Celso Lungaretti no Pátria Latina
Os companheiros que moram em São Paulo tem um dever a cumprir na 4ª feira (27) da semana que vem: o Coletivo Merlino e o Grupo Tortura Nunca Mais/SP pedem comparecimento em peso à audiência marcada para as 14h30, no Fórum João Mendes (pça. João Mendes, centro velho de SP). Na ocasião, o ex-comandante do DOI-Codi paulista, Carlos Alberto Brilhante Ustra, será confrontado com as testemunhas da morte do jornalista Luiz Eduardo Merlino, um dos aproximadamente 40 resistentes assassinados naquele centro de torturas da rua Tutóia, durante os anos de chumbo.
Trata-se do segundo processo movido pela família de Merlino contra Ustra. O anterior foi arquivado em 2008 graças a um subterfúgio legal, conforme expliquei na época:
A família voltou à carga com uma ação por danos morais acusando Ustra de responsável pela morte sob tortura de Merlino, em julho de 1971, nas dependências do DOI-Codi. E a corte, desta vez, rechaçou as manobras evasivas.
Vão depor, no dia 27, testemunhas da tortura e morte de Merlino, como cinco companheiros de militância no Partido Operário Comunista (Otacílio Cecchini, Eleonora Menicucci de Oliveira, Laurindo Junqueira Filho, Leane de Almeida e Ricardo Prata Soares); o ex-ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo de Tarso Vanucchi; e o historiador e escritor Joel Rufino dos Santos.
As testemunhas do torturador, ouvidas por carta precatória, serão José Sarney, Jarbas Passarinho, um coronel e três generais da reserva do Exército brasileiro. O primeiro foi um figurão do partido de pinóquios que negavam a existência das torturas e o segundo, ministro de governos ditatoriais que praticaram a tortura em larga escala e sem limites. Para bom entendedor...
Já declarado torturador pela Justiça paulista noutro processo, Brilhante Ustra agora poderá ter oficializada a condição de assassino.
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Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
sábado, 23 de julho de 2011
IMPERDÍVEL: UM TORTURADOR NO BANCO DOS RÉUS
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sexta-feira, 22 de julho de 2011
A voz da Presidenta não deve ter donos
Brizola Neto no TIJOLACO
Infeliz e perigosa a idéia de fazer uma “multiexclusiva” entrevista da Presidente Dilma Rousseff a um “seleto” grupo de jornalistas. Ou melhor, grupo de jornais, os grandes. Eles, apenas eles, sem fotos, sem gravação, sem imagem.
Logo, embora não se duvide da honestidade pessoal de nenhum dos profissionais, tudo está sujeito à forma que dão e derem às palavras da Presidenta.
E, claro, já a deram.
Dilma descarta controle da inflação com crescimento zero, emenda o Estadão.
Que a presidenta quer e age para manter o crescimento, ninguém pode duvidar. Os projetos estruturantes prosseguem, sobretudo o PAC 2, foi lançado o “Brasil sem Miséria”, haverá desonerações tributárias.
Mas permitiu, com esta forma escolhida para dizê-lo, que jogassem em seu colo a inflação. Que não é dela, nem do Governo, nem da falta de uma política monetária dura.
A imprensa escolhe o “lead” e ele veio, muito provavelmente, de um ponderação óbvia: a de que Dilma não adotará uma política recessiva para conter as pressões inflacionárias.
Ora, disso todos sabíamos, e sabemos. Mas faltava a frase, e a frase veio porque, neste tipo de convescote, baixa-se a guarda.
A Presidenta não “descarta” o controle da inflação. Muito menos pode dizer que “não reduzirá” uma inflação que não está em seu pleno poder decidir se fará ou não se reduzir.
A escolha desta forma de comunicação fez com que se pudesse dizer por “toda” a imprensa- e sem nada que possa mostrar que não foi isso que se disse – que a Presidenta Dilma tolera a inflação, em nome do crescimento econômico.
Ao contrário. Dilma, contra a grita desta mesma imprensa, segurou os preços da gasolina na Petrobras e agiu para derrubar os do etanol. Sob seu governo, para contê-la, o Banco Central já submeteu o país e suas forças produtivas a um aumento de 1,75% na taxa pública de juros, contra um aumento de o,8% na inflação acumulada em 12 meses. Quase todo o resto do mundo pratica taxas negativas de juros, em busca de reativação das suas economia. Nos juros, somos os campeões do mundo, disparado.
Portanto, a presidenta não escolheu “não reduzir” a inflação ou descartar seu controle, em nome do crescimento. Só escolheu não detonar uma política ferozmente recessiva, que arruinasse o país para baixar um pouquinho a inflação e, claro, proporcionar lucros mais monstruosos ao sistema financeiro. E nem assim, talvez, adiantasse, com a gigantesca entrada de capitais e a ameaça mundial representada pela crise europeia e o impasse da dívida pública americana.
Que estratégia “brilhante” é essa de a ligar a uma decisão da Presidenta o aumento – ou mesmo uma “não-queda” – dos preços? Ainda mais agora, quando felizmente há sinais de que o BC interromperá a sequência de altas na Selic?
Foi “uma ideia genial”, é obvio, para virar a corrosiva pauta que de lá mesmo saiu, a de colocar toda a atividade da Presidenta voltada para a tal “faxina” ética. Dá muito bons resultados no curto prazo, isso, só que já perceberam que é também uma máquina de denúncias que perde todos os limites e que transforma tudo o que o governo faz, mesmo o bem feito, em fonte de suspeitas de negociatas.
Seguir a agenda da mídia e entregar a ela o ritmo do Governo é mais que um risco, é um erro.
Situações importantes, decisivas para que a população entenda quais são os compromissos de Dilma, como o lançamento do plano “Brasil sem Miséria” e a inauguração da plataforma P-56 da Petrobras, a de maior conteúdo nacional já construída, foram queimadas na fogueira do caso Palocci. A marcação da entrevista do então ministro ao Jornal Nacional para o mesmo dia do lançamento da nossa gigante petroleira, foi uma “pérola” de marketing. A grande festa virou uma “nota coberta” no JN.
A presidente pode e deve dar entrevistas a todos os jornalistas; entrevistas exclusivas, também.
Mas jamais se colocar de mãos atadas à interpretação que a mídia der às suas palavras.
Ela pode ter falado meia hora, e com ênfase, no seu compromisso com o crescimento da economia, do emprego e da renda, da inclusão dos brasileiros ainda miseráveis.
Mas a manchete será a de que ela “tolera” a inflação em nome de um crescimento que é apenas mencionadoen passant.
Quem não souber disso e expuser assim a Presidenta, ou é muito ingênuo e acredita que a mídia vai se encantar com as deferências presidenciais, ou é quem não “pegou” a idéia – tantas vezes repetida por Lula – de que, se dependesse dos “formadores de opinião” este país ainda seria o “Brasil da roda-presa”.
América Latina para além dos dados
A integração dos povos necessita modificar o histórico caminho no continente em que desenvolvimento e dependência aparecem como constitutivos do sentido do trabalho alienado
Roberta Traspadini no BrasilDeFato
Segundo a Cepal, somos 594 milhões de latinoamericanos. Em nosso fértil território com profundas possibilidades de inclusão e de pertença, vivem 183 milhões de pobres e 74 milhões de indigentes, fruto do histórico modo de produção capitalista.
Na divisão por idade somos compostos por uma maioria jovem: 27,3% (até 14 anos); 33,6% (15 a 34 anos), 19% (35 a 49), 11,8% (50 a 64 anos), e 8,3% com 65 anos para cima.
Temos uma população economicamente ativa (PEA) de quase 277 milhões, dos quais 164 milhões são homens e 113 são mulheres.
Nos últimos anos, aumentou no continente o emprego formal (51%), frente à queda no índice de desemprego (em 2000 era de 10,4%, em 2010 caiu para 7,6%).
Com uma população urbana de 79,3%, uma taxa de analfabetismo de 8,3% na população acima de 15 anos, e uma taxa de fecundidade de 2,3 filhos por casa ao longo dos anos 2000, a América Latina, vai traçando hoje o que será a ordem do dia da produção de vida de amanhã.
1. Questão social e educação
Na questão social da educação, dois dados merecem atenção.
1) os 20% mais ricos se apropriam 19,3 vezes a mais da riqueza e da renda no continente, em comparação aos 20% mais pobres.
2) dos jovens entre 25 a 29 anos, apenas 8,3% concluíram o terceiro grau. Na comparação entre jovens ricos e pobres, apenas um jovem pobre consegue concluir o 3º grau, em comparação a 27 jovens de melhor poder aquisitivo que terminam.
A situação das jovens mulheres latinoamericanas de 15 a 29 anos, é ainda mais complexa. Enquanto 80% das jovens com maior renda participam do mercado de trabalho formal no continente, menos de 50% das jovens pobres conseguem estabelecer vínculos formais.
O gasto público com educação é de 5% do PIB e o total de estudantes públicos na região é de 91 milhões no ensino fundamental e médio, em contraposição a 19 milhões em escolas particulares.
2. O que os dados não mostram
Os resultados do período neoliberal são catastróficos. A aparente melhoria de vida encobre a essência do endividamento e da nova forma do capital apostar nos seus ganhos sem fronteiras, utilizando para isto as políticas públicas para revigorar seus ganhos.
A corrida do grande capital tem gerado uma forma de fazer política cujo conteúdo histórico segue o mesmo: a apropriação privada da riqueza e da renda advinda da exploração do trabalho em solo latinoamericano.
Por um lado, os trabalhadores são induzidos a uma nova lógica de consumo e, para produzirem sua sobrevivência com base numa gama de necessidades técnico-científicas oriundas da produção dos países centrais, entram no caminho sem volta do endividamento pessoal.
Por outro lado, o capital industrial dá passo atrás e retoma a histórica participação latina de produtora de bens primários para abastecer os países centrais.
Os latinoamericanos transformam-se assim, desde a infância, em consumidores dos atuais bens vendidos como de primeira necessidade – celulares, computadores, vários mps, entre outros. Para isto, precisam ser primeiro consumidores de crédito para depois adquirir tais bens.
O endividamento familiar torna-se peça chave da inclusão nessa sociedade na qual os latinos trabalham, mas que não os permite consumir o básico necessário com o salário que ganham.
A educação precária torna-se regra da operação do capital no continente, tanto no que tange à remuneração e contratação dos professores, quanto ao conteúdo das disciplinas formais lecionadas.
A educação formal para o consumo e não necessariamente o trabalho formal, empobrece a compreensão de totalidade da jovem futura classe trabalhadora e reforça o palco fértil para a consolidação da alienação como requisito básico de venda de bens importantes mas não necessariamente vitais.
Nessa linha, o desenvolvimento como sinônimo de consumo, modernidade e tecnologia ganha mais força do que nunca e entra na mentalidade da classe que vive do trabalho como algo natural em vez de construído historicamente.
O cenário latinoamericano necessita de políticas públicas de Estado que promovam mudanças substantivas no que diz respeito à tomada do poder e da orientação sobre a prioridade do pacto social no continente, com primazia para a centralidade do trabalho e da educação.
Além disto, requer que a política de integração crie condições para que a prioridade dos sujeitos coloque limites à soberania dos mercados liderados pelo capital (inter)nacional. A integração dos povos necessita modificar o histórico caminho no continente em que desenvolvimento e dependência aparecem como constitutivos do sentido do trabalho alienado.
Necessitamos com urgência de uma política de Estado de transição que coloque na trilha as modificações estruturais que reorientem o sentido do trabalho, da socialização da produção, da riqueza e da renda no território. Caso contrário, a melhoria dos dados permanecerá como sinônimo de uma conta maior a ser paga pelo trabalho.
Roberta Traspadini é economista, educadora popular, integrante da consulta popular/ES.
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Religiosidade sem preconceito
Setores religiosos marcam posição contra homofobia para mostrar que conservadorismo não é unanimidade entre fiéis
Joana Tavares
da Redação do BrasilDeFato
De um lado, representantes de bancadas religiosas atacam os homossexuais e seus direitos como cidadãos. De outro, a apropriação da palavra bíblica no lema da parada LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) de São Paulo: “Amai-vos uns aos outros: basta de homofobia”. Apesar de recentes e constantes demonstrações de intolerância religiosa contra as pessoas que se atraem pelo mesmo sexo, nem sempre a religião e a homossexualidade estão de lados opostos.
Promovido pela Rede Ecumênica de Juventude (Reju), pela entidade Koinonia – Presença Ecumênica e Serviço, pela Paróquia Anglicana Santíssima Trindade e pela Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, um ato inter-religioso e um painel foram dedicados ao tema “Religião e homoafetividade”, nos dias 9 e 10 de junho. Um grupo de igrejas cristãs organizaram uma petição pública em apoio ao PLC 122, que criminaliza a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero e tramita atualmente no Senado. Na programação oficial do 15º Mês do Orgulho LGBT de São Paulo – que culmina com a parada, dia 26 – diversas atividades colocam a relação entre religião e sexualidade em discussão. Um dos blocos previstos na marcha é dos religiosos contra a homofobia.
“O amor lança fora todo medo”
Com esse tema bíblico, um luterano doutor em teologia, um padre e teólogo católico e uma mãe de santo se sentaram à mesma mesa para debater as concepções das religiões e a relação com a homossexualidade e a homofobia.
Anivaldo Padilha, membro da Igreja Metodista e militante do movimento ecumênico desde a década de 1960, fez a mediação da mesa, apontando que nenhum religioso com posições contrárias aceitou participar do debate. “A homofobia muitas vezes é justificada por argumentos teológicos. No entanto, os conservadores não representam todos os religiosos”, apontou.
Iya Maria Emilia d´Oyá, da Casa de Culto ao Orixá Ventos de Oyá (candomblé da tradição Ketu), presidente da Associação Federativa da Cultura e Cultos Afro-Brasileiros de São Bernardo do Campo e assistente social da prefeitura da mesma cidade, apontou que as religiões afro-brasileiras, como o candomblé e a umbanda, possuem uma relação diferente com o sagrado em relação às religiões cristãs. Para essas religiões, os orixás são a ligação com os sentimentos e com a natureza. “Não temos livros sagrados. Nossa tradição é oral. A sexualidade é vivida e experimentada de maneira muito tranquila. A relação sexual é vista como uma troca de energia, sem indicação de formas”, disse.
Mãe Emília, como é conhecida, complementa que há homossexuais fazendo parte dos cultos de candomblé e umbanda porque são religiões que os acolhem. “Quem já é excluído na sociedade, se sente confortado”, aponta. Ela coloca que o grande desafio é colocar a questão para diálogo, dentro e fora dos templos de qualquer religião. “A religiosidade, de qualquer tipo, pode ser uma grande arma para enfrentar a discriminação”.
James Alison, padre e teólogo católico, apresenta as bases da doutrina para explicar a tensão entre a Igreja e a homossexualidade, colocando a relação entre a natureza e a graça. “A graça aperfeiçoa a natureza. Chegamos a ser filhos de Deus sendo o que a gente é; no florescimento da graça”. Ele explica que até muito recentemente – há menos de 50 anos – não havia conflitos entre a população LGBT e a doutrina da Igreja católica porque não havia reconhecimento dessa população. “Não era reconhecido o ser das pessoas, eram apenas atos homossexuais”, aponta.
Com a visibilidade da causa gay e o reconhecimento de que não se poderia confundir o ser e o ato, o Vaticano finalmente se pronunciou sobre o assunto, reconhecendo que a orientação sexual não é pecado, apesar de que algumas práticas ligadas a ela podem ser assim consideradas por membros do clero. “Compreende-se que ser gay não é ser um heterossexual defeituoso; é criação de Deus. Aí vem o problema da inércia clerical, em fazer valer o entendimento que ser gay é algo que algumas pessoas simplesmente são”, coloca.
Sequestro simbólico
O luterano André S. Musskopf, doutor pela Escola Superior de Teologia, argumenta que a questão está ligada ao controle dos corpos e do desejo das pessoas, para o controle da riqueza e do poder. “Religião, sexo, política e poder não podem ser separados. É através desse controle que se mantém o status quo”, aponta. Ele reforça que a escolha do tema da Parada LGBT foi muito oportuna, pois salienta que a palavra de Deus pertence ao povo, não a instituições religiosas que promovem um “sequestro” dos bens materiais e simbólicos.
“O ‘amai-vos’ tem uma dimensão política e civil, da garantia de direitos, mas também uma dimensão teológica e religiosa, na medida em que o amor é o que nos move em direção aos outros, o que nos motiva na vida. Precisamos parar de ter medo dos fantasmas e entender que a homossexualidade não precisa ser justificada, é algo comum e próximo de todos”, afirma.
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Voracidade consumista
Agora a voracidade consumista proclama a fé que identifica o infinito nos bens finitos
Frei Betto
Para o filósofo Edgar Morin, a ciência, ao buscar autonomia fora da tutela da religião e da filosofia, extrapolou os próprios limites éticos, como a produção de armas de destruição em massa. Os cientistas não dispõem de recursos para controlar a própria obra. Há um divórcio entre a cultura científica e a humanista.
Exemplo paradigmático desse divórcio é a atual crise econômica. Quem é o culpado? O mercado? Concordar que sim é o mesmo que atribuir ao computador a responsabilidade por um romance de péssima qualidade literária.
Um dos sintomas nefastos dos tempos em que vivemos é a tentativa de reduzir a ética à esfera privada. Fora dela, tudo é permitido, em especial quando se trata de reforçar o poder e aumentar a riqueza. Obama admitiu torturar os prisioneiros que deram a pista de Bin Laden, e não houve protestos com sufi ciente veemência para fazê-lo corar de vergonha.
A globocolonização, inaugurada com a queda do Muro de Berlim, conhece agora sua primeira crise econômica. E ela explode no bojo da fragmentação da modernidade. “Tudo que é sólido se dissolve no ar...” Vale acrescentar: “... e o insólito, no bar”.
Esfareladas as grandes narrativas que norteavam a modernidade, abre-se amplo espaço ao relativismo. O projeto emancipatório se dilui no terrorismo e no assistencialismo compensatório guloso de votos. O futuro se desvanece.
Para os arautos do neoliberalismo, “a história terminou”. O presente é, hoje, o moto perpétuo. O passado, mera evocação, como a pintura que se contempla na parede de um museu. Nada de querer acertar contas com ele.
Graças às novas tecnologias, o espaço se contraiu e o tempo se acelerou. O outro lado do mundo está logo ali, e o que lá ocorre é visto aqui em tempo real. Tudo isso impacta nossos paradigmas e nossa escala de valores. Paradigmas e valores soam como contos da carochinha comparados a ensaios de bionanotecnologia.
O mundo real se cindiu e não condiz com o seu duplo virtual. Via internet, qualquer um pode assumir múltiplas identidades e os mais contraditórios discursos. Agora, todos podem ser simulacros de si mesmos.
Não há mais propostas libertárias que fomentem utopias, nutram esperanças e semeiem otimismo. Ao olhar pela janela, não há horizonte. O que se vê reforça o pessimismo: o aquecimento global, a ciranda especulativa, a ausência de ética no jogo político, a lei do mais forte nas relações internacionais, a insustentabilidade do planeta.
Se não há futuro a se construir, vale a regra do prisioneiro confinado à sua cela: aproveitar ao máximo o aqui e agora. Já não interessam os princípios, importam os resultados. O sexo se dissocia do amor como os negócios da atividade produtiva.
A cultura do consumismo desencadeia duas reações contraditórias: a pulsão pela aquisição do novo e a frustração de não ter tido tempo sufi ciente para usufruir do “velho” adquirido ontem... A competitividade rege as relações entre pessoas e instituições. Somos todos acometidos de permanente sensação de insaciabilidade. Nada preenche o coração humano. E o que poderia fazê- lo já não faz parte de nosso universo teleológico: o sentido da vida como fenômeno, não apenas biológico, mas sobretudo biográfico, histórico.
Agora a voracidade consumista proclama a fé que identifica o infinito nos bens finitos. O princípio do limite é encarado como anacrônico. Azar nosso, porque todo sistema tem seu limite, da vida humana ao mercado. Sabemos por experiência própria o que acontece quando se tenta ignorar os limites: o sistema entra em pane. Mas, em se tratando de finanças, não se acreditava nisso. A riqueza dos donos do mundo parecia brotar de um poço sem fundo.
Duas dimensões da modernidade foram perdidas nesse processo: a dignidade do cidadão e o contrato social. Marx sabia que a burguesia, nos seus primórdios, era uma classe revolucionária. O que ignorava é que ela de tal modo revolucionaria o mundo, a ponto de exterminar a própria cultura burguesa. Os valores da modernidade evaporam por força da mercantilização de tudo: sentimentos, ideias, produtos e sonhos.
Para o neoliberalismo, a sociedade não existe, existem os indivíduos. E eles, cada vez mais, trocam a liberdade pela segurança. O que abastece este exemplo singular de mercantilização pós-moderna: a acirrada disputa pelo controle do mercado das almas. As religiões tradicionais perdem seus espaços territoriais e o número de fiéis. Agora, no bazar das crendices, a religião não promete o céu, e sim a prosperidade; não promete salvação, e sim segurança; não promete o amor de Deus, e sim o fi m da dor; não suscita compromisso, e sim consolo.
Assim, o amor e o idealismo ficam relegados ao reino das palavras inócuas. Lucro e proveito pessoal são o que importam.
Frei Betto é escritor, autor de Cartas da Prisão (Agir), entre outros livros.
Artigo originalmente publicado na edição 437 do Brasil de Fato
quarta-feira, 20 de julho de 2011
Política e opinião na crise global
É interessante observar que os que tem, hoje, a presumida honra de serem colunistas ou editorialistas dos jornais e revistas mais tradicionais do país, precisem dizer todos os dias, a quem lhes paga: “não sou mais comunista”, “não sou mais esquerdista” , ”não sou petista” e, no casos mais típicos, “longe de mim a quarta internacional...” Especializam-se, assim, entrincheirados em espaços nobres, não somente em propagar um ódio incontido ao seu passado, mas também em diluir a atenção sobre a falência do modelo e modo de vida neoliberal -escolhido por eles como opção política- que depreda economicamente e ambientalmente o planeta. O artigo é de Tarso Genro.
Tarso Genro (*) no CARTA MAIOR
A crise da zona do euro, combinada com a
radicalização da crise americana, põe a nu tudo que os liberais e os
neoliberais construíram como “saídas” ou “reformas”, para a economia
mundial, depois da queda do chamado socialismo real.
A devastação dos direitos sociais, as “petroguerras”, apelidadas - desde o enforcamento de Sadam - como ocupações em defesa da democracia, a continuidade ou estratificação da pobreza em vastas regiões do globo, a destruição dos direitos sociais na Europa, supostamente para promover a “recuperação” da economia, não tem gerado na esquerda européia mais do que perplexidades, combinadas com reações fragmentárias. A ausência de proposições alternativas, capazes de mobilizar os protestos de indignação para, com exceção da Itália, vencer os processos eleitorais em curso, só aprofunda o sentido da crise.
Aqui no Brasil, onde as coisas andam razoavelmente bem graças às políticas anticíclicas organizadas pelo presidente Lula, é importante acompanhar as colunas de economia e política dos principais jornais do país, porque elas mimetizam a tática da direita “moderada” ou “radical” na luta política nacional. É preciso acompanhar, também, as informações que circulam na internet e nas edições virtuais destes principais periódicos, lendo os comentários de leitores a respeito das informações que envolvem Lula, o PT, a crise do capitalismo e as movimentações da esquerda em geral.
As colunas continuam, na sua maioria, as mesmas: recheadas daquelas poses de quem sabe tudo, sempre soube tudo e pôde falar sempre sem contraditório, sobre qualquer assunto. Esquecem as suas defesas apaixonadas do mercado financeiro desregulado, as suas opiniões sobre a incompetência e a “grossura” de Lula, as suas previsões catastróficas sobre o Brasil e sobre a democracia, os seus prognósticos “refinados” sobre a economia mundial (“bombando”), e mantém os seus esforços em tributar a FHC a regeneração do Brasil pelo Plano Real.
Como sempre, as colunas prosseguem na desconstituição da política democrática, pela identificação desta com a corrupção. Tratam-na como uma propriedade muito brasileira omitindo, sempre, que o governo que mais combateu a corrupção no estado, seja através da Controladoria Geral da União, do Ministério da Justiça via Polícia Federal e do acionamento dos demais órgãos de controle, foi precisamente o governo Lula. Nos seus dois períodos, após a chamada crise do mensalão, nunca se atacou tanto os velhos esquemas de quadrilhas que assolavam e ainda assolam o estado brasileiro.
Para respeitar os velhos e coerentes colunistas conservadores é bom notar que os que mais se escondem em ironias, com estilos - poderia se dizer “maneirismos”- sempre dirigidos contra Lula e a esquerda, sem qualquer fundamentação que não seja a repetição da dogmática reacionária (ou do Departamento de Estado nos anos 60 ou do “tatcherismo” dos anos 70), são os que foram, ou de esquerda ou levemente progressistas algum dia.
É interessante observar que os que tem, hoje, a presumida honra de serem colunistas ou editorialistas dos jornais e revistas mais tradicionais do país, precisem dizer todos os dias, a quem lhes paga: “não sou mais comunista”, “não sou mais esquerdista” , ”não sou petista” e, no casos mais típicos, “longe de mim a quarta internacional...” Especializam-se, assim, entrincheirados em espaços nobres, não somente em propagar um ódio incontido ao seu passado, mas também em diluir a atenção sobre a falência do modelo e modo de vida neoliberal -escolhido por eles como opção política- que depreda economicamente e ambientalmente o planeta.
São preocupantes, neste contexto de intolerância, as tentativas de forçar a ilegitimação ideológica de qualquer proposta de esquerda com vocação de poder. Para esta intolerância convergem as manifestações de ódio fascista, que exalam de comentários de “leitores” através da “internet”, repetidos à exaustão, que não são críticas normais na democracia, mas ofensas graves e duras manifestações de ódio de classe, contra personalidades e partidos de esquerda.
O próprio PSOL, que radicalizou um discurso tipicamente moralista na época do mensalão, foi homenageado todos os dias pela grande imprensa, pelo simples fato que ele batia em Lula e promovia o desgaste do governo. Tudo porque Lula foi, como é Dilma atualmente -com todas as nossas imperfeições- a esquerda concreta no poder. A esquerda que retirou o país da crise, com políticas que transitaram da ortodoxia monetarista para o desenvolvimentismo com perspectivas de sustentabilidade.
Hoje, o aguçamento e a radicalização da luta de classes, que caracterizou os grandes confrontos do século XX, migrou dos partidos de esquerda, integrados no Estado Democrático de Direito, para os colunistas e “blogs” dos grandes diários e revistas do país. Alguns deles estão desesperados pelo naufrágio do modelo rentista sem trabalho, cuja sustentação, no espaço mundial, é feita pelas agências e consultorias privadas. Outros, estão sendo apenas mais realistas do que seus próprios reis, com a sua virulência provocativa, para dissolver (como se precisasse) o seu passado de esquerda ou “esquerdista”.
Tal estratégia midiática dá a impressão que, fraudados pela decomposição econômica do festim neoliberal -promovido pela especulação financeira global- estes cérebros que apoiaram e promoveram a propaganda contra a economia produtiva e o rendimento com trabalho, agora precisam purgar, no ódio contra alguém, a evidência do seu fracasso. Assim, passam a promover uma espécie de “espírito de bolsonaro” na política, contra os seus adversários de esquerda. Estes, agora, inimigos que devem ser eliminados da cena pública, no momento que a crise se aprofunda e que a regência do capital financeiro prepara o assalto final ao que restou do Estado Social de Direito.
No romance “Um campo vasto” de Günter Grass, que tem como pano de fundo a reunificação da Alemanha, um padre num sermão de casamento, ao defender a fé católica faz a pergunta: “E, por outro lado, a nova fé -desta vez a fé na onipotência do dinheiro- não é barata e mesmo assim de alto valor cambial?” . Um dos convidados exclama: “Estamos fartos de assuntos desagradáveis”. Deve ser por isso que os liberais e neoliberais não estão nos brindando com as suas profundas análises das benesses do capitalismo globalizado, como expressão do humanismo e do progresso. Deve ser, para eles, um assunto muito desagradável!
Mensalão e formação da opinião
Não é correto dizer que o chamado “mensalão” foi um artifício engendrado pela mídia para derrubar Lula. Aliás, a sua “metodologia” começou em Minas, com o PSDB e provavelmente foi a expressão mais completa da decadência do sistema político, ainda em vigência, que envolve o financiamento privado das campanhas e a formação de alianças não programáticas, fundadas nas necessidades imediatas de governabilidade.
É de notar, porém, que o PSDB não padece de nenhum desgaste em relação ao “mensalão” –seu desgaste é originário de outros motivos- pois os males do mesmo ficaram totalmente concentrados no petismo.
Contudo é correto afirmar que, independentemente de que tenham ocorrido ilegalidades que não são novas em qualquer processo eleitoral - as quais devem ser apuradas e punidas, se provadas- o chamado “mensalão” abriu a possibilidade de um golpe político. Ele seria feito através do “impedimento” presidencial, aventura que teve acolhida de uma parte da mídia, dos setores mais obscurantistas no Congresso Nacional e que transitou, fortemente, pela direita da OAB Federal. O namoro com o golpismo seduziu uma boa parte dos Conselheiros vinculados ao PFL, na época, e ao PSDB. Felizmente, para o Brasil, a maioria do Conselho não embarcou no confronto.
A tentativa de destruição do PT naquela oportunidade, com a incriminação em abstrato de toda a comunidade partidária, a tentativa de responsabilizar diretamente o Presidente - o que, diga-se de passagem não foi feito contra FHC na mais grave sabotagem à Constituição depois do golpe de 64, a compra de votos para a reeleição -, gerou uma pesada sectarização da luta política.
Observemos agora as denúncias de corrupção no Ministério dos Transportes – DNIT. Provavelmente sejam misturadas pela mídia denúncias verdadeiras, conclusões pessoais de jornalistas e equívocos a respeito da correção nos preços dos contratos, que, de resto, são previstas em lei e são comuns em todas as administrações públicas.
O que se vê, porém, é uma incriminação geral de todas as pessoas que passaram ou que estão no Ministério dos Transportes – DNIT, sem qualquer tipo de preocupação de separar aquilo que é ilegal, irregular, ou corrupção, do que é um procedimento normal feito em todos os governos, pelo menos ao longo dos últimos trinta anos.
É muito importante a denúncia de atos de corrupção feita por qualquer órgão de imprensa independentemente da sua maior ou menor adversidade com o governo. Mas estas denúncias, em nosso país, transformam-se , na verdade, em denúncias aos políticos em bloco, o que surte dois efeitos: ajuda os corruptos a se abrigarem numa comunidade indeterminada e intimida as pessoas de bem, que estão no poder público, para colaborarem na apuração dos fatos, porque todos são colocados como suspeitos. Quem já passou pelo poder público sabe, também, que algumas denúncias às vezes são falsas. São feitas por empresas “perdedoras” de licitações, utilizando, de boa ou má fé, os órgãos de imprensa que também agem de boa ou má fé.
O tipo de cruzada moral que tem sido feita no país tem gerado uma profunda sectarização do debate político, como ocorreu durante todo o governo Lula e como está ocorrendo no governo Dilma, contra o PT e contra a esquerda. E como não foi feito no governo FHC, contra o PSDB, contra a direita e a centro-direita.
Esta sectarização, portanto, reflete em todo o processo político: de uma parte, na perda de credibilidade de alguns órgãos de imprensa importantes para o país, que já são vistos “in limine”, com suspeição pela maioria da sociedade, em qualquer denúncia, “quente” ou “fria” que fazem; e, de outra, na formação de um ódio antipetista, em parte da classe média brasileira, que reage com uma irracionalidade fascista ao Partido, lembrando os momentos mais duros da “guerra fria”. Isso pode ser observado pelos comentários através da “internet”, do que chamei atrás de “espírito de bolsonaro”, onde o apelo à violência física contra petistas - incitação ao crime, portanto - são frequentes.
O verdadeiro “concurso” de denúncias que cerca cada ilegalidade imputada aos políticos do país, numa espiral ascendente que chega ao paroxismo, por um lado é subproduto do mensalão, como impulso da disputa pelo mercado de leitores na grande mídia e, de outro, é a perda de certos parâmetros éticos do jornalismo investigativo.
Para a maioria destes profissionais, não importa as eventuais injustiças ou graves lesões pessoais ou familiares que as denúncias infundadas causam. O que interessa é a espetaculosidade. É a desmoralização de políticos, que rende muitos leitores e prestígio pessoal para quem “descobre” o escândalo, verdadeiro ou não, e que está se lixando para os efeitos destrutivos das suas acusações.
Luis Gushiken que o diga, depois de oito anos de exposição brutal na mídia, como corrupto, agora é finalmente inocentado pelo próprio Ministério Público. Nenhuma indenização pagará as humilhações sofridas por ele e pela sua família, ao longo do calvário midiático a que ele foi impiedosamente submetido.
Inclusive a Procuradoria Geral da Republica não ficou imune a esta sectarização. O dr. Gurgel, a quem reputo qualidades morais e saber jurídico destacado, ao apresentar suas razões ao Supremo Tribunal Federal, no processo do mensalão - recentemente - imputa delitos ao ex-ministro José Dirceu, que ele teria cometido em favor de um “projeto de poder partidário”. Assim, os eventuais delitos de José Dirceu são um projeto de poder para o PT, no âmbito da formação de uma quadrilha, que promoveu tais delitos, representando toda a comunidade partidária. Esta acusação, que atinge em abstrato toda a comunidade política do petismo e a ofende gravemente, está inoculada pelo vírus da radicalização midiática, que lastimavelmente envolveu, neste particular, o mais importante e digno fiscal da lei no país.
Todos sabem das divergências de fundo e de forma que tenho com o ex-ministro José Dirceu, ao longo do nosso convívio no interior do partido. Suponho, porém, que com este arroubo acusatório generalizado ao PT, de parte do Procurador Gurgel - não encontrei ninguém no Partido que não se sentisse gravemente ofendido - o que fica de conclusivo é que o Ministério Público não reunindo provas suficientes para condenar o ex-Ministro transita, agora, para a incriminação de toda a comunidade partidária. Como se não bastasse o que já foi feito por grande parte da mídia tradicional.
Para terminar, novamente Günter Grass. No mesmo livro já citado, o grande escritor narra o relatório de um espião da Stasi, cujo conteúdo referia que um certo cidadão fora visto remando nas águas do Elba, “dizendo poemas não-revolucionários”. É mais ou menos como nós, do PT, ficamos em relação ao projeto de “poder partidário”, analisado pelo Procurador Gurgel. À semelhança do cidadão “contra-revolucionário”, incriminado pela Stasi através de uma uma dialética negativa (dizer poemas “não-revolucionários”), vamos ser absolvidos ou condenados juntos com o ex-Ministro José Dirceu. Mesmo não participando do processo penal e não usufruindo do sagrado direito de defesa.
Nós, como comunidade petista indeterminada, vamos ser absolvidos “por tabela”, se ele não cometeu o delito, mesmo “não” estando juntos (no caso da sua absolvição); ou vamos ser condenados também “por tabela” por “não” impedi-lo de cometer o delito (no caso da sua condenação), também mesmo não estando juntos.
O que não deixa de ser dolorosamente kafkiano e amargamente antidemocrático.
(*) Tarso Genro é governador do Rio Grande do Sul.
A devastação dos direitos sociais, as “petroguerras”, apelidadas - desde o enforcamento de Sadam - como ocupações em defesa da democracia, a continuidade ou estratificação da pobreza em vastas regiões do globo, a destruição dos direitos sociais na Europa, supostamente para promover a “recuperação” da economia, não tem gerado na esquerda européia mais do que perplexidades, combinadas com reações fragmentárias. A ausência de proposições alternativas, capazes de mobilizar os protestos de indignação para, com exceção da Itália, vencer os processos eleitorais em curso, só aprofunda o sentido da crise.
Aqui no Brasil, onde as coisas andam razoavelmente bem graças às políticas anticíclicas organizadas pelo presidente Lula, é importante acompanhar as colunas de economia e política dos principais jornais do país, porque elas mimetizam a tática da direita “moderada” ou “radical” na luta política nacional. É preciso acompanhar, também, as informações que circulam na internet e nas edições virtuais destes principais periódicos, lendo os comentários de leitores a respeito das informações que envolvem Lula, o PT, a crise do capitalismo e as movimentações da esquerda em geral.
As colunas continuam, na sua maioria, as mesmas: recheadas daquelas poses de quem sabe tudo, sempre soube tudo e pôde falar sempre sem contraditório, sobre qualquer assunto. Esquecem as suas defesas apaixonadas do mercado financeiro desregulado, as suas opiniões sobre a incompetência e a “grossura” de Lula, as suas previsões catastróficas sobre o Brasil e sobre a democracia, os seus prognósticos “refinados” sobre a economia mundial (“bombando”), e mantém os seus esforços em tributar a FHC a regeneração do Brasil pelo Plano Real.
Como sempre, as colunas prosseguem na desconstituição da política democrática, pela identificação desta com a corrupção. Tratam-na como uma propriedade muito brasileira omitindo, sempre, que o governo que mais combateu a corrupção no estado, seja através da Controladoria Geral da União, do Ministério da Justiça via Polícia Federal e do acionamento dos demais órgãos de controle, foi precisamente o governo Lula. Nos seus dois períodos, após a chamada crise do mensalão, nunca se atacou tanto os velhos esquemas de quadrilhas que assolavam e ainda assolam o estado brasileiro.
Para respeitar os velhos e coerentes colunistas conservadores é bom notar que os que mais se escondem em ironias, com estilos - poderia se dizer “maneirismos”- sempre dirigidos contra Lula e a esquerda, sem qualquer fundamentação que não seja a repetição da dogmática reacionária (ou do Departamento de Estado nos anos 60 ou do “tatcherismo” dos anos 70), são os que foram, ou de esquerda ou levemente progressistas algum dia.
É interessante observar que os que tem, hoje, a presumida honra de serem colunistas ou editorialistas dos jornais e revistas mais tradicionais do país, precisem dizer todos os dias, a quem lhes paga: “não sou mais comunista”, “não sou mais esquerdista” , ”não sou petista” e, no casos mais típicos, “longe de mim a quarta internacional...” Especializam-se, assim, entrincheirados em espaços nobres, não somente em propagar um ódio incontido ao seu passado, mas também em diluir a atenção sobre a falência do modelo e modo de vida neoliberal -escolhido por eles como opção política- que depreda economicamente e ambientalmente o planeta.
São preocupantes, neste contexto de intolerância, as tentativas de forçar a ilegitimação ideológica de qualquer proposta de esquerda com vocação de poder. Para esta intolerância convergem as manifestações de ódio fascista, que exalam de comentários de “leitores” através da “internet”, repetidos à exaustão, que não são críticas normais na democracia, mas ofensas graves e duras manifestações de ódio de classe, contra personalidades e partidos de esquerda.
O próprio PSOL, que radicalizou um discurso tipicamente moralista na época do mensalão, foi homenageado todos os dias pela grande imprensa, pelo simples fato que ele batia em Lula e promovia o desgaste do governo. Tudo porque Lula foi, como é Dilma atualmente -com todas as nossas imperfeições- a esquerda concreta no poder. A esquerda que retirou o país da crise, com políticas que transitaram da ortodoxia monetarista para o desenvolvimentismo com perspectivas de sustentabilidade.
Hoje, o aguçamento e a radicalização da luta de classes, que caracterizou os grandes confrontos do século XX, migrou dos partidos de esquerda, integrados no Estado Democrático de Direito, para os colunistas e “blogs” dos grandes diários e revistas do país. Alguns deles estão desesperados pelo naufrágio do modelo rentista sem trabalho, cuja sustentação, no espaço mundial, é feita pelas agências e consultorias privadas. Outros, estão sendo apenas mais realistas do que seus próprios reis, com a sua virulência provocativa, para dissolver (como se precisasse) o seu passado de esquerda ou “esquerdista”.
Tal estratégia midiática dá a impressão que, fraudados pela decomposição econômica do festim neoliberal -promovido pela especulação financeira global- estes cérebros que apoiaram e promoveram a propaganda contra a economia produtiva e o rendimento com trabalho, agora precisam purgar, no ódio contra alguém, a evidência do seu fracasso. Assim, passam a promover uma espécie de “espírito de bolsonaro” na política, contra os seus adversários de esquerda. Estes, agora, inimigos que devem ser eliminados da cena pública, no momento que a crise se aprofunda e que a regência do capital financeiro prepara o assalto final ao que restou do Estado Social de Direito.
No romance “Um campo vasto” de Günter Grass, que tem como pano de fundo a reunificação da Alemanha, um padre num sermão de casamento, ao defender a fé católica faz a pergunta: “E, por outro lado, a nova fé -desta vez a fé na onipotência do dinheiro- não é barata e mesmo assim de alto valor cambial?” . Um dos convidados exclama: “Estamos fartos de assuntos desagradáveis”. Deve ser por isso que os liberais e neoliberais não estão nos brindando com as suas profundas análises das benesses do capitalismo globalizado, como expressão do humanismo e do progresso. Deve ser, para eles, um assunto muito desagradável!
Mensalão e formação da opinião
Não é correto dizer que o chamado “mensalão” foi um artifício engendrado pela mídia para derrubar Lula. Aliás, a sua “metodologia” começou em Minas, com o PSDB e provavelmente foi a expressão mais completa da decadência do sistema político, ainda em vigência, que envolve o financiamento privado das campanhas e a formação de alianças não programáticas, fundadas nas necessidades imediatas de governabilidade.
É de notar, porém, que o PSDB não padece de nenhum desgaste em relação ao “mensalão” –seu desgaste é originário de outros motivos- pois os males do mesmo ficaram totalmente concentrados no petismo.
Contudo é correto afirmar que, independentemente de que tenham ocorrido ilegalidades que não são novas em qualquer processo eleitoral - as quais devem ser apuradas e punidas, se provadas- o chamado “mensalão” abriu a possibilidade de um golpe político. Ele seria feito através do “impedimento” presidencial, aventura que teve acolhida de uma parte da mídia, dos setores mais obscurantistas no Congresso Nacional e que transitou, fortemente, pela direita da OAB Federal. O namoro com o golpismo seduziu uma boa parte dos Conselheiros vinculados ao PFL, na época, e ao PSDB. Felizmente, para o Brasil, a maioria do Conselho não embarcou no confronto.
A tentativa de destruição do PT naquela oportunidade, com a incriminação em abstrato de toda a comunidade partidária, a tentativa de responsabilizar diretamente o Presidente - o que, diga-se de passagem não foi feito contra FHC na mais grave sabotagem à Constituição depois do golpe de 64, a compra de votos para a reeleição -, gerou uma pesada sectarização da luta política.
Observemos agora as denúncias de corrupção no Ministério dos Transportes – DNIT. Provavelmente sejam misturadas pela mídia denúncias verdadeiras, conclusões pessoais de jornalistas e equívocos a respeito da correção nos preços dos contratos, que, de resto, são previstas em lei e são comuns em todas as administrações públicas.
O que se vê, porém, é uma incriminação geral de todas as pessoas que passaram ou que estão no Ministério dos Transportes – DNIT, sem qualquer tipo de preocupação de separar aquilo que é ilegal, irregular, ou corrupção, do que é um procedimento normal feito em todos os governos, pelo menos ao longo dos últimos trinta anos.
É muito importante a denúncia de atos de corrupção feita por qualquer órgão de imprensa independentemente da sua maior ou menor adversidade com o governo. Mas estas denúncias, em nosso país, transformam-se , na verdade, em denúncias aos políticos em bloco, o que surte dois efeitos: ajuda os corruptos a se abrigarem numa comunidade indeterminada e intimida as pessoas de bem, que estão no poder público, para colaborarem na apuração dos fatos, porque todos são colocados como suspeitos. Quem já passou pelo poder público sabe, também, que algumas denúncias às vezes são falsas. São feitas por empresas “perdedoras” de licitações, utilizando, de boa ou má fé, os órgãos de imprensa que também agem de boa ou má fé.
O tipo de cruzada moral que tem sido feita no país tem gerado uma profunda sectarização do debate político, como ocorreu durante todo o governo Lula e como está ocorrendo no governo Dilma, contra o PT e contra a esquerda. E como não foi feito no governo FHC, contra o PSDB, contra a direita e a centro-direita.
Esta sectarização, portanto, reflete em todo o processo político: de uma parte, na perda de credibilidade de alguns órgãos de imprensa importantes para o país, que já são vistos “in limine”, com suspeição pela maioria da sociedade, em qualquer denúncia, “quente” ou “fria” que fazem; e, de outra, na formação de um ódio antipetista, em parte da classe média brasileira, que reage com uma irracionalidade fascista ao Partido, lembrando os momentos mais duros da “guerra fria”. Isso pode ser observado pelos comentários através da “internet”, do que chamei atrás de “espírito de bolsonaro”, onde o apelo à violência física contra petistas - incitação ao crime, portanto - são frequentes.
O verdadeiro “concurso” de denúncias que cerca cada ilegalidade imputada aos políticos do país, numa espiral ascendente que chega ao paroxismo, por um lado é subproduto do mensalão, como impulso da disputa pelo mercado de leitores na grande mídia e, de outro, é a perda de certos parâmetros éticos do jornalismo investigativo.
Para a maioria destes profissionais, não importa as eventuais injustiças ou graves lesões pessoais ou familiares que as denúncias infundadas causam. O que interessa é a espetaculosidade. É a desmoralização de políticos, que rende muitos leitores e prestígio pessoal para quem “descobre” o escândalo, verdadeiro ou não, e que está se lixando para os efeitos destrutivos das suas acusações.
Luis Gushiken que o diga, depois de oito anos de exposição brutal na mídia, como corrupto, agora é finalmente inocentado pelo próprio Ministério Público. Nenhuma indenização pagará as humilhações sofridas por ele e pela sua família, ao longo do calvário midiático a que ele foi impiedosamente submetido.
Inclusive a Procuradoria Geral da Republica não ficou imune a esta sectarização. O dr. Gurgel, a quem reputo qualidades morais e saber jurídico destacado, ao apresentar suas razões ao Supremo Tribunal Federal, no processo do mensalão - recentemente - imputa delitos ao ex-ministro José Dirceu, que ele teria cometido em favor de um “projeto de poder partidário”. Assim, os eventuais delitos de José Dirceu são um projeto de poder para o PT, no âmbito da formação de uma quadrilha, que promoveu tais delitos, representando toda a comunidade partidária. Esta acusação, que atinge em abstrato toda a comunidade política do petismo e a ofende gravemente, está inoculada pelo vírus da radicalização midiática, que lastimavelmente envolveu, neste particular, o mais importante e digno fiscal da lei no país.
Todos sabem das divergências de fundo e de forma que tenho com o ex-ministro José Dirceu, ao longo do nosso convívio no interior do partido. Suponho, porém, que com este arroubo acusatório generalizado ao PT, de parte do Procurador Gurgel - não encontrei ninguém no Partido que não se sentisse gravemente ofendido - o que fica de conclusivo é que o Ministério Público não reunindo provas suficientes para condenar o ex-Ministro transita, agora, para a incriminação de toda a comunidade partidária. Como se não bastasse o que já foi feito por grande parte da mídia tradicional.
Para terminar, novamente Günter Grass. No mesmo livro já citado, o grande escritor narra o relatório de um espião da Stasi, cujo conteúdo referia que um certo cidadão fora visto remando nas águas do Elba, “dizendo poemas não-revolucionários”. É mais ou menos como nós, do PT, ficamos em relação ao projeto de “poder partidário”, analisado pelo Procurador Gurgel. À semelhança do cidadão “contra-revolucionário”, incriminado pela Stasi através de uma uma dialética negativa (dizer poemas “não-revolucionários”), vamos ser absolvidos ou condenados juntos com o ex-Ministro José Dirceu. Mesmo não participando do processo penal e não usufruindo do sagrado direito de defesa.
Nós, como comunidade petista indeterminada, vamos ser absolvidos “por tabela”, se ele não cometeu o delito, mesmo “não” estando juntos (no caso da sua absolvição); ou vamos ser condenados também “por tabela” por “não” impedi-lo de cometer o delito (no caso da sua condenação), também mesmo não estando juntos.
O que não deixa de ser dolorosamente kafkiano e amargamente antidemocrático.
(*) Tarso Genro é governador do Rio Grande do Sul.
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Se vale para o trem, porque não vale para a web?
Brizola Neto no TIJOLACO
A Agência Nacional de Transportes Terrestres baixou hoje uma determinação
para que as empresas privadas que abocanharam a concessão de nossas
ferrovias sejam obrigadas, no caso de não as estarem utilizando com toda
a sua capacidade, a ceder para outras empresas o uso da ferrovia em
qualquer circunstância, naturalmente pagando pelo uso da infraestrutura.
A resolução protege os direitos do usuário, que contrata as
concessionárias para o transporte de suas cargas e institui penalidades,
por exemplo, para o atraso nas entregas.
A decisão é corretíssima, pois se tratam de concessões públicas, cujo objetivo maior é prestar serviços.
Agora, porque a mesma regra não se aplica aos outros serviços públicos?
Porque a Anatel não obriga as concessionárias de telefonia a cederem
suas redes físicas, a preços determinados, para que outras prestadoras
possam oferecer os serviços de voz e, sobretudo, de internet através
delas.
O mecanismo do unbundling, que é este compartilhamento das
redes físicas, permitiria a qualquer empresa oferecer conexões de banda
larga e ampliaria a competição, sem exigir tanto investimento.
João Maria de Oliveira, técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea e
um dos responsáveis pelo estudo “Panorama da Comunicação e das
Telecomunicações no Brasil” define bem porque isso é justo, em
entrevista à revista Teletime:
“A infraestrutura não é da concessionária, a infraestrutura é pública; ela (a concessionária) usa a infraestrutura”
E ele explica porque as redes físicas, mesmo as implantadas após a privatização, não são propriedade privada:
(…)o investimento em infraestrutura ela repassa todo para o
serviço. Essa definição de serviço público e serviço privado já distorce
toda a discussão posterior. Nós caracterizamos os países que estão na
ponta em termos de utilização da tecnologia e com preços baixos, e
olhamos o que é comum entre eles. Então você começa a ver que em comum
existem esses dois aspectos.
Primeiro: o mercado é aberto, quem quiser entra. Não existem restrições. Se uma empresa estrangeira que não opera no país quiser vir operar, ela opera.
Segundo: a infraestrutura deve ser necessariamente compartilhada, porque isso é o que garante um nível de competitividade. Políticas de livre acesso, em particular de desagregação de redes, existem no Japão, Dinamarca, Holanda, Noruega, Suécia, França, Grã-Bretanha e Nova Zelândia. Aí você tem algumas outras características em alguns países e outros não. Regras de livre acesso aplicam-se à transição para a próxima geração tecnológica, particularmente fibra, no Japão, Coreia do Sul, Suécia, Holanda, França, Grã-Bretanha, todo o mercado comum europeu na realidade, e Nova Zelândia. Essas coisas a gente não tem. Se a gente não tem e esses países têm, está faltando isso a nós.
Primeiro: o mercado é aberto, quem quiser entra. Não existem restrições. Se uma empresa estrangeira que não opera no país quiser vir operar, ela opera.
Segundo: a infraestrutura deve ser necessariamente compartilhada, porque isso é o que garante um nível de competitividade. Políticas de livre acesso, em particular de desagregação de redes, existem no Japão, Dinamarca, Holanda, Noruega, Suécia, França, Grã-Bretanha e Nova Zelândia. Aí você tem algumas outras características em alguns países e outros não. Regras de livre acesso aplicam-se à transição para a próxima geração tecnológica, particularmente fibra, no Japão, Coreia do Sul, Suécia, Holanda, França, Grã-Bretanha, todo o mercado comum europeu na realidade, e Nova Zelândia. Essas coisas a gente não tem. Se a gente não tem e esses países têm, está faltando isso a nós.
Está mesmo e esse compartilhamento é apenas uma decisão política, que
de investimento só demanda aquele de controle e fiscalização.
Atividades que não parecem ser muito “a praia” da Anatel.
Justiça isenta Cpers por protesto em frente à casa de Yeda Crusius
Igor Natusch no Sul21
A 9ª câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em
decisão anunciada na tarde desta quarta-feira (20), deu provimento ao
recurso dos advogados do Cpers e considerou improcedente ação de Tarsila
Crusius, filha da ex-governador Yeda Crusius, contra o sindicato. O
processo, em segunda instância, pedia ressarcimento por danos morais,
acusando o Cpers e sua presidente Rejane de Oliveira de terem submetido
os dois filhos de Tarsila a constrangimentos e sofrimento psicológico
durante protestos feitos na frente da residência de Yeda Crusius, em
2009.
No pedido, solicitava-se o pagamento de R$ 20 mil por cada neto da
ex-governadora, como modo de ressarcir os danos sofridos. No primeiro
julgamento, a petição de Tarsila Crusius foi considerada parcialmente
procedente: Rejane de Oliveira foi inocentada, mas o Cpers foi condenado
ao pagamento de metade do valor originalmente peticionado. A nova
decisão corrige a sentença anterior, eximindo o sindicato de
responsabilidades sobre um eventual dano moral e suspendendo o pagamento
da indenização. Além disso, caberá à família de Yeda Crusius arcar com
as custas do processo.
Pela decisão do TJ-RS, o protesto foi um ato legítimo, já que a casa
de Yeda era, de fato, uma extensão do Palácio Piratini. Uma vez que a
ex-governadora decidiu morar fora do residência oficial, e que recursos
públicos foram investidos na mobília e na manutenção do local, ela
transformou-se em um anexo de fato da sede do governo – sujeito,
portanto, a protestos e manifestações populares como qualquer órgão
público.
Na decisão, é também descaracterizada a acusação de Tarsila Crusius,
afirmando que a exposição das duas crianças a uma situação de
constrangimento tinha sido causada pela própria mãe e avó dos menores.
Ou seja, Yeda e Tarsila Crusius não podiam alegar dano moral sobre os
netos da ex-govenadora, já que foi por iniciativa delas que as crianças
foram expostas durante a manifestação.
“A entidade (Cpers) não pode ser responsabilizada por uma
situação que poderia muito bem ter sido evitada”, diz o relator do
recurso, juiz Roberto Carvalho Fraga. Segundo ele, as crianças não
teriam sido expostas a nenhum constrangimento, “não fosse a conduta da
própria governadora, com a conivência da mãe, responsável pelos menores,
em optar pela exposição dos meninos, em face de um protesto que tinha
um caráter de interesse público”. A Justiça também julgou improcedente a
afirmação de que as crianças teriam sido impedidas de ir até a escola,
uma vez que a presença da Brigada Militar garantiu que o veículo que as
conduziu saísse da residência.
Rejane de Oliveira: “deram com os burros n’água”
A presidente do Cpers, Rejane de Oliveira, comemorou a decisão. “Foi
uma mobilização pacífica dos trabalhadores em educação, contra a
política de escolas de lata da então governadora. Em nenhum momento
fomos além da esfera política”, garante. Segundo ela, a ação judicial
era uma tentativa de “calar a voz” dos professores e de todos que se
levantassem contra o governo de Yeda Crusius. “Deram com os burros
n’água. Foi feita justiça”, afirma.
O advogado que representa os interesses da família Crusius no caso,
Fábio Medina Osório, tem uma outra visão. Segundo ele, a decisão da 9ª
câmara Cível abre um “precedente perigoso”, uma vez que não estabelece
limites para o protesto contra chefes de Estado. “É uma discussão sobre
os limites do direito constitucional a reunião e protesto, em oposição
ao direito de todo cidadão à privacidade”, diz Medina. “Pela decisão, os
funcionários podem pedir aumento salarial na frente da residência do
presidente do Tribunal de Justiça também, por exemplo”, argumentou,
dizendo também que Yeda Crusius optou por seguir morando na própria casa
para manter o contato diário com os netos.
Ainda cabe recurso à decisão, mas os advogados do Cpers demonstram
confiança de que a decisão não será revertida. Segundo eles, o novo
parecer está balizado em uma análise técnica das provas apresentadas, e
dificilmente haverá uma nova conclusão sobre a validade das evidências.
Fábio Medina Osório discorda. “Não é nosso entendimento. Como se trata
de uma discussão sobre direitos constitucionais, a decisão final cabe ao
STF. E nós certamente vamos recorrer a instâncias superiores”, informa.
Em defesa da Palestina: Arcebispo ortodoxo visita PCdoB
O Partido Comunista do Brasil recebeu na noite de segunda-feira
(18), em sua sede em São Paulo a visita de Theodosius (Attallah) Hanna,
Arcebispo do Patriarcado Greco-Ortodoxo e Patriarca de Jerusalém.
Conhecido internacionalmente pela defesa da causa palestina, terra em
que nasceu, e por várias obras escritas ao longo de sua vida, o
Arcebispo é o responsável, dentre outras funções clericais, pelo Santo
Sepulcro, em Jerusalém.Além de Theodosius, estiveram presentes
vários representantes da comunidade árabe em São Paulo. O Patriarca de
Jerusalém fez um agradecimento ao Partido Comunista do Brasil e também a
outras organizações políticas, sindicais e sociais brasileiras que
apoiam a causa palestina, a independência e o fim da ocupação sionista
da região.
Em sua intervenção Theodosius conta que sua Igreja mantém bom
relacionamento com os partidos nacionalistas da região, desde que não
tenham qualquer tipo de relacionamento com entidades ou organizações
sionistas.
Para que sejam considerados amigos do povo palestino, aqueles que
visitam a região devem definir, de antemão, de que lado estão.
Theodosius conta que o Arcebispo de Canterbury viajou à região e, por
ter sido recebido com pompas pelo primeiro-ministro de Israel, Benjamin
Netanyahu, tornou-se persona non-grata para a comunidada ortodoxa
palestina.
“Na questão palestina, nós não negociamos. Somos terminantemente a
favor do povo palestino. Nós recusamos o discurso do intermediário,
daquele que fica em cima do muro”, contou.
“Ao redor do mundo existem muitas pessoas que se dizem amigos de
israel. Eles vão até lá, se colocam como seus aliados, contra os
palestinos. Na verdade, essas pessoas não são amigas de Israel, porque
deveriam dizer com clareza que Israel deveria dar um fim ao sofrimento
que inflinge aos palestinos. Se você comete um erro e alguem aplaude
esse erro, não pode ser considerado seu amigo”, afirmou.
“Não somos contra o judaísmo”
Theodosius conta que a maior oposição que se faz é ao sionismo, à
ocupação militar e ao Estado sionista de Israel, não à religião judaica.
“Respeitamos a religiao e o povo, temos amigos judeus que nos visitam
e os visitamos, que acreditam como nós que a religião não divide as
pessoas. Mesmo que tenhamos diferenças religiosas, somos humanos. Não
somos inimigos do povo judeu nem da religião. Recusamos a usar a
religião a serviço da política. Israel, como estado de ocupação e ao
mesmo tempo judeu, explica a questão judaica e insere a questão sionista
contra o povo”.
“A palestina é o berço das religiões monoteistas, temos de ser
exemplo de relacionamento e de aproximação com os outros. Recusamos que a
religião seja usada para questões políticas. Isso se aplica ao
judaísmo, ao cristianismo e ao islamismo. Não queremos uma pátria
religiosa”, prossegue.
Em relação ao processo atual de “judaicização” do Estado de Israel,
proposto pela extrema-direita quegoverna o país, Theodosius é claro:
“Hoje Isral se propõe ser um estado judeu. Para nós, árabes palestinos,
isso é ruim, porque nega a presença de árabes na região. Isso é uma
falsificação da história. Nos negamos a aceitar um estado judeu ou
islamico, porque nossa experiencia foi muito sofrida com esse tipo de
estado”.
“A Igreja ortodoxa, que neste momento represento e falo em nome dela,
sofreu muitas agressões ao longo de sua história. E as mais graves não
partiram dos muçulmanos, mas dos cristãos do ocidente, que quiseram
fazer da nossa região um estado cristão-ocidental. Isso aconteceu na
época das cruzadas, quando os cristãos ocidentais invadiram a região e
usurparam os locais sagrados das outras religiões, até que veio
Saladino, que devolveu esses lugares sacros aos osrtodoxos”, conta.
Convivio solidário e fraterno
José Reinaldo Carvalho, secretário de Comunicação do PCdoB e editor
do Portal Vermelho, agradeceu a visita de Theodosius ao partido e
discorreu sobre os laços de solidariedade e fraternidade que unem
brasileiros e árabes.
“Em primeiro lugar, quero dar as boas vindas à Vossa Eminência e aos
amigos da comunidade árabe presentes, em nome do Vermelho e do PCdoB.
Queria desejar que ele tenha uma boa estada em nossa terra. O povo
brasileiro é um povo irmão do povo árabe”, falou Carvalho.
O secretário destacou a história de convívio solidário e fraterno dos
brasileiros com os imigrantes árabes, que começaram a chegar ao país no
fim do século 19, trazendo consigo seus costumes e sua cultura e
influenciando com eles os seus anfitriões.
“Nosso país deu abrigo, agasalho e fraternidade aos imigrantes árabes
que chegaram aqui já no fim do século 19 e começo do século 20. O
Brasil adquiriu dos nosos irmãos árabes a cultura, que se traduz em
vários dominios, na religião, na culinária, na língua. Nos temos um
imenso sentimento de fraternidade com os árabes”, afirmou.
“Do ponto de vista político, o Partido Comunista do Brasil tem uma
posição de irrestrita solidariedade com os povos arabes e os palestinos.
Consideramos que os palestinos e outros povos árabes foram martirizados
pelo neocolonialismo sionista” destacou.
“Nós nos opomos à ocupação israelenses dos territórios árabes e da
Palestina e apoiamos todas as reivindicações dos povos arabes e
palestinos pela retirada de Israel desses territórios. Somos favoráveis à
criação do Estado da Palestina e consideramos justa a proclamação e o
reconhencimento desse Estado pela Assembleia das Nações Unidas, no mês
de setembro próximo, de acordo com a proposição encaminhada já pela
Autoridade Nacional Palestina”, destacou .
Carvalho também destacou a posição do partido em relação à ocupação
israelense dos territórios palestinos. “É uma violação do direito
internacional e uma violação da soberania nacional do povo palestino e
corresponde aos planos genocidas do Estado de israel de exterminar o
povo palestino”, diz.
Carvalho também contou a Theodosius um pouco da história do PCdoB,
lembrando que o partido foi o primeiro, na década de 1940, a exigir do
Estado brasileiro o respeito por todas as religiões existentes no país.
“Nós fazemos parte de um partido político que tem uma concepção
filosofica não religiosa, mas respeitamos todas as religiões. O povo
brasileiro é um povo religioso, majoritariamente cristão e o nosso
partido foi o primeiro, nos anos 1940, que exigiu o respeito a todas as
religiões”, lembra.
“Compreendemos que a religião deveria ser um fator de unidade, de
afirmação pessoal das pessoas, e não de desunião. Nesse sentido, nós
valorizamos as palavras de Vossa Eminência e desejamos que a sua igreja
continue desempenhando um papel na luta pela libertação do povo
palestino. Estamos, nosso partido e o povo brasileiro, à disposição
dessa luta”, finalizou.
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Após seis meses, Primavera Árabe segue e sinaliza abertura política
Felipe Prestes e Igor Natusch no Sul21
Quem esperava uma onda de mudanças no mundo árabe, após as revoltas
populares do começo do ano, pode interpretar o atual momento como pouco
animador. Afinal, apenas dois países – Egito e Tunísia – derrubaram
governos autoritários e ainda buscam um novo modelo político. Enquanto
isto, outros países vivem confrontos sangrentos, especialmente a Líbia,
com uma guerra civil que não dá sinais de solução. Pouco mais de seis
meses depois da queda do ditador tunisiano Zine al-Abidine Ben Ali,
ocorrida em 14 de janeiro, a “Primavera Árabe” pode não render manchetes
como antes, mas ainda está longe de seu fim. Até o momento, a realidade
indica um movimento em direção à democracia – embora não seja a
democracia que nossos olhos ocidentais estão acostumados a ver.
– Qual é a situação de cada país árabe após os protestos populares
Antônio Jorge Ramalho da Rocha, professor do Instituto de Relações
Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), identifica no mundo
árabe sinais que apontam para uma flexibilização dos regimes, algo que
vai além de Egito e Tunísia. “Não diria democratização, porque a palavra
tem uma conotação inadequada no caso, mas vejo uma tendência a um grau
menor de autoritarismo e uma comunicação maior entre governantes e
governados”, avalia. Governos de países como Marrocos, Argélia e Iêmen,
cientes de que não poderão se manter na base da força, sinalizam com a
abertura gradativa e parcial. “Parece haver uma compreensão de que é
preciso fazer concessões, de forma que a insatisfação da população não
se avolume ainda mais. Com a maior circulação de informações, amplia-se o
acesso do povo a instrumentos de pressão”, afirma.
O professor Renatho Costa, da Unipampa, concorda com essa leitura,
mas faz ressalvas. Segundo ele, as particularidades de cada país indicam
diferentes pressões internas. “Alguns países podem fazer concessões,
mas o autoritarismo está na base de alguns regimes. O vício autoritário
pode ser retomado se determinados reis ou ditadores sentirem-se
ameaçados”. Mas o professor admite que a mudança de panorama é
perceptível. “Há uma mudança na percepção do poder da população”, diz.
“Para permanecer no poder, os governos estão entendendo que precisam
negociar. Mesmo que alguns países façam uma repressão mais dura, há uma
inclinação geral pela adoção de reformas”.
O professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas
(FGV), Maurício Santoro, diz que as revoltas que obtiveram êxito
ocorreram em países mais homogêneos, sem grandes tensões étnicas,
tribais ou religiosas. São os casos de Egito, Tunísia e também do
Marrocos, onde o rei Mohammed VI promoveu abertura significativa de seu
regime. Em outros países, ditadores conseguiram utilizar divisões para
obter o apoio de parte da população. “Nos países mais fragmentados
ditadores conseguem explorar as diferenças para se manter no poder”,
afirma.
O que Santoro diz é flagrante na Líbia e no Iêmen, onde há fortes
divisões tribais, e na Síria em que uma minoria étnico-religiosa, os
alauítas, detém o poder político diante de uma população
majoritariamente sunita. Nestes países, os governos autoritários têm
conseguido reagir, mas, segundo Santoro, na Síria e na Iêmen a tendência
também é de maior abertura. “No Iêmen há uma negociação avançada que
pode culminar com a renúncia de Ali Abdullah Saleh. Na Síria, não está
claro se Bashar al-Assad conseguirá se manter no poder, mas se conseguir
será de forma negociada”.
Líbia: conflito não deve ter solução tão cedo
No momento, a Líbia é o campo de batalha onde a marca ocidental se
faz mais presente. Desde março, tropas internacionais sob comando da
Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) bombardeiam o país e
tentam garantir a saída de Muammar Kadafi do poder. No entanto, o
conflito se arrasta, e o ditador líbio não parece dar sinais de que vá
desistir – ainda que o governo dos Estados Unidos já tenha reconhecido
oficialmente a autoridade rebelde como legítima governante da Líbia.
Para Antônio Jorge Ramalho da Rocha, da UnB, o conflito na Líbia
seguirá se arrastando por muito tempo. “O emprego da força mostrou-se um
erro, ainda mais nos termos colocados pela resolução da ONU. Acabou
fortalecendo Kadafi junto a seus acólitos, já que agora ele pode se
enrolar na bandeira nacional e se colocar como alguém que resiste a um
invasor externo”, argumenta. “Era uma situação complexa, já que parecia
claro que Kadafi usaria força contra o próprio povo. O dilema era se
omitir, deixando os rebeldes à própria sorte, ou agir, o que também
traria consequências. Mas alguns países (do ocidente) foram contrários desde o início à intervenção, e a ação da OTAN não produziu resultados”.
“A Líbia ainda é uma carta aberta”, diz Renatho Costa, da Unipampa. O
especialista detecta não apenas um confronto em aberto pelo poder
líbio, mas uma luta das forças ocidentais por uma influência maior na
região. “Kadafi não tem mais condições de permanecer, não é mais líder
nacional. As batalhas já estão fora deste tabuleiro”, sustenta. Como
exemplo, o professor cita a decisão da Rússia de não aceitar o Conselho
Nacional de Transição, instituído pelos rebeldes, como legítimo governo
da Líbia – decisão que foi anunciada recentemente pelos EUA. “Apoiar o
governo paralelo, na prática, é alinhar-se com os Estados Unidos”,
observa.
Maurício Santoro concorda. “O impasse não deve se resolver em pouco
tempo. A intervenção não demonstrou força nem para impelir Kadafi a uma
negociação”, diz. O professor da FGV ressalta que as potências
envolvidas com a intervenção tem hoje preocupações internas muito
maiores, com a crise econômica que abala Europa e Estados Unidos, o que
certamente prejudica a luta contra o regime líbio.
Egito e Tunísia terão eleições no final do ano, mas seguem instáveis
Egito e Tunísia mantêm governos provisórios até o final do ano. O
Egito, maior país árabe, terá eleições para uma assembleia constituinte
em novembro. Na Tunísia, o mesmo pleito ocorrerá em outubro. Caberá a
estas assembleias definir o sistema político e eleitoral para que a
população escolha um novo governo. Enquanto isto não ocorre, os
protestos continuam.
No Egito, manifestantes pedem a saída de todo e qualquer integrante
do governo que tenha participado do regime do ditador Hosni Mubarak.
Além disto, há uma preocupação crescente com a influência que o exército
egípcio terá sobre o novo governo. São as Forças Armadas que estão à
frente do governo provisório. Maurício Santoro acredita que os militares
não tentarão manter o poder político e realizarão as eleições, mas
explica que, de qualquer forma, continuarão com muito poder. “O exército
parece comprometido com eleições, mas deve manter o seu poder, mesmo
com uma ordem democrática. As Forças Armadas no Egito controlam várias
empresas, têm muito poder econômico”, destaca.
Tentando acalmar os ânimos, o regime de transição promoveu nesta
terça-feira (19) mudanças em mais de 15 ministérios – mantendo, porém,
nomes da velha guarda, como o ministro do Interior, Mansour Essawy,
ligado ao regime de Mubarak. A indefinição política se reflete na
economia, bastante desestabilizada. Não à toa, o ministro das Finanças
foi um dos que teve sua cabeça cortada. O governo provisório tem
distribuído alimentos aos egípcios.
Na Tunísia, a situação não é diferente. Já em fevereiro, a população
tratou de correr o primeiro-ministro interino Mohammed Ghannouchi por
ele ter sido tradicional aliado do ditador Ben Ali. Mudanças nos
ministérios também têm sido recorrentes. O atual premiê, Beji Caid
Essebsi, tem demonstrado preocupação ainda com os conflitos nas ruas,
porque teme pela segurança na realização das eleições em outubro. Na
segunda (18), um garoto de 14 anos foi morto por uma bala perdida
disparada por forças de segurança, durante um protesto em uma pequena
cidade próxima a Sidi Bouzid.
Não por acaso foi em Sidi Bouzid, cidade no centro do país, que tudo
começou, em dezembro de 2010, quando um jovem desempregado ateou fogo
ao próprio corpo. A Tunísia tem um nível de vida razoável se comparado
aos demais países do Norte da África, mas sofre com uma crise econômica e
com uma desigualdade entre o litoral e o interior do país. É no
interior que vive a maioria dos 700 mil tunisianos desempregados, número
extremamente significativo para uma população economicamente ativa de
apenas três milhões de pessoas.
Democracia com islamismo: Turquia pode servir de modelo
Na Tunísia, os conflitos também ocorrem entre intelectuais que
defendem o estado laico e extremistas islâmicos. Estes últimos vêm
ganhando terreno nas ruas desde a queda de Ben Ali, mão não se vêem
contemplados no atual governo provisório. Jovens islâmicos já atacaram
diversas delegacias de polícia nos últimos dias. Um exemplo ilustrativo
dos conflitos ocorreu no final do mês de junho. Na capital do país,
Túnis, ativistas religiosos quebraram os vidros de um cinema que passava
o filme “Nem Alá, nem o Mestre”, em defesa do estado laico, e entraram
em conflito com um grupo de advogados. Os islâmicos acabaram sendo
presos.
Apesar disto, o partido político tido como o mais forte na Tunísia é o
Al-Nahda (Partido do Renascimento, em português), que no mês de junho
se retirou das conversas sobre a transição, acusando outros partidos de
abuso de poder. O líder do partido, Rachid Ghannouchi, retornou ao país
apenas 15 dias depois da queda de Ben Ali, após 20 anos de exílio. Em
entrevista recente ao El Pais, Ghannouchi afirmou que é contra o
extremismo, e que sonha em “conjugar islamismo com modernidade”. Quer a
religião na Constituição, mas com igualdade entre gêneros, por exemplo.
E cita como paradigma a Turquia, governada desde 2003 pelo partido
Justiça e Desenvolvimento.
Para Maurício Santoro, o governo da Turquia deve balizar os novos
regimes democráticos entre os países muçulmanos. “O que está se
desenhando é um tipo de Estado onde a religião não domina a sociedade,
mas tem papel importante na definição das leis, dos costumes e sobre os
partidos políticos. A Turquia mostra que é possível ter um partido como
este no poder, convivendo com liberdades democráticas”, avalia. O
professor de Relações Internacionais ressalta, contudo, que isto não
livrará estes países de tensões entre as liberdades individuais e a
religião islâmica, tensões que ocorrem na própria Turquia.
Santoro vê mais força do islamismo na Tunísia que no Egito. Ele
afirma que a Irmandade Muçulmana tem se fragmentado desde a revolta,
principalmente porque os jovens do movimento não têm seguido à risca os
ditames de seus líderes. Além disto, ressalta que a interferência
religiosa na política sempre foi limitada por leis no Egito e que há uma
minoria cristã que não pode ser desprezada. Ele lamenta que as eleições
sejam realizadas em um prazo exíguo para a formação de novas
organizações. “O prazo prejudica a participação do elemento mais
inovador da revolução, que foram os jovens”.
Renatho Costa, da Unipampa, acredita que ocorre disputa de influência
entre autoridades islâmicas e forças ligadas ao Ocidente. Ele acredita
que o modelo que for adotado especialmente pelo Egito poderá servir como
base para outros países árabes e ter grande influência sobre a região.
“(Egito e Tunísia) são dois palcos onde se disputa pelo futuro
de todo o Oriente Médio. O modelo que prevalecer ali vai ter amplas
possibilidades de ditar regras políticas para todo o mundo árabe. Se a
influência islâmica prevalecer nesses dois palcos, em especial no Egito,
isso certamente provocará uma grande mudança geopolítica em toda a
região”, prevê.
De qualquer modo, o panorama que surge aos poucos no mundo árabe
aponta para algo novo, que vai além da visão ocidental sobre a região.
Renatho, que recentemente passou dois meses no Irã, exemplifica com o
que ouviu em conversa com aiatolás locais. “Discuti com alguns deles
sobre as perspectivas que viam a partir das mudanças no Egito”, conta,
“e eles se manifestaram de forma muito positiva. Para eles, o país pode
passar por um processo semelhante (ao do Irã), integrando-se em
uma comunidade islâmica. É uma visão diferente da nossa, que não tem o
nosso olhar de integração pela ocidentalização”.
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