Um poderoso movimento social, destinado a proteger os recursos naturais e adaptar-se à mudança climática, apoia-se em mulheres que assumiram papeis de liderança nesta região costeira de El Salvador.
Por Dahr Jamail na Revista Forum
Um poderoso movimento social, destinado a proteger os
recursos naturais e adaptar-se à mudança climática, apoia-se em mulheres
que assumiram papeis de liderança nesta região costeira de El Salvador.
Cristina Reyes cumpre seu segundo período como presidente da junta diretora da comunidade Ciudad Romero, no departamento de Usulután, no Pacífico. O trabalho feito, motivo de sua reeleição, vai desde conseguir eletricidade, água potável e estradas até instalar serviços de combate à violência contra as mulheres. Antes desta fase de construção, sua vida e a de muitos na região pode ser contada como uma história épica de aventuras, sobrevivência e resistência.
Cristina e sua família tiveram que fugir de sua aldeia natal nos anos de violência política que desembocaram na guerra civil (1980-1992), que deixou cerca de 75 mil mortos. Escondendo-se com uma irmã na selva, fugindo dos militares que combatiam toda a oposição apoiados pelos Estados Unidos, Cristina buscou refúgio na vizinha Honduras. Contudo, “em 1980 tivemos de regressar porque os militares hondurenhos realizavam uma campanha de repressão contra a sociedade exatamente como a de El Salvador”, recorda Cristina. De volta ao seu país, “o Exército continuava com a mesma política”.
Cristina descreve ações brutais como o incêndio de casas, as prisões e a repressão contra sacerdotes católicos que defendiam os direitos humanos. O nome da que agora é sua comunidade é homenagem a um deles, o arcebispo Óscar Arnulfo Romero, assassinado em 1980 quando rezava a missa. “Ao voltar para casa não restava nada, nem um cachorro. Nos juntamos à guerrilha por causa dos massacres que presenciamos”, recorda.
Na época, diferentes grupos armados haviam se unificado na Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional (FMLN). Cristina e sua irmã trabalhavam em uma emissora de rádio da insurgência e ajudavam as mulheres que haviam perdido seus maridos e filhos na guerra. Essas tarefas a levaram a somar-se a organizações de mulheres na capital e finalmente mudar-se para a região do baixo Rio Lempa, em Usulután, onde Ciudad Romero e outras comunidades se formaram pelos ex-combatentes e refugiados que voltavam ao país.
Hoje olha para frente. “Ajudamos a criar programas de alimentos e agora trabalhamos para melhorar o serviço elétrico. E temos plano de construir um hospital” afirma. Cristina faz parte de um movimento social que se aglutina na Coordenadoria do Baixo Lempa e Baía de Jiquilisco, uma coalizão de grupos de base que atuam em mais de cem comunidades desta região que a Unesco declarou em 2007 Reserva da Biosfera Xiriualtique Jiquilisco. Trata-se de uma planície costeira, banhada pelo Rio Lempa e margeada por mangues.
As juntas diretoras de cada comunidade, constituídas legalmente, são as encarregadas de tomar as decisões políticas. A Associação Mangue, que faz parte da Coordenadoria, funciona como resposta às frequentes crises causadas pela mudança climática: inundações e transbordamento de rios. O movimento social tenta fortalecer a agricultura sustentável e diversificada, a alimentação orgânica, a segurança alimentar e a adaptação às alterações do clima.
“Neste movimento as comunidades cuidam de seus próprios recursos”, explica à IPS Estela Hernández, que integra a junta diretora da Associação Mangue. “E, ao mesmo tempo, trabalhamos para que as políticas do novo governo nacional incluam nossas ações para conseguir a soberania alimentar, o manejo ambiental e hídrico e a tomada de decisões no plano local”, afirma Estela, entrevistada em seu escritório.
O novo governo nacional do qual fala Estela está nas mãos do FMLN, que deixou as armas após os acordos de paz de 1992 e, convertido no principal partido opositor, ganhou as eleições de 2009, levando a esquerda ao poder pela primeira vez neste pequeno país de seis milhões de habitantes.
Maria Elena Vigil, também dirigente da Associação Mangue, dedica-se a organizar a população afetada pelas operações da estatal Comissão Executiva Hidrelétricas do Rio Lempa (CEL), que administra quatro empresas. Na estação chuvosa, as descargas de água de uma delas, a 15 de Setembro, às vezes sem aviso, destruíam as plantações rio abaixo. Assim foram perdidos muitos cultivos, e “inclusive algumas vidas”, assegura. “As comunidades estão sumindo pela inundação. Assim, as estamos organizando contra as hidrelétricas”, completou Maria Elena.
Maria Elena também tem tempo para combater as práticas da indústria açucareira local, que aplica nos canaviais produtos agrotóxicos aos quais se atribui o aumento de doenças como a insuficiência renal. “Há mais doenças. O veneno cai dos aviões usados para aplicá-los e entra em nossa comida e nossa água, e inclusive atinge os mangues da costa”, descreve.
Dolores Esperanza Maravilla coloca sua capacidade de organização a serviço da resistência contra a CEL, a qual responsabiliza por agravar as inundações. “As hidrelétricas são responsáveis por isto. E há outras falhas como esta”, disse Dolores, apontando uma terraplenagem rachada pelas inundações de alguns meses atrás.
Ela foi uma das primeiras a chegar ao lugar quando a barreira cedeu, e usou as fotos que fez do desastre com seu telefone celular para exigir do Ministério da Agricultura que se fizesse presente na área e tomasse medidas. Além destes esforços, muitas mulheres salvadorenhas assumiram a tarefa de estudar, aproveitando um programa nacional de alfabetização.
Em um círculo de leitura e escrita organizado na aldeia de El Carmen, três mulheres resolvem problemas matemáticos com a conversão de divisas. “Esperamos muito por isto”, disse uma delas, María Concepción Ortillo. “A guerra nos impediu de estudar, a maioria de nós estava na guerrilha ou no Exército. Hoje estou feliz de estar aqui e que as mulheres possam avançar na sociedade”.
Para Cristina, um dos êxitos maiores é “a confiança que damos umas às outras e, sobretudo, como combinamos isto com a criação dos filhos”. Ela ajudou a construir um abrigo administrado por sua comunidade, que proporciona assistência psicológica e um mecanismo para que as mulheres possam denunciar de forma confidencial se sofrem violência doméstica ou abuso sexual e consigam ajuda.
Sua própria vida é um exemplo do papel relevante que as mulheres estão desempenhando na organização social da região. “Estamos em um lugar onde tentamos fazer mais pelas mulheres. Esperamos o futuro e mais trabalho como este”, disse.
Por Envolverde/IPS. Foto por http://www.flickr.com/photos/38076430@N05/.
Cristina Reyes cumpre seu segundo período como presidente da junta diretora da comunidade Ciudad Romero, no departamento de Usulután, no Pacífico. O trabalho feito, motivo de sua reeleição, vai desde conseguir eletricidade, água potável e estradas até instalar serviços de combate à violência contra as mulheres. Antes desta fase de construção, sua vida e a de muitos na região pode ser contada como uma história épica de aventuras, sobrevivência e resistência.
Cristina e sua família tiveram que fugir de sua aldeia natal nos anos de violência política que desembocaram na guerra civil (1980-1992), que deixou cerca de 75 mil mortos. Escondendo-se com uma irmã na selva, fugindo dos militares que combatiam toda a oposição apoiados pelos Estados Unidos, Cristina buscou refúgio na vizinha Honduras. Contudo, “em 1980 tivemos de regressar porque os militares hondurenhos realizavam uma campanha de repressão contra a sociedade exatamente como a de El Salvador”, recorda Cristina. De volta ao seu país, “o Exército continuava com a mesma política”.
Cristina descreve ações brutais como o incêndio de casas, as prisões e a repressão contra sacerdotes católicos que defendiam os direitos humanos. O nome da que agora é sua comunidade é homenagem a um deles, o arcebispo Óscar Arnulfo Romero, assassinado em 1980 quando rezava a missa. “Ao voltar para casa não restava nada, nem um cachorro. Nos juntamos à guerrilha por causa dos massacres que presenciamos”, recorda.
Na época, diferentes grupos armados haviam se unificado na Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional (FMLN). Cristina e sua irmã trabalhavam em uma emissora de rádio da insurgência e ajudavam as mulheres que haviam perdido seus maridos e filhos na guerra. Essas tarefas a levaram a somar-se a organizações de mulheres na capital e finalmente mudar-se para a região do baixo Rio Lempa, em Usulután, onde Ciudad Romero e outras comunidades se formaram pelos ex-combatentes e refugiados que voltavam ao país.
Hoje olha para frente. “Ajudamos a criar programas de alimentos e agora trabalhamos para melhorar o serviço elétrico. E temos plano de construir um hospital” afirma. Cristina faz parte de um movimento social que se aglutina na Coordenadoria do Baixo Lempa e Baía de Jiquilisco, uma coalizão de grupos de base que atuam em mais de cem comunidades desta região que a Unesco declarou em 2007 Reserva da Biosfera Xiriualtique Jiquilisco. Trata-se de uma planície costeira, banhada pelo Rio Lempa e margeada por mangues.
As juntas diretoras de cada comunidade, constituídas legalmente, são as encarregadas de tomar as decisões políticas. A Associação Mangue, que faz parte da Coordenadoria, funciona como resposta às frequentes crises causadas pela mudança climática: inundações e transbordamento de rios. O movimento social tenta fortalecer a agricultura sustentável e diversificada, a alimentação orgânica, a segurança alimentar e a adaptação às alterações do clima.
“Neste movimento as comunidades cuidam de seus próprios recursos”, explica à IPS Estela Hernández, que integra a junta diretora da Associação Mangue. “E, ao mesmo tempo, trabalhamos para que as políticas do novo governo nacional incluam nossas ações para conseguir a soberania alimentar, o manejo ambiental e hídrico e a tomada de decisões no plano local”, afirma Estela, entrevistada em seu escritório.
O novo governo nacional do qual fala Estela está nas mãos do FMLN, que deixou as armas após os acordos de paz de 1992 e, convertido no principal partido opositor, ganhou as eleições de 2009, levando a esquerda ao poder pela primeira vez neste pequeno país de seis milhões de habitantes.
Maria Elena Vigil, também dirigente da Associação Mangue, dedica-se a organizar a população afetada pelas operações da estatal Comissão Executiva Hidrelétricas do Rio Lempa (CEL), que administra quatro empresas. Na estação chuvosa, as descargas de água de uma delas, a 15 de Setembro, às vezes sem aviso, destruíam as plantações rio abaixo. Assim foram perdidos muitos cultivos, e “inclusive algumas vidas”, assegura. “As comunidades estão sumindo pela inundação. Assim, as estamos organizando contra as hidrelétricas”, completou Maria Elena.
Maria Elena também tem tempo para combater as práticas da indústria açucareira local, que aplica nos canaviais produtos agrotóxicos aos quais se atribui o aumento de doenças como a insuficiência renal. “Há mais doenças. O veneno cai dos aviões usados para aplicá-los e entra em nossa comida e nossa água, e inclusive atinge os mangues da costa”, descreve.
Dolores Esperanza Maravilla coloca sua capacidade de organização a serviço da resistência contra a CEL, a qual responsabiliza por agravar as inundações. “As hidrelétricas são responsáveis por isto. E há outras falhas como esta”, disse Dolores, apontando uma terraplenagem rachada pelas inundações de alguns meses atrás.
Ela foi uma das primeiras a chegar ao lugar quando a barreira cedeu, e usou as fotos que fez do desastre com seu telefone celular para exigir do Ministério da Agricultura que se fizesse presente na área e tomasse medidas. Além destes esforços, muitas mulheres salvadorenhas assumiram a tarefa de estudar, aproveitando um programa nacional de alfabetização.
Em um círculo de leitura e escrita organizado na aldeia de El Carmen, três mulheres resolvem problemas matemáticos com a conversão de divisas. “Esperamos muito por isto”, disse uma delas, María Concepción Ortillo. “A guerra nos impediu de estudar, a maioria de nós estava na guerrilha ou no Exército. Hoje estou feliz de estar aqui e que as mulheres possam avançar na sociedade”.
Para Cristina, um dos êxitos maiores é “a confiança que damos umas às outras e, sobretudo, como combinamos isto com a criação dos filhos”. Ela ajudou a construir um abrigo administrado por sua comunidade, que proporciona assistência psicológica e um mecanismo para que as mulheres possam denunciar de forma confidencial se sofrem violência doméstica ou abuso sexual e consigam ajuda.
Sua própria vida é um exemplo do papel relevante que as mulheres estão desempenhando na organização social da região. “Estamos em um lugar onde tentamos fazer mais pelas mulheres. Esperamos o futuro e mais trabalho como este”, disse.
Por Envolverde/IPS. Foto por http://www.flickr.com/photos/38076430@N05/.