auto-constituídos e dotados de propriedades humanas, devem ser combatidas. A educação socialista é, por definição, uma educação desmistificadora dos processos atualmente estabelecidos de controle sócio-metabólico, realizados de acordo com as exigências do capital. É, pois, numa palavra, crítica radical dos fetiches de um sistema que vive de produzir fetiches – incluindo-se aí, evidentemente, o próprio fetiche do Estado.
 
O projeto socialista requer, assim, que nos orientemos a partir de um quadro estratégico adequado, de atuação nacional e internacional, com vistas a irmos para além do capital, e não meramente do capitalismo e seu regime jurídico garantidor da propriedade privada. A educação para além do capital é aquela que, concebendo-se como mediação indispensável, se integra conscientemente nesse projeto de transição que deverá fazer vir à luz uma sociedade capaz de proporcionar tempo disponível para a realização das potencialidades humanas. A educação é, portanto, na visão de Mészáros, parte de um projeto político-social - mediação coadunada com outras mediações - que precisa progressivamente negar a forma de sociabilidade atualmente cristalizada e afirmar uma alternativa viável em relação a ela. É esse movimento que constitui, pois, a crítica radical, a práxis revolucionária rumo à comunidade humana emancipada, a sociedade regulada pelos produtores livremente associados de que falava Marx.
 
É importante ressaltar tais questões, pois Mészáros volta a elas freqüentemente. É a crítica da ordem do capital que deve constituir a forma da educação transformadora. Isto exige uma ampla e profunda modificação de práticas e relações materiais – ou seja, dos sistemas de mediações atualmente estabelecidos -, que deve se dar com base no objetivo de transferir o poder de decisão sobre os processos sócio-metabólicos da humanidade para os produtores associados. Por isso, a reflexão sobre educação não pode se realizar meramente tendo-se em vista os ambientes formais de ensino, mas sim, sobretudo, as esferas informais de apropriação dos produtos históricos. Nessas duas "frentes de batalha", ela necessita se estabelecer como prática que é, assim como a revolução, auto-determinada e permanente.
 
O filósofo húngaro frisa constantemente que as formas de apropriação do mundo que o capital controla não se dão somente na escola ou na universidade, mas na vida como um todo. Por causa disso, a educação revolucionária não pode visar apenas os ambientes formais de ensino, mas sim se voltar para todas as outras atividades em que a interiorização ocorre, a fim de produzir uma contra-interiorização (ou contra-consciência) radical. Não mais hierárquica, fetichista, perdulária, destrutiva, e sim sustentável, cooperativa, consciente, emancipada, numa palavra, socialista. Por tal razão, uma educação alternativa só pode ser bem fundamentada se estiver amparada por uma teoria política concretamente produzida para fins específicos de confrontação de um determinado sistema de relacionamento social. Isto deve estar claro para os sujeitos envolvidos com atividades formais de ensino, pois eles necessitam ser capazes de fazer com que a sua instituição específica se abra para toda a sociedade, a fim de poder se articular com os movimentos materiais que visam superar a ordem do capital rumo à "nova forma histórica".
 
A teoria de Mészáros é, portanto, uma defesa intransigente e sem concessões de que as instituições de ensino e seus participantes – educadores, educandos, trabalhadores da educação, comunidade escolar – entrem numa relação dialética com os processos políticos e sociais que, em nosso tempo, visam à construção do futuro emancipado da humanidade. Isto não significa, contudo, que tal teoria não diga algo digno de poder ser utilizado para orientar ações dentro do âmbito da escola ou da universidade. Por exemplo: se a atividade organizada pelo sistema fetichista de exploração de trabalho excedente – isto é, o sistema do capital - é estruturada hierarquicamente, a prática superadora de tal conjunto de relações precisa se ordenar de modo diverso. Isto pode ocorrer tanto no que toca à própria estrutura institucional como no interior da sala de aula: um movimento progressivo de transcendência da forma da interiorização que se dá de acordo com a lógica do capital (hierárquica), para uma outra, não fetichista, horizontal, cooperativa, auto-determinada. É esse novo tipo de prática social que torna possível a generalização do pensamento crítico e a formação da consciência socialista de massa de que fala Mészáros.
 
Uma forma revolucionária de educação é, pois, segundo o filósofo húngaro, imprescindível para as classes trabalhadoras na sua luta contra o capital. Não uma educação que, impregnada de retórica mistificadora, contemporize com interesses escusos de partidos que desejam se perpetuar nos postos mais altos do Estado a partir de uma engenharia política hábil na conciliação entre as classes. Não uma educação que se dê meramente no âmbito "público", mas que seja capaz de criticar os próprios fundamentos da divisão entre o público e o privado. Não uma educação que fetichize o Estado, considerando-o como panacéia para todos os problemas, mas que combata suas contradições lá onde elas se enraízam. Finalmente: não uma educação apenas contra o setor privado, o neoliberalismo, o partido X ou Y, e sim uma educação contra o capital, suas personificações e seus ideólogos de todos os tipos - principalmente, os que exercem sua influência deletéria no interior da própria esquerda...
 
Ficha
 
Título: A educação para além do capital
Autor: István Mészáros
Editora: Boitempo
Ano: 2008 (2ª edição)
Páginas: 124
Preço: R$ 25,00
 
Sobre o autor: István Mészáros nasceu em Budapeste, em 1930. Em sua juventude, trabalhou em fábricas de aviões, tratores, têxteis, tipografias e até no departamento de manutenção de uma ferrovia elétrica. Aos dezoito anos, graças ao fato de haver se formado com notas máximas, ganhou uma bolsa de estudos na Universidade de Budapeste, onde pôde conhecer o filósofo György Lukács, de quem foi grande amigo e discípulo. Da Hungria, Mészáros foi para a Itália, onde trabalhou na Universidade de Turim. A partir de 1959, seu destino foi a Grã-Bretanha, onde lecionou em vários lugares: no Bedford College da Universidade de Londres (1959-1961), na Universidade de Saint Andrews, na Escócia (1961-1966), e na Universidade de Sussex, em Brighton, na Inglaterra (1966-1971). Em 1971, trabalhou na Universidade Nacional Autônoma do México, e em 1972 foi nomeado professor de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade de York, em Toronto, no Canadá. Em janeiro de 1977, retornou à Universidade de Sussex, onde veio a receber o título de Professor Emérito de Filosofia em 1991. Afastou-se das atividades docentes em 1995 e atualmente vive na cidade de Rochester, próxima a Londres.
 
Demetrio Cherobini é cientista social (UFSM) e mestre em Educação (UFSC).

O início preocupante do governo Dilma

Por Altamiro Borges em seu blog

A decisão da presidenta Dilma Rousseff de promover um corte cirúrgico de 50 bilhões no Orçamento da União confirma que os tecnocratas neoliberais estão com a bola toda no início do novo governo. Eles já bombardearam a proposta de aumento real do salário mínimo, aplaudiram a decisão do Banco Central de elevar a taxa de juros e, agora, festejam os cortes nos gastos púbicos. Tudo bem ao gosto das elites rentistas e para delírio da mídia do capital, que agora decidiu bajular a nova presidenta.

Na justificativa para o corte dos gastos, o ministro Guido Mantega, tão duro contra o sindicalismo na questão do salário mínimo, mostrou-se dócil diante do “deus-mercado”. Sem meias palavras, ele afirmou: “Nós estaremos revertendo todos os estímulos que fizemos para a economia brasileira entre 2009 e 2010... Nós já estamos retirando esses incentivos e agora falta uma parte deles que estão sendo retirados do Orçamento de 2011, que são os gastos públicos, que ajudaram a estimular a demanda”.

Um triste regresso ao “malocismo”?

Numa linguagem empolada, típica de quem esconde as maldades, Mantega argumentou que “este ajuste, esta consolidação fiscal, possibilitará que nós alcancemos o superávit primário” – outro termo que causa orgasmos nos banqueiros e rentistas. A União, explicou o ministro, já teria reservado “quase R$ 81,8 bilhões” somente para o pagamento dos juros – isto é, o dobro dos investimentos orçamentários destinados ao Plano de Aceleração do Crescimento, o PAC (de R$ 40,15 bilhões).

Na prática, as decisões recentes do governo parecem indicar um triste regresso ao “malocismo” – uma mistura de Pedro Malan, czar da economia no reinado de FHC, e Antonio Palocci, czar da economia no primeiro mandato de Lula. Os seus efeitos poderão ser dramáticos, inclusive para a popularidade da presidenta Dilma. De imediato, as medidas de elevação dos juros e redução dos investimentos representam um freio no crescimento da economia e, conseqüentemente, na geração de emprego e renda.

Suspensão de concursos e outras maldades

Além de reduzir o papel do Estado como indutor do crescimento, o corte drástico de R$ 50 bilhões no Orçamento da União terá impacto nos serviços públicos prestados à população. O governo já anunciou a suspensão dos concursos para a contratação de novos funcionários e protelou a nomeação de 40 mil servidores aprovados em seleções anteriores. Para Maria Thereza Sombra, diretora da Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursados, estas medidas levarão ao “estrangulamento da máquina”.

Empolgado com a retomada de alguns dogmas neoliberais, O Globo diariamente dá manchete às medidas de “ajuste fiscal” do ministro Mantega. Na edição de 10 de fevereiro, o jornal festejou: “O corte de R$ 50 bilhões nas despesas do Orçamento de 2011 deixará alguns ministérios a pão e água”. No estratégico Ministério da Ciência e Tecnologia, por exemplo, o corte previsto é de R$ 1,3 bilhão. Até o sistema de vigilância ambiental, alardeado após a tragédia carioca das chuvas, corre sério risco de ser enterrado.

A ditadura do capital financeiro

Como se observa, as perspectivas no início do governo da presidenta Dilma Rousseff são preocupantes. Ainda é cedo para se fazer qualquer avaliação mais conclusiva, taxativa. Mas há indícios de que as velhas teses ortodoxas voltaram a ganhar força no Palácio do Planalto, sob o comando do todo-poderoso ministro Antonio Palocci. Na prática, a opção por retomar a desgastada ortodoxia neoliberal, com aumento dos juros e cortes dos investimentos, evidencia a força da ditadura financeira no Brasil.

Esta opção, porém, não tem nada de racional sob o ponto de vista dos trabalhadores. Foram exatamente as medidas heterodoxas de estímulo ao mercado interno, adotadas no segundo mandado de Lula, que evitaram que o país afundasse na crise mundial que abala o capitalismo desde 2008. Nas eleições de 2010, o povo votou na continuidade e no avanço daquele modelo econômico de desenvolvimento e não na regressão à ortodoxia neoliberal.

Fidel a intelectuais: É preciso começar já a salvar a humanidade


O líder cubano Fidel Castro reapareceu nesta terça-feira (15), animado e bem disposto, em um encontro com intelectuais de vários países que participavam, em Havana, da Feira Internacional do Livro. No encontro, o ex-presidente da ilha advertiu a respeito dos riscos que a humanidade corre, diante de ameaças como uma eventual guerra nuclear e a crise alimentar provocada pela mudança climática. Do sitio Vermelho

Em seu primeiro ato público deste ano, transmitido pela emissora de TV estatal, Fidel abordou assuntos como a alta dos preços dos alimentos, a mudança climática e as revoltas populares ocorridas no Egito e na Tunísia.

"Nossa espécie não aprendeu a sobreviver", afirmou durante o evento. Ele enfatizou que os intelectuais "podem ter um papel decisivo" na tomada da consciência mundial e pediu a eles que contribuam para "persuadir as criaturas mais autossuficientes e incapazes que já existiram: nós, os políticos" sobre perigos que ameaçam a sobrevivência da espécie..
"Não se trata de salvar a humanidade em termos de séculos ou milênios: é preciso começar a salvar a humanidade já", disse Fidel, agora com 84 anos, a escritores da Argentina, Venezuela, Peru, México, Espanha e Cuba.
O líder cubano ressaltou que as consequências da crise alimentar vão muito além de questões econômicas. Nesse sentido aludiu à influência da alta dos preços dos alimentos no desencadeamento das revoltas contra os governos do Oriente. Além disso, referiu-se ao aumento incessante da população mundial, o que acentua o problema.
Assim como na última de suas "reflexões", dedicada à revolução no Egito, Fidel definiu o ex-presidente Hosni Mubarak como "um grande estrategista" para esconder dinheiro, enquanto 80% dos egípcios vivem na pobreza.
Nesta quarta, Castro se encontra mais uma vez com os intelectuais e terá a transmissão da televisão estatal.
Leia abaixo a fala inicial de Fidel no encontro com intelectuais:

Texto Introdutório do Comandante em Chefe Fidel Castro, em debate com intelectuais, realizado na terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Soube que vários intelectuais de prestígio e amigos sinceros de Cuba visitou nossa capital para participar da XX Feira Internacional do Livro de Havana.
Esta feira é uma das modestas coisas boas que temos impulsionado. Os livros e as ideias que vocês elaboram e promovem têm sido fontes de alento e de esperança; graças a eles, conhecemos o que vale o enxerto de talento e bondade. Seus nomes se familiarizam e se repetem ao longo da vida, durante anos, que sempre nos parecem curtos.
Entre os fatores que ameaçam o mundo, estão as guerras. Os cientistas foram capazes de colocar nas mãos do homem colossais energias, que estão servindo, entre outras coisas, para criar um instrumento autodestrutivo e cruel como a arma nuclear.
Os intelectuais podem, talvez, prestar um grande serviço à humanidade. Não se trata de salvar a humanidade em termos de milênios, nem sequer em termos de séculos. O problema é que nossa espécie se encontra ante problemas novos, e não aprendeu sequer a sobreviver. 
Se conseguirmos que os intelectuais compreendam o risco que estamos vivendo neste momento, em que a resposta não pode ser adiada, talvez eles consigam persuadir as criaturas mais autossuficientes e incapazes que já existiram: nós, os políticos.
Como?
Coube a mim, há quase 20 anos, a desagradável tarefa de advertir ao mundo, na Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento, que nossa espécie está em perigo de extinção.
Argumentei então, ainda que o perigo não fosse iminente como agora, e fui escutado com atenção, embora talvez seja melhor dizer que com benevolência.
Houve aplausos. Um homem tinha percebido isso. Os super poderosos se reuniram ali reunidos se deram conta que era verdade, mas um problema que eles, naturalmente, se ocupariam de resolver nos séculos que tinham pela frente.
A cara sorridente de Bush pai e a figura do chanceler alemão Helmut Kohl, marchando rapidamente por um amplo corredor, à frente do grupo após a última foto, propiciava a impressão de que nada poderia perturbar o feliz sossego do nosso mundo esplêndido.
Tão tonto como os demais mortais, fiquei com a ideia de que talvez tivesse exagerado. Passaram-se apenas 19 anos e vejo hoje as coisas perturbadoras que já estão acontecendo e não admitem demora nenhuma.
Mais vale parecer louco que sê-lo e não parecê-lo. Se pensarmos que já estamos a um passo do abismo, e nosso cálculo não fora exato, nenhum dano faríamos à humanidade. Quando nos aproximamos já aos 7 bilhões de habitantes, não é questão começar a filosofar sobre Malthus e as possibilidades de soja, do trigo e do milho geneticamente modificados.
Os norte-americanos, que nisso são os mais avançados, sabem bem qual é o limite de suas possibilidades.
É hora de prestar atenção aos ambientalistas e cientistas, como Lester Brown, a maior autoridade mundial nesta matéria e na produção de alimentos.
Eminentes pensadores veem claramente que o sistema capitalista desenvolvido marcha até um desastre inevitável. Ninguém teria sido capaz de antecipar as situações novas que são criadas ao longo do caminho, e nada é negado, pelo contrário, só se confirmam as crises que nos converteram em revolucionários. Agora não se trata da inevitabilidade da mudança na sociedade, mas do direito da espécie a uma vida diferente para a qual nós não deixamos de lutar.
Nem mesmo entre as religiões que postulam o Apocalipse, uma idéia em que muitos acreditam, ninguém, que eu saiba, sugeriu que seria neste milênio e, muito menos, neste século.
Pensei muito estes dias nos eventos que estão acontecendo e lhes peço que façam o mesmo, sem medo de estar pedindo um esforço inútil. Eu tenho o hábito de ler quantas análises de ecologistas e cientistas chegam às minhas mãos.
Ontem, quando eu refletia sobre o que aconteceu na Tunísia e no Egipto, me chamou a atenção um recente artigo de Paul Krugman, famoso escritor e economista sério, cujas análises sobre as medidas de Roosevelt, com a Grande Depressão e a guerra, refletiam um especial conhecimento da economia dos EUA e do papel desempenhado pelo autor do New Deal. Não é marxista nem socialista. Ele recebeu o Prêmio Nobel de Economia em 2008. Vejam (aqui no Vermelho) o que escreveu sobre a crise alimentar a pessoa talvez mais autorizada a fazê-lo.
Passaram quase 19 anos desde a Cúpula do Rio de Janeiro e estamos diante do problema. Ali estávamos levantando esses problemas, sem imaginar que o fim da espécie pode acontecer dentro de um século ou de décadas, se antes não ocorrer uma guerra.
O aumento dos preços dos alimentos agravará imediatamente, sem qualquer dúvida, a situação política internacional. Se, como resultado disso tudo se agravam os problemas, eu me pergunto: devemos ignorá-los?
Gostaria de focar nosso debate neste tema.

É preciso começar já a salvar a humanidade.