domingo, 10 de julho de 2011

O que significa assédio moral no trabalho?

Por Pascoal Carneiro, no sítio da CTB: via Blog do MIRO

É a exposição dos trabalhadores e trabalhadoras causadas pelos seus chefes superiores, como humilhações, constrangimentos, a esforços repetitivos, prolongada jornada de trabalho no exercício de suas atividades laborais, atitudes autoritárias e totalitárias em que predominam condutas negativas, relações desumanas, de um ou mais chefes dirigida aos seus subordinados, desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e pela degradação deliberada das condições de trabalho, forçando a desistir do emprego (pedir demissão).

Uma prática comum e constante no ambiente do trabalho é o isolamento. O trabalhador ou trabalhadora é isolado do grupo sem explicações, passando a ser hostilizado, ridicularizado, inferiorizado e desacreditado diante do coletivo, fazendo com que a pessoa vá gradativamente se desestabilizando e fragilizando perdendo sua auto-estima.

Existem muitos transtornos à saúde dos trabalhadores e trabalhadoras decorrentes do assédio moral. Entre Janeiro de 2005 e Janeiro de 2011, a Médica do Trabalho Margarida Barreto coordenou uma pesquisa e comprovou que trabalhadores e trabalhadoras com carteira assinada são os que mais sofrem assédio moral nos locais de trabalho: 40% do universo pesquisado de servidores públicos. Contratados através da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) correspondem a 34%; estagiários e pessoas sem experiência, 4,5%; contratados por tempo de serviço, 3,5%; temporários, 1%; e outros, 17%.

Na maioria dos casos, os mais assediados são aqueles com vínculo formal (estatutário ou CLT). A pressão é maior tendo em vista que eles representam custos para a empresa. E, hoje em dia, o que os empresários querem é menos custos e mais produtividade, segundo a médica.

A pesquisa aponta que 68% dos casos de assédio ocorrem em grandes empresas privadas, de caráter nacional ou multinacional. O homem é o que mais pratica o assédio moral em relação aos seus subordinados (46,5%), enquanto que as mulheres, na posição de chefia, chegam a 31%. Os entrevistados também responderam que o assédio é contínuo, ou seja, ele acontece várias vezes por semana (68,3%). Apenas 19,5% disseram que a prática é realizada uma vez na semana e 12,2%, uma vez ao mês.

Outro indicador no estudo aponta que 14% dos entrevistados já foram vítimas de assédio sexual. Segundo Margarida, é comum nos casos de assédio sexual o uso de palavras obscenas e degradantes em 65% dos casos.Para Margarida, o ressaltando deixa claro que a família continua sendo o espaço de confiança para o trabalhador e para a trabalhadora que divide com os parentes os problemas enfrentados no trabalho.

A prática do assédio moral pode levar a morte. O trabalhador ou trabalhadora humilhada sofre serias conseqüências, como interferência nos sentimentos e emoções, alterações de comportamento, agravamento de doenças pré-existentes ou desencadeamento de novas doenças, ansiedade, angústia, transtornos que vão desde a tristeza à depressão e a até a síndrome do pânico ou mesmo prática de suicídio.

Todo trabalhador e toda trabalhadora que estiver sofrendo assédio deve procurar ajuda primeiro no seu sindicato, nos centros de referência em saúde do trabalhador ou no Ministério Público.

Estamos vivendo em uma economia globalizada, um capitalismo em crise. Uma de suas características é a competição desenfreada para não ficar para trás. Essa é a realidade não apenas do setor empresarial, mas também do setor público. Quando o chefe ou mesmo o colega de trabalho começa a agir de modo a humilhar e rebaixar o outro, devemos ficar atento para não cair numa cilada emocional: o trabalhador ou trabalhadora que testemunhar cenas de humilhação no trabalho deve superar o medo, ser solidário com o colega, denunciar o agressor mesmo porque ele poderá ser "a próxima vítima". Os chefes contam sempre com o silêncio e o medo, porque o medo reforça o poder do agressor.

A luta para recuperar a auto-estima, a dignidade, a identidade e o respeito no trabalho passa necessariamente por formas coletivas de atuação, como sindicatos, CIPAs, organizações por local de trabalho (OLT), Comissão de Direitos Humanos e dos Núcleos de Promoção de Igualdade e Oportunidades e de Combate a Discriminação no local de trabalho, existentes hoje nas centrais sindicais, nos sindicatos e nas Superintendências Regionais do Trabalho.

Hoje, muitos sindicatos em suas campanhas salariais estão colocando nas reivindicações as cláusulas que ajudam a combater essa prática tão prejudicial à classe. Aqui seguem algumas dessas reivindicações:

1. Na hipótese de o trabalhador ou testemunha do assédio moral ser demitido, será anulada a demissão.

2. O agressor deverá retratar-se por escrito, retirando as queixas contra os trabalhadores e trabalhadoras.

3. No caso de reincidência de práticas ofensivas e violência moral, o empregador deverá ser responsabilizado solidariamente.

4. O custeio do tratamento dos funcionários ou funcionarias que adoeceram ou foram vítimas de acidente em função de assédio moral, até obtenção da alta, será responsabilidade da empresa.

5. Ficará assegurada a indenização da vítima por danos a sua dignidade, integridade e agravos à saúde física/mental, independente de querer continuar ou não na empresa.

6. Considerar o conjunto de agravos à saúde em conseqüência do assédio moral como doença do trabalho, exigindo da empresa a notificação/comunicação do acidente de trabalho-CAT e posterior reconhecimento do INSS. Essa ação deverá ser precedida de laudo de psicólogo ou médico, em que reconheçam os danos psíquicos e agravos à saúde como oriundos das condições e relações de trabalho.

7. Cabe à empresa, custear e implementar programa de prevenção, proteção, informação, segurança contra as práticas de assédio moral.

8. Compor equipe multidisciplinar de representantes da empresa, CIPA, Médico do Trabalho, Psicólogo, Sociólogo, Assistente Social, Advogado Trabalhista, representante do sindicato e acompanhamento do Ministério do Trabalho - SRT. Responsáveis por programa de intervenção que terão como objetivo: avaliar os fatores psicossociais, identificar e determinar os problemas; admitir a existência dos problemas; definir a violência moral; informar e sensibilizar o conjunto dos funcionários acerca dos danos e agravos a saúde em conseqüência do assédio moral, informando o empregador dos custos para a empresa; elaborar política de relações humana e ética em atos; difundir os resultados das práticas preventivas para o conjunto dos trabalhadores.

9. Cabe à equipe multidisciplinar elaborar código de ética que vise coibir toda manifestação de discriminação (etnia/racial, sexual, idade, gênero) e de práticas nocivas a saúde física/mental e a segurança dos trabalhadores, em particular, o assédio moral e o assédio sexual. Deverá a empresa encaminhar cópia protocolada do código para o sindicato da categoria, o Ministério Público e o Ministério do Trabalho.

10. Todos trabalhadores deverão conhecer o conteúdo do código de ética assim como possuir uma cópia do mesmo, não sendo aceito como ’conhecimento’ do mesmo, assinatura de "termo de responsabilidade".

A visita da velha senhora


Países europeus redescobrem a pobreza 
 
Em apenas três anos, a taxa de desemprego é recorde, renda da população desaba e número de pobres aumenta no Velho Continente
 
Jamil Chade - O Estado de S.Paulo

No momento em que o Lehman Brothers faliu, em setembro de 2008, governos europeus se apressaram em declarar que não havia chance de que o Velho Continente fosse afetado. Três anos depois, não só a crise ainda não foi superada como a Europa redescobre seus pobres. Em apenas três anos, dados oficiais mostram que o desemprego é recorde, a renda principalmente da população na periferia do continente desabou e o número de pobres aumenta.

Segundo pesquisadores, essa é a primeira vez desde o pós-guerra que a Europa registra um aumento real no número de pobres, pelo menos na parte Ocidental do bloco. A classificação de pobre usado na Europa não é a mesma da ONU, que colocou a taxa de miséria em uma renda de US$ 1,25 por dia. Na Europa, a taxa varia dependendo do país e é estabelecida com base num salário que mantenha uma família de forma adequada.

Nas últimas semanas, estudos publicados pela União Europeia (UE), pelos governos nacionais e entidades de pesquisa revelam o que já vem sendo chamado de "nova pobreza". Centenas de empresas fecharam as portas. Mas foram os cortes drásticos nos investimentos dos governos que aprofundou ainda mais a recessão social.

Portugal. O desemprego oficial em Portugal atinge 12,5%, a maior taxa em 30 anos. Estão inscritos nos centros de empregos do país, para obter ajuda social, 600 mil portugueses. Mas, com os novos cortes de gastos, apenas metade tem direito a algum tipo de seguro social de 528,56 por mês. O desempregado português tinha uma renda mínima garantida por três anos. Com o pacote de austeridade, a ajuda será limitada a 18 meses. A partir do sexto mês, o cidadão terá o benefício cortado em 10%.

Hoje, um quinto dos portugueses vive com menos de 360 por mês - cerca de R$ 800, não muito distante do salário mínimo brasileiro (Obs. minha: com um custo de vida muito mais alto). No total, esse universo abrange quase 2 milhões de pessoas. Uma fatia de 4% não tem condições financeiras para fazer uma refeição a cada dois dias com carne ou peixe. Os dados oficiais da UE apontam que o risco de pobreza em Portugal, que em 2008 atingia 18% da população, hoje já é de 23%.

Espanha. A expansão da pobreza também é uma realidade para os espanhóis. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística da Espanha, 800 mil pessoas a mais passaram à situação de exclusão social severa desde 2007. Hoje, a pobreza relativa chega a 20,8% da população, quase 10 milhões de espanhóis. O desemprego passou de pouco mais de 11% em 2008 para 21% em 2011. Diante das dificuldades em voltar a trabalhar, 500 mil pessoas sequer recebem mais a ajuda social do Estado.

Grécia. A crise na Grécia foi sentida de forma ainda mais forte e fez o país perder dez anos pelo menos em seu progresso social. Em um índice estabelecido pela UE para determinar a disparidade social dentro do bloco, os números desde 2007 mostram uma queda importante na renda grega. Pelo índice, o número 100 é considerado como a média da UE. Em 2008, a Grécia estava com 94 pontos, abaixo já da média do bloco. Apenas três anos depois, a taxa caiu para 89, situação equivalente ao que estava nos anos 90. O índice ainda mostra que a renda de um grego é hoje metade do que ganha um norueguês. Em 2011, um terço dos gregos ganhava menos de 470 por mês.

Irlanda. A queda da renda do irlandês também é evidente. Entre 2008 e 2009, a renda semanal foi reduzida em 12%, para 796. Segundo o Escritório Central de Estatística, 25% das famílias estavam com pelo menos uma de suas contas atrasadas. Em 2008, esse número era de apenas 10%.

Para especialistas, o que mais preocupa é a falta de perspectiva de melhora na situação da periferia da Europa. Para Sha Zukang, vice-secretário-geral da ONU, o desemprego na Europa voltará às taxas de 2007 apenas em 2015. O brasileiro Otaviano Canuto, vice-presidente do Banco Mundial para o combate à pobreza, também aponta um cenário pouco animador para a Europa nos próximos anos. "Veremos um crescimento apenas modesto da economia europeia por algum tempo ainda", alertou Canuto, em declarações ao Estado.

"O número de pessoas abaixo da linha da pobreza aumentará em 2011 e talvez por alguns anos mais", alertou o professor de Economia da Universidade de Barcelona, González Calvet.

Leia mais em: O Esquerdopata: A visita da velha senhora

A nova divisão internacional do mundo

Marcio Pochmann

Até a metade do século XVIII, o espaço geográfico que compreende os países asiáticos respondia pela maior parte da produção mundial, tendo em vista a combinação de sua grande dimensão populacional e territorial. Com o surgimento da primeira Revolução Industrial (motor a vapor, ferrovias e tear mecânico), a partir de 1750, o centro dinâmico do mundo deslocou-se para o Ocidente, especialmente para a Inglaterra, que rapidamente se transformou na grande oficina de manufatura do mundo por conta de sua original industrialização.
A divisão internacional do trabalho, que resultou do movimento de deslocamento da estrutura da produção e exportação na manufatura inglesa em relação aos produtos primários exportados pelo resto do mundo, sofreu modificações importantes somente com o avanço da segunda Revolução Industrial (eletricidade, motor a combustão e automóvel) no último quartel do século XIX. Naquela época, a onda de industrialização retardatária em curso nos Estados Unidos e Alemanha, por exemplo, protagonizou as principais disputas em torno da sucessão da velha liderança inglesa. A sequência de duas grandes guerras mundiais (1914 e 1939) apontou não apenas para o fortalecimento estadunidense como permitiu consolidar o novo deslocamento do centro dinâmico mundial da Europa (Inglaterra) para a América (EUA).
Com a Guerra Fria (1947 – 1991), prevaleceu a polarização mundial entre o bloco de países liderados pelos Estados Unidos e pela antiga União Soviética. Na década de 1970, com a crise capitalista impulsionada pela elevação dos preços de matéria-prima e petróleo, a economia dos EUA apresentou sinais de enfraquecimento, simultaneamente ao fortalecimento da produção e exportação japonesa e alemã. Especialmente com a adoção das políticas neoliberais pelos EUA, o mundo novamente voltou a se curvar ao poder norte-americano, sobretudo nos anos 1990, com o desmoronamento soviético que favoreceu o exercício unipolar da dinâmica econômica mundial.
A manifestação da grave crise global desde 2008 tornou mais claro o conjunto de sinais da decadência relativa dos Estados Unidos. A ineficácia das políticas neoliberais e o poder concentrado e centralizado das grandes corporações transnacionais adonaram-se do Estado em grande parte dos países desenvolvidos, sendo responsável pela adoção de políticas caracterizadas como “socialismo dos ricos”. Enquanto os trabalhadores pagam com a perda de seus empregos e a precarização das ocupações, os grandes grupos econômicos se ajustam com grandes somas do orçamento público, este, incapaz de recuperar a dinâmica produtiva, priorizando a financeirização da riqueza.
Simultaneamente, percebe-se o reaparecimento da multicentralidade geográfica mundial com um novo deslocamento do centro dinâmico da América (EUA) para a Ásia (China). Ao mesmo tempo, países de grande dimensão geográfica e populacional voltaram a assumir maior responsabilidade no desenvolvimento mundial, como no caso da China, Brasil, Índia, Rússia e África do Sul, que já respondem atualmente pela metade da expansão econômica do planeta. São cada vez mais chamados de “países baleia”, que procuram exercer efeitos sistêmicos no entorno de suas regiões, fazendo avançar a integração supra-regional, como no caso do Mercosul e Asean, que se expandem com maior autonomia no âmbito das relações Sul-Sul. Não sem motivos, demandam reformulações na ordem econômica global (reestruturação do padrão monetário, exercício do comércio justo, novas alternativas tecnológicas, democratização do poder e sustentabilidade ambiental).
Uma nova divisão internacional do trabalho se vislumbra associada ao desenvolvimento das forças produtivas assentadas na agropecuária, mineração, indústria e construção civil nas economias “baleia”. Também ganham importância as políticas de avanço do trabalho imaterial conectado com a forte expansão do setor de serviços. Essa inédita fase do desenvolvimento mundial tende a depender diretamente do vigor dos novos países que emergiram cada vez mais distantes dos pilares anteriormente hegemônicos do pensamento único (equilíbrio de poder nos Estados Unidos, sistema financeiro internacional intermediado pelo dólar e assentado nos derivativos, Estado mínimo e mercados desregulados), atualmente desacreditados.
Nestes termos, percebe-se que a reorganização mundial desde a crise global em 2008 vem se apoiando numa nova estrutura de funcionamento que exige coordenação e liderança mais ampliada. Os “países baleia” podem contribuir muito para isso, tendo em vista que o tripé da nova expansão econômica global consiste na alteração da partilha do mundo derivada do policentrismo, associado à plena revolução da base técnico-científica da produção e do padrão de consumo sustentável ambientalmente.
A conexão dessa totalidade nas transformações mundiais requer o resgate da cooperação e integração supranacional em novas bases. A começar pela superação da antiga divisão do trabalho entre países assentada na reprodução do passado (menor custo de bens e serviços associado ao reduzido conteúdo tecnológico e valor agregado dependente do uso trabalho precário e da execução em longas jornadas sub-remuneradas). Com isso, o desenvolvimento poderia ser efetivamente global, evitando combinar a riqueza de alguns com a pobreza de outros.
As decisões políticas de hoje tomadas pelos países de grandes dimensões territoriais e populacionais podem asfaltar, inexoravelmente, o caminho do amanhã voltado à constituição de um novo padrão civilizatório global. Quem sabe faz acontecer, como se pode observar pelas iniciativas brasileiras recentes. Todavia, elas ainda precisam ser crescentemente aprimoradas, avançando no enfrentamento dos problemas de ordem emergencial, como valorização cambial e elevada taxa de juros, que comprometem a competitividade, para as ações estratégicas que atuam sobre a nova divisão internacional do trabalho.

A Guerra de Israel contra as crianças: 1200 presas num só ano


Jonathan Cook* Odiario
 
Num momento em que a II Flotilha da Liberdade continua retida e impedida de prosseguir a sua missão de solidariedade com o martirizado povo palestino, o diario.info publica dois artigos que, cada um a seu modo, abordam parcelas da tragédia que o imperialismo e o seu aliado sionista perpetuam no Médio Oriente.


A polícia israelita tem sido criticada pelo tratamento infligido a centenas de crianças palestinas, algumas das quais com apenas sete anos, presas e sujeitas a interrogatório por suspeita de arremesso de pedras em Jerusalém Leste.
Segundo estatísticas policiais recolhidas pela ACRI (Associação Israelita dos Direitos Humanos) no ano passado foi aberta investigação criminal, em Jerusalém, a mais de 1200 menores palestinos acusados de arremesso de pedras. Este número é perto do dobro do número de crianças presas no mesmo ano no território Palestino mais alargado da Faixa Ocidental.
A maior parte das detenções ocorreu no distrito de Silwan, próximo da Cidade Velha de Jerusalém, onde 350 colonos judeus extremistas instalaram vários enclaves ilegais, fortemente guardados, no meio de 50.000 residentes Palestinos.
No final do mês passado, e numa atitude que reflecte a crescente indignação face às prisões em Silwan, foi noticiado que uma multidão impediu a polícia de prender Adam Rishek, uma criança de sete anos acusada de arremessar pedras. Mais tarde os seus pais apresentaram um protesto acusando os policies de o ter agredido.
A tensão entre residentes e colonos tem vindo a subir constantemente desde que o município de Jerusalém revelou, em Fevereiro, um plano de demolição de dezenas de habitações Palestinas no bairro Bustan com vista à expansão de um parque arqueológico de temática bíblica gerido pela Elad, uma organização de colonos.
De momento o plano está suspenso, em resultado de pressão dos EUA sobre o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu.
Fakhri Abu Diab, um dirigente da comunidade local, alertou para que os constantes recontros entre os jovens de Silwan e os colonos, que alguns designam como “intifada das pedras”, poderia desencadear um levantamento geral Palestino.
“As nossas crianças estão a ser sacrificadas em nome do objectivo dos colonos de se apossar da nossa comunidade”, disse.
Num relatório recente intitulado “Espaço Inseguro”, a ACRI concluiu que na repressão sobre o arremesso de pedras a polícia faz tábua rasa dos direitos legítimos das crianças e deixa muitos menores profundamente traumatizados.
Testemunhos recolhidos por grupos defensores dos direitos revelam um padrão comum de crianças sendo presas em operações que decorrem alta noite, serem algemadas e interrogadas durante horas sem a presença quer dos pais quer de advogado. Em muitos casos as crianças têm relatado ter sido alvo de ameaças e de violência física.
No mês passado, 60 peritos israelitas - juristas e especialistas em cuidados infantis - incluindo Yehudit Karp, antigo procurador-geral adjunto, escreveram a Netanyahu condenando o comportamento da polícia.
“Causam particular preocupação”, escreveram, “ os testemunhos de crianças com idades inferiores a 12 anos, a idade mínima legal para responsabilização criminal, que foram sujeitas a inquérito e que não forma poupadas a formas violentas e agressivas de interrogatório”.
Ao contrário do que sucede na Faixa Ocidental, sujeita a um regime jurídico militar, supor-se-ia que as crianças suspeitas de arremesso de pedras em Jerusalém Leste fossem tratadas de acordo com a lei criminal israelita.
Israel anexou Jerusalém Leste no seguimento da guerra dos Seis Dias, em 1967 (violando a lei internacional). Os seus 250.000 habitantes Palestinos são tratados como residentes israelitas permanentes.
Os menores, por definição qualquer pessoa com idade inferior a 18 anos, deveriam ser interrogados por pessoal especialmente formado e apenas no decurso do dia. As crianças devem ter a possibilidade de consultar um advogado e um familiar deve estar presente.
Ronit Sela, uma porta-voz da ACRI (Associação Israelita dos Direitos Humanos), afirmou que a sua organização ficara “chocada” perante o número de crianças presas em Jerusalém Leste no decurso dos últimos meses, frequentemente por polícias à paisana.
“Ouvimos muitos testemunhos de crianças que descrevem terríveis experiências de violência, tanto no momento da prisão como no interrogatório posterior”.
Muslim, de 10 anos, vive no bairro Bustan numa casa cuja demolição foi ordenada pelas autoridades israelitas. O seu caso, incluído no relatório da ACRI, refere que este ano foi preso quarto vezes, embora tivesse idade inferior ao limite mínimo para responsabilização criminal. Da última vez, em Outubro, foi apanhado na rua por polícias à civil que saltaram de uma carrinha.
“Um dos homens agarrou-me por trás e começou a estrangular-me. O segundo agarrou a minha camisa e rasgou-a pelas costas, e o terceiro torceu-me as mãos atrás das costas e amarrou-as com tiras de plástico. “Quem atirou pedras?” perguntou um deles. “Não sei”, respondi. Começou a bater-me na cabeça e eu gritei com dores”.
Muslim foi levado preso e libertado seis horas mais tarde. Um médico local relatou que o rapaz tinha os joelhos feridos e ensanguentados e inchaços em várias partes do corpo.
O pai de Muslim, que tem dois filhos na prisão, disse que desde então o filho acorda frequentemente em pânico e perdeu a capacidade de concentração nos estudos escolares. “Estes acontecimentos arrasaram-no”.
Ronit Sela disse que o número de prisões em Silwan aumentou significativamente desde Setembro, quando um segurança privado de um colonato matou um Palestino, Samer Sirhan, e feriu dois outros.
Confrontos entre os colonos e jovens de Silwan ganharam maior visibilidade em Outubro, quando David Beeri, director da organização de colonos Elad, foi filmado quando procurava atropelar dois rapazes que apedrejavam o seu carro.
Um deles, Amran Mansour, de 12 anos, que foi lançado por cima da viatura pelo impacto, foi preso pouco tempo depois em casa da família numa operação nocturna.
Ainda em Outubro, nove deputados israelitas da direita queixaram-se de que o mini-bus em que se deslocavam foi apedrejado. Iam prestar solidariedade a Beit Yonatan, uma grande habitação na zona controlada pelos colonos em Silwan. Os tribunais israelitas ordenaram que essa habitação fosse demolida mas o presidente do município de Jerusalém, Nir Barkat, recusou cumprir a ordem.
Na véspera do ataque Yitzhak Aharonovitch, ministro da segurança pública, avisou: “Vamos fazer com que o arremesso de pedras cesse usando a força, pública ou não pública, e vamos restabelecer a tranquilidade”.
No mês passado a polícia anunciou que passará a ser utilizada com maior frequência a detenção domiciliária de crianças e que aos pais passarão a ser impostas multas que poderão atingir os 1.400 dólares.
Um grupo israelita de defesa dos direitos humanos, B’Tselem, relatou o caso de “A.S”, de 12 anos, preso às 3 da madrugada e levado a interrogatório.
“Puseram-me de joelhos voltado para a parede. De cada vez que me movia um homem à civil batia-me no pescoço com a mão…O homem mandou-me prostrar no chão e pedir perdão mas eu recusei-me e disse-lhe que apenas me ajoelho perante Alá. Entretanto sentia dores intensas nos pés e nas pernas. Senti um violento temor e comecei a tremer”.
B’Tselem declara: “É difícil conceber que as forças de segurança actuassem de forma semelhante contra menores judeus”.
Micky Rosenfeld, um porta-voz da polícia, negou que a polícia tivesse violado os direitos das crianças. E acrescentou: “Cabe aos pais a responsabilidade de fazer parar o comportamento criminoso dos seus filhos”.
Jawad Siyam, activista da comunidade local de Silwan, afirmou que o objectivo das prisões e o recrudescimento da actividade dos colonos é “tornar-nos a vida insuportável e expulsar-nos da zona”.
Os 60 peritos que escreveram a Netanyahu advertiram que a agressão sobre as crianças conduz a “distúrbios pós-traumáticos como pesadelos, insónia, descontrolo urinário e temor permanente de polícias e soldados”. Sublinharam também que as crianças sujeitas a prolongada detenção domiciliária estavam a ser privadas do seu direito à educação.
No ano passado o Comité das Nações Unidas Contra a Tortura exprimiu “profunda preocupação” face à forma como Israel trata os menores Palestinos, denunciando que Israel viola a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, da qual é subscritor.
No decurso dos últimos 12 meses, a Defesa Internacional das Crianças tem fornecido à ONU dados acerca de mais de 100 crianças que afirmam ter sido violentadas física e psicologicamente sob custódia militar.

Atual prefeito e opositor de Cristina Kirchner é favorito nas eleições em Buenos Aires


Mônica Yanakiew - AGÊNCIA BRASIL
Correspondente da EBC na Argentina

Buenos Aires - O principal compromisso de 2,4 milhões dos 3 milhões de argentinos que vivem na capital Buenos Aires é votar para chefe do governo (prefeito) da cidade. A cidade é o terceiro distrito eleitoral da Argentina, depois das províncias de Buenos Aires e de Córdoba, sedia os Poderes da República e é o coração econômico do país. Por isso, a eleição de hoje é acompanhada atentamente pela classe política. Em outubro, os argentinos voltarão às urnas para eleger o presidente da República, metade da Câmara dos Deputados, um terço do Senado e a maioria dos governadores das 23 províncias (estados).
Dos 15 candidatos na disputa, dois têm mais chances de ganhar as eleições: o atual prefeito, Maurício Macri, do partido Proposta Republicana (PRO), e o senador Daniel Filmus, apoiado pela presidenta Cristina Kirchner.
As últimas pesquisas indicam que Macri tem mais chance de sair vitorioso, mas não o suficiente para definir o pleito no primeiro turno. Macri representa a centro-direita. Filho de um rico empresário e presidente do time de futebol Boca Juniors, ele era visto com desconfiança pelos analistas políticos, mas surpreendeu ganhando as eleições de 2007 com 46% dos votos.
Macri chegou a lançar a candidatura às eleições presidenciais de outubro, mas desistiu. Preferiu esperar quatro anos para tentar chegar à Casa Rosada e assegurar, agora, a reeleição à prefeitura de Buenos Aires, já que, por enquanto, todas as pesquisas de opinião dão a reeleição da presidenta Cristina Kirchner, em outubro, como a possibilidade mais provável.
O maior opositor de Macri é o ex-ministro da Educação Daniel Filmus, candidato da Frente pela Vitória, que tem o apoio da presidenta Cristina. A maior parte dos analistas acredita que a tradição oposicionista dos portenhos vai continuar prevalecendo e Filmus sairá derrotado. Buenos Aires costuma votar contra o governo federal. Mas a candidatura de Filmus obteve crescimento acima do esperado nas últimas semanas, detectado pelas pesquisas de opinião, reforçando a possibilidade de a disputa ir para o segundo turno.
“A capital sempre foi oposição”, disse o analista político Hector Stupenengo. Mas, se o candidato de Kirchner tiver uma boa votação, a presidenta Cristina Kirchner sairá fortalecida. “Cristina Kirchner tem peso próprio e lidera todas as pesquisas de opinião [para as eleições presidenciais de outubro]. Ela tem 36% dos votos da capital e 46% dos votos nacionais”.
Além de Macri e Filmus, disputam a prefeitura de Buenos Aires o cineasta Pino Solanas, o ex-ministro da Economia Ricardo Lopez Murphy e o ex-prefeito Jorge Tellerman.
 
Edição: Vinicius Doria

Um filme de Fiódor M. Dostoiévski

O Idiota
(O Idiota)
Idiot
Poster
Sinopse
No rol dos personagens do universo de Fiódor M. Dostoiévski, o príncipe Liev Nikoláievitch Míchkin, ou apenas Idiota, é certamente aquele mais complexo e que suscita os mais diversos sentimentos em seu leitor, restando pouco espaço para a indiferença. A combinação ‘explosiva’ com os demais personagens da trama como Nastácia Filíppovna, Rogójin, Hippolit entre outros faz de o Idiota um romance merecedor da alcunha de clássico. A presente série é a versão cinematográfica mais completa e fidedigna já realizada até o momento, abrangendo a obra literária em sua totalidade. As locações, o requintado aprumo no figurino, as atuações tão próximas ao que o romancista russo desejou expressar, assim como o próprio roteiro são os pontos merecedores de ressalva. É para os admiradores mais exigentes de Dostoiévski renderem homenagens sinceras.
Sinopse: carloschagas
Legendas Exclusivas













Screenshots (clique na imagem para ver em tamanho real)


Créditos: MAKINGOFF - Carlos Chagas


Elenco
Informações sobre o filme
Informações sobre o release
Yevgeni Mironov - Príncipe Míchkin
Vladimir Mashkov - Parfen Rogójin
Lidiya Velezheva - Nastácia Filíppovna
Olga Budina - Aglaia Iepántchina
Inna Churikova - Lisavieta Prokofievna
Oleg Basilashvili - General Iepántchin
Vladimir Ilin - Liébediev
Aleksandr Lazarev Ml.- Gánia Ivólgin
Andrey Smirnov - Totski
Aleksei Petrenko - General Ivólguin
Mikhail Boyarskiy - Keller
Larisa Malevannaya - Nina Aleksandrovna
Anastasiya Melnikova - Aleksandra Iepántchina
Gênero: Drama
Diretor: Vladimir Bortko
Duração: 502 minutos
Ano de Lançamento: 2003
País de Origem: Rússia
Idioma do Áudio: Russo
IMDB: http://www.imdb.com/title/tt0366028/
Qualidade de Vídeo: DVD Rip
Vídeo Codec: DivX 5
Vídeo Bitrate: 907 Kbps
Áudio Codec: MPEG1/2 L3
Áudio Bitrate: 65 kbps 48 KHz
Resolução: 640 x 384
Aspect Ratio: 1.667
Formato de Tela: Widescreen (16x9)
Frame Rate: 25.000 FPS
Tamanho: 3.40 GiB
Legendas: No torrent e Anexo
Curiosidades
Série em dez episódios com média de 50 minutos cada.
Coopere, deixe semeando ao menos duas vezes o tamanho do arquivo que baixar.

Vinicius de Moraes - Dia da Criação (Porque hoje(ontem) é sábado)

O despertar da América Latina


Selvino Heck* no ADITAL
 

O Presidente Pepe Mujica, do Uruguai, fez um discurso que comoveu e empolgou todas e todos que estavam no encerramento da Cúpula Social do Mercosul, como eu, a delegação da Secretaria Geral da Presidência da República e de movimentos sociais brasileiros, dia 28 de junho, em Assunção, Paraguai:
"Ocupamos uma parte importante de nossa vida para trabalhar pelos outros para um mundo melhor. A vida é maravilhosa, quase um milagre. E a vida vale a pena quando é vivida com gana. Apesar de todas as dores, muitas graças à vida. Mas para que a vida seja bela, precisa dar-lhe um conteúdo.Vocês, companheiros da militância social, estão lutando por uma causa que necessita vocês fazerem algo, para não serem uma onda ao vento.
Temos duas mãos. Uma mão para lutar por salário e emprego, para mover a matéria, para mudar as condições materiais do mundo. Mas temos a outra, para dar algo aos demais. Sempre, por mais difícil que seja,vocês poderão dar algo aos demais.
Temos que nos juntar para ter algo neste mundo, para ter presença internacional. Temos que nos juntar, juntar, juntar. Juntar nossas debilidades para ter força. Não é simples, porque a herança cultural nos tem imobilizado. Uma pátria tem que estar junto da outra.Tendemos a permanecer atomizados e diluídos, porque não vemos as ataduras que temos, não nos damos conta.
Por isso, companheiros, esta luta não tem fim na nossa geração. Nós herdamos a herança de outros que romperam a alma pra chegar aqui. Senão teríamos ainda gente escrava. Isso tudo não serve para nada se não aparece o humano. Necessitamos precisamente de um grande grau de tolerância para construir esse coletivo forte.
A humanidade progrediu porque teve gente que lutou, lutou, lutou e lutou. Não só para que os reconheçam, mas para dar um conteúdo à vida. Nós temos que fazer a nossa parte, para que os que venham depois possam ser convocados à vida. Para que se tenha um mundo um pouco melhor que o nosso. Muito obrigado, companheiros.”
A Cúpula Social do Mercosul aconteceu paralelamente à Cúpula dos Presidentes. Teve dezenas de mesas e trabalho sobre comunicação social, educação popular, tecnologia social, cultura, soberania alimentar, economia solidária, terra e reforma agrária, saúde, juventude, gênero e diversidade, povos originários, migração e tráfico de pessoas, mudanças climáticas, esportes.
O documento sobre educação popular, de cuja Mesa de Trabalho participei, com o tema central formação de professores, diz: "Décadas de luta dos setores comprometidos com a superação da situação - influência dos países centrais, dependência científica e tecnológica, limitação das liberdades e derrubada dos governos democráticos – e com a construção de uma sociedade mais justa, solidária, democrática nos situam hoje em um momento histórico propício para que as reivindicações, bandeiras e experiências dos setores populares e sociais se encontrem com os projetos políticos dos governos de nossa região.
Ninguém pode negar que a transformação do destino de nossas nações assenta-se na unidade e na mudança cultural. Pode-se pensar, sem dramatizar o futuro, que a ‘exclusão social’ constitui o eixo que se deve abordar com urgência para construir instâncias genuínas de organização, educação, trabalho, justiça social e esperanças compartilhadas.
Neste Espaço Social do Mercosul, destacamos que a Educação, seja a formal, seja a popular, é uma ferramenta possível para instalar, durante os próximos 30 anos, os desafios da modificação cultural necessária que assegure e afirme a vontade ideológica e política que imaginaram os homens e mulheres sábios de nossa América do Sul.
O educador, a educadora são atores específicos que colaboram para promover espaços coletivos de diálogo na sociedade e oferecem as ferramentas chaves para compreender porque as coisas são assim e instalar as competências necessárias e a esperança para modificar os sistemas injustos, a partir da pluralidade das organizações do povo.
É necessário um debate profundo da sociedade latino-americana para articular estratégias no interior do MERCOSUL e da UNASUL sobre a educação que necessitamos. As ferramentas a utilizar são numerosas, outras a construir, porém não deixemos que voltem a interromper o caminho que iniciamos. Necessita-se o compromisso de TODAS e TODOS para assegurar uma mudança substancial e democrática para a felicidade de nossos povos.”
O presidente Lugo do Paraguai, o presidente Rafael Correa do Equador, o presidente Pepe Mujica do Uruguai, a presidenta Dilma do Brasil reafirmaram a unidade sul-americana num momento especial de mudanças, de desenvolvimento sustentável, de participação social, de democracia e de protagonismo no mundo.
Como disse Maria Eugênia Insaurralde, Coordenadora Geral do Centro de Estudos e Educação Popular de Assunção, Paraguai, na Mesa de Trabalho sobre educação popular: "Este é um momento histórico na nossa América Latina. Estamos construindo algo novo e diferente. Tenho 33 anos e me sinto parte desta caminhada de lutadoras e lutadores do povo ao longo do tempo.”

* Assessor Especial da Secretaria Geral da Presidência da República

A resposta política para a crise


Operários liderados pelo sindicalismo mais forte do país, um dos mais organizados do mundo, que gerou o PT e três presidências da República com a energia liberada pelos levantes grevistas dos anos 70/80, lutam agora contra a desindustrialização. A nova agenda do ABC marca um salto na compreensão das interações perversas que subordinam o emprego, o salário e a própria sobrevivência operária à corrosão industrial e ao seu algoz: as taxas de juros praticadas no país. O artigo é de Saul Leblon.


A desordem financeira mundial não cederá tão cedo, nem tão facilmente. A consciência dessa travessia histórica é um dado fundamental para a ação política em nosso tempo.

O movimento estrutural de expansão do capital financeiro, cuja supremacia determina a dinâmica da economia e impõe dramáticos constrangimentos à soberania democrática da sociedade antecede e realimenta o colapso mundial iniciado em 2007/2008. (Leia mais sobre esse tema nos capítulos inéditos do novo livro de Luiz Gonzaga Belluzzo publicados por Carta Maior.)

Não há economicismo nessa constatação. A política contribuiu de maneira inestimável para o modo como essa lógica se impôs, a velocidade com que ela se consolidou, a virulência de sua hegemonia e a brutal agonia da decadência atual.

A espoleta da maior crise do capitalismo desde 1929 foi o recuo desastroso do controle da Democracia sobre o poder do Dinheiro. Seu vetor, o desmonte das travas regulatórias do sistema bancário consolidado no pós-guerra, não foi obra do acaso.

Recuos e derrotas acumulados pela esquerda mundial desde os anos 70, sobretudo a colonização de seu arcabouço programático pelos valores e interditos neoliberais, alargaram os vertedouros para o espraiamento de uma dominância financeira , cuja presença tornou-se ubíqua em todas as esferas da vida humana.

A queda do Muro de Berlim em novembro de 1989 sancionou no imaginário social a supremacia de uma ordem regressiva que agora vive a sua fase crepuscular.

Recolher esse caudal selvagem aos diques preexistentes do século 20 é tão plausível quanto devolver a pasta de dente ao tubo.

A sociedade que cedeu a soberania ao suposto poder autorregulador dos mercados perdeu a capacidade institucional de gerar antídotos às degenerações intrínsecas a essa renúncia.

A democracia terá que reinventar-se para que tal possibilidade se recoloque no horizonte da ação política.

Massas ‘indignadas’ reunidas nas ruas e praças da periferia européia, hoje o vulcão mais ativo da crise mundial, sinalizam um deslocamento de forças rumo a esse ponto de mutação.

No Brasil, a greve simbólica de algumas horas decretada pelos operários metalúrgicos do ABC paulista, na sexta-feira, dia 08-07, sugere uma condensação de consciência política na mesma direção.

Operários liderados pelo sindicalismo mais forte do país, um dos mais organizados do mundo, que gerou o PT e três presidências da República com a energia liberada pelos levantes grevistas dos anos 70/80, lutam agora contra a desindustrialização.

Que o noticiário econômico e político tenha dispensado pouca ou nenhuma atenção à singularidade desse evento apenas confirma a inapetência desse jornalismo para enxergar além da lógica mercadista.

A nova agenda do ABC marca um salto na compreensão das interações perversas que subordinam o emprego, o salário e a própria sobrevivência operária à corrosão industrial e ao seu algoz: as taxas de juros praticadas no país.

No Brasil, a política monetária --esfera do Estado sob a prerrogativa absoluta dos mercados financeiros-- oferece aos capitais especulativos 6% de valorização real ao ano. A média mundial essa taxa oscila entre zero e negativa.

No pós-crise, a confluência desse lubrificante com a robustez do mercado nacional, mais a liberdade cambial, transformou-se em armadilha cambial. Contra a produção e o emprego local. A valorização da moeda desloca demanda e vagas para o exterior via importações.

Na última sexta-feira, o presidente do sindicato dos metalúrgicos do ABC, Sérgio Nobre, liderou uma passeata de milhares de operários que desligaram as máquinas para protestar contra a desindustrialização embutida nessa engrenagem.

Nobre fez uma rápida conta para ilustrar o estrago em curso no país.

Um milhão de automóveis importados ingressarão no mercado brasileiro este ano, segundo o dirigente do ABC.

É mais do que 1/3 das 2, 8 milhões de unidades fabricadas no país em 2010, que empregaram 138 mil operários nas linhas de montagem.

A importação prevista em 2011, portanto, corresponde a uma perda potencial de oportunidades de trabalho equivalente a 40 mil empregos. A Fiat, a maior fábrica do país hoje tem 38 mil funcionários.

Outras correlações entre a política monetária e as condições da vida social poderão assumir um teor igualmente explosivo, caso as lideranças sindicais resolvam incorporá-las à agenda das mobilizações operárias.

Os juros da dívida interna custaram ao país R$ 213 bi nos últimos 12 meses (uma parte paga, uma parte agregada ao saldo devedor).

O orçamento reservado à educação pública brasileira em 2011 é inferior a 1/3 disso, R$ 65 bi.

O financiamento de 2 milhões de residências do Minha Casa, Minha Vida vai custar R$ 125 bi aos fundos públicos em quatro anos.

Significa que um ano de juro da dívida daria quase para dobrar a oferta de habitações populares. Ou zerar o déficit de sete milhões de unidades em pouco mais de três anos.

Os investimentos totais do PAC em infraestrutura em estradas saneamento, energia elétrica etc este ano vão atingir R$ 32 bi em 2011. O juro da dívida custa seis vezes mais.

Um ano de juro da dívida equivale a 71 anos de merenda escolar diária para 47 milhões de crianças e adolescentes da rede pública brasileira.

O Bolsa Família poderia elevar o benefício médio do programa para R$ 1.400,00 mensais, contra média atual de R$ 155,0, se fosse possível inverter os fluxos: os rentistas ficariam com os R$ 17 bi do programa e as 12,3 milhões de famílias mais pobres do país teriam os bilhões devorados por eles.

O tema que os operários do ABC acabam de incorporar a sua agenda
é a síntese maléfica dessa dinâmica.

Dois pilares da hegemonia neoliberal condensam-se para desencadear o processo de desindustrialização: a livre mobilidade dos capitais e a captura dos fundos públicos pelo capital financeiro, através do pagamento de juros aos títulos da dívida interna.

Há duas formas de se quebrar essa simbiose que sequestra a democracia no cativeiro de interdições financeiras.

Uma derrubada fulminante dos juros aboliria o incentivo do carry-trade. A expressão refere-se ao ganho diferencial obtido entre a tomada especulativa de recursos a juro zero nos EUA, por exemplo, e sua aplicação aqui a 6% reais ao ano, fora o plus da desvalorização cambial no período

O inconveniente de uma queda abrupta dos juros é o seu potencial inflacionário. O menor afluxo de capitais daí decorrente encareceria as importações e sancionaria reajustes internos de preços.

Uma alternativa seria centralizar o câmbio no Banco Central.

O Estado teria o monopólio sobre a entradas e a saída de moeda forte. Capitais especulativos seriam barrados em quarentena. A indigestão cambial que hoje valoriza a moeda brasileira e promove a importação desenfreada de manufaturas seria revertida.

Embora considere essa hipótese de difícil implementação, por conta das resistências políticas, a economista Daniela Prates, da Unicamp, lembra que o governo dispõe de instrumento legal para fazê-lo.

“Toda a liberação de capital no país foi autorizada através de medida provisória do Banco Central, sem passar pelo Congresso. Não é lei. A lei verdadeira que trata da matéria, a 4131 continua em vigor”, explica.

Instituída em 1962, a Lei 4131 sobreviveu à ditadura militar protegida pelo verniz nacionalista de alguns segmentos do Exército.

No ciclo de desregulação ortodoxa, o tucanato preferiu enfraquece-la –o que ocorreu também no primeiro mandato de Lula, quando Antonio Palocci era ministro da fazenda - a correr o risco de um desgastante empenho pela sua revogação no Congresso.

Basicamente, a 4131 dá ao Estado brasileiro poderes cambiais equivalentes aos exercidos hoje pelo governo chinês, e que explicam uma parte do êxito exportador da nova fábrica manufatureira do mundo.

Em vez da livre mobilidade de capitais –que tucanos como Pérsio Arida querem transformar em livre conversibilidade, o que implica renunciar à moeda própria - a 4131 prevê o monopólio cambial do Estado brasileiro.

Se quiser o governo tem amparo legal para controlar o ingresso de capitais de risco, a inversão inicial ou reinvestimento, bem como empréstimos e financiamentos, ademais das remessas na forma de licenças de patentes e marcas, contratos de assistência técnica, outros serviços e transferências de patrimônio etc.

Desprovida das forças políticas que lhe deram sustentação e pertinência no passado, a 4131 soa hoje como um anacronismo, quase um zumbi-jurídico no baile neoliberal.

A crise que liberou novos atores e novas agendas sugere, porém, que esse vazio de conteúdo histórico pode mudar.

Se o FMI já admite o recurso ao controle de capitais – hipótese keynesiana prevista no seu estatuto que também resistiu ao vale tudo das últimas décadas — e os metalúrgicos do ABC decidiram marchar contra a industrialização, a 4131 pode, em tese, ganhar um aggiornamento. E assumir nova pertinência na agenda do desenvolvimento pós-crise.

O governo por enquanto tem preferido agir de forma gradualista contra o tsunami especulativo de dólares.

“Mas o gradualismo não está dando resultado”, contrapõe a economista Daniela Prates, professora da Unicamp. Embora as autoridades brasileiras tenham tomado uma série de medidas para conter o ingresso de capitais especulativos –aumento do IOF de 6% sobre captações de empresas no exterior; aumento do compulsório bancário para captações externas com prazo inferior a dois anos etc— o preço da moeda norte-americana, de fato, continua a deslizar em relação ao real.

Embora o ingresso de divisas tenha caído fortemente no último trimestre.
no início de julho, o dólar atingiu o valor mais baixo desde 1999. Diante do revés, o governo resolveu agir sobre um flanco que maximiza as distorções cambiais: o mercado futuro . Uma espécie de guichê de aposta especulativa sobre a evolução do câmbio, essa roleta gira atualmente US$ 23 bilhões, volume bem superior ao movimento físico diário de moeda estrangeira no país.

Em tese, o mercado futuro deveria proteger exportadores e importadores que fecham a sua taxa cambial previamente, precavendo-se contra surpresas na hora de efetivar compras ou vendas.

A exemplo dos fundos hedge, porém, e das bolsas de commodities, o que deveria ser um fator de estabilidade foi capturado pelo dinheiro especulativo. No caso brasileiro, isso se traduz em apostas crescentes na desvalorização do dólar com lucros extras nas operações de carry-trade (além do juro, ganha-se mais dólares na reconversão cambial na hora da remessa).

A queda de 3% no valor do dólar na segunda quinzena de junho, por exemplo, deu a esses apostadores ‘vendidos’ na moeda norte-americana um ganho equivalente a 24 meses de carregamento de títulos do Tesouro norte-americano. Repetindo, em 15 dias a rentabilidade de 24 meses...

Para reduzir esse atrativo descomunal, o governo subiu um novo degrau no gradualismo na sexta-feira (08-07), obrigando os bancos a recolher no BC o equivalente a 60% do valor das suas posições ‘vendidos’ no mercado futuro.

A economista Daniela Prates acredita que a ‘paulada’ deveria ser mais direcionada ao capital estrangeiro que vem engordar no jogo cambial.

“Seria preciso”, explica, “exigir que as apostas no câmbio futuro tivessem um maior comprometimento em moeda física. O depósito exigido atualmente é de apenas 8% do valor do contrato”.

Tal alavancagem é absurda para as condições de um país espremido pelo desequilíbrio cambial: com US$ 8 milhões de depósito efetivo, por exemplo, o especulador movimenta contratos no valor de US$ 100 milhões e exerce uma influencia desproporcional sobre a taxa de câmbio do país.

Daniela Prates entende que a fase da mitigação esgotou seus instrumentos e o governo precisa agir com maior contundência.

Ela recomenda também uma ‘paulada’ no IOF sobre apostas cambiais no mercado futuro .E sugere: “A cobrança deveria recair sobre o valor total dos contratos e não apenas sobre o depósito de garantia, como acontece atualmente”.

Medidas incrementais mais duras que o mercado tem sucessivamente contornado, ou o resgate do controle de capitais permitido pela lei 4131? A decisão na verdade não depende apenas de escolhas teóricas. “Estamos diante de um fator político, assim como a explicação para a taxa de juros vigente no país extrapola razões de natureza meramente econômica”, resume a economista da Unicamp.

Nos anos 70, quando a disposição dos sindicatos do ABC de derrubar o arrocho salarial coincidiu com a saturação política e social de amplas camadas da sociedade brasileira em relação à ditadura, os metalúrgicos souberam ir além dos limites corporativos para liderar uma nova agenda histórica.

Ainda é cedo para saber se eles podem repetir a façanha agora.
Os desafios e a relação de forças são distintos. Em alguns aspectos até mais favoráveis.

Existe maior organização e capilaridade das forças de esquerda no país; há liberdade de expressão e o governo tem recorte progressista.

Raras vezes, exceto em breves momentos da disputa eleitoral dos últimos anos essa paleta de forças se mobilizou de forma coordenada e contundente. Em certa medida, é desconhecida a extensão de seu poder.

Incerto também é o comportamento político da massa de 50 milhões de brasileiros que ascenderam socialmente através das políticas públicas implantadas desde 2003.

Uma certeza, porém, emerge das tensões e esgotamentos refletidos nos indicadores econômicos do pós-crise mundial: o tempo do fatalismo econômico parece ter chegado ao fim. A política está de volta às ruas. E o futuro pede para ser reinventado.

A encruzilhada do desenvolvimento


O atual tripé da política econômica (superávit primário alto, câmbio flexível e o sistema de metas de inflação) dará sustentação ao crescimento e conduzirá o país a um novo patamar de desenvolvimento, alterando a distribuição de renda e riqueza em direção a mais igualdade?
por Clemente Ganz Lúcio, Sérgio Eduardo Arbulu Mendonça
O Brasil vem crescendo a uma taxa de 4,5%, em média, nos últimos sete anos (2004-2010). Esse novo patamar, após longo período de baixo crescimento, tem renovado as expectativas da sociedade brasileira. As taxas de desemprego voltaram aos níveis de vinte anos atrás, e a criação de novos empregos – a grande maioria com carteira de trabalho assinada, nos setores privado e público – tem superado o número de ingressantes no mercado de trabalho. Essa dinâmica, em que a demanda de trabalho tem ultrapassado a oferta, contribui para a redução do desemprego. Um conjunto de outras políticas públicas, como a valorização do salário mínimo, o Bolsa Família e a política de crédito, impulsiona o crescimento da economia, criando um círculo virtuoso de expansão da renda e do emprego.
Essa sensação de bem-estar e otimismo não deve encobrir, contudo, os desafios e obstáculos a superar para que o país trilhe uma rota de desenvolvimento com inclusão e melhoria do padrão de vida de toda a população, capaz de reduzir a enorme desigualdade de renda e riqueza ainda vigente no Brasil. E o enfrentamento desses desafios exige a implantação de políticas que vão além da política econômica ou macroeconômica, embora esta seja peça estratégica para o país atingir um patamar superior de desenvolvimento.
O que caracteriza o atual estágio de desenvolvimento e qual o papel da política econômica?
Em 2011, o Produto Interno Bruto por habitante (PIB per capita) no Brasil, importante indicador para avaliar o estágio de desenvolvimento dos países, deve atingir cerca de R$ 20 mil, ou US$ 12 mil. Para efeito de comparação, os EUA atingiram um PIB per capitade US$ 47 mil em 2010, quase quatro vezes o do Brasil. Ainda que se considere que atingir esse nível de renda dos EUA e dos países desenvolvidos pode demorar um longo tempo, não há como ignorá-lo como uma meta importante de bem-estar da população mundial.1
Já tendo iniciado esse movimento, nas próximas duas a três décadas o Brasil vai aprofundar o fenômeno que os especialistas em demografia denominam de janela de oportunidade demográfica ou bônus demográfico. Nos próximos vinte a trinta anos, a proporção da população jovem e adulta em relação à população que não trabalha (dependente) vai atingir o maior patamar. Nesse período, o país poderá alcançar o mais alto potencial produtivo em muitas décadas, elevando as oportunidades de criação de renda, riqueza e bem--estar para a população.
Para “realizar” esse potencial é necessário crescer e incluir a população que chega todo ano ao mercado de trabalho, gerando empregos e ocupações decentes e produtivas e pagando salários mais altos. A pergunta é mais que oportuna. Com a atual política econômica nós vamos chegar lá?
A atual política econômica está apoiada num tripé: o superávit primário das contas públicas, a taxa de câmbio flexível e o sistema de metas de inflação sob comando do Banco Central. E quais são seus principais resultados?
Convivemos com as mais altas taxas de juros reais (descontada a inflação) do mundo. Temos a mais alta carga tributária (a relação entre os impostos arrecadados e o tamanho da economia) entre os países com o mesmo nível de renda per capita. E, nos últimos anos, há uma forte tendência à apreciação da moeda brasileira, dificultando a competitividade dos produtos exportados pelo Brasil e aumentando a facilidade de importar produtos de outros países.
Antes de enfrentarmos o debate sobre a política econômica, cabe registrar que existem diversos obstáculos estruturais ao desenvolvimento. A qualidade da educação, especialmente a educação pública e universal, a carência de infraestrutura econômica, a saúde e o déficit habitacional, talvez estejam entre os principais. Atingir outro patamar de desenvolvimento implica enfrentar esses desafios, sem o que, apenas crescer em termos econômicos não significará bem-estar para todos os brasileiros.
Apesar dos problemas apontados acima, se o país sustentar o atual ritmo de crescimento, entre 4,5% a 5%, nos próximos dez anos (ou até antes desse prazo), a economia brasileira vai se tornar a quinta maior do mundo. Nosso PIB ultrapassará, em tamanho, o da França e o da Inglaterra (embora tenhamos uma renda per capita bem menor).
Ainda que não se trate de competição entre países, tal fato representará uma espécie de encontro com nosso destino, já que temos a quinta ou sexta maior população do planeta (devemos ser ultrapassados pelo Paquistão em poucos anos).
 
Mudar o time que está ganhando?

Voltando ao tema central deste artigo, é necessário mudar a atual política econômica, que é a mesma política adotada na maioria dos países, sobretudo os emergentes? Ou, dito de outra forma, o atual tripé da política econômica dará sustentação ao crescimento e conduzirá o país a um novo patamar de desenvolvimento, alterando a distribuição de renda e riqueza em direção a mais igualdade?
A discussão sobre a atual política econômica, em senso estrito, dificilmente criará condições políticas para alterá-la, considerando os interesses internos e externos que trabalham para mantê-la. É necessário ampliar a dimensão do debate, trazendo ao palco público o tema do desenvolvimento nacional. Senão – dirão os pragmáticos e defensores da atual política – para que mexer em time que está ganhando, uma vez que o país está crescendo, gerando emprego, reduzindo o desemprego e, ainda que timidamente, a desigualdade da renda do trabalho?
A resposta para essa pergunta, no nosso entender, só é possível condicionando a discussão da política econômica ao debate mais amplo do desenvolvimento nacional. Resgatar a ideia de que a política econômica e as demais políticas correlatas (fiscal, tributária, cambial) devem estar subordinadas ao objetivo maior do desenvolvimento nacional e da distribuição da renda.
Na prática, significa dizer que as taxas reais de juros têm de cair para níveis internacionais (muito baixos), a moeda brasileira não pode continuar se apreciando e colocando em risco diversos setores, em particular o setor industrial. Por sua vez, a dimensão do gasto público deve considerar a superação dos principais problemas como erradicação da pobreza, qualidade da educação e da saúde, eliminação do déficit habitacional e construção da infraestrutura econômica.
Iniciemos pelos vergonhosos juros praticados no Brasil. Por que são tão altos? A que interesses respondem?
Certamente aos interesses do rentismo arraigado da parcela endinheirada da sociedade brasileira que deles se beneficia. É uma enorme simplificação, no debate econômico e político, “culpar” o Banco Central e seus diretores, que compõem o Copom,2 pelas decisões sobre o nível dos juros no Brasil. Ou “culpar” a ganância dos bancos que a cada ano apresentam lucros recordes nos seus balanços, influenciados por essas taxas exorbitantes. Sem dúvida, essas instituições contribuem para esse estado de coisas. Mas não devemos ignorar que juros altos refletem os interesses de alguns milhões de brasileiros, ou estrangeiros, que aplicam seus recursos no sistema financeiro brasileiro, inclusive os pequenos poupadores que, em geral, desconhecem a lógica de funcionamento de nosso sistema financeiro. O fato é que a forma de financiamento da nossa dívida pública acaba premiando os aplicadores no curto prazo. Ao contrário da maioria dos países, nos quais a maior rentabilidade das aplicações tem como contrapartida aplicações em títulos de longo prazo, no Brasil, o aplicador ou o especulador tem alto retorno em aplicações de curtíssimo prazo.
O desmonte dessa perversa engrenagem é inadiável. Mas só será feito com forte apoio da parcela da sociedade penalizada por esse modelo. E quem são os prejudicados por essa política de juros altos? Os trabalhadores que dependem do crescimento, dos investimentos e da geração de empregos; os micro e pequenos empresários que dependem de crédito barato para expandir seus negócios; a população mais carente que depende das políticas públicas de educação, saúde, seguridade social, habitação, transferência de renda e investimento público em infraestrutura. Não é possível ignorar o prejuízo para as políticas públicas que decorre do “rombo” que esses juros provocam no orçamento fiscal, forçando a manutenção de altos superávits e contenção de gastos, e limitando o uso desses recursos para fortalecer e ampliar essas políticas.
Nessa complexa teia de interesses, o poder de vocalização e pressão dos agentes envolvidos é muito assimétrico. Enquanto o interesse das altas finanças e do rentismo domina os principais meios de comunicação e defende a manutenção dos juros mais altos do mundo, atacando a voracidade de um Estado perdulário e endividado, os trabalhadores e a maioria da população que não aplica recursos no sistema financeiro não têm o mesmo poder de influência no debate público. Registre-se, contudo, que o movimento sindical e outras forças sociais, incluindo empresários do setor industrial, têm criticado insistentemente essa política nos últimos anos.
 
Outra dimensão importante do atual funcionamento da economia brasileira é a tendência de apreciação da moeda brasileira em relação ao dólar e às demais moedas (euro, iene, yuan, peso). Tudo se passa como se essa valorização fosse resultado “natural” do recente sucesso da economia brasileira. Explica-se essa tendência de valorização pelos êxitos do país em termos de crescimento.3 A boa performance da economia brasileira atrai investimentos externos em carteira (títulos, ações) e investimentos produtivos que pressionam a moeda brasileira para cima. Só não é dito que a total liberdade do fluxo de capitais, associada às mais altas taxas de juros do mundo, torna o Brasil o local mais atraente para aplicações estrangeiras de curto prazo. Aplicações que têm como lastro uma dívida pública líquida e um Estado solvente que não dá calote! Nessa situação é muito difícil impedir a valorização da moeda brasileira!
A taxa de câmbio não está dissociada, portanto, dos juros altos. Historicamente, é importante frisar, os países que se desenvolveram e atingiram níveis elevados de renda per capita utilizaram largamente instrumentos de proteção de sua indústria nascente e de seu espaço econômico. E, diga-se de passagem, até hoje o fazem. Casos como os da Alemanha e dos EUA são conhecidos na literatura econômica. Os exemplos recentes são ilustrativos. O mais importante é o da China, que mantém estrito controle sobre o valor, desvalorizado, de sua moeda. Exigir que países no estágio de desenvolvimento do Brasil abram seus mercados e valorizem sua moeda não é nem natural, nem utiliza como aprendizado a história de países que atingiram altos estágios de desenvolvimento.
 
Impostos: fonte de injustiças

Outro ponto da política econômica merece ser debatido no contexto de um projeto nacional de desenvolvimento. Trata-se da estrutura tributária brasileira. Virou lugar-comum falar mal da elevada carga tributária brasileira. Ela é mesmo alta, considerando a nossa renda por habitante. Destrinchar esse enigma da alta carga tributária é muito importante para o futuro do país.
No Brasil, as famílias e pessoas de alta renda pagam poucos impostos (quando pagam). Mais da metade da carga tributária brasileira (alguns estudos apontam cerca de 60%) é constituída por tributos indiretos que incidem no consumo e no faturamento das empresas. Os impostos sobre a renda e o patrimônio, embora justos em termos de equidade, são minoritários no bolo da arrecadação tributária. Mesmo no caso do imposto de renda, a maior parcela do montante arrecadado é constituída pelo imposto retido na fonte dos assalariados, e não das pessoas e famílias de renda mais alta.
Os impostos indiretos que incidem na circulação e no faturamento de bens e serviços são integralmente repassados para os preços, e pagos por toda a população. Nesse modelo, os que ganham menos pagam mais impostos, já que o valor do imposto cobrado do consumidor, de alta ou baixa renda, é o mesmo. É o Robin Hood às avessas, quem pode mais paga menos!
A estrutura do sistema tributário nacional tem tudo a ver com o recorrente debate sobre a competitividade da economia brasileira. Como os impostos indiretos estão embutidos nos preços dos bens e serviços, quanto mais dependente dos impostos indiretos é a arrecadação tributária, mais caros e menos competitivos são os produtos brasileiros, dificultando sua competitividade no comércio internacional. Uma profunda mudança do sistema tributário, que alterasse as bases da tributação, aumentando a arrecadação pela via dos impostos sobre a renda e o patrimônio, além da indiscutível justiça em tributar quem tem mais, teria enorme influência na competitividade internacional da economia brasileira.
Não há como negar que avançamos muito nos últimos anos no Brasil. O novo patamar de crescimento e de geração de empregos, as políticas de valorização do salário mínimo, transferência de renda, expansão do crédito, entre outras, foram escolhas importantes da sociedade e do governo federal para atingir esse novo estágio de desenvolvimento.
Caminhando para se transformar na quinta economia do mundo, o Brasil tem atraído as atenções. Os grandes eventos esportivos (Copa e Olimpíadas), a necessária e urgente recuperação da infraestrutura econômica e a descoberta do pré-sal têm criado condições para que sonhemos com um futuro promissor.
Nesse futuro, a imagem de um copo com água pela metade talvez sintetize nosso atual momento. Ou a frase “tão perto, tão longe” possa expressar os próximos desafios. Manter o crescimento acelerado vai introduzir tensões inevitáveis na legítima disputa pela renda nas próximas décadas. Um exemplo oportuno é o atual debate sobre os salários no Brasil. É difícil visualizar um país desenvolvido com os trabalhadores recebendo salários baixos. A trajetória do nosso desenvolvimento passa pela elevação da participação dos salários na renda nacional. Não há outro caminho.
Acompanhando os termos da discussão desse tema atualmente, os analistas de sempre dizem que os salários não podem crescer acima da produtividade. Não há como ignorar que a produtividade é um fator importante para viabilizar a elevação da renda per capita no Brasil. Mas, mantido o crescimento dos salários segundo a produtividade, teremos congelada a atual e injusta distribuição de renda.
Esse talvez seja o principal desafio do país nos próximos anos. Como aumentar os salários e manter a competitividade da economia brasileira? Reduzir a carga de juros, transformar a estrutura tributária e manter o câmbio em patamar competitivo é o caminho para que o país cresça, os salários subam e a distribuição de renda se modifique sem que as tensões dessa legítima disputa impeçam o desenvolvimento.

Clemente Ganz Lúcio é diretor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) e membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social - CDES.

Sérgio Eduardo Arbulu Mendonça
Economista, técnico do DIEESE.

1 Não desconsideramos que o debate sobre o nível de renda per capita, ainda que importante, não deve ser realizado sem envolver a dimensão socioambiental.
2 Comitê de Política Monetária, instituído em 20 de junho de 2006, composto pela diretoria do Banco Central.
3 Atualmente, se essa fosse a única explicação, a moeda chinesa seria a mais valorizada do mundo!