As implicações geopolíticas e econômicas
de uma intervenção militar do bloco EUA-OTAN contra a Líbia são de grande
alcance.
A Líbia
está entre as maiores economias petrolíferas do mundo, com aproximadamente
3,5% das reservas globais de petróleo, mais que o dobro das dos EUA.
A
"Operação Líbia" faz parte de uma agenda militar mais vasta no
Oriente Médio e na Ásia Central, a qual consiste em ganhar controle e
propriedade corporativa sobre mais de 60% da reservas mundiais de petróleo e
gás natural, incluindo as rotas de oleodutos e gasodutos.
"Países
muçulmanos, incluindo a Arábia Saudita, Iraque, Irão, Kuwait, Emirados Árabes
Unidos, Qatar, Iêmen, Líbia, Egito, Nigéria, Argélia, Cazaquistão,
Azerbaijão, Malásia, Indonésia, Brunei, possuem de 66,2 a 75,9 por cento do
total das reservas de petróleo, conforme a fonte e a metodologia da
estimativa" (ver Michel Chossudovsky, The "Demonization" of
Muslims and the Battle for Oil, Global Research, 04/01/2007).
Com
46,5 bilhões de barris de reservas provadas (10 vezes as do Egito), a Líbia é
a maior economia petrolífera do continente africano, seguida por Nigéria e
Argélia (Oil and Gas Journal). Em contraste, as reservas provadas dos EUA são
da ordem dos 20,6 bilhões de barris (dezembro de 2008), segundo a Energy
Information Administration - U.S. Crude Oil, Natural Gas, and Natural Gas
Liquids Reserves.
Nota
As
estimativas mais recentes situam as reservas de petróleo da Líbia nos 60
bilhões de barris. As suas reservas de gás em 1.5 trilhão de metros cúbicos.
A sua produção tem estado entre 1,3 e 1,7 milhão de barris/dia e a produção
de gás de 2,6 bilhões de pés cúbicos por dia, segundo números da National Oil
Corporation (NOC).
A BP
Statistical Energy Survey de 2008 (em alternativa) colocava as reservas
provadas da Líbia nos 41.464 bilhões de barris no fim de 2007, os quais
representam 3,34% das reservas provadas do mundo (Mbendi Oil and Gas in
Libya - Overview).
O
petróleo é o "troféu" das guerras conduzidas pelos EUA-OTAN
Uma
invasão da Líbia sob um pretexto humanitário serviria os mesmos interesses
corporativos da invasão de 2003 e subsequente ocupação do Iraque. O objetivo
subjacente é tomar posse das reservas de petróleo da Líbia, desestabilizar a
National Oil Corporation (NOC) e finalmente privatizar a indústria
petrolífera do país, nomeadamente transferir o controle e propriedade da
riqueza petrolífera Líbia para mãos estrangeiras.
A
National Oil Corporation (NOC) está classificada entre as 25 maiores
companhias de petróleo do mundo (The Energy Intelligence ranks NOC
25 among the world's Top 100 companies – www.Libyaonline.com).
A
planejada invasão da Líbia, a qual já está em curso, é parte da "Batalha
pelo petróleo" mais vasta. Aproximadamente 80% das reservas de petróleo
da Líbia estão localizadas na bacia do Golfo de Sirte da Líbia Oriental (ver
mapa abaixo).
A Líbia
é uma economia valiosa. "A guerra é bom para os negócios". O
petróleo é o troféu das guerras efetuadas pelos EUA-OTAN.
A Wall
Street, os gigantes anglo-americanos do petróleo e os produtores de armas dos
EUA e União Européia seriam os beneficiários tácitos de uma campanha militar
dos EUA-OTAN contra a Líbia, pois seu petróleo é uma mina de ouro para eles.
Embora
o valor de mercado do petróleo bruto esteja atualmente pouco acima dos 100
dólares por barril, o custo do petróleo líbio é extremamente baixo, tão baixo
como US$1,00 por barril (segundo estimativas). Como comentou um perito do
mercado algo criticamente: "A US$110 no mercado mundial, a simples
matemática da a Líbia uma margem de lucro de US$109" ( Libya Oil , Libya Oil One
Country's $109 Profit on $110 Oil, EnergyandCapital.com March 12, 2008).
Interesses
petrolíferos estrangeiros na Líbia
Dentre
as companhias petrolíferas estrangeiras que operavam antes da insurreição na
Líbia incluem-se a Total da França, a ENI da Itália, a China National
Petroleum Corp (CNPC), British Petroleum, o consórcio espanhol REPSOL,
ExxonMobil, Chevron, Occidental Petroleum, Hess, Conoco Phillips.
Muito
significativamente, a China desempenha um papel central na indústria
petrolífera líbia. A China National Petroleum Corp (CNPC) tinha, até o seu
repatriamento, uma força de trabalho de 30 mil chineses na Líbia. A British
Petroleum (BP), em contraste, tinha uma força de trabalho de 40, a qual foi
repatriada.
Onze
por cento (11%) das exportações de petróleo líbias são canalizadas para a
China. Se bem que não haja números sobre a dimensão e importância da produção
e atividades de exploração da CNPC, há indicações que são apreciáveis.
Mais
geralmente, a presença da China na África do Norte é considerada por
Washington como uma intrusão. De um ponto de vista geopolítico, a China é uma
intrusa. A campanha militar dirigida contra a Líbia pretende excluir a China
da África do Norte.
O papel
da Itália também tem importância. A ENI, o consórcio italiano, extrai 244 mil
barris de gás e petróleo por dia, os quais representam quase 25% do total das
exportações da Líbia (Sky News: Foreign oil firms halt
Libyan operation , 23/02/2011).
Dentre
as companhias estadunidenses na Líbia, a Chevron e a Occidental Petroleum
(Oxy) decidiram há cerca de seis meses (outubro de 2010) não renovar as suas
licenças de exploração de petróleo e gás na Líbia (Why are Chevron and Oxy leaving Libya?: Voice of Russia ,
06/10/2010). Em contraste, em novembro de 2010 a companhia
alemã R.W. DIA E assinou um acordo de grande alcance com a NOC da Líbia, que
envolve a exploração e partilha de produção (AfricaNews - Libya: German
oil firm signs prospecting deal - The AfricaNews).
As
apostas financeiras bem como "os despojos de guerra" são
extremamente elevados. A operação militar pretende desmantelar instituições
financeiras da Líbia e também confiscar bilhões de dólares de ativos
financeiros líbios depositados em bancos ocidentais.
Deve
ser enfatizado que as capacidades militares da Líbia, incluindo o seu sistema
de defesa aérea, são fracas.
Redesenhar
o mapa da África
A Líbia
tem as maiores reservas de petróleo da África. O objetivo da interferência
dos EUA-OTAN é estratégico: consiste no roubo sem rodeios, em roubar a
riqueza petrolífera do país sob o disfarce de uma intervenção humanitária.
Esta
operação militar pretende estabelecer a hegemonia dos EUA na África do Norte,
uma região historicamente dominada pela França e em menor extensão pela
Itália e Espanha.
Em
relação à Tunísia, Marrocos e Argélia, o desígnio de Washington é enfraquecer
os laços políticos destes países com a França e pressionar pela instalação de
novos regimes políticos que tenham um estreito relacionamento com os EUA.
Este enfraquecimento da França, como aspecto do desígnio imperial dos EUA,
faz parte de um processo histórico que remonta às guerras na Indochina.
A
intervenção dos EUA-OTAN que conduza à futura formação de um regime fantoche
dos EUA pretende também excluir a China da região e por para fora a chinesa
National Petroleum Corp (CNPC). Os gigantes anglo-americanos, incluindo a
British Petroleum que em 2007 assinou um contrato de exploração com o governo
Kadafi, estão entre os potenciais "beneficiários" da proposta operação
militar EUA-OTAN.
Mais na
generalidade, o que está em causa é o redesenho do mapa da África, um
processo de redivisão neocolonial, o descarte das demarcações da Conferência
de Berlim de 1884, a conquista da África pelos Estados Unidos em aliança com
a Grã-Bretanha, numa operação conduzida pelos EUA-OTAN.
Líbia:
Portão saariano estratégico para a África Central
A Líbia
tem fronteiras com vários países que estão na esfera de influência da França,
incluindo a Argélia, Tunísia, Níger e Chade.
O Chade
é potencialmente uma economia rica em petróleo. A ExxonMobil e a Chevron têm
interesses no Chade do Sul, incluindo um projeto de oleoduto. O Chade do Sul
é um portão de entrada para a região do Darfur, no Sudão, a qual também é
estratégica em vista da sua riqueza petrolífera.
A China
tem interesses petrolíferos tanto no Chade como no Sudão. A China National
Petroleum Corp (CNPC) assinou em 2007 um acordo de grande alcance com o
governo do Chade.
O Níger
é estratégico para os Estados Unidos devido às suas vastas reservas de
urânio. No presente, a França domina a indústria de urânio no Níger através
do conglomerado nuclear francês Areva, anteriormente conhecido como Cogema. A
China também tem interesse na indústria de urânio do Níger.
Mais
geralmente, a fronteira sul da Líbia é estratégica para os Estados Unidos na
busca pela extensão da sua esfera de influência na África francófona, um
vasto território que se estende desde a África do Norte até a África Central
e Ocidental. Historicamente, esta região fazia parte dos impérios coloniais
da França e da Bélgica, cujas fronteiras foram estabelecidas na Conferência
de Berlim de 1884.
Os EUA
desempenharam um papel passivo na Conferência de Berlim de 1884. Esta nova
redivisão no século XXI do continente africano, baseada no controle sobre o
petróleo, gás natural e minerais estratégicos (cobalto, urânio, cromo,
manganês e platina) apoia amplamente os interesses corporativos
anglo-americanos.
A
interferência dos EUA na África do Norte redefine a geopolítica de toda uma
região. Mina a China e ensombra a influência da União Europeia.
Esta
nova redivisão da África não enfraquece apenas o papel das antigas potências
coloniais (incluindo a França e a Itália) na África do Norte. Ela também faz
parte de um processo mais vasto de deslocamento e enfraquecimento da França
(e da Bélgica) sobre uma grande parte do continente africano.
Regimes
fantoches dos EUA foram instalados em vários países africanos que
historicamente estavam na esfera de influência da França (e Bélgica),
incluindo a República do Congo e o Ruanda. Vários países na África Ocidental
dentro da esfera da França (incluindo a Costa do Marfim) estão destinados a
tornarem-se estados proxy dos EUA.
A União
Europeia está fortemente dependente do fluxo de petróleo líbio. Oitenta e
cinco por cento do seu petróleo é vendido para países europeus. No caso de
uma guerra com a Líbia, a oferta de petróleo à Europa Ocidental poderia ser
interrompida, afetando grandemente a Itália, França e Alemanha, as quais
estão fortemente dependentes do petróleo líbio. As implicações destas
interrupções são de extremo alcance. Elas também têm relação direta sobre o
relacionamento entre os EUA e a União Europeia.
Observações
conclusivas
A mídia
de referência, através da desinformação maciça, é cúmplice na justificação de
uma agenda militar, que se executada teria conseqüências devastadoras não
apenas para o povo líbio: os impactos sociais e econômicos seriam sentidos em
escala mundial.
Há
atualmente três diferentes teatros de guerra na região do Oriente Médio e
Ásia Central: Palestina, Afeganistão, Iraque. No caso de um ataque à Líbia, o
quarto teatro de guerra seria aberto na África do Norte, com o risco de
escalada militar.
A
opinião pública deve tomar conhecimento da agenda oculta por trás deste
empreendimento alegadamente humanitário, apregoado por chefes de Estado e
chefes de governos de países da OTAN como uma "Guerra Justa". A
teoria da Guerra Justa, tanto nas suas versões clássica como contemporânea,
defende a guerra como uma "operação humanitária". Ela apela à
intervenção militar sobre bases éticas e morais contra "Estados
vilões" e "terroristas islâmicos". A teoria da Guerra Justa
demoniza o regime Kadafi na sua fase de preparação.
Os
chefes de Estado e de governo dos países da OTAN são arquitetos da guerra e
destruição no Iraque e no Afeganistão. Numa lógica absolutamente enviesada,
eles são apregoados como as vozes da razão, como os representantes da
"comunidade internacional".
As
realidades são invertidas. Uma intervenção humanitária é lançada por
criminosos de guerra em altos cargos, os quais são os guardiões da teoria da
Guerra Justa.
Abu
Ghraib, Guantánamo, baixas civis no Paquistão resultantes de ataques dos EUA
com aviões sem piloto a cidades e aldeias, ordenados pelo presidente Obama,
não estão nas primeiras páginas dos noticiários nem tampouco as duas milhões
de mortes civis no Iraque. Não existe isso de "Guerra Justa".
A
história do imperialismo dos EUA deveria ser entendida. O Relatório 200 do Project
of the New American Century (PNAC) intitulado "Rebuilding Americas'
Defenses" apela à implementação de uma longa guerra, uma
guerra de conquista. Um dos principais componentes desta agenda militar é: "Combater
e vencer decisivamente em múltiplos teatros de guerra simultâneos".
A
operação Líbia faz parte desse processo. É um outro cenário na lógica do
Pentágono de "teatros de guerra simultâneos".
O
documento PNAC reflete fielmente a evolução da doutrina militar dos EUA desde
2001. Os planos dos EUA para se envolver simultaneamente em vários teatros de
guerra em diferentes regiões do mundo.
Embora
a proteção da América, nomeadamente a "Segurança Nacional" dos EUA,
seja mantida como objetivo, o relatório do PNAC explica claramente porque
estes teatros de guerra múltiplos são requeridos. A justificativa humanitária
não é mencionada.
Qual é
o objetivo do roteiro militar da América?
A Líbia
é alvejada porque é um dentre os vários países que permanecem fora da esfera
de influência da América, por não se acomodar às exigências dos EUA. A Líbia
é um país que foi selecionado como parte de um "roteiro" militar
que consiste de "múltiplos teatros de guerra simultâneos". Nas
palavras do antigo comandante-chefe da OTAN, general Wesley Clark:
"No
Pentágono em novembro de 2001, um dos oficiais superiores do staff teve tempo
para uma conversa. ‘Sim, ainda estamos a caminho de ir contra o Iraque’,
disse ele. Mas havia mais. Isso estava sendo discutido como parte de um plano
de campanha de cinco anos, disse ele, e havia um total de sete países,
começando com o Iraque e seguindo por Síria, Líbano, Líbia, Irã, Somália e
Sudão (Wesley Clark, Winning Modern Wars, p. 130).
Parte III: "War is
Good for Business": The Libya Insurrection has Triggered a Surge in Oil
Prices. Speculators
Applaud... (a publicar)
O
original encontra-se em http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=23605
Este
artigo foi retirado de http://resistir.info/.
Michel
Chossudowsky é membro do Centro de Pesquisas sobre a Globalização e autor de
‘A globalização da pobreza’.
|
Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
segunda-feira, 21 de março de 2011
A "operação Líbia" e a batalha pelo petróleo: redesenhar o mapa da África
Brasil, Líbia e a parafernália midiota
Leonardo Severo: via blog do Miro
Em visita ao Brasil, o presidente Barack Obama – o que ia enquadrar os bancos, fechar Guatánamo e retirar as tropas do Iraque e do Afeganistão – anuncia covarde e solenemente a continuidade da política de terrorismo de Estado dos EUA e manda atacar a Líbia.
Claro, como se apressou a esclarecer o mentirapresentador Wiliam Waack e a Rede Globo de Televisão, tudo sem qualquer risco para os seres humanos. Para os verdadeiros, obviamente, não para aquela gente que vive no deserto cheio de petróleo.O ataque seria “higiênico”, feito por mísseis “inteligentes” e vôos não tripulados contra alvos estritamente militares, tudo bem calculado. Assim, comemoram as agências desinformativas internacionais, em meio a imagens holliwoodianas dos tomahawk – nome dado às machadinhas pelas tribos indígenas Algonquin e Iroquois que habitavam o leste da América do Norte até serem dizimadas a mando dos governos dos cowboys.
Lançados de “moderníssimos” porta-aviões, os novos tomahawk são remetidos em missão humanitária pelos que se crêem xerifes do mundo. Um sucesso tão grande que já ultrapassa 100% de êxito, conforme as agências que já tinham as fotos prontas antes de acertarem os alvos. Aliás, há sempre um fotógrafo das agências dos países agressores (EUA, França e Inglaterra), para mostrar um tanque de soldados leais a Kadafi em chamas. Uma cobertura impressionante, pois é certamente tão perfeita quanto isenta.
Como no Iraque? Quantos ainda lembram do menino sem braços – e sem família – considerado um pequeno “efeito colateral” dos bombardeios “cirúrgicos” sob Bagdá recebendo ajuda desinteressada nos EUA? No órfão de pais e país, foram colocadas próteses ultra modernas, membros de última geração, o primor da tecnologia, ao dispor para ajudar os necessitados.
É desta mesma forma que o “regime do coronel Kadafi” está sendo castigado em Trípoli, dizem, Nem uma palavra – ou imagem - sobre os bairros residenciais atingidos ou das centenas de civis vitimados na ação que teoricamente serviria para libertá-los. Que importa? Foi detido o avanço das tropas “bárbaras”, “sanguinárias” e “mercenárias” que estavam a ponto de chegar a Bengazi.
A auto-proclamada capital dos “rebeldes”, a soldo dos que buscam secionar o país para o “ocidente” tomar de assalto suas imensas riquezas, foi finalmente colocada não muito sã, mas a salvo. Custe o que custar, é preciso parasitar esta incalculável energia para livrar o mundo da crise que abala os EUA e que se alastra impiedosa pela Europa, alavancando o desemprego, rebaixando salários e desaparecendo com direitos.
Os países da auto-intitulada “coalizão”, na verdade os neo-nazistas, como apontou o líder líbio, “querem fazer o tempo voltar atrás e tomar o petróleo que pertence e deve estar sob controle do povo”. “Gostaria que eles lembrassem da aventura em que estão se envolvendo. Esqueceram de como foram atingidos na Argélia, no Vietnã e querem ouvir novamente o clamor da batalha? O deserto da Argélia até hoje abriga os milhares de cadáveres dos aventureiros”, sentenciou Kadafi.
Mas afinal, que equação nacionalista é essa do governo líbio - que assim como o governo boliviano do “índio” Evo Morales fez com o gás -, põe 90% dos recursos arrecadados com o ouro negro nas mãos e bocas do país, reservando “apenas” 10% para as transnacionais? É preciso dar uma lição aos que ousam cometer tamanha blasfêmia contra o “deus mercado” e ensinam matemáticas altivas - cientificamente problemáticas ao neoliberalismo -, que se desdobram no caso líbio no maior IDH da região, em saúde e educação públicas. Imaginem se a moda pega num Oriente tão justo e democrático, tão cheio de bases ianques e regimes títeres? A lição do Iraque com os seus mais de um milhão de mortos já não é o suficiente? Esses árabes...
Recordo de um encontro internacional de comunicadores em Caracas em que o jornalista e professor belga Michel Colon descrevia como se faz uma campanha de demonização. E citou os passos da agressão midiática contra o Iraque, esmiuçando os passos da manipulação. Lembro de duas cenas. A primeira, de um pássaro coberto de petróleo, bico, olhos, asas, patas, tudo. O animalzinho se debatendo, todo tingido daquela gosma preta, morrendo intoxicado, agonizante, sem forças nem para levantar o pescoço.
Em sincronia com o foco no olhar que se despedia da vida, a propaganda elevava os tristes acordes da música e os faziam alcançar o fúnebre. Então, Michel parou a exibição do vídeo. Ele já havia sido passado à exaustão na Europa e sei mais lá onde como peça publicitária pró-invasão. Pediu a todos que colocassem os neurônios para funcionar e para que fosse feita uma análise, individual e coletiva, mais pormenorizada sobre a “informação” recebida. A verdade é que nunca houve tal ave na região do Golfo. A imagem havia sido captada após mais um destes desastres ambientais provocados por companhias petrolíferas dos EUA. No Alaska.
Logo depois, um vídeo que causou um impacto ainda maior. Uma jovem enfermeira descrevia a uma platéia de centenas de pessoas, como as tropas de Saddam Hussein agiram quando entraram no Kuwait. “Invadiram as incubadoras e jogaram os bebês no chão”, dizia, relatando entre soluços, que recordava do som seco das botas iraquianas pisoteando os bebês recém-nascidos, uma selvageria indescritível.
Da mesma forma, imagem e música confluíam para inebriar a atmosfera, capturando o plenário mergulhado em sangue e transe, inundando de lágrimas a assistência e evocando a Humanidade a reagir contra tamanha perversidade. Pausa. Michel Colon chama à razão, lembra que foi descoberta a farsa. A jovem não era enfermeira, nem mocinha. Era a filha do embaixador do Kuwait, de um governo bastante conhecido pela forma com que tratava “humanitariamente” a sua oposição.
Seriam tais “depoimentos” pró-invasão e zonas de exclusão aérea, escandalosamente repetidos à exaustão, uma mera projeção dos seus próprios crimes, cometidos pelas tropas ianques e seus cúmplices por todos os continentes, no Vietnã, em Abu Ghraib ou na Palestina ocupada? Afinal, o nascimento do estado fantoche dos EUA no Oriente Médio não se deu mergulhado em sangue árabe? Como a data está próxima, vamos nos ater a 9 de abril de 1948, em Deir Yassin, vila palestina próxima à Jerusalém.
Ali, as tropas de Israel estupraram de crianças a idosas, e abriram o ventre das mulheres grávidas com facas de açougueiro. Os requintes macabros são “do mais cruel barbarismo”. Estes sim, fartamente comprovados e documentados pela Cruz Vermelha Internacional. Diante dos duzentos e cinqüenta e quatro homens, mulheres e crianças massacrados em Deir Yassin, o Grande Rabino de Jerusalém amaldiçoou a todos os judeus sionistas que tinham tomado parte na carnificina.
Encarando a convocação de Bush Júnior e enfrentando a intensa campanha dos meios de comunicação pela agressão ao Iraque, “para proteger a segurança mundial das armas de destruição em massa”, o presidente Lula afirmou: “Nossa guerra é contra a fome”. Demarcando campo com a covardia, o oportunismo e a pusilanimidade, Lula lembrou que, caso algum ministro seu ousasse repetir os vergonhosos tempos de FHC e do amestrado Celso Lafer - que só entrou nos EUA após retirar os sapatos –, imediatamente deixaria o posto. Afinal, não serviria mais aos interesses do Brasil e do povo brasileiro. O vídeo pode ser facilmente acessado pelo youtube, mostra o sorriso de Celso Amorim, o aplauso da plateia, e lava a alma...
Nesta visita de Obama, segundo constam nos jornais – passadas 24 horas ainda sem desmentido por parte dos envolvidos-, não foram um, mas quatro ministros submetidos ao vexame, incluindo Guido Mantega, naturalmente. O fato é que as nossas autoridades deixaram ser revistadas pela segurança de Obama quando chegavam para participar da Cúpula Empresarial Brasil-Estados Unidos. Isso dentro do nosso próprio país. Sem aparelhos de tradução – aí também já é demais, devem ter pensado – deixaram o local, duplamente humilhados.
Será este o tipo e o nível de “interlocução” que deve buscar um governo de uma nação soberana, que tanto havia avançado no último período em termos de integração latino-americana, com os países africanos e com os próprios árabes? Mais cedo ou mais tarde a verdade aflora, bem como os desdobramentos das equivocadas opções adotadas, como o corte de recursos do Orçamento, a alta dos juros e a suspensão de concursos públicos.
A parafernália midiota, que sempre pressiona por recuos no campo da soberania e da auto-estima e dá sustentação a todo e qualquer retrocesso, tem sua pauta externa umbilicalmente ligada aos interesses dos Estados Unidos, das indústrias bélica e petrolífera. Isso torna mais do que necessária, inadiável, a democratização da comunicação.
A construção de instrumentos contra-hegemônicos, como a Telesul, ao dar voz e imagem ao considerado “outro lado’, isto é, o da grande maioria dos países e povos, começa a fazer água no barco da ideologia neocolonial da submissão e da mediocridade.
Diante da ingenuidade com que muitos ainda encaram a complexidade da batalha em curso, vale lembrar Lênin, numa obra já mais do que centenária, “Imperialismo, fase superior do capitalismo”: “Os capitalistas não partilham o mundo levados por uma particular perversidade, mas porque o grau de concentração a que se chegou os obriga a seguir esse caminho para obterem lucros: e repartem-no segundo o capital, segundo a força...”
* Leonardo Serero é jornalista da Hora do Povo e membro do Conselho Consultivo do Centro de Estudos de Mídia Barão de Itararé.
O que realmente está em pauta
Parte da esquerda se opõe ao governo Lula e, agora, ao governo
Dilma, por achar que eles deveriam realizar o crescimento sem contar com
o capitalismo
Que
a direita se movimente, seja através de elogios na imprensa, seja
através de movimentos partidários visando conquistar a hegemonia do
governo por dentro, é natural e previsível. Mas que setores da esquerda
façam leituras atravessadas das discussões sobre os rumos do país, tirem
conclusões apressadas sobre uma possível guinada conservadora do
governo Dilma e continuem apostando na divisão interna do PT é mais uma
vez lamentável.
Em primeiro lugar, não passa de ilusão de classe
supor que parte considerável da burguesia combateu o governo Lula apenas
por seu arraigado preconceito de classe, e não por causa do modelo
econômico. Só os politicamente cegos não tomaram conhecimento das
batalhas permanentes para realizar uma redistribuição de renda que
contemplasse os miseráveis e os pobres. E para que fossem recolocados na
pauta do país o planejamento e o crescimento econômico.
Parte da
esquerda se opõe ao governo Lula e, agora, ao governo Dilma, por achar
que eles deveriam realizar o crescimento sem contar com o capitalismo.
Em outras palavras, que deveriam liquidar o capitalismo. Só não dizem
como e com que forças. Talvez pensem que isso possa ser feito por
decreto, num país em que sequer se fez uma revolução que transformasse
todo o Estado numa máquina a serviço dos trabalhadores e do povo. A
pauta para isso é um pouco mais complexa.
Mas essa parte da
esquerda, além disso, supõe que o governo pode comandar a política a seu
bel prazer, e que a política pode comandar a economia do mesmo modo.
Realiza a operação teórica de retirar do cenário econômico e social as
forças reais que atuam ideológica e politicamente sobre ele, e conclui
que tudo é uma questão de coragem e decisão política. Para ela, um
governo de esquerda, mesmo que eleito sob as regras impostas pela
burguesia, tudo poderia. Bastaria o compromisso de servir ao povo e a
correspondente decisão política. Para que perder tempo com correlação de
forças e com supostas leis econômicas naturais?
O problema é que
neste caso, assim como no da superação do capitalismo, a correlação de
forças, assim como as leis econômicas naturais, existem, ambas evoluindo
em intrincadas relações de causa e efeito. Numa situação econômica
internacional muito favorável, o governo Lula conseguiu superar os
entraves da política monetária de juros altos e câmbio flutuante,
impostos pelo sistema financeiro, ao dar alguns passos fundamentais para
mudar a correlação de forças políticas e a própria política econômica.
Colocou em pauta um forte programa de redistribuição de renda, um rol
de ações de recuperação da capacidade de planejamento e de elaboração de
projetos, e um programa de aceleração do crescimento econômico.
Nenhum
desses passos foi dado de um dia para o outro, nem poderia. A máquina
estatal brasileira havia sido desorganizada pelos governos neoliberais,
os órgãos de planejamento e de projetos estavam sucateados, assim como
boa parte da indústria brasileira, e mantinham-se abertos os ralos pelos
quais fluía boa parte dos recursos públicos para mãos privadas. Para
complicar, parcelas do PT acharam que poderiam utilizar-se impunemente
dos mesmos métodos de privatização dos recursos públicos, praticados
pela burguesia, gerando a crise de 2005.
De qualquer modo, apesar
dos companheiros que abandonaram o governo Lula e o PT, por acharem que
eles afundariam por haver sucumbido ao conservadorismo e à corrupção,
tais dificuldades foram superadas em grande parte. A reeleição de Lula
foi uma demonstração de que a maior parte da população já se dera conta
de que havia uma diferença real entre seu governo e os governos
neoliberais anteriores.
Há certo consenso de que o segundo
mandato Lula foi substancialmente diferente do primeiro. Mas isso
ocorreu, em parte, porque no primeiro mandato haviam sido superados
alguns dos gargalos que impediam uma aplicação consistente das políticas
de redistribuição de renda e crescimento econômico. E, também em parte,
porque as condições internacionais continuavam favoráveis para a
implementação daquelas políticas, apesar do monetarismo neoliberal. O
resultado foi um aumento considerável do poder de compra das camadas
populares, embora haja um certo exagero na suposição de emergência de
uma nova classe média.
De qualquer modo, essa elevação do poder
de compra no mercado interno criaria um inevitável crescimento da
demanda de uma série considerável de produtos e serviços, em especial
alimentos, outros bens de consumo corrente, transportes etc. As leis
naturais da economia se apresentariam de um modo ou de outro, trazendo à
tona os desequilíbrios entre oferta e demanda, pressionando a inflação,
exigindo ajustes e impondo-se à política.
Para piorar, essa
situação se intensificou num contexto internacional diferente. A crise
internacional do capitalismo se mantém e mudaram as condições que antes,
apesar do monetarismo neoliberal encastelado no Banco Central,
favoreciam as políticas sociais e de desenvolvimento no Brasil. Num
contexto como esse, seria ilusão supor que o sistema financeiro ficaria
impassível diante da oportunidade de retomar a política de juros altos,
como única maneira de combate à inflação. Em especial, porque as medidas
para elevar a produção de alimentos e de outros bens e serviços de alta
demanda não dão resultados em curto prazo.
Temos, assim, a
economia se impondo à política numa situação de forte disputa entre o
neoliberalismo ainda não enterrado e o compromisso de longo prazo com um
desenvolvimento associado à redistribuição de renda e à erradicação da
miséria. Tornou-se inevitável dar vários nós de aperto, como me referi
em comentários anteriores. O que não era inevitável, nem necessário, era
permitir a elevação da taxa de juros, em especial porque a inflação não
está disseminada por todos os setores da economia.
No entanto,
essa também não é uma decisão que o governo Dilma possa adotar de chofre
e a seu bel prazer. Tal decisão demanda um debate na sociedade e entre
as forças políticas, criando uma correlação de forças favorável para
impor ao Banco Central e ao sistema financeiro uma política que
corresponda à nova realidade do país. O papel da esquerda e de todo o PT
é o de intensificar tal debate e acumular as forças sociais e políticas
necessárias para apoiar o governo Dilma no rumo dessa decisão, do mesmo
modo que fez durante o governo Lula. Ilações ou interpretações
diferentes a respeito de meus textos, nada tem de programático, nem
pragmático. De qualquer modo, se a parte da esquerda que ainda acredita
que os governos Lula e Dilma são de pragmatismo assistencialista,
despolitizadores, desmobilizadores e submissos ao sistema financeiro
privado, pretende participar de um debate sem preconceitos sobre as
conquistas do povo brasileiro durante os oito anos de governo Lula e
sobre os desafios que estão realmente em pauta para o governo Dilma,
assim como sobre os rumos possíveis para o socialismo no Brasil,
acredito que eles sejam bem-vindos. De minha parte, mesmo não passando
de um simples comentarista, lhes darei toda a atenção que militantes
históricos merecem.
domingo, 20 de março de 2011
21 de março será comemorado com ações de rechaço à discriminação racial
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Os palestinos compreendem Gadafi melhor do que nós
Bernstam deveria encontrar-se com Gadafi. Têm muito em comum. Um desprezo absoluto pelos palestinos. Abuso total de pessoas que perderam seu futuro e suas vidas. Abuso total de todos os que não sejam de sua própria tribo.
Por Robert Fisk
Beirute. Tempestade. Chuva espessa. O mar varre o pequeno porto próximo à minha casa.
Uma reunião com um amigo próximo de um filho de Gaddafi. “Ele quer uma batalha, habibi, quer uma batalha! Quer ser o grande herói guerrilheiro, o grande homem que luta contra os estadunidenses. Quer ser o herói líbio que dá conta dos colonialistas. Cameron, Obama, ele cuidará deles por vocês. E o povo dará a ele o título de herói. Eles farão o que ele quer”.
Há bastante fumaça de cigarro na sala. Demasiada. Isto ocorre no acampamento de refugiados de Mar Elias. Um homem que escapou do massacre de Sabra e Chatila em 1982, de cabelos brancos, da minha idade, sacode a cabeça pela difícil situação de seu povo na Líbia. “Sabia, Robert, que há 30.000 palestinos?”. Gaddafi os recebeu há mais de 10 anos. A maioria é de Gaza. Regressavam a Gaza, os egípcios não lhes permitiam passar e os israelenses não lhes permitiam regressar às suas casas, e não puderam voltar e agora estão na líbia e “esperam o melhor desta pessoa!”.
Pobres velhos palestinos. Eu deveria ter adivinhado que algo acontecia em Jerusalém no ano passado quando um jornalista israelense me perguntou sobre o Órgão de Socorro e Obras Públicas da ONU (UNRWA), a agência que esteve cuidando dos refugiados palestinos há mais de 60 anos. “Estou seguro”, me disse, “de que têm alguma relação com o terrorismo, de que desempenham um papel importante na manutenção do terrorismo. Que é que eles realmente estão fazendo no Líbano?”. Neste momento pensei que tudo estava um pouco estranho. Se alguma instituição da ONU faz seu trabalho bem, esta é a UNRWA, ocupando-se com a organização, comida, educação, saúde e outras necessidades de milhões de palestinos que perderam – ou cujos pais ou avós perderam – suas casas em 1948 e 1949 no que hoje é Israel.
Uma visita aos imundos acampamentos de Sabra e Chatila em Beirut, ou de Ein el-Helweh em Sidón, é suficiente para mostrar a qualquer pessoa que em meio a este pântano de miséria e desespero a UNRWA representa a simpatia do mundo, de financiamento insuficiente, com poucos funcionários, muito pobre. No entanto, agora a direita israelense e aqueles que a apóiam estão classificando todas as organizações como provedoras das trevas, como “deslegitimadores”, uma rede de apoio aos palestinos que é necessário destruir para que os mais pobres entre os pobres – incluída a mais miserável população de Gaza – não transformem em vícios seus serviços sociais. A UNRWA – me parece difícil acreditar que seja um dado real de um pesquisador de uma importante universidade dos EUA, mas assim é dito – “criou um caldo de cultivo para o terrorismo internacional”.
Suponho que deve-se rir e chorar ao mesmo tempo, mas isto vem de um cruel e bastante distorcido artigo que apareceu na revista estadunidense American Commentary há algumas semanas, escrito por um tal Michael Bernstam, membro da Instituição Hoover de Stanford. Eu o destaco não porque seja atípico, mas sim porque representa uma tendência crescente e muito cruel no pensamento da direita israelense, uma ilusão delirante que se supõe que vá nos convencer que o objetivo dos mais pobres entre os pobres palestinos é a destruição de seus acampamentos. Bernstam, em seu artigo, de fato afirma que “há 60 anos a UNRWA esteve pagando a quatro gerações para que permaneçam como refugiados, e para reproduzir mais refugiados e mais vidas nos acampamentos de refugiados”, onde está, “efetivamente, a garantia da continuidade de um ciclo palestino autônomo destrutivo de violência, de derramamento de sangue fratricida e uma guerra perpétua contra Israel”. Entendem o ponto? A ONU é agora fonte de todo o terror.
Houve um tempo em que este tipo de besteira podia ser ignorado, mas agora são parte de uma narrativa cada vez mais perigosa na qual a caridade se converte em mal, na qual a única instituição que fornece ajuda cerca de 95% dos quase 5 milhões de refugiados palestinos se converte em um objetivo a ser atacado. E posto que a UNRWA em Gaza pode se transformar em um objetivo durante o banho de sangue no final de 2008 até começo de 2009, isto é algo bastante aterrador.
Mas espere. Isto vai além. “O mandato da UNRWA criou... um estado permanente de bem-estar supranacional no qual, simplesmente entregando subsídios por desemprego, desapareceram do mercado internacional os incentivos ao trabalho e ao investimento... e se criou um caldo de cultivo para o terrorismo internacional. Esta condição de refugiado sem limite de tempo é a que põe o pão na mesa na casa sem pagar aluguel, além de um conjunto de serviços gratuitos”. “Isto permite que os palestinos sejam – tome nota destas palavras – refugiados permanentes de guerra... alimentados por um particular ‘direito de retorno’ que os refugiados exigem para poder regressar à terra que ocupavam antes da independência de Israel”.
Tome note da palavra “ocupavam”. Longe de serem os donos da terra, eles a “ocupavam”! Têm uma exigência de seu “particular direito de retorno”. E veja a parte seguinte: “A exigência do direito de retorno palestino é pretendida por uma diáspora étnica histórica dos descendentes dos refugiados permanentes para a remoção de outro povo, a nação-Estado de Israel. Este não é o direito de regressar a um país, é o direito de retorno a um país que se perdeu em uma guerra, uma reconquista, uma reivindicação do direito de recuperar este território”.
E assim segue e segue e segue... É necessário abolir a UNRWA, o que “significaria o fim do organismo mundial que é o apoio à continuidade da agonia dos palestinos... Israel é obviamente inadequado como país para o reassentamento, porque a integração é inviável... Ao invés de acabar com o beco sem saída criando o Estado de que os palestinos necessitam, finalizando reinado horrível de seis décadas da UNRWA, instantaneamente se criarão as condições para um processo de paz sincero, significativo e viável para o Oriente Médio”.
Aí está, Bernstam deveria encontrar-se com Gadafi. Têm muito em comum. Um desprezo absoluto pelos palestinos. Abuso total de pessoas que perderam seu futuro e suas vidas. Abuso total de todos os que não sejam de sua própria tribo. Não foi Gadafi quem inventou a palavra “Israeltina”?
Publicado por Rebelion. Tradução de Cainã Vidor. Foto por http://www.flickr.com/photos/freegaza/.
Uma reunião com um amigo próximo de um filho de Gaddafi. “Ele quer uma batalha, habibi, quer uma batalha! Quer ser o grande herói guerrilheiro, o grande homem que luta contra os estadunidenses. Quer ser o herói líbio que dá conta dos colonialistas. Cameron, Obama, ele cuidará deles por vocês. E o povo dará a ele o título de herói. Eles farão o que ele quer”.
Há bastante fumaça de cigarro na sala. Demasiada. Isto ocorre no acampamento de refugiados de Mar Elias. Um homem que escapou do massacre de Sabra e Chatila em 1982, de cabelos brancos, da minha idade, sacode a cabeça pela difícil situação de seu povo na Líbia. “Sabia, Robert, que há 30.000 palestinos?”. Gaddafi os recebeu há mais de 10 anos. A maioria é de Gaza. Regressavam a Gaza, os egípcios não lhes permitiam passar e os israelenses não lhes permitiam regressar às suas casas, e não puderam voltar e agora estão na líbia e “esperam o melhor desta pessoa!”.
Pobres velhos palestinos. Eu deveria ter adivinhado que algo acontecia em Jerusalém no ano passado quando um jornalista israelense me perguntou sobre o Órgão de Socorro e Obras Públicas da ONU (UNRWA), a agência que esteve cuidando dos refugiados palestinos há mais de 60 anos. “Estou seguro”, me disse, “de que têm alguma relação com o terrorismo, de que desempenham um papel importante na manutenção do terrorismo. Que é que eles realmente estão fazendo no Líbano?”. Neste momento pensei que tudo estava um pouco estranho. Se alguma instituição da ONU faz seu trabalho bem, esta é a UNRWA, ocupando-se com a organização, comida, educação, saúde e outras necessidades de milhões de palestinos que perderam – ou cujos pais ou avós perderam – suas casas em 1948 e 1949 no que hoje é Israel.
Uma visita aos imundos acampamentos de Sabra e Chatila em Beirut, ou de Ein el-Helweh em Sidón, é suficiente para mostrar a qualquer pessoa que em meio a este pântano de miséria e desespero a UNRWA representa a simpatia do mundo, de financiamento insuficiente, com poucos funcionários, muito pobre. No entanto, agora a direita israelense e aqueles que a apóiam estão classificando todas as organizações como provedoras das trevas, como “deslegitimadores”, uma rede de apoio aos palestinos que é necessário destruir para que os mais pobres entre os pobres – incluída a mais miserável população de Gaza – não transformem em vícios seus serviços sociais. A UNRWA – me parece difícil acreditar que seja um dado real de um pesquisador de uma importante universidade dos EUA, mas assim é dito – “criou um caldo de cultivo para o terrorismo internacional”.
Suponho que deve-se rir e chorar ao mesmo tempo, mas isto vem de um cruel e bastante distorcido artigo que apareceu na revista estadunidense American Commentary há algumas semanas, escrito por um tal Michael Bernstam, membro da Instituição Hoover de Stanford. Eu o destaco não porque seja atípico, mas sim porque representa uma tendência crescente e muito cruel no pensamento da direita israelense, uma ilusão delirante que se supõe que vá nos convencer que o objetivo dos mais pobres entre os pobres palestinos é a destruição de seus acampamentos. Bernstam, em seu artigo, de fato afirma que “há 60 anos a UNRWA esteve pagando a quatro gerações para que permaneçam como refugiados, e para reproduzir mais refugiados e mais vidas nos acampamentos de refugiados”, onde está, “efetivamente, a garantia da continuidade de um ciclo palestino autônomo destrutivo de violência, de derramamento de sangue fratricida e uma guerra perpétua contra Israel”. Entendem o ponto? A ONU é agora fonte de todo o terror.
Houve um tempo em que este tipo de besteira podia ser ignorado, mas agora são parte de uma narrativa cada vez mais perigosa na qual a caridade se converte em mal, na qual a única instituição que fornece ajuda cerca de 95% dos quase 5 milhões de refugiados palestinos se converte em um objetivo a ser atacado. E posto que a UNRWA em Gaza pode se transformar em um objetivo durante o banho de sangue no final de 2008 até começo de 2009, isto é algo bastante aterrador.
Mas espere. Isto vai além. “O mandato da UNRWA criou... um estado permanente de bem-estar supranacional no qual, simplesmente entregando subsídios por desemprego, desapareceram do mercado internacional os incentivos ao trabalho e ao investimento... e se criou um caldo de cultivo para o terrorismo internacional. Esta condição de refugiado sem limite de tempo é a que põe o pão na mesa na casa sem pagar aluguel, além de um conjunto de serviços gratuitos”. “Isto permite que os palestinos sejam – tome nota destas palavras – refugiados permanentes de guerra... alimentados por um particular ‘direito de retorno’ que os refugiados exigem para poder regressar à terra que ocupavam antes da independência de Israel”.
Tome note da palavra “ocupavam”. Longe de serem os donos da terra, eles a “ocupavam”! Têm uma exigência de seu “particular direito de retorno”. E veja a parte seguinte: “A exigência do direito de retorno palestino é pretendida por uma diáspora étnica histórica dos descendentes dos refugiados permanentes para a remoção de outro povo, a nação-Estado de Israel. Este não é o direito de regressar a um país, é o direito de retorno a um país que se perdeu em uma guerra, uma reconquista, uma reivindicação do direito de recuperar este território”.
E assim segue e segue e segue... É necessário abolir a UNRWA, o que “significaria o fim do organismo mundial que é o apoio à continuidade da agonia dos palestinos... Israel é obviamente inadequado como país para o reassentamento, porque a integração é inviável... Ao invés de acabar com o beco sem saída criando o Estado de que os palestinos necessitam, finalizando reinado horrível de seis décadas da UNRWA, instantaneamente se criarão as condições para um processo de paz sincero, significativo e viável para o Oriente Médio”.
Aí está, Bernstam deveria encontrar-se com Gadafi. Têm muito em comum. Um desprezo absoluto pelos palestinos. Abuso total de pessoas que perderam seu futuro e suas vidas. Abuso total de todos os que não sejam de sua própria tribo. Não foi Gadafi quem inventou a palavra “Israeltina”?
Publicado por Rebelion. Tradução de Cainã Vidor. Foto por http://www.flickr.com/photos/freegaza/.
Escolha de nova chefia do Ministério Público cria impasse para Tarso Genro
Igor Natusch no sul21
Uma decisão delicada deverá ser tomada, nos próximos dias, pelo
governador Tarso Genro. A questão envolve os nomes indicados para
chefiar o Ministério Público (MP) gaúcho. O cargo é nomeado pelo
governador a partir de uma lista tríplice, indicada pelo MP a partir de
votação de promotores e procuradores gaúchos. Dos três nomes, o mais
votado foi o da atual Procuradora-Geral da Justiça, Simone Mariano da
Rocha — um nome que conta com o apoio da atual cúpula do Ministério
Público, mas que recebe críticas de outros setores, que acreditam que o
perfil da procuradora não se adequaria ao governo Tarso. Ainda que a
indicação do mais votado seja tese defendida nacionalmente pelas
entidades ligadas ao MP, cabe ao governador a escolha final, sem
necessariamente privilegiar o mais votado.
Na eleição, Simone Mariano da Rocha fez 426 votos. Os outros dois
indicados, Eduardo de Lima Veiga e Paulo Fernando dos Santos Vidal,
somaram 305 e 79 votos, respectivamente. Porém, a própria
procuradora-geral não foi a mais votada em 2009, quando assumiu o posto
que ocupa atualmente. O mais votado, naquela ocasião, foi Mauro
Henrique Renner, que seria reeleito. A então governadora Yeda Crusius
optou por indicar Simone da Rocha, segunda mais votada, alegando que
seria uma forma de valorizar a participação feminina nos órgãos
públicos. Na ocasião, Mauro Renner fez 432 votos, enquanto Simone somou
260 – diferença superior à verificada no resultado da última segunda
(14).
A decisão, ainda que legal, provocou duras críticas na época. O
procedimento, porém, não era inédito, já que o então governador Olívio
Dutra (PT) indicou, em 1999, Cláudio Barros Silva para ocupar o cargo,
candidato que tinha sido o terceiro colocado na votação interna do MP. O
mais votado na época, Carlos Otaviano Brenner de Moraes, teve uma
votação ligeiramente superior aos outros dois indicados, o que de certo
modo neutralizou maiores contestações à decisão do governador.
Otaviano, que mais tarde atuou como secretário estadual da
Transparência e da Probidade Administrativa do governo Yeda, é visto
como um dos principais apoiadores de Simone Mariano da Rocha na busca
pela procuradoria-geral do Ministério Público. O procurador atuou como
presidente da Associação do Ministério Público do Rio Grande do Sul em
2004, tendo Simone Mariano da Rocha como vice.
Entre os outros apoiadores de Simone estão Ricardo de Oliveira
Silva, atual assessor parlamentar da procuradora-geral; Benhur Biancon
Jr, que atuou como assessor de Otaviano e é chefe de gabinete da chefe
do MP; e Luis Felipe de Aguiar Tesheiner, que atua no Núcleo de
Inteligência do MP. Os dois últimos são signatários da ação civil
pública contra o MST, em 2008, além de terem encaminhado Termo de
Ajustamento de Conduta (TAC) que buscava, na época, proibir as escolas
itinerantes do Movimento. Os dois promotores também atuaram diretamente
ao lado do então comandante geral da Brigada Militar, coronel Paulo
Mendes, em várias ações relacionadas ao MST. A presença de Biancon Jr. e
Tesheiner tinha como objetivo legitimar os procedimentos adotados em
revistas e cumprimento de mandados de busca.
Ao lado de Simone da Rocha estão também nomes como Afonso Armando
Konzen, que atuou como assessor de Fernando Schüler, secretário de
Justiça no governo Yeda, e Gilberto Thums, promotor que ganhou destaque
na mídia ao chamar o MST de “organização criminosa” e “braço de
guerrilha da Via Campesina”.
Nome provoca contrariedade em pessoas próximas a Tarso
Indicada por Yeda Crusius para comandar o MP gaúcho, a procuradora
tomou parte em ações que provocam grande contrariedade junto a
apoiadores de Tarso Genro. Há críticas, por exemplo, à atuação de
Simone quando a deputada estadual Stela Farias (PT) levou ao MP uma
representação contra Carlos Otaviano, por favorecimento e advocacia
administrativa à empresa Atento, supostamente credora do Estado. A
procuradora-geral não deu continuidade à denúncia, o que provocou
revolta entre os petistas.
Também durante a chefia de Simone Mariano da Rocha, a Promotoria
Especializada Criminal passou por grandes mudanças de estrutura – o
que, segundo os críticos, foi atitude tomada com o objetivo de
desarticular o órgão. As ações foram realizadas sob a influência do
delegado Alexandre Vieira, recentemente envolvido na investigação da
morte do secretário da Saúde de Porto Alegre, Eliseu Santos. O
Ministério Público afirma que Eliseu Santos foi executado, enquanto a
Polícia Civil, por meio de Alexandre Vieira, sustenta a tese de
latrocínio.
Um dos casos mais célebres envolvendo a gestão da procuradora remete
à queixa-crime movida pela então governadora contra a presidente do
CPERS, Rejane Silva de Oliveria, e a vice Neida Porfirio de Oliveira. A
queixa refere-se a protestos feitos na frente da casa de Yeda Crusius,
ocasião na qual a governadora alegou que seus netos foram colocados em
risco pelos manifestantes. A queixa foi arquivada pela 5ª Vara
Criminal, na qual o processo tramitava, com a conclusão de ausência de
crime, já que se trataria apenas de manifestação política. Simone da
Rocha fez uso de prerrogativas do Procurador-Geral para designar novo
promotor para o caso e reabrir o processo.
Outros processos nos quais a ação de Simone da Rocha foi alvo de
críticas referem-se às denúncias de desvio na publicidade do Banrisul e
a espionagem da Casa Militar. No caso do Banrisul, a investigação só
teria avançado a partir do momento que o promotor responsável pelo caso
recorreu à Polícia Federal. Simone também acolheu como assessor de
segurança institucional o capitão da PM Euclides Maria da Silva Neto,
que atuou como ajudante de ordens da governadora Yeda na Casa Militar. A
nomeação, publicada no Diário Eletrônico do MP, tornou-se válida a
contar de 01/01/2011.
Tarso: política do MP deve estar alinhada com governo estadual
Em entrevista coletiva concedida na quarta-feira (16), na Federasul,
o governador Tarso Genro deu sinais de que pode optar por não indicar a
atual chefe do MP, optando pelo segundo mais votado, Eduardo de Lima
Veiga. Tarso afirmou que a escolha será baseada em critérios de
alinhamento com os projetos e políticas de seu governo. “Todos os
indicados são pessoas respeitáveis, não há nenhum tipo de restrição
pessoal a elas”, disse o governador. “Mas a decisão será pautada por
uma visão de como a política do Ministério Público pode se alinhar com o
atual governo”.
Em princípio, a decisão sobre a nova chefia do MP poderia ser
anunciada ainda no decorrer desta semana. Porém, o atraso dá sinais da
indecisão dentro do governo sobre a melhor maneira de proceder. Na
próxima terça-feira (22), Simone e Tarso estarão em evento promovido
pelo Ministério Público, relacionado com Direitos Humanos. O seminário,
no qual Tarso Genro fará um pronunciamento, acaba sendo uma data
estratégica para a definição do nome. Se o governo optar pela indicação
da atual procuradora-geral, isso pode ocorrer antes ou mesmo durante o
evento. Caso a opção final seja por Eduardo de Lima Veiga, a tendência é
que o anúncio aconteça a partir da próxima quarta-feira (23).
sábado, 19 de março de 2011
Prostituição e tráfico de seres humanos
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O presidente negro pintou-se de branco e alisou o cabelo
Escrito por Mário Maestri no Correio da Cidadania | |
Não se assustem os leitores. Não se trata de Barack Obama, o 44°
presidente yankee, que visitará em breve o Brasil, sob o frisson geral
nascido de suas promessas eleitorais reformistas, que, no seu país, já
terminou há muito no ralo da decepção. Refiro-me ao infeliz Jim Roy, o
88º presidente estadunidense, eleito no distante ano de 2.228, que se
suicidou antes da posse como primeiro mandatário afro-estadunidense. E
razões não lhe faltavam para o ato desesperado.
Após embranquecer a pele até parecer uma "barata descascada", ao igual
que todos os afro-estadunidenses, Jim Roy amaciou e alisou os cabelos,
seguido também por seus eleitores, logo após sua vitória, obtida com
manobra eleitoral oportunista. Para tal, serviu-se de milagroso produto
oferecido pela indústria branca, que disfarçava potente esterilizador
masculino.
Esterilização que, organizada pelos "supremos chefes da raça branca",
resolveu o "choque das raças" preservando a "pureza ariana" nos USA, ao
pôr um "manso ponto final" à raça negra. Ato consagrado como mais uma
"vitória da eugenia" – eugenia, para os que não sabem, é a ciência da
melhoria da raça humana pela seleção dos reprodutores, mais ou menos
como se faz "na criação de belos cavalos puros-sangues".
Com o título de O choque, o romance do choque das raças na
América no ano de 2228, Monteiro Lobato lançou pela então prestigiosa
Companhia Editora Nacional, em 1926, texto já apresentado, em vinte
capítulos, como folhetim, no jornal A Manhã, do Rio de Janeiro, em setembro e outubro daquele ano. Na edição argentina, de 1935, o livro teve o título El presidente negro: novela americana del año 2228, assumido nas demais re-edições O presidente negro: o choque das raças.
Recuperando o irrecuperável
Em 2008, a Globo reapresentou – em forma oportunista – o romance com o título politicamente correto de O presidente negro,
sem referência ao "choque das raças". Na apresentação do romance, "Um
fabulista visionário", os autores se retorcem como minhoca na ponta do
anzol para livrar o texto das suspeitas de racismo "dos críticos de
plantão". Mesmo concedendo "reverberarem" nele as "controvertidas teses
de purificação étnica difundidas entre a intelectualidade brasileira",
apontam-no como "ficção científica futurista" que mostraria o "conflito
(racial)" "sob a perspectiva do próprio negro", combatendo a "imitação
dos hábitos e costumes", ou seja, a aculturação negra!
O presidente negro: o choque das raças foi o único romance de
Monteiro Lobato. Talvez sua fragilidade literária ajude a compreender
por que o prolífico autor jamais retornou ao gênero, consagrando-se
literária e economicamente com a literatura infanto-juvenil, que
literalmente fundou no Brasil. O romance destaca-se, sobretudo, na
produção cultural brasileira como paradigma da literatura e da
propaganda racista e eugênica.
E que não fiquem dúvidas. No romance, o narrador e os protagonistas
positivos alardeiam as melhorias sociais possíveis de serem obtidas com a
literal eliminação dos seres tidos como geneticamente inferiores. "A
Lei Owen, como era chamado esse Código da Raça, promoveu a esterilização
dos tarados, dos malformados mentais, de todos os indivíduos em suma
capazes de prejudicar com má progênie o futuro da espécie".
"Desapareceram os peludos, os surdos-mudos, os aleijados, os loucos, os
morféticos, os histéricos, os criminosos natos, os fanáticos, (...), os
místicos, os vigaristas, os corruptores de donzelas, as prostitutas, a
legião inteira de malformados no físico e no moral, causadores de todas
as perturbações da sociedade humana".
Servindo-se da voz de sua heroína, Monteiro Lobato recrimina,
igualmente, a "solução" brasileira para a "questão racial" − a
miscigenação: "A nossa solução foi medíocre. Estragou as duas raças,
fundindo-as. O negro perdeu as suas admiráveis qualidades físicas de
selvagem e o branco sofreu a inevitável piora de caráter, conseqüente a
todos os cruzamentos entre raças díspares".
O Sul é o meu país!
Mas não devemos nos desesperar sobre o futuro do Brasil, que Monteiro
Lobato também aborda. Ele foi dividido em dois, nesse distante futuro.
Os mestiços de portugueses, negros, índios e asiáticos ficaram reduzidos
ao marasmo, na parte norte "tropical", enquanto o arianismo dos
imigrantes dava origem, na parte sul, ao longo do rio Paraná, a uma
vigorosa e saudável civilização ariana, no melhor estilo do "O Sul é o
meu País". Metade sul acrescida, porém, da Argentina, Uruguai e Paraguai
− o que foi feito da população guarani do último país, certamente
inferior, o autor não revela!
O romance de Monteiro Lobato não pode ser qualificado de nazista e
genocidário apenas por ter precedido o sucesso daquele movimento,
vitorioso na Alemanha apenas em 1933, e o extermínio de judeus, ciganos,
doentes mentais, mal-formados etc., durante a 2ª Guerra Mundial.
Massacre multitudinário seletivo em nome da pureza e da seleção racial
que cunharia o sentido moderno do termo genocídio. Um dos interesses
dessa ficção macabra de Monteiro Lobato é precisamente o registro, no
Brasil, da larga propaganda racista e eugenista mundial, que precedeu a
vitória do nacional-socialismo na Alemanha, expressão particular, e não
construtora, dessa visão racista e classista de mundo.
Além de racista, Monteiro Lobato era também sexista. Para o gentil
criador da Emília, do Sítio do Pica-pau Amarelo, não é que a mulher seja
inferior, ela é apenas constitutivamente diferente, o que lhe determina
sua inferioridade nata! "Menos de uma pretensa inferioridade de cérebro
de que uma organização cerebral diversa da do homem e, portanto, inapta
a produzir o mesmo rendimento quando submetida ao mesmo regime de
educação".
A definição da "feminista" não deixa dúvidas sobre a visão do autor
sobre a necessária submissão voluntária da mulher ao homem que, diga-se
de passagem, conclui a revolta e a organização feminina branca
independente, que permitiram a chegada ao poder do presidente preto.
"(...) a feminista, a odiosa mulher-homem", que pensa "com idéias de
homens", usa "colarinho de homens", conseguindo apenas "não ser homem
nem mulher".
O presidente negro: o choque das raças apresenta-nos, com
singular falta de pudor, a visão racista e eugênica de mundo compartida,
em maior ou menor grau, por grandes parcelas da intelectualidade e das
chamadas classes dominantes no Brasil, nas primeiras décadas da
República.
Teorias da hierarquização racial que, apenas mediadas com maior
contenção, foram a base de interpretações referenciais na cultura
brasileira, como Os sertões: campanha de Canudos (1902), e Casa-grande & senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal (1933),
de Gilberto Freyre. No Rio Grande do Sul, um dos expoentes dessas
visões raciais foi o historiador Moysés Vellinho, patrono do Arquivo
Histórico de Porto Alegre.
Mário Maestri é professor do Curso e do Programa de Pós-Graduação em História da UPF-RS.
E-mail:
maestri@via-rs.net
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