Escrito por Demetrio Cherobini no Correio da Cidadania | |
Um clássico, um engodo e uma aposta: tal é o que se encontra na edição brasileira de A educação para além do capital
de István Mészáros, lançado primeiramente em 2005 e depois em 2008,
pela Editora Boitempo. O clássico fica por conta do próprio texto de
Mészáros, uma proposta consistente, coerente e radical a respeito de
como os revolucionários do século XXI podem orientar seus esforços no
campo da educação, a fim de superar a dominação exercida pelo capital
sobre o sócio-metabolismo humano e realizar a "comunidade humana
emancipada". O engodo, destaque negativo da publicação, cabe
inteiramente ao prefaciador do livro, Emir Sader, que, desgraçadamente,
tenta desviar a atenção do leitor para preocupações e objetivos diversos
dos que estão contidos nas formulações do pensador húngaro. A aposta, o
que resta disso tudo, é a de que os trabalhadores saibam ter a postura
crítica necessária para perceber e superar as mistificações ideológicas
que proliferam em nossos dias – até mesmo em torno das publicações
progressistas - e tentam lhes perpetuar na condição de acomodação,
entorpecimento e paralisia frente ao seu inimigo visceral.
Desde A teoria da alienação em Marx, escrito na década de 1960, até seus textos mais recentes, como O desafio e o fardo do tempo histórico, de 2007, o ponto-chave que orienta a reflexão filosófica de Mészáros é a realização da transcendência positiva da auto-alienação do trabalho. O mesmo se dá, evidentemente, em A educação para além do capital,
concebido originalmente como uma conferência a ser proferida no Fórum
Mundial de Educação, na cidade de Porto Alegre, em 2004. Nesse contexto,
pode-se dizer que a crítica radical da alienação é o elemento decisivo
para se entender não apenas a proposta, discutida nesse livro, de "contra-interiorização"
da realidade histórico-social, que precisa se dar em ambientes formais e
informais de aprendizagem, mas da teoria social e política do filósofo
húngaro em sua totalidade.
Sem compreender isso, qualquer empreendimento que vise elucidar
criticamente as proposições de Mészáros sobre as formas – atuais e
vindouras - de mediar o sócio-metabolismo humano fica tremendamente
prejudicado. A educação é importante para um projeto político-social
alternativo porque a superação da alienação só pode ser feita por meio
de uma atividade autoconsciente. Esta é, pois, a condição para
passarmos de uma situação onde nos encontramos completamente
fragmentados, cindidos, diminuídos, submissos às nossas próprias
criações materiais e estranhos em relação aos nossos semelhantes, para
uma outra, na qual poderemos nos desenvolver ao máximo e nos tornarmos ricos no sentido qualitativo da palavra: sujeitos que sentem intimamente a carência de uma multiplicidade de manifestações humanas de vida (Cf. Marx).
Mas quem lê desavisadamente o prefácio à edição brasileira de A educação para além do capital é induzido a crer que as preocupações de Mészáros são as mesmas de Sader, a saber: como fortalecer a esfera pública em contraposição ao domínio do privado.
Vejamos, nesse sentido, o que afirma o politólogo brasileiro: "Talvez
nada exemplifique melhor o universo instaurado pelo neoliberalismo, em
que ‘tudo se vende, tudo se compra’, ‘tudo tem preço’, do que a
mercantilização da educação. Uma sociedade que impede a emancipação só
pode transformar os espaços educacionais em shoppings centers,
funcionais à sua lógica do consumo e do lucro. O enfraquecimento da
educação pública, paralelo ao crescimento do sistema privado, deu-se ao
mesmo tempo em que a socialização se deslocou da escola para a mídia, a
publicidade e o consumo" (Cf. SADER, 2005, 16).
Uma leitura atenta, contudo, vai nos mostrar que os termos de referência
de Mészáros são completamente outros. Em primeiro lugar, porque não é o
neoliberalismo que mercantiliza tudo – inclusive a educação -, e sim,
em nosso contexto, o sistema do capital. Em segundo lugar, a
questão realmente importante não é exatamente o "enfraquecimento da
educação pública" em comparação com o crescimento do ensino privado. Ao
colocar as questões desse modo, Sader tenta fazer-nos crer que a
preocupação de Mészáros seria com um eventual fortalecimento do setor
público em contraposição ao setor privado – seria, portanto, combater
precipuamente o "neoliberalismo".
Mas o filósofo húngaro não é tão ingênuo assim e não mistifica dessa
maneira o setor "público" (o Estado). Antes disso, está muito mais
interessado em demonstrar como é o sistema do capital – e não somente o "neoliberalismo" -, com todas as suas contradições, incluindo-se aí o próprio Estado,
que faz parte de sua base material e que deve ser superado em
concomitância com esse complexo mais amplo no qual está inserido. A
educação pode contribuir com esse propósito, desde que não se limite
apenas ao âmbito formal de ensino – note-se, então, que não se
trata de colocar a questão em termos de "público" e "privado" - e se
volte para a formação das mediações materiais não antagônicas de
regulação do sócio-metabolismo humano. E isso só pode ser feito se a
educação em questão for radicalmente crítica, isto é, articuladora teórico-prática de negação e afirmação no sentido da construção do socialismo – ponto importantíssimo que nem sequer é tocado no curioso prefácio.
A preocupação de Mészáros, portanto, é em firmar uma educação revolucionária, e não meramente "pública" (ademais, em Para além do capital, o filósofo húngaro deixa bem claro que o objetivo dos socialistas é a socialização do poder de decisão sobre todos os âmbitos da atividade humana, e não a mera estatização das coisas – porque isto não elimina, em definitivo, o problema da alienação).
Em terceiro lugar, é um equívoco completo afirmar algo parecido com "a
socialização se deslocou da escola para a mídia, a publicidade e o
consumo". Na verdade, a socialização - isto é, o aprendizado das
relações, normas e valores sociais, a internalização do mundo
humano, a apropriação ativa das produções histórico-culturais - nunca
poderia ter feito esse percurso porque ela é, na verdade, como a
educação, "a própria vida", ou seja, se confunde com a própria vida,
seja na escola ou fora dela. O referido prefácio, portanto, desvia o foco da nossa atenção para pontos que não são
preocupações centrais de Mészáros. Constitui, na verdade, um
tragicômico registro de um caso de prefaciador que apresentou como se
fossem do prefaciado idéias que na verdade não lhe pertenciam
(acreditamos que mistificação seja um termo bastante apropriado para designar o sentido desse tipo de operação intelectual).
A educação para a superação da alienação é, de acordo com Mészáros, a que se insere conscientemente na luta de classes. Aí, ela se desenvolve a partir da adoção crítica de um ponto de vista
estruturalmente antagônico em relação ao sistema do capital. Essa nova
práxis compreende tal perspectiva, os interesses que lhe são inerentes,
articula-os em torno de uma ideologia capaz de proporcionar os
devidos "estímulos mobilizadores" para as ações sócio-políticas da
"classe com cadeias radicais" rumo à sua emancipação. É uma educação que
está, pois, consciente de que só uma revolução pode libertar os
trabalhadores da prisão configurada pelos processos alienados e
alienantes de produção e reprodução do capital.
Nesse contexto, todas as mistificações sobre as relações dos
homens com os produtos do seu trabalho, onde estes lhes aparecem como
auto-constituídos e dotados de propriedades humanas, devem ser
combatidas. A educação socialista é, por definição, uma educação desmistificadora dos
processos atualmente estabelecidos de controle sócio-metabólico,
realizados de acordo com as exigências do capital. É, pois, numa
palavra, crítica radical dos fetiches de um sistema que vive de produzir fetiches – incluindo-se aí, evidentemente, o próprio fetiche do Estado.
O projeto socialista requer, assim, que nos orientemos a partir de um
quadro estratégico adequado, de atuação nacional e internacional, com
vistas a irmos para além do capital, e não meramente do capitalismo e seu regime jurídico garantidor da propriedade privada. A educação para além do capital é aquela que, concebendo-se como mediação indispensável, se integra conscientemente nesse projeto de transição que deverá fazer vir à luz uma sociedade capaz de proporcionar tempo disponível para a realização das potencialidades humanas. A educação é, portanto, na visão de Mészáros, parte de um projeto político-social - mediação coadunada com outras mediações - que precisa progressivamente negar a forma de sociabilidade atualmente cristalizada e afirmar
uma alternativa viável em relação a ela. É esse movimento que
constitui, pois, a crítica radical, a práxis revolucionária rumo à
comunidade humana emancipada, a sociedade regulada pelos produtores
livremente associados de que falava Marx.
É importante ressaltar tais questões, pois Mészáros volta a elas freqüentemente. É a crítica da ordem do capital que deve constituir a forma da educação transformadora. Isto exige uma ampla e profunda modificação de práticas e relações materiais – ou seja, dos sistemas de mediações atualmente estabelecidos -, que deve se dar com base no objetivo de transferir o poder de decisão sobre
os processos sócio-metabólicos da humanidade para os produtores
associados. Por isso, a reflexão sobre educação não pode se realizar
meramente tendo-se em vista os ambientes formais de ensino, mas sim, sobretudo, as esferas informais
de apropriação dos produtos históricos. Nessas duas "frentes de
batalha", ela necessita se estabelecer como prática que é, assim como a
revolução, auto-determinada e permanente.
O filósofo húngaro frisa constantemente que as formas de apropriação do
mundo que o capital controla não se dão somente na escola ou na
universidade, mas na vida como um todo. Por causa disso, a educação
revolucionária não pode visar apenas os ambientes formais de ensino, mas
sim se voltar para todas as outras atividades em que a interiorização
ocorre, a fim de produzir uma contra-interiorização (ou contra-consciência)
radical. Não mais hierárquica, fetichista, perdulária, destrutiva, e
sim sustentável, cooperativa, consciente, emancipada, numa palavra, socialista. Por tal razão, uma educação alternativa só pode ser bem fundamentada se estiver amparada por uma teoria política
concretamente produzida para fins específicos de confrontação de um
determinado sistema de relacionamento social. Isto deve estar claro para
os sujeitos envolvidos com atividades formais de ensino, pois eles
necessitam ser capazes de fazer com que a sua instituição específica se
abra para toda a sociedade, a fim de poder se articular com os
movimentos materiais que visam superar a ordem do capital rumo à "nova
forma histórica".
A teoria de Mészáros é, portanto, uma defesa intransigente e sem
concessões de que as instituições de ensino e seus participantes –
educadores, educandos, trabalhadores da educação, comunidade escolar –
entrem numa relação dialética com os processos políticos e sociais que,
em nosso tempo, visam à construção do futuro emancipado da humanidade.
Isto não significa, contudo, que tal teoria não diga algo digno de poder
ser utilizado para orientar ações dentro do âmbito da escola ou
da universidade. Por exemplo: se a atividade organizada pelo sistema
fetichista de exploração de trabalho excedente – isto é, o sistema do capital - é estruturada hierarquicamente,
a prática superadora de tal conjunto de relações precisa se ordenar de
modo diverso. Isto pode ocorrer tanto no que toca à própria estrutura
institucional como no interior da sala de aula: um movimento progressivo
de transcendência da forma da interiorização que se dá de acordo com a
lógica do capital (hierárquica), para uma outra, não fetichista, horizontal,
cooperativa, auto-determinada. É esse novo tipo de prática social que
torna possível a generalização do pensamento crítico e a formação da consciência socialista de massa de que fala Mészáros.
Uma forma revolucionária de educação é, pois, segundo o filósofo
húngaro, imprescindível para as classes trabalhadoras na sua luta contra
o capital. Não uma educação que, impregnada de retórica mistificadora,
contemporize com interesses escusos de partidos que desejam se perpetuar
nos postos mais altos do Estado a partir de uma engenharia política
hábil na conciliação entre as classes. Não uma educação que se dê
meramente no âmbito "público", mas que seja capaz de criticar os
próprios fundamentos da divisão entre o público e o privado. Não uma
educação que fetichize o Estado, considerando-o como panacéia
para todos os problemas, mas que combata suas contradições lá onde elas
se enraízam. Finalmente: não uma educação apenas contra o setor privado,
o neoliberalismo, o partido X ou Y, e sim uma educação contra o capital,
suas personificações e seus ideólogos de todos os tipos -
principalmente, os que exercem sua influência deletéria no interior da
própria esquerda...
Ficha
Título: A educação para além do capital
Autor: István Mészáros
Editora: Boitempo
Ano: 2008 (2ª edição)
Páginas: 124
Preço: R$ 25,00
Sobre o autor: István Mészáros nasceu em Budapeste, em 1930. Em
sua juventude, trabalhou em fábricas de aviões, tratores, têxteis,
tipografias e até no departamento de manutenção de uma ferrovia
elétrica. Aos dezoito anos, graças ao fato de haver se formado com notas
máximas, ganhou uma bolsa de estudos na Universidade de Budapeste, onde
pôde conhecer o filósofo György Lukács, de quem foi grande amigo e
discípulo. Da Hungria, Mészáros foi para a Itália, onde trabalhou na
Universidade de Turim. A partir de 1959, seu destino foi a Grã-Bretanha,
onde lecionou em vários lugares: no Bedford College da Universidade de
Londres (1959-1961), na Universidade de Saint Andrews, na Escócia
(1961-1966), e na Universidade de Sussex, em Brighton, na Inglaterra
(1966-1971). Em 1971, trabalhou na Universidade Nacional Autônoma do
México, e em 1972 foi nomeado professor de Filosofia e Ciências Sociais
da Universidade de York, em Toronto, no Canadá. Em janeiro de 1977,
retornou à Universidade de Sussex, onde veio a receber o título de
Professor Emérito de Filosofia em 1991. Afastou-se das atividades
docentes em 1995 e atualmente vive na cidade de Rochester, próxima a
Londres.
Demetrio Cherobini é cientista social (UFSM) e mestre em Educação (UFSC).
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Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
domingo, 27 de fevereiro de 2011
István Mészáros e a educação para além do capital
Esse é o nosso povo...
Impressionante a capacidade mostrada por John Lennon da Silva, dançarino de street dance em uma brilhante coreografia, feita por ele mesmo. E ainda tem gente daqui que despreza nossos jovens pobres, somente atribuindo a eles a desgraça das drogas, roubos e dos assassinatos.
É de emocionar!
É de emocionar!
Reflexões sobre a intolerância
“Aqueles que não conseguem lembrar do passado estão condenados a repeti-lo” (George Santayana, 1863-1952)
Nesta semana, assisti ao documentário Luz, Trevas e o Método Científico.[1]
As imagens mostram guerras religiosas, perseguição à ciência, às
mulheres e hereges. A história da humanidade é, também, a história da
intolerância.A práxis humana é muito mais complexa do que a vã filosofia
maniqueísta imagina. A aposta maniqueísta é interessada e consciente –
ou ingênua. Os eventos históricos mostram que as coisas não são tão
simples quanto parecem. O bem pode se converter em mal. Reduzir a práxis
histórica a apenas duas cores é desconhecer a complexidade dos fatores
subjetivos, interesses e práticas dos que fazem a História.
Luz, Trevas e o Método Científico
relata a luta da ciência contra a intolerância religiosa e política.
Historicamente, a intolerância está presente na esfera das relações
humanas fundadas em sentimentos e crenças religiosas e laicas. É uma
prática que se autojustifica em nome de Deus – e/ou ideologias – e adquire o status de uma guerra de deuses encarnados em homens e mulheres que se odeiam. Heinrich Mann, em A Juventude do Rei Henrique IV, fornece uma descrição que permite visualizar seus efeitos:
“Mas no país inteiro também se incendiava e matava em nome das crenças inimigas. A diferença das crenças religiosas era levada profundamente a sério, e transformava as pessoas que normalmente nada separava em inimigos extremados. Algumas palavras, especialmente a palavra missa, tinham efeito tão terrível que um irmão tornava-se incompreensível e de sangue estranho para outro”. [2]
José Saramago denominou este ódio recíproco como “O Fator Deus”. [3]
Na Idade Média, a intolerância religiosa se intensificou contra os
judeus,as mulheres e os heréticos. “Os inquisidores caçavam dissidentes e
os obrigavam a abjurar sua “heresia”, palavra que em grego significa
“escolha”, escreve Armstrong. A Inquisição na Espanha forçou os judeus à
conversão ao cristianismo e, finalmente, expulsou-os. Esta se tornaria
uma prática comum em outras épocas e nações. Com a identificação entre
religião e política, a perseguição aos dissidentes foi intensificada e
motivada pelos interesses políticos em disputa. A inquisição espanhola
foi usada para “forjar a unidade nacional”. Mas a utilização deste
recurso não se restringiu ao catolicismo romano. Como relata Armstrong:
“Em países como a Inglaterra seus colegas protestantes também foram
implacáveis com os “dissidentes” católicos, tidos igualmente como
inimigos do Estado”. [4]
Com a formação e consolidação dos Estados nacionais modernos, a
intolerância vincula religião e política, identificando uma à outra. O
herege religioso é visto como um desafiante da ordem política
monárquica; o dissidente político é encarado como um desafiador do dogma
religioso adotado pelo Estado-nação. [5]
A política terminaria por impor a sua autonomia em relação ao poder
religioso. Então, a intolerância tomou a forma de lutas ideológicas.
Maquiavel já anunciara este caminho quando, ainda no renascimento, advogou que os fins justificam os meios, em outras palavras, que a razão do Estado
deve se impor a despeito dos meios utilizados. Nestas condições, o
problema para Maquiavel não está em usar a violência, mas em saber
usá-la, na intensidade certa e no momento oportuno. Em defesa do
florentino, observemos que trata-se da construção do Estado e das
necessidade deste expressar a autoridade soberana e absoluta. Thomas
Hobbes retoma este tema no século XVII, com a defesa de um Estado
absolutista, o Leviatã, ao qual submetemos a nossa liberdade. As
liberdades dos súditos ficariam restritas aos interstícios onde o
soberano não alcança, no mais ele é absoluto. Estes autores expressam a
idéia de que o poder político não deve admitir concorrentes, ou seja, o
poder político deve ser autônomo em relação ao poder religioso.
[1] O vídeo está dividido em sete partes e disponível a partir do link http://www.youtube.com/watch?v=G0oImVekJzg. Acesso em 11.02.2011.
[5]
Dessa forma, “a intolerância religiosa assumiu formas especialmente
virulentas, porque se julgava que a solidez do poder absoluto do rei
dependia da aplicação do princípio de que a religião do povo deveria ser
a religião do príncipe. Desencadeadas por um massacre de protestantes
ocorrido em 1562, as guerras de religião da França se caracterizaram por
atrocidades sem precedentes, como a matança de São Bartolomeu (25 de
agosto de 1572), e só terminaram mais de 20 anos depois, quando Henrique
4º assinou o Edito de Nantes, concedendo liberdade de culto aos
protestantes (1598). Mas a longa história da perseguição à religião
reformada ainda não havia terminado, pois em 1685 Luís 14 revogou o
Edito de Nantes, o que levou à demolição dos templos, à proibição das
assembléias e à emigração forçada de cerca de 300 mil protestantes. Mas
estes eram tão intolerantes quanto os católicos”. ROUANET, Sergio Paulo.
“O Eros da diferença”. Folha de S. Paulo, Caderno Mais, 09.02.2003. (Publicado também em: Revista Espaço Acadêmico, n. 22, março de 2003).
Levantes populares: do Oriente Médio ao Meio Oeste
Há apenas algumas semanas, a solidariedade entre jovens egípcios e policiais do Wisconsin, ou entre trabalhadores líbios e funcionários públicos de Ohio, seria algo inacreditável. O levante popular na Tunísia foi provocado pelo suicídio de um jovem chamado Mohamed Bouazizi, universitário de 26 anos de idade, que não encontrava trabalho em sua profissão.Nos conflitos que vemos hoje em Wisconsin e Ohio há um pano de fundo semelhante. A “Grande Recessão” de 2008, segundo o economista Dean Baker, ingressou em seu trigésimo mês sem sinais de melhora. O artigo é de Amy Goodman.
Amy Goodman - Democracy Now - na Carta Maior
Cerca de 80 mil pessoas marcharam no sábado
passado ao Capitólio do estado de Wisconsin, em Madison, como parte de
uma crescente onda de protesto contra a tentativa do flamante governador
republicano Scott Walker, não só de acossar os sindicatos dos
servidores públicos, mas de desarticulá-los. O levante popular de
Madison ocorre imediatamente em seguida aos que vêm ocorrendo no Oriente
Médio. Um estudante universitário veterano da guerra do Iraque, levava
um cartaz que dizia “Fui ao Iraque e voltei a minha casa no Egito?”.
Outro dizia: “Walker, o Mubarak do Meio Oeste”.
Do mesmo modo, em Madison, circulou uma foto de um jovem em uma manifestação no Cairo com um cartaz que dizia: “Egito apoia os trabalhadores de Wisconsin: o mesmo mundo, a mesma dor”. Enquanto isso, em uma tentativa de derrubar o eterno ditador Muammar Kadafi, os líbios seguem desafiando a violenta ofensiva do governo, ao mesmo tempo que mais de 10 mil pessoas marcharam terça-feira em Columbus, Ohio, para se opor à tentativa do governador republicano John Kasich de dar um golpe de estado legislativo contra os sindicatos.
Há apenas algumas semanas, a solidariedade entre jovens egípcios e policiais do Wisconsin, ou entre trabalhadores líbios e funcionários públicos de Ohio, seria algo inacreditável.
O levante popular na Tunísia foi provocado pelo suicídio de um jovem chamado Mohamed Bouazizi, universitário de 26 anos de idade, que não encontrava trabalho em sua profissão. Enquanto vendida frutas e verduras no mercado, em repetidas oportunidades foi vítima de maus tratos por parte das autoridades tunisianas que acabaram confiscando sua balança. Completamente frustrado, ele ateou-se fogo, o que acabou incendiando os protestos que se converteram em uma onda revolucionária no Oriente Médio e Norte da África. Durante décadas, o povo da região viveu sob ditaduras – muitas das quais recebem ajuda militar dos EUA -, sofreu violações dos direitos humanos, além de ter baixa renda, enfrentar altas taxas de desemprego e não ter praticamente nenhuma liberdade de expressão. Tudo isso enquanto as elites acumulavam fortunas.
Nos conflitos que vemos hoje em Wisconsin e Ohio há um pano de fundo semelhante. A “Grande Recessão” de 2008, segundo o economista Dean Baker, ingressou em seu trigésimo mês sem sinais de melhora. Em um documento recente, Baker diz que devido à crise financeira “muitos políticos argumentam que é necessário reduzir de forma drástica as generosas aposentadorias do setor público e, se possível, não cumprir com as obrigações de pensões já assumidas. Grande parte do déficit no sistema de aposentadorias se deve à queda da bolsa de valores nos anos 2007-2009”.
Em outras palavras, os mascates de Wall Street que vendiam as complexas ações respaldadas por hipotecas que provocaram o colapso financeiro foram os responsáveis pelo déficit nas pensões. O jornalista vencedor do prêmio Pulitzer, David Cay Johnston disse recentemente: “O funcionário público médio de Wisconsin ganha 24.500 dólares por ano. Não se trata de uma grande aposentadoria; 15% do dinheiro destinado a esta aposentadoria anualmente é o que se paga a Wall Street para administrá-lo. É realmente uma porcentagem muito alta para pagar Wall Street por administrar o dinheiro”.
Então, enquanto a banca financeira fica com uma enorme porcentagem dos fundos de aposentadoria, os trabalhadores são demonizadas e pede-se a eles que façam sacrifícios. Os que provocaram o problema, em troca, logo obtiveram resgates generosos, agora recebem altíssimos salários e bonificações e não estão sendo responsabilizados. Se rastreamos a origem do dinheiro, vemos que a campanha de Walker foi financiada pelos tristemente célebres irmãos Koch, grandes patrocinadores das organizações que formam o movimento conservador tea party. Além disso, doaram um milhão de dólares para a Associação de Governadores Republicanos, que concedeu um apoio significativo à campanha de Walker. Então, por acaso resulta surpreendente que Walker apoie às empresas ao outorgar-lhes isenções se impostos e que tenha lançado uma grande campanha contra os servidores do setor público sindicalizado?
Um dos sindicatos que Walter e Kasich têm na mira, em Ohio, é a Federação Estadunidense de Empregados Estatais de Condados e Municípios (AFSCME, na sigla em inglês). O sindicato foi fundado em 1932, em meio à Grande Depressão, em Madison. Tem 1,6 milhões de filiados, entre os quais há enfermeiros, servidores penitenciários, seguranças, técnicos de emergências médicas e trabalhadores da saúde. Vale a pena lembrar, neste mês da História Negra, que a luta dos trabalhadores da saúde do prédio n° 1733 de AFSCME fez com que o Dr. Martin Luther King Jr. Fosse a Memphis, Tennessee, em abril de 1968. Como me disse o reverendo Jesse Jackson quando marchava com os estudantes e seus professores sindicalizados, em Madison, na semana passada: “O último ato do Dr. King na terra, sua viagem a Memphis, Tennessee, foi pelo direito dos trabalhadores negociarem convênios coletivos de trabalho e o direito ao desconto da quota sindical de seu salário. Não é possível beneficiar os ricos enquanto se deixa os pobres sem nada”.
Os trabalhadores do Egito, formando uma coalizão extraordinária com os jovens, tiveram um papel decisivo na derrubada do regime deste país. Nas ruas de Madison, sob a cúpula do Capitólio, está se produzindo outra mostra de solidariedade. Os trabalhadores de Wisconsin fizeram concessões em seus salários e aposentadorias, mas não renunciaram ao direito a negociar convênios coletivos de trabalho. Neste momento seria inteligente que Walker negociasse. Não é uma boa época para os tiranos.
Tradução: Katarina Peixoto
Do mesmo modo, em Madison, circulou uma foto de um jovem em uma manifestação no Cairo com um cartaz que dizia: “Egito apoia os trabalhadores de Wisconsin: o mesmo mundo, a mesma dor”. Enquanto isso, em uma tentativa de derrubar o eterno ditador Muammar Kadafi, os líbios seguem desafiando a violenta ofensiva do governo, ao mesmo tempo que mais de 10 mil pessoas marcharam terça-feira em Columbus, Ohio, para se opor à tentativa do governador republicano John Kasich de dar um golpe de estado legislativo contra os sindicatos.
Há apenas algumas semanas, a solidariedade entre jovens egípcios e policiais do Wisconsin, ou entre trabalhadores líbios e funcionários públicos de Ohio, seria algo inacreditável.
O levante popular na Tunísia foi provocado pelo suicídio de um jovem chamado Mohamed Bouazizi, universitário de 26 anos de idade, que não encontrava trabalho em sua profissão. Enquanto vendida frutas e verduras no mercado, em repetidas oportunidades foi vítima de maus tratos por parte das autoridades tunisianas que acabaram confiscando sua balança. Completamente frustrado, ele ateou-se fogo, o que acabou incendiando os protestos que se converteram em uma onda revolucionária no Oriente Médio e Norte da África. Durante décadas, o povo da região viveu sob ditaduras – muitas das quais recebem ajuda militar dos EUA -, sofreu violações dos direitos humanos, além de ter baixa renda, enfrentar altas taxas de desemprego e não ter praticamente nenhuma liberdade de expressão. Tudo isso enquanto as elites acumulavam fortunas.
Nos conflitos que vemos hoje em Wisconsin e Ohio há um pano de fundo semelhante. A “Grande Recessão” de 2008, segundo o economista Dean Baker, ingressou em seu trigésimo mês sem sinais de melhora. Em um documento recente, Baker diz que devido à crise financeira “muitos políticos argumentam que é necessário reduzir de forma drástica as generosas aposentadorias do setor público e, se possível, não cumprir com as obrigações de pensões já assumidas. Grande parte do déficit no sistema de aposentadorias se deve à queda da bolsa de valores nos anos 2007-2009”.
Em outras palavras, os mascates de Wall Street que vendiam as complexas ações respaldadas por hipotecas que provocaram o colapso financeiro foram os responsáveis pelo déficit nas pensões. O jornalista vencedor do prêmio Pulitzer, David Cay Johnston disse recentemente: “O funcionário público médio de Wisconsin ganha 24.500 dólares por ano. Não se trata de uma grande aposentadoria; 15% do dinheiro destinado a esta aposentadoria anualmente é o que se paga a Wall Street para administrá-lo. É realmente uma porcentagem muito alta para pagar Wall Street por administrar o dinheiro”.
Então, enquanto a banca financeira fica com uma enorme porcentagem dos fundos de aposentadoria, os trabalhadores são demonizadas e pede-se a eles que façam sacrifícios. Os que provocaram o problema, em troca, logo obtiveram resgates generosos, agora recebem altíssimos salários e bonificações e não estão sendo responsabilizados. Se rastreamos a origem do dinheiro, vemos que a campanha de Walker foi financiada pelos tristemente célebres irmãos Koch, grandes patrocinadores das organizações que formam o movimento conservador tea party. Além disso, doaram um milhão de dólares para a Associação de Governadores Republicanos, que concedeu um apoio significativo à campanha de Walker. Então, por acaso resulta surpreendente que Walker apoie às empresas ao outorgar-lhes isenções se impostos e que tenha lançado uma grande campanha contra os servidores do setor público sindicalizado?
Um dos sindicatos que Walter e Kasich têm na mira, em Ohio, é a Federação Estadunidense de Empregados Estatais de Condados e Municípios (AFSCME, na sigla em inglês). O sindicato foi fundado em 1932, em meio à Grande Depressão, em Madison. Tem 1,6 milhões de filiados, entre os quais há enfermeiros, servidores penitenciários, seguranças, técnicos de emergências médicas e trabalhadores da saúde. Vale a pena lembrar, neste mês da História Negra, que a luta dos trabalhadores da saúde do prédio n° 1733 de AFSCME fez com que o Dr. Martin Luther King Jr. Fosse a Memphis, Tennessee, em abril de 1968. Como me disse o reverendo Jesse Jackson quando marchava com os estudantes e seus professores sindicalizados, em Madison, na semana passada: “O último ato do Dr. King na terra, sua viagem a Memphis, Tennessee, foi pelo direito dos trabalhadores negociarem convênios coletivos de trabalho e o direito ao desconto da quota sindical de seu salário. Não é possível beneficiar os ricos enquanto se deixa os pobres sem nada”.
Os trabalhadores do Egito, formando uma coalizão extraordinária com os jovens, tiveram um papel decisivo na derrubada do regime deste país. Nas ruas de Madison, sob a cúpula do Capitólio, está se produzindo outra mostra de solidariedade. Os trabalhadores de Wisconsin fizeram concessões em seus salários e aposentadorias, mas não renunciaram ao direito a negociar convênios coletivos de trabalho. Neste momento seria inteligente que Walker negociasse. Não é uma boa época para os tiranos.
Tradução: Katarina Peixoto
sábado, 26 de fevereiro de 2011
Oriente Médio em ebulição, acompanhe país por país
Igor Natusch *no Sul21
As atenções do mundo seguem voltadas para a Líbia,
onde os protestos contra o governo ditatorial de Muammar Kadafi ganham
contornos de guerra civil. Mas vários países árabes continuam em
ebulição. Iêmen e Bahrein são os países em que as coisas estão mais
complicadas para o poder estabelecido e onde os protestos ganham mais
força. Mas mesmo na Tunísia e no Egito, que já derrubaram seus
ditadores, os protestos continuam. Manifestantes pedem que as
transformações ocorram de fato, e pedem a saída de membros dos regimes
derrubados que permanecem no poder durante a transição.
Acompanhe os últimos acontecimentos, país por país:
Manifestantes concentram-se na Praça da Pérola, no Bahrein
Neste sábado (26) ocorreu o 13º dia de protestos no país, que é
governado desde 1999 pelo rei Hamad Ben Isa al-Khalifa. As manifestações
se concentram na Praça da Pérola, região central de Manama.
Paralelamente aos protestos, religiosos da maioria xiita decretaram luto
no país, em memória de sete manifestantes mortos nos primeiros dias dos
acontecimentos. Os protestos ocasionaram tímidas mudanças anunciadas
neste sábado pelo rei. Ele apenas trocou de função cinco ministros,
mantendo-os no governo.
Embora parte dos manifestantes exija a mudança completa do regime, as
lideranças xiitas parecem não querer a queda de al-Khalifa, pedindo
apenas “reformas profundas” no sistema político do país. A posição xiita
coincide com sinalizações do governo dos EUA, que defende a permanência
de al-Khalifa e o estabelecimento de um diálogo com a oposição. O chefe
de Estado-maior das Forças Armadas dos Estados Unidos, almirante Mike
Mullen, desembarcou no Bahrein nesta quinta-feira (24) para reunir-se
com representantes do governo do país. O rei al-Khalifa garante que está
disposto a negociar com “todas as partes”, permitindo inclusive o
retorno de Hassan Mushaimaa, líder do movimento xiita Haq, que
desembarcou em Manama nesta sábado, sem sofrer restrições por parte do
governo do Bahrein.
Líderes tribais aderem a protestos no Iêmen
A pressão sobre o presidente do Iêmen aumentou depois que líderes de
duas das principais tribos do país (Hashid e Baqil) passaram a apoiar os
manifestantes. Especialistas apontam que o apoio dos Hashid, tribo mais
importante do país, aos manifestantes deve ser uma pressão insuportável
para Ali Abdallah Saleh, que se mantém há trinta anos no poder.
No Iêmen, a concentração de manifestantes alcançou na sexta-feira o
número mais alto desde o começo dos protestos contra o regime de Ali
Abdallah Saleh. As estimativas são de que mais de 150 mil pessoas
participaram de protestos em todo o Iêmen, na que já é a maior
manifestação pública da história do país. Segundo agências
internacionais, cerca de 30 mil pessoas estão acampadas na frente de uma
universidade da capital Sanaa, em uma manifestação pacífica e sem
confrontos com forças governamentais. “Olhe ao redor. Não são apenas
jovens, apenas estudantes que estão protestando”, disse o ativista
iemenita Khaled Anesi, em entrevista para o Los Angeles Times. “Todos
estão aqui. Juntos, nós derrubaremos o regime”.
Em resposta aos protestos contra Ali Abdallah Saleh, que ocupa o
poder há 32 anos, o governo iemenita incentiva apoiadores a irem às ruas
para defender o regime. Os manifestantes pró-Saleh teriam recebido
material diretamente do governo, como cartazes com o rosto do governante
iemenita, e entoam cânticos nos quais dizem que Ali Abdallah Saleh
trouxe paz e prosperidade ao país. Vinte e quatro mortes ocorreram nos
últimos nove dias de protestos no Iêmen.
Governo de transição não cumpre promessas, dizem manifestantes do Egito
O Egito, que recentemente testemunhou a queda do ditador Hosni
Mubarak, continua às voltas com protestos. Manifestantes voltaram a se
reunir na praça Tahrir, no Cairo, pedindo a formação de um novo governo e
que Hosni Mubarak seja levado a julgamento. Mesmo que o regime tenha
dado sinais de abertura após a queda de Mubarak, o gabinete de transição
é formado, em sua maioria, por nomes que participaram em algum momento
do antigo governo. Neste sábado (26), manifestantes que pediam a saída
do governo de integrantes leais a Mubarak foram retirados à força da
Praça Tahrir.
Segundo pessoas que participaram dos protestos que derrubaram
Mubarak, o governo de transição não está cumprindo várias de suas
promessas, como a libertação de presos políticos. Os manifestantes
exigem também o fim do estado de emergência, que limita a circulação de
pessoas no país, além de uma anistia geral. Parte da população pede a
renúncia do atual primeiro-ministro Ahmed Shafiq e a criação de um novo
gabinete, com representantes escolhidos por critérios técnicos e não por
indicações.
Opositores do rei criticam “lentidão” das reformas na Jordânia
Na Jordânia, milhares de pessoas foram às ruas da capital Amã, nesta
sexta-feira (25), na maior manifestação popular registrada nos últimos
dois meses no país. A concentração aconteceu logo após as preces do meio
dia, e coincide com declarações de Hamza Mansour, líder do grupo de
oposição Frente de Ação Islâmica, dizendo que o povo está “impaciente”
com a “lentidão” das reformas propostas pelo rei Abdullah II. “O povo
quer democracia de verdade, mudanças reais. Andem logo com isso”,
discursou Mansour em Amã, diante de cerca de 4 mil pessoas.
Os manifestantes pedem o congelamento de preços, a adoção de reformas
políticas e um novo parlamento – já que, segundo eles, o atual foi
formado a partir de uma fraude eleitoral. No regime de governo da
Jordânia, apenas os parlamentares são eleitos por voto direto, cabendo
ao rei indicar os ocupantes do executivo. Parte dos revoltosos pede uma
mudança constitucional, que permita eleições diretas também para o cargo
de primeiro-ministro.
Depois de 19 anos, governo da Argélia suspende regime de emergência
O governo da Argélia confirmou na quinta-feira (24) o fim do regime
de emergência no país, que já durava 19 anos. A medida, que vinha sendo
sinalizada há semanas, atende uma das principais exigências dos
opositores de Abdelaziz Bouteflika, no poder desde 1999. No entanto, as
manifestações populares devem ser submetidas a uma série de exigências e
aprovadas pelo governo com três dias de antecedência – o que, na
prática, faz com que as concentrações populares sejam ilegais no país.
“A suspensão do estado de emergência é positiva, mas não é o
suficiente”, disse o líder oposicionista Mustafa Bouchachi, que dirige a
Liga Argelina pelos Direitos Humanos. O governo dos EUA, por sua vez,
considerou a decisão de Bouteflika como um “sinal positivo”, que mostra
que o atual governo argelino está disposto a “escutar as preocupações e
responder às aspirações do seu povo”. O regime de Abdelaziz Bouteflika é
tratado como “corrupto” pela oposição, que alega que as eleições que
reelegeram o presidente em 2009 foram fraudadas. Além disso, os
protestos pedem medidas para conter a miséria, o aumento de preços e o
desemprego.
Sexta-feira foi “dia de fúria” no Iraque
Na sexta-feira (25), milhares de iraquianos protestaram contra o
governo, em manifestações que tomaram conta de vários pontos do país. Os
manifestantes chamaram os protestos de “dia de fúria”. Os relatos são
de que a repressão está cada vez mais violenta, em especial na praça
Tahrir em Bagdá, onde cerca de 5 mil revoltosos se reuniram. A repressão
aos revoltosos teria provocado ao menos 14 mortes, segundo agências
internacionais. Em cidades como Hawija e Mosul, há relatos de que forças
policiais dispararam munição letal contra manifestantes, que tentavam
invadir prédios governamentais. No momento, está em vigor decreto que
proíbe a circulação de veículos e a concentração de grupos de pessoas
nas ruas das principais áreas do país.
O primeiro-ministro ministro iraquiano, Nuri al-Maliki, garante que
não ignorará os pedidos dos manifestantes, mas advertiu que militantes
do grupo Al-Qaeda podem tentar “interromper” alguns protestos. Em
declarações anteriores, Maliki foi mais explícito, associando os
manifestantes com terroristas e com partidários do ex-ditador Saddam
Hussein. Os manifestantes, que de modo geral dizem não querer a queda do
regime, pedem controle de preços e profundas mudanças no corpo
político, como forma de diminuir a corrupção estatal.
Neste sábado, a maior refinaria de petróleo do Iraque parou suas
operações, depois de ser atacada. Homens detonaram bombas que provocaram
incêndio na refinaria.
Tunísia terá eleições em julho, diz governo provisório
A Tunísia, primeiro país árabe a registrar protestos contra o
governo, deve ser também o primeiro país a concretizar os objetivos de
sua revolução. Em comunicado divulgado pela rede oficial de notícias
TAP, o governo provisório anunciou que as eleições no país devem ocorrer
até a metade do mês de julho. Segundo o gabinete de transição, que
comanda o país desde a queda de Zine El Abidine Ben Ali, o período de
diálogo com os diferentes grupos políticos irá até março, quando deve
ser definida a data exata das eleições.
Ainda que a maior parte dos protestos tenha diminuído na Tunísia,
numerosos grupos seguem nas ruas, insatisfeitos com a presença de
Mohamed Ghannouchi como primeiro ministro do país. Ghannouchi atuou
durante mais de uma década no governo de Zine El Abidine Ben Ali, o que
leva manifestantes a pedirem sua saída e a instauração de um governo
totalmente desligado do antigo regime. Além disso, muitos julgam que a
situação de vida da população melhorou pouco depois da queda de Ben Ali
Protestos ocorridos durante a semana chegaram a concentrar 4.000
pessoas nas ruas da capital Túnis. “Revolução até o fim”, gritam os
revoltosos, que teriam entrado em confronto com forças de segurança e
até mesmo ateado fogo a prédios públicos, segundo testemunhas. Se o
antigo governante foi deposto, parece que isso não é suficiente para boa
parte do povo tunisiano – e o novo aumento na intensidade das
manifestações dá a entender que o processo que varre o mundo árabe está
bem longe do final.
* Colaborou Felipe Prestes
Rodrigo Vianna: PT rumo ao centro; e oposição na UTI
Dias atrás, escrevi um modesto balanço, centrado nas ações
econômicas de Dilma nos primeiros dias de governo. Agora, faço um
balanço político.
Por Rodrigo Vianna, no blog Escrevinhador
Os sinais evidentes emitidos por
Dilma são de um governo que ruma para o centro. Isso já estava desenhado
desde a campanha eleitoral de 2010. Lula havia feito movimento
semelhante, ao escolher José Alencar para vice e ao lançar a “Carta aos
Brasileiros”, em 2002.
Mas o movimento de Lula rumo à centro-esquerda não tinha nitidez institucional. Ele se aproximou de personagens avulsos no mundo empresarial (além de Alencar, Gerdau e Diniz), e não fechou aliança formal com PMDB, mas apenas com pequenos partidos conservadores: PL (depois PR), PTB e PP. Fora isso, Lula manteve-se firme (fora da cartilha liberal) na relação com movimentos sociais e na política internacional – além de ter adotado ações econômicas keynesianas (para irritação dos economistas e colunistas atucanados) no segundo mandato.
O movimento de Dilma é mais claro, mais institucional. Michel Temer na vice. PMDB na aliança formal. Isso tudo já estava desenhado. O início de governo aprofundou esse movimento. Ao adotar, agora, prática econômica apoiada pelos liberais, Dilma capturou a simpatia (real? duradoura?) de setores da mídia que estiveram fechados com Serra durante a campanha. Faz o mesmo em relação à política internacional (menos “terceiro-mundista” do que Lula, como comemora a “Folha” em editorial nessa sexta-feira). E já há sinais de que o governo pode abandonar a proximidade estratégica que mantinha com movimentos como o MST (sinais que vêm de dentro do INCRA, por exemplo – a conferir).
É um movimento claro: Lula já ocupara a esquerda e a centro-esquerda; agora, o projeto petista expande-se alguns graus mais – rumo ao centro!
Isso sufoca a direita e a oposição. E aí chegamos a outro ponto importante. Não é à toa que Kassab movimenta-se para romper com o demo-tucanismo e aderir ao lulismo. Kassab sente-se sufocado e percebe que pode perder suas bases conservadoras para o lulismo. O melhor, talvez, seja juntar-se a esse impressionante movimento político (o lulo-petismo) que – nascido na esquerda - capturou a centro-esquerda e agora se expande rumo ao centro.
Vejam o tamanho da hecatombe vivida pela oposição. Katia Abreu, a chefe ruralista, deve seguir os passos de Kassab, rompendo com o condomínio PSDB/DEM. Katia deu entrevista à “Folha”, avisando: “a oposição está na UTI”. Kassab vai levar com ele quase duas dezenas de deputados federais do DEM, 3 ou 4 do PPS e mais alguns tucanos desgarrados. A oposição vai minguar. Essa gente toda deve-se acomodar num “novo” partido, mas o projeto final é terminar no PSB de Eduardo Campos (partido que desde 1989 integra a base lulista).
Esse movimento de ocupação do centro pelo lulismo é fruto, também, dos erros de Serra durante a campanha de 2010. Muita gente avalia que a votação expressiva (de 44 milhões de votos no segundo turno) signficou uma meia-derrota para o paulista da Mooca. Do ponto de vista numérico e eleitoral, isso é verdade. Mas a derrota política de Serra foi acachapante.
Vejamos. Serra abriu mão de defender o programa liberal e privatizante do PSDB, e escondeu o ex-presidente FHC. Depois, tentou-se mostrar como o “verdadeiro” herdeiro de Lula, ajudando assim a legitimar o lulismo. Na reta final, de forma errática, aderiu a um discurso conservador amalucado, trazendo temas morais como aborto para o centro do debate (pra isso, apoiou-se nas tropas de choque monarquistas, na turma da TFP e da Opus Dei).
Serra fez, portanto, um duplo tuiste carpado rumo ao precipício: primeiro, legitimou o lulismo; depois, afundou-se rumo à direita. Achou que podia ganhar assim. E, de fato, ficou perto de ganhar (dados os erros da campanha pouco politizada de Dilma). Mas, no fim, a “meia derrota” eleitoral significou “derrota e meia” política.
Restou a Serra (e a parte do tucanismo) brigar para liderar a direita no Brasil. Aécio quer o PSDB no centro. E Kassab quer ser, ele mesmo, o novo centro.
Lula e Dilma sabem que é mais fácil enfrentar os tucanos desde que eles se mantenham na direita. Por isso, Dilma ocupa o centro. Certamente, com aval de Lula.
Nassif acaba de escrever um artigo excelente, tratando exatamente desse tema:
“Primeiro, não há a menor possibilidade de apostar em um rompimento dela com Lula. Ambos são suficientemente maduros e espertos para não embarcarem nessa falsa competição.
A sensação que passa é de uma estratégia combinada, na qual caberia a Lula manter a influência sobre movimentos populares, sindicalismo e PT; e a Dilma aproximar-se e desarmar os setores empresários e políticos mais refratários ao lulismo-dilmismo.
Do ponto de vista de estratégia política, conseguiram fechar o melhor dos mundos: o antilulismo está sendo carreado pela velha mídia para um pró-dilmismo, resultando um xeque- mate: se o governo Dilma for bem sucedido, ela é reeleita; se for mal sucedido, Lula volta.” (L. Nassif)
Lula e Dilma jogam de tabelinha. Ele mantém apoio forte entre a “esquerda tradicional”, e também entre sindicalistas e movimentos sociais, além do povão deserdado que vê em Lula um novo “pai dos pobres”. Ela joga para a classe média urbana e pragmática que – em parte – preferiu Marina no primeiro turno de 2010.
Dilma, com essas ações, deixa muita gente confusa e irritada na esquerda. Mas reconheça-se: é estratégia inteligente.
Qual o risco disso tudo?
O risco é embaralhar a política e apagar as diferenças. Relembremos o que ocorreu no Chile, ao fim do governo Bachelet. Ela tinha claro compromisso com direitos humanos, com a civilidade e com os valores tradicionais da esquerda… Mas na política e na gestão da economia no dia-a-dia, o governo da “Concertación” (coalizão de centro-esquerda que governou o Chile desde a queda de Pinochet) assumiu o programa liberal da direita. Embaralhou-se tudo. Bachelet saiu do governo bem avaliada, mas não fez o sucessor (até porque o candidato dela, Frei, tinha imagem envelhecida e desgastada). Se não há mesmo diferença, pra que votar na “Concertación” de novo? Foi o que levou o eleitorado chileno a escolher Pinera – um megaempresário ligado à Opus Dei e a setores pinochetistas.
Pinera é um Berlusconi sem os arroubos sexuais do italiano. Paulo Henrique Amorim costuma dizer que, sem politização, a classe “C” de Lula vai eleger um Berlusconi em 2014. O Chile já fez isso: escolheu Pinera.
A tática de Dilma e Lula, de ocupar amplo espectro (da esquerda ao centro), parece inteligente. Mas ao embaralhar o jogo, permite que a direita faça o mesmo e caminhe para o centro. Desfeitas as fronteiras (Kassab no PSB seria o sinal derradeiro desse movimento), abre-se a incerteza no horizonte, rumo a 2014.
O petismo conta com Pelé no banco. Se o quadro ficar confuso, chama-se Lula. Arriscado. Mas esse parece ser o jogo. Gostemos ou não.
Mas o movimento de Lula rumo à centro-esquerda não tinha nitidez institucional. Ele se aproximou de personagens avulsos no mundo empresarial (além de Alencar, Gerdau e Diniz), e não fechou aliança formal com PMDB, mas apenas com pequenos partidos conservadores: PL (depois PR), PTB e PP. Fora isso, Lula manteve-se firme (fora da cartilha liberal) na relação com movimentos sociais e na política internacional – além de ter adotado ações econômicas keynesianas (para irritação dos economistas e colunistas atucanados) no segundo mandato.
O movimento de Dilma é mais claro, mais institucional. Michel Temer na vice. PMDB na aliança formal. Isso tudo já estava desenhado. O início de governo aprofundou esse movimento. Ao adotar, agora, prática econômica apoiada pelos liberais, Dilma capturou a simpatia (real? duradoura?) de setores da mídia que estiveram fechados com Serra durante a campanha. Faz o mesmo em relação à política internacional (menos “terceiro-mundista” do que Lula, como comemora a “Folha” em editorial nessa sexta-feira). E já há sinais de que o governo pode abandonar a proximidade estratégica que mantinha com movimentos como o MST (sinais que vêm de dentro do INCRA, por exemplo – a conferir).
É um movimento claro: Lula já ocupara a esquerda e a centro-esquerda; agora, o projeto petista expande-se alguns graus mais – rumo ao centro!
Isso sufoca a direita e a oposição. E aí chegamos a outro ponto importante. Não é à toa que Kassab movimenta-se para romper com o demo-tucanismo e aderir ao lulismo. Kassab sente-se sufocado e percebe que pode perder suas bases conservadoras para o lulismo. O melhor, talvez, seja juntar-se a esse impressionante movimento político (o lulo-petismo) que – nascido na esquerda - capturou a centro-esquerda e agora se expande rumo ao centro.
Vejam o tamanho da hecatombe vivida pela oposição. Katia Abreu, a chefe ruralista, deve seguir os passos de Kassab, rompendo com o condomínio PSDB/DEM. Katia deu entrevista à “Folha”, avisando: “a oposição está na UTI”. Kassab vai levar com ele quase duas dezenas de deputados federais do DEM, 3 ou 4 do PPS e mais alguns tucanos desgarrados. A oposição vai minguar. Essa gente toda deve-se acomodar num “novo” partido, mas o projeto final é terminar no PSB de Eduardo Campos (partido que desde 1989 integra a base lulista).
Esse movimento de ocupação do centro pelo lulismo é fruto, também, dos erros de Serra durante a campanha de 2010. Muita gente avalia que a votação expressiva (de 44 milhões de votos no segundo turno) signficou uma meia-derrota para o paulista da Mooca. Do ponto de vista numérico e eleitoral, isso é verdade. Mas a derrota política de Serra foi acachapante.
Vejamos. Serra abriu mão de defender o programa liberal e privatizante do PSDB, e escondeu o ex-presidente FHC. Depois, tentou-se mostrar como o “verdadeiro” herdeiro de Lula, ajudando assim a legitimar o lulismo. Na reta final, de forma errática, aderiu a um discurso conservador amalucado, trazendo temas morais como aborto para o centro do debate (pra isso, apoiou-se nas tropas de choque monarquistas, na turma da TFP e da Opus Dei).
Serra fez, portanto, um duplo tuiste carpado rumo ao precipício: primeiro, legitimou o lulismo; depois, afundou-se rumo à direita. Achou que podia ganhar assim. E, de fato, ficou perto de ganhar (dados os erros da campanha pouco politizada de Dilma). Mas, no fim, a “meia derrota” eleitoral significou “derrota e meia” política.
Restou a Serra (e a parte do tucanismo) brigar para liderar a direita no Brasil. Aécio quer o PSDB no centro. E Kassab quer ser, ele mesmo, o novo centro.
Lula e Dilma sabem que é mais fácil enfrentar os tucanos desde que eles se mantenham na direita. Por isso, Dilma ocupa o centro. Certamente, com aval de Lula.
Nassif acaba de escrever um artigo excelente, tratando exatamente desse tema:
“Primeiro, não há a menor possibilidade de apostar em um rompimento dela com Lula. Ambos são suficientemente maduros e espertos para não embarcarem nessa falsa competição.
A sensação que passa é de uma estratégia combinada, na qual caberia a Lula manter a influência sobre movimentos populares, sindicalismo e PT; e a Dilma aproximar-se e desarmar os setores empresários e políticos mais refratários ao lulismo-dilmismo.
Do ponto de vista de estratégia política, conseguiram fechar o melhor dos mundos: o antilulismo está sendo carreado pela velha mídia para um pró-dilmismo, resultando um xeque- mate: se o governo Dilma for bem sucedido, ela é reeleita; se for mal sucedido, Lula volta.” (L. Nassif)
Lula e Dilma jogam de tabelinha. Ele mantém apoio forte entre a “esquerda tradicional”, e também entre sindicalistas e movimentos sociais, além do povão deserdado que vê em Lula um novo “pai dos pobres”. Ela joga para a classe média urbana e pragmática que – em parte – preferiu Marina no primeiro turno de 2010.
Dilma, com essas ações, deixa muita gente confusa e irritada na esquerda. Mas reconheça-se: é estratégia inteligente.
Qual o risco disso tudo?
O risco é embaralhar a política e apagar as diferenças. Relembremos o que ocorreu no Chile, ao fim do governo Bachelet. Ela tinha claro compromisso com direitos humanos, com a civilidade e com os valores tradicionais da esquerda… Mas na política e na gestão da economia no dia-a-dia, o governo da “Concertación” (coalizão de centro-esquerda que governou o Chile desde a queda de Pinochet) assumiu o programa liberal da direita. Embaralhou-se tudo. Bachelet saiu do governo bem avaliada, mas não fez o sucessor (até porque o candidato dela, Frei, tinha imagem envelhecida e desgastada). Se não há mesmo diferença, pra que votar na “Concertación” de novo? Foi o que levou o eleitorado chileno a escolher Pinera – um megaempresário ligado à Opus Dei e a setores pinochetistas.
Pinera é um Berlusconi sem os arroubos sexuais do italiano. Paulo Henrique Amorim costuma dizer que, sem politização, a classe “C” de Lula vai eleger um Berlusconi em 2014. O Chile já fez isso: escolheu Pinera.
A tática de Dilma e Lula, de ocupar amplo espectro (da esquerda ao centro), parece inteligente. Mas ao embaralhar o jogo, permite que a direita faça o mesmo e caminhe para o centro. Desfeitas as fronteiras (Kassab no PSB seria o sinal derradeiro desse movimento), abre-se a incerteza no horizonte, rumo a 2014.
O petismo conta com Pelé no banco. Se o quadro ficar confuso, chama-se Lula. Arriscado. Mas esse parece ser o jogo. Gostemos ou não.
Globo tenta dar golpe nas negociações do futebol: guerra à vista
Escrito por Gabriel Brito, da Redação do Correio da Cidadania | |
Nesta semana, nova guerra suja foi deflagrada no futebol brasileiro.
Após receber uma tunda do CADE (Conselho Administrativo de Defesa
Econômica) no meio da testa e ter de assinar um Termo de Ajustamento de
Conduta (TAC), a Rede Globo perdeu seus privilégios monopólicos para
adquirir os direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro nos anos de
2012, 13 e 14.
Dessa forma, a concorrência prevista para o dia 11 de março passou a ter
contornos muito mais interessantes, especialmente para os clubes, que
finalmente viram uma claríssima brecha para elevarem exponencialmente
seus ganhos com as milionárias transmissões televisivas. Isso porque
antes a Globo tinha direito de preferência na renovação dos contratos,
inclusive com acesso às propostas rivais, o que a fez tomar de vez as
rédeas como sócia-proprietária do futebol nacional, em parceria com o
todo poderoso Ricardo Teixeira, dono da CBF.
De agora em diante, por conta da determinação do CADE, a emissora terá
de fazer aquilo que historicamente não está acostumada: jogar dentro de
regras limpas. Obviamente, a medida acendeu as esperanças de outros
canais de TV, sempre excluídos, na prática, das negociações. Record, e
seu temido saco sem fundo de dinheiro, e Rede TV já declararam intenções
de participar. Fora a Band, que já transmite, mas pode se livrar do
jugo global, que lhe impõe o que pode ou não exibir. Na TV fechada,
ESPN, Bandsports e Telefônica tentarão fazer frente à Sportv – de
propriedade da Globo.
E neste ano há a grande novidade de se venderem os direitos de cada
mídia separadamente, quando antes todas eram vendidas no mesmo pacote.
Agora, TV aberta, fechada, Pay Per View, Celular, Internet e Direitos
Internacionais serão negociados separadamente. O lance inicial para a TV
aberta é 500 milhões de reais por ano (cifra do atual contrato), sendo
que o Clube dos 13 calcula um rendimento total de 4 bilhões de reais ao
final do período, na soma de todas as categorias.
A Globo já provou do veneno da emissora de Edir Macedo: perdeu os
direitos de Londres 2012, pois neste caso não havia conchavo suficiente
para que a Vênus Platinada levasse a parada por inércia. Quem deu mais
levou, e pronto. No Brasil, não foi sempre assim que funcionou, devido à
enorme subserviência de nossos dirigentes, sempre endividados, além de
acomodados e aliados ao poderio global, que já fez diversos favores
financeiros para apagar incêndios das agremiações.
No entanto, após anos de cobrança, o Clube dos 13, que reúne os 20 times
mais influentes do país e juridicamente tem a prerrogativa de negociar o
contrato de TV, após a providencial prensa do CADE decidiu adentrar o
século 21 e elaborar uma licitação de verdade – simplesmente dentro das
teorias do jogo capitalista. Ou seja, concorrência livre e aberta, quem
der mais leva. Afinal, nossos clubes podem ser submissos e corruptos,
mas precisam se resolver financeiramente.
Antecedentes
Vale lembrar que a Copa do Mundo tem produzido diversas disputas de
bastidores no país, com times, estados e dirigentes se digladiando pelo
melhor botim possível dos grandes eventos. Um dos casos notórios envolve
o choque entre a CBF e o São Paulo FC, que objetivava ter seu Morumbi
como sede da Copa, mas acabou passado pra trás por conta de antigas (e
atuais) divergências com o imperador Ricardo Teixeira.
Assim, e amparado pela avidez por negociatas dos executivos da FIFA, a
confederação inventou que o Morumbi não teria condições de sediar jogos
do mundial sem uma reforma, que segundo cálculos da citada camarilha
beiraria os 600 milhões de reais. O tricolor retrucou com um plano de um
terço dos custos. Foi limado.
Com o senso de oportunismo em dia, o presidente do Corinthians (que se
revela um sujeito congenitamente amoral), Andrés Sanchez, articulou com o
presidente-torcedor-do-Timão Lula, a Odebrecht e os governos estadual e
municipal a construção de um estádio em Itaquera, sonho da agremiação,
mas que neste caso viria com o bônus de também sediar a Copa. Uma
belíssima jogada, convenhamos.
Além disso, Sanchez se tornou aliado e fiel escudeiro de Ricardo
Teixeira nos últimos tempos. Como prêmio, foi nomeado chefe da delegação
da seleção brasileira na Copa de 2010. E sobre Globo e Teixeira nem é
preciso falar: estão de mãos dadas desde sempre, com a emissora carioca
tendo pista livre para cometer todos os desmandos que sempre se
permitiu, como os detestáveis jogos às 10 da noite.
Fedor no ar...
E exatamente quando a concorrência se abriu, passaram a surgir notícias
dando conta de uma suposta queda de valor de mercado do futebol, cujas
audiências estariam decaindo, o que não justificaria contratos mais
polpudos. E tudo tenderia a piorar caso a Record ficasse com os direitos
de transmissão e recuasse o horário das partidas, pois neste caso o
futebol seria inapelavelmente derrotado pelo Jornal Nacional e a novela.
Só faltou alguma prova para respaldar a descarada chantagem. Quer dizer,
algumas bem fajutas foram mostradas, no caso, os índices de audiência
dos jogos dos estaduais deste ano. Só ‘ignoram’ o fato de que a culpa é
do descrédito, desorganização e decadência em que tais torneios se
encontram. Mas o Brasileirão é outra história, muito diferente.
Com a experiência de Londres ainda viva na memória e o enquadro da
autarquia do Ministério da Justiça, bateu o desespero na emissora, que
iniciou um claríssimo processo de cooptação dos clubes. Diante da
proximidade da decisão final, fatos estranhíssimos passaram a ocorrer em
avalanche.
O presidente do Corinthians, sempre ele, passou a se queixar de uma
falta de democracia na condução das negociações, por parte do Clube dos
13. O detalhe é que a comissão que cuida do assunto foi eleita pelo
conjunto dos membros, portanto, todos deram sua anuência a essa forma de
elaboração do processo de venda dos direitos.
Acusado de não ter assumido seu papel de vanguarda no futebol, tal como
se esperava em seu surgimento, o Clube dos 13 jamais fez aquilo a que se
propôs ao surgir, isto é, organizar uma liga de clubes que gerenciasse o
Campeonato Brasileiro, o que só ocorreu em 1987, ano de sua fundação,
quando a CBF se declarou incapaz de realizá-lo, delegando a tarefa à
entidade que nascia.
E quando finalmente o C-13 resolve tomar uma postura mais protagonista e
valorizar seu produto, o futebol, alguns de seus membros começam a
sabotá-lo...
Golpe global
Segundo Ataíde Gil Guerreiro, membro da entidade e um dos responsáveis
pela condução da negociação, "a Globo está se sentindo em risco. Ela
está num estado de conforto e não quer risco. Ela tem todas as condições
de ganhar, mas para que correr risco? Ela não quer fazer a concorrência
com a lisura que nós queremos".
Ele ainda acrescentou que Sanchez tem se portado como "advogado da
Globo", além de apontar, para não deixar dúvidas, que a emissora está
querendo comprar os clubes e forçar a cisão na entidade, principalmente
com os dois mais populares, Corinthians e Flamengo. Não à toa, a CBF
resolveu reconhecer nessa mesma semana, após 24 anos, o título do
Flamengo de 87, que sempre foi muito cristalino, mas que a oportunista
entidade tinha tratado de furtar através de uma canetada da justiça
comum.
Já Alexandre Kalil, presidente do Atlético-MG, foi ainda mais incisivo.
"É uma baderna, tentaram avacalhar. Em princípio, o Clube dos 13 nasceu
para isso (ser uma liga dos clubes), mas perdeu o trem da história. Nós
temos que, primeiro, nos fortalecer como entidade de classe", declarou à
ESPN Brasil. Para em seguida arrematar: "O Corinthians podia
perfeitamente assumir a liderança do processo, queremos mudar a história
e o patamar do C-13. O Flamengo também poderia. A avacalhação, o
tumulto de não querer sentar na mesa que é revoltante".
E claro que a balbúrdia é patrocinada pela Globo, que muito obviamente
tem agido na ilegalidade e oferecido supostas vantagens, por fora, aos
clubes, como, por exemplo, empréstimos e adiantamento de cotas. Além
disso, ofereceu aquilo que o presidente do Corinthians alega desejar
para aumentar seus ganhos: negociações individuais, algo cada vez menos
aceito no mundo do esporte. Sanchez crê que, negociando somente a parte
alvinegra, poderá ganhar mais ainda, já que preside o time mais forte do
país em termos de mercado.
Por sua vez, após ‘reaver’ o título de 87 o Flamengo resolveu aderir à
dissidência, sendo seguido por Vasco, Botafogo e Fluminense, temerosos
de se oporem a um rival mais poderoso que os três juntos no mercado.
Além disso, Coritiba e Goiás também embarcaram e outros podem engrossar a
debandada.
Mas a atual liderança do C-13 resolveu bater o pé e comprar a briga de
vez. "O CADE está sendo estuprado, mais do que isso: o povo do futebol
está sendo estuprado", declarou Kalil. "Vamos raciocinar linearmente.
Estamos aqui em um jogo de dinheiro", completou, querendo dizer que não
interessa quem transmitirá, e sim quem pagará mais. Sem a vitória
garantida e tendo de abrir a carteira, a Globo faz de tudo pra melar o
processo. "É caso de polícia, de Ministério Público", completou o
dirigente atleticano.
Contrariando o ditado brasileiro, lei existe para ser cumprida...
Porém, há um grande entrave para quem quiser deixar o C-13: dívidas,
pois os clubes também devem uns bons milhões à entidade. "Quem quiser
pode sair. É só vir aqui, acertar as pendências e se desfiliar. Como
qualquer um que pretende fechar uma conta corrente no banco", jogou na
cara Fabio Koff, o presidente, que ainda chamou Sanchez de "moleque e
irresponsável".
Diante do escárnio de Globo-CBF, repudiado pelo público, os revoltosos
já amenizam o discurso, pois uma batalha judicial tem tudo pra reservar a
derrota ao bloco, além do inevitável desgaste com as próprias torcidas,
que podem emparedar seus dirigentes e indagar por que dificultam uma
concorrência que tende a propiciar um enorme aumento das receitas de TV.
"Eu quero sair dos meus 13 milhões por ano para 40. Acho que os outros
não são idiotas e também querem", disparou Kalil.
Não seria a primeira vez que os clubes nacionais perderiam o "trem da
história", mas agora, quando todo o mundo burguês exalta a exuberância
da economia brasileira e o país se aproxima dos
mega(bilionários)eventos, uma nova capitulação a déspotas tão conhecidos
e desgastados não será facilmente engolida. Dessa vez, parece que a
Globo, adotada e turbinada por uma ditadura, terá de enfrentar as
autênticas regras de uma democracia capitalista.
Gabriel Brito é jornalista.
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Reforma Política: dando nome aos bodes
Hitler falava em nome dos cristãos?
Hitler é o da direita
Estou cansado de ler textos analíticos de esquerda e de direita sobre o Oriente Médio.
E todos acabam se perdendo em elucubrações sobre o islamismo.
Como se o islamismo fosse um bicho papão.
Isso na verdade é o preço que se paga ao se ilustrar pela mídia corporativa que não vende informações, mas adjetivos.
O islamismo, como toda religião, tem seus altos e baixos.
O perigo é a generalização.
Associar o radicalismo ao islamismo é o mesmo que associar o cristianismo ao nazismo e o sionismo ao judaísmo.
Nem todo cristão é nazista e nem todo judeu é sionista.
Ambas as religiões tem seu lado bom e seu lado ruim.
O que está acontecendo no Oriente Médio não tem nada a ver com religião.
Tem a ver com a miséria, exclusão, fome e opressão.
No
Oriente Médio ha nações ocupadas fisicamente – Iraque, Palestina,
Líbano, Síria, o que as transforma em nações colonizadas em pleno século
21.
E há
nações ocupadas monetariamente por corporações que mantêm no poder
títeres cuja única preocupação é assaltar seus países e manter suas
populações sob o jugo dos carrascos.
O que
ocorre agora na região não tem nada a ver com religião, mas com
revoluções que num primeiro momento prescindem das armas, mas todos
sabemos o que pode acontecer num segundo momento.
Sempre se fala que a vontade do povo é soberana, que a voz do povo é a voz de Deus, mas ai do povo que acreditar nisso.
Acaba pagando um preço muito alto.
No entanto e independente disso, a roda da História sempre caminha para frente.
Pode até haver alguns recuos para que o sistema tenha alguma sobrevida, mas que ela anda para a frente, ela anda.
E se o povo do Oriente Médio entender que o islamismo pode sim ajudar na realização de bons governos, que assim seja.
Pelo
menos o islamismo não produziu a inquisição, nem as duas guerras
mundiais e nem jogou bombas atômicas sobre Nagazaki e Hiroshima.
Então que tal deixarmos o islamismo em paz e nos atermos ao que de fato interessa?
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