Nesta semana, nova guerra suja foi deflagrada no futebol brasileiro.
Após receber uma tunda do CADE (Conselho Administrativo de Defesa
Econômica) no meio da testa e ter de assinar um Termo de Ajustamento de
Conduta (TAC), a Rede Globo perdeu seus privilégios monopólicos para
adquirir os direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro nos anos de
2012, 13 e 14.
Dessa forma, a concorrência prevista para o dia 11 de março passou a ter
contornos muito mais interessantes, especialmente para os clubes, que
finalmente viram uma claríssima brecha para elevarem exponencialmente
seus ganhos com as milionárias transmissões televisivas. Isso porque
antes a Globo tinha direito de preferência na renovação dos contratos,
inclusive com acesso às propostas rivais, o que a fez tomar de vez as
rédeas como sócia-proprietária do futebol nacional, em parceria com o
todo poderoso Ricardo Teixeira, dono da CBF.
De agora em diante, por conta da determinação do CADE, a emissora terá
de fazer aquilo que historicamente não está acostumada: jogar dentro de
regras limpas. Obviamente, a medida acendeu as esperanças de outros
canais de TV, sempre excluídos, na prática, das negociações. Record, e
seu temido saco sem fundo de dinheiro, e Rede TV já declararam intenções
de participar. Fora a Band, que já transmite, mas pode se livrar do
jugo global, que lhe impõe o que pode ou não exibir. Na TV fechada,
ESPN, Bandsports e Telefônica tentarão fazer frente à Sportv – de
propriedade da Globo.
E neste ano há a grande novidade de se venderem os direitos de cada
mídia separadamente, quando antes todas eram vendidas no mesmo pacote.
Agora, TV aberta, fechada, Pay Per View, Celular, Internet e Direitos
Internacionais serão negociados separadamente. O lance inicial para a TV
aberta é 500 milhões de reais por ano (cifra do atual contrato), sendo
que o Clube dos 13 calcula um rendimento total de 4 bilhões de reais ao
final do período, na soma de todas as categorias.
A Globo já provou do veneno da emissora de Edir Macedo: perdeu os
direitos de Londres 2012, pois neste caso não havia conchavo suficiente
para que a Vênus Platinada levasse a parada por inércia. Quem deu mais
levou, e pronto. No Brasil, não foi sempre assim que funcionou, devido à
enorme subserviência de nossos dirigentes, sempre endividados, além de
acomodados e aliados ao poderio global, que já fez diversos favores
financeiros para apagar incêndios das agremiações.
No entanto, após anos de cobrança, o Clube dos 13, que reúne os 20 times
mais influentes do país e juridicamente tem a prerrogativa de negociar o
contrato de TV, após a providencial prensa do CADE decidiu adentrar o
século 21 e elaborar uma licitação de verdade – simplesmente dentro das
teorias do jogo capitalista. Ou seja, concorrência livre e aberta, quem
der mais leva. Afinal, nossos clubes podem ser submissos e corruptos,
mas precisam se resolver financeiramente.
Antecedentes
Vale lembrar que a Copa do Mundo tem produzido diversas disputas de
bastidores no país, com times, estados e dirigentes se digladiando pelo
melhor botim possível dos grandes eventos. Um dos casos notórios envolve
o choque entre a CBF e o São Paulo FC, que objetivava ter seu Morumbi
como sede da Copa, mas acabou passado pra trás por conta de antigas (e
atuais) divergências com o imperador Ricardo Teixeira.
Assim, e amparado pela avidez por negociatas dos executivos da FIFA, a
confederação inventou que o Morumbi não teria condições de sediar jogos
do mundial sem uma reforma, que segundo cálculos da citada camarilha
beiraria os 600 milhões de reais. O tricolor retrucou com um plano de um
terço dos custos. Foi limado.
Com o senso de oportunismo em dia, o presidente do Corinthians (que se
revela um sujeito congenitamente amoral), Andrés Sanchez, articulou com o
presidente-torcedor-do-Timão Lula, a Odebrecht e os governos estadual e
municipal a construção de um estádio em Itaquera, sonho da agremiação,
mas que neste caso viria com o bônus de também sediar a Copa. Uma
belíssima jogada, convenhamos.
Além disso, Sanchez se tornou aliado e fiel escudeiro de Ricardo
Teixeira nos últimos tempos. Como prêmio, foi nomeado chefe da delegação
da seleção brasileira na Copa de 2010. E sobre Globo e Teixeira nem é
preciso falar: estão de mãos dadas desde sempre, com a emissora carioca
tendo pista livre para cometer todos os desmandos que sempre se
permitiu, como os detestáveis jogos às 10 da noite.
Fedor no ar...
E exatamente quando a concorrência se abriu, passaram a surgir notícias
dando conta de uma suposta queda de valor de mercado do futebol, cujas
audiências estariam decaindo, o que não justificaria contratos mais
polpudos. E tudo tenderia a piorar caso a Record ficasse com os direitos
de transmissão e recuasse o horário das partidas, pois neste caso o
futebol seria inapelavelmente derrotado pelo Jornal Nacional e a novela.
Só faltou alguma prova para respaldar a descarada chantagem. Quer dizer,
algumas bem fajutas foram mostradas, no caso, os índices de audiência
dos jogos dos estaduais deste ano. Só ‘ignoram’ o fato de que a culpa é
do descrédito, desorganização e decadência em que tais torneios se
encontram. Mas o Brasileirão é outra história, muito diferente.
Com a experiência de Londres ainda viva na memória e o enquadro da
autarquia do Ministério da Justiça, bateu o desespero na emissora, que
iniciou um claríssimo processo de cooptação dos clubes. Diante da
proximidade da decisão final, fatos estranhíssimos passaram a ocorrer em
avalanche.
O presidente do Corinthians, sempre ele, passou a se queixar de uma
falta de democracia na condução das negociações, por parte do Clube dos
13. O detalhe é que a comissão que cuida do assunto foi eleita pelo
conjunto dos membros, portanto, todos deram sua anuência a essa forma de
elaboração do processo de venda dos direitos.
Acusado de não ter assumido seu papel de vanguarda no futebol, tal como
se esperava em seu surgimento, o Clube dos 13 jamais fez aquilo a que se
propôs ao surgir, isto é, organizar uma liga de clubes que gerenciasse o
Campeonato Brasileiro, o que só ocorreu em 1987, ano de sua fundação,
quando a CBF se declarou incapaz de realizá-lo, delegando a tarefa à
entidade que nascia.
E quando finalmente o C-13 resolve tomar uma postura mais protagonista e
valorizar seu produto, o futebol, alguns de seus membros começam a
sabotá-lo...
Golpe global
Segundo Ataíde Gil Guerreiro, membro da entidade e um dos responsáveis
pela condução da negociação, "a Globo está se sentindo em risco. Ela
está num estado de conforto e não quer risco. Ela tem todas as condições
de ganhar, mas para que correr risco? Ela não quer fazer a concorrência
com a lisura que nós queremos".
Ele ainda acrescentou que Sanchez tem se portado como "advogado da
Globo", além de apontar, para não deixar dúvidas, que a emissora está
querendo comprar os clubes e forçar a cisão na entidade, principalmente
com os dois mais populares, Corinthians e Flamengo. Não à toa, a CBF
resolveu reconhecer nessa mesma semana, após 24 anos, o título do
Flamengo de 87, que sempre foi muito cristalino, mas que a oportunista
entidade tinha tratado de furtar através de uma canetada da justiça
comum.
Já Alexandre Kalil, presidente do Atlético-MG, foi ainda mais incisivo.
"É uma baderna, tentaram avacalhar. Em princípio, o Clube dos 13 nasceu
para isso (ser uma liga dos clubes), mas perdeu o trem da história. Nós
temos que, primeiro, nos fortalecer como entidade de classe", declarou à
ESPN Brasil. Para em seguida arrematar: "O Corinthians podia
perfeitamente assumir a liderança do processo, queremos mudar a história
e o patamar do C-13. O Flamengo também poderia. A avacalhação, o
tumulto de não querer sentar na mesa que é revoltante".
E claro que a balbúrdia é patrocinada pela Globo, que muito obviamente
tem agido na ilegalidade e oferecido supostas vantagens, por fora, aos
clubes, como, por exemplo, empréstimos e adiantamento de cotas. Além
disso, ofereceu aquilo que o presidente do Corinthians alega desejar
para aumentar seus ganhos: negociações individuais, algo cada vez menos
aceito no mundo do esporte. Sanchez crê que, negociando somente a parte
alvinegra, poderá ganhar mais ainda, já que preside o time mais forte do
país em termos de mercado.
Por sua vez, após ‘reaver’ o título de 87 o Flamengo resolveu aderir à
dissidência, sendo seguido por Vasco, Botafogo e Fluminense, temerosos
de se oporem a um rival mais poderoso que os três juntos no mercado.
Além disso, Coritiba e Goiás também embarcaram e outros podem engrossar a
debandada.
Mas a atual liderança do C-13 resolveu bater o pé e comprar a briga de
vez. "O CADE está sendo estuprado, mais do que isso: o povo do futebol
está sendo estuprado", declarou Kalil. "Vamos raciocinar linearmente.
Estamos aqui em um jogo de dinheiro", completou, querendo dizer que não
interessa quem transmitirá, e sim quem pagará mais. Sem a vitória
garantida e tendo de abrir a carteira, a Globo faz de tudo pra melar o
processo. "É caso de polícia, de Ministério Público", completou o
dirigente atleticano.
Contrariando o ditado brasileiro, lei existe para ser cumprida...
Porém, há um grande entrave para quem quiser deixar o C-13: dívidas,
pois os clubes também devem uns bons milhões à entidade. "Quem quiser
pode sair. É só vir aqui, acertar as pendências e se desfiliar. Como
qualquer um que pretende fechar uma conta corrente no banco", jogou na
cara Fabio Koff, o presidente, que ainda chamou Sanchez de "moleque e
irresponsável".
Diante do escárnio de Globo-CBF, repudiado pelo público, os revoltosos
já amenizam o discurso, pois uma batalha judicial tem tudo pra reservar a
derrota ao bloco, além do inevitável desgaste com as próprias torcidas,
que podem emparedar seus dirigentes e indagar por que dificultam uma
concorrência que tende a propiciar um enorme aumento das receitas de TV.
"Eu quero sair dos meus 13 milhões por ano para 40. Acho que os outros
não são idiotas e também querem", disparou Kalil.
Não seria a primeira vez que os clubes nacionais perderiam o "trem da
história", mas agora, quando todo o mundo burguês exalta a exuberância
da economia brasileira e o país se aproxima dos
mega(bilionários)eventos, uma nova capitulação a déspotas tão conhecidos
e desgastados não será facilmente engolida. Dessa vez, parece que a
Globo, adotada e turbinada por uma ditadura, terá de enfrentar as
autênticas regras de uma democracia capitalista.
Gabriel Brito é jornalista.
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