Rachel Duarte no Sul21
Na manhã desta terça-feira (27), o governo gaúcho e os líderes de
partidos da base aliada na Assembleia Legislativa (PT, PSB, PCdoB, PTB e
PDT) se reuniram pela primeira vez. Os deputados foram informados sobre
os projetos que compõem o Programa de Sustentabilidade Financeira. O
Palácio Piratini enviará o pacote para a Assembleia Legislativa no mês
de maio. Entre os projetos em elaboração e à espera da apreciação da
base aliada está o que trata do pagamento dos precatórios e das
Requisições de Pequeno Valor (RPV). O Porgrama também foi discutido em
reunião do governador Tarso Genro com os secretários. Ao final da
reunião, o governador afirmou: “A reunião do secretariado foi excelente.
Um debate qualificado das medidas de sustentabilidade financeira do Rio
Grande do Sul.”
O pagamento das Requisições de Pequeno Valor é um dos dilemas
enfrentados, atualmente, pelo Governo Tarso. O volume — segundo a líder
do governo na Assembleia, deputada Miriam Marroni — triplicou nos
últimos sete meses. Isto levou o governo a estudar uma forma de pagar a
dívida, sem esvaziar ainda mais o cofre público. O Executivo, no
entanto, mantém silêncio sobre o que pretende propor para viabilizar o
pagamento de cerca de R$ 11 milhões referentes às RPVs, equivalentes aos
precatórios renegociados, em que o Estado paga o teto de 40 salários
mínimos. A maior parte desta dívida é com funcionários aposentados e
pensionistas, que entraram na Justiça reivindicando o pagamento da
chamada Lei Brito.
A Emenda Constitucional nº 62, publicada em 10 de dezembro de 2009,
determina que o governo disponibilize o equivalente a 1,5% da Receita
Corrente Líquida — RCL para o pagamento dos precatórios. Os valores
definidos por lei são depositados mensalmente pelo Tesouro do Estado em
duas contas correntes. Em 2010, foram pagos R$ 498 milhões. Para este
ano, a previsão é de que serão pagos R$ 314 milhões.
De acordo com a Emenda Constitucional, 50% dos recursos se destinam
ao pagamento dos precatórios, que deve ser feito em ordem cronológica,
dando preferência aos idosos (mais de 60 anos) e a portadores de doenças
graves. Os outros 50% vão para conciliações, leilões e pagamento por
ordem crescente de valor.
Nos últimos setes meses cresceu o número de precatoristas que
passaram a negociar o valor de seus créditos, entrando na fila dos que
aceitam, em vez do valor total a que têm direito, o equivalente a 40
salários minimos. Com isso, deveriam receber o que o Estado lhes deve no
prazo máximo de 60 dias. Ricardo Bertelle, assessor jurídico do
Sindicato dos Servidores Aposentados e Pensionista do RS, o Sinapers,
afirma que a negociação tornou-se uma alternativa para os beneficiários
poderem receber os valores a que têm direito ainda em vida, já que os
precatórios não vêm sendo pagos desde 1999.
“Os precatórios têm que ser inscritos até 1º de julho de cada ano
para terem previsão orçamentária no ano seguinte. As RPVs não. São
decididas pela Justiça e devem ser pagas em até 60 dias pela Fazenda”,
ressalta Bertelle. Expirado este prazo, sem pagamento, o Poder
Judiciário pode sequestrar os valores das contas do estado. Segundo
Bertelle, no entanto, mesmo as RPVs estão com pagamento atrasado. “Levam
de seis meses a um ano e meio para serem pagos”, disse.
A anomalia da dívida
O número de RPVs — decididas pela Justiça de acordo com a decisão do
credor em negociar com o Estado — não pode ser previsto, ao contrário
do de precatórios. No entanto, a Secretaria Estadual da Fazenda
trabalha, atualmente, com dois números: R$ 800 milhões, relativos à
dívida com RPVS, e R$ 300 milhões a serem pagos, este ano, em
precatórios.
O dilema do governo Tarso Genro é como pagar os RPVs no curto espaço
de tempo, determinado pela legislação, tendo em vista um déficit
orçamentário de R$ 1 bilhão. Nenhuma autoridade se dispõe a revelar o
que o governo pretende fazer para superar este problema. Afirmam apenas
que a intenção é pagar a dívida.
A líder do governo na Assembleia, deputada estadual Miriam Marroni
(PT), disse que há a necessidade de normatizar a legislação, e, assim,
encontrar uma forma de o estado cumprir com as obrigações para com os
funcionários. Sem precisar quais as linhas gerais da proposta do governo
e o limite que pretende propor para o pagamento desta dívida, Miriam
disse que, nesta quarta-feira (27), começará a dialogar com a base
aliada para coletar contribuições dos parlamentares. “Nós aumentamos a
receita do estado, mas os valores de RPVs triplicaram nos últimos sete
meses. Precisamos ver como iremos resolver isso. Mas, nós vamos pagar”,
garantiu.
Os demais líderes consultados pelo Sul21 adotaram o
mesmo poscionamento da líder do governo. Todos confirmaram que os
precatórios e as RPVs estiveram na pauta da reunião desta terça-feira,
mas não deram qualquer detalhe. “Ficou de ser detalhado melhor na
próxima semana ou na outra ainda”, disse o deputado Adroaldo Loureiro,
líder da bancada do PDT.
As intenções do governo
O secretário da Fazenda, Odir Tonollier, esteve na reunião com os
líderes dos partidos da base, na Casa Civil, mas, nem ele nem o chefe da
Casa Civil, Carlos Pestana, falaram sobre o assunto, apesar de o esboço
do projeto já estar pronto. A orientação é falar apenas quando a
proposta estiver concluída.
Em declarações já dadas à imprensa, o governo deixou transparecer o
desejo de diminuir o valor das RPVs para 20 salários mínimos e aumentar o
prazo de pagamento para 120 dias. A pré-proposta foi, imediatamente,
repudiada pelas categorias dos servidores.
Segundo a presidente do Cpers, Rejane de Oliveira, os precatórios só
existem por falha no cumprimento dos direitos dos trabalhadores por
parte do estado ao longo dos anos. Portanto, ela defende, em nome da
entidade, que “é impossível pedir mais sacrifícios à categoria”. Rejane
disse ainda que, ao não pagar os precatórios, o governo já obrigou os
trabalhadores a abrirem mão dos valores a que tinham direito em troca
das Requisições de Pequeno Valor (RPV). “Somos contra qualquer alteração
no pagamento das RPVs, porque já abrimos mão uma vez”, reforçou.
Nas mais recentes declarações de representantes do governo Tarso
surgiu a intenção de definir um montante anual para o pagamento das
RPVs, seguindo o definido pela Emenda Constitucional 62, no que diz
respeito ao pagamento de precatórios. Os que não fossem pago este ano,
por exemplo, entrariam na fila do próximo ano. Mais uma vez, a sugestão
do governo não agradou aos gaúchos.
“Isto é uma afronta aos direitos dos trabalhadores. Já nos foi
retirado o direito de receber o valor integral (dos precatórios). Agora,
querem uma medida para empurrar mais uma vez com a barriga?”, critica a
presidente do Cpers Rejane de Oliveira.
A posição do Sinapers (Sindicato dos Servidores Aposentados e
Pensionista do RS) é a mesma. “Não é bom porque hoje não tem uma fila de
RPVs. Elas entram e têm que ser pagas. Ao estabelecer este percentual
de 1,5% da Receita Líquida, forma uma nova fila. Assim terá outro
calote. Além do calote dos precatórios, terá o calote das RPVs”, compara
o assessor jurídico do Sinapers, Ricardo Bertelle. Para ele, um pouco
de boa vontade política poderia dar outro desfecho para o problema da
dívida dos precatórios e RPVs. “A Constituição Federal, no artigo 100,
parágrafo 16, diz que a União poderá assumir a dívida de precatórios e
renegociá-la com o estado”, afirmou, lembrando a afinidade partidária
entre os governos federal e estadual, o que, segundo Bertelle,
fortaleceria a alternativa.
Na visão do presidente da Comissão Especial dos Precatórios Judiciais
no RS, na Assembleia Legislativa gaúcha, deputado Frederico Antunes
(PP), uma possibilidade seria o governo repensar sua posição sobre as
Parcerias Público Privadas (PPPs) para encaminhar as grandes obras do
governo. Com isso, diz ele, sobrariam mais recursos para pagamento de
dívidas como as de precatórios e RPVs. “Eu disse para a Miriam (Marroni)
que não podemos mexer no volume que tem hoje desta dívida. O estado
deve cumprir as suas obrigações com recursos além do Orçamento. Vou
apresentar o debate sobre as PPPs novamente à Comissão de Serviços
Públicos”, falou.