segunda-feira, 29 de agosto de 2011

O Terrorismo de estado Americano ameaça a Humanidade e impede a Paz



Miguel Urbano Rodrigues * Odiario.info

O Irão, por não capitular perante as exigências do sistema de Poder hegemonizado pelos EUA, é há anos alvo permanente da hostilidade dos EUA. Washington tem saudades do governo vassalo do Xá Pahlevi e cobiça as enormes reservas de gás e petróleo iranianas.

A humanidade enfrenta a mais grave crise de civilização da sua história. Ela difere de outras, anteriores, por ser global, afectando a totalidade do planeta. É uma crise política, social, militar, financeira, económica, energética, ambiental, cultural.
O homem realizou nos últimos dois séculos conquistas prodigiosas. Se fossem colocadas a serviço da humanidade, permitiriam erradicar da Terra a fome, o analfabetismo, as guerras, abrindo portas a uma era de paz e prosperidade.
Mas não é o que acontece. Uma minoria insignificante controla e consome os recursos naturais existentes e a esmagadora maioria vive na pobreza ou na miséria.
O fim da bipolar idade, após a desagregação da URSS, permitiu aos Estados Unidos adquirir uma superioridade militar, política e económica enorme que passou a usar como instrumento de um projecto de dominação universal. As principais potências da União Europeia, nomeadamente o Reino Unido, a Alemanha e a França tornaram-se cúmplices dessa perigosa política.
O sistema de poder que tem o seu pólo em Washington, incapaz de encontrar solução para a crise do seu modelo, inseparável da desigualdade social, da sobreexploraçao do trabalho e do esgotamento gradual dos mecanismos de acumulação, concebeu e aplica uma estratégia imperial de agressão a povos do chamado Terceiro Mundo.
Em guerras ditas de baixa intensidade, promovidas pelos EUA e seus aliados, morreram nos últimos sessenta anos mais de trinta milhões de pessoas. Algumas particularmente brutais, definidas como «preventivas» visaram o saque dos recursos naturais dos povos agredidos.
Reagan criou a expressão «o império do mal» para designar a URSS no final da guerra-fria. George Bush pai vulgarizou o conceito de «estados canalhas» para satanizar países cujos governos não se submetiam às exigências imperiais. Entre eles incluiu o Irão, a Coreia Popular, a Líbia e Cuba.
Em Setembro de 2001, após os atentados que destruíram o World Trade Center e demoliram uma ala do Pentágono, George W. Bush (o filho) utilizou o choque emocional provocado por esse trágico acontecimento para desenvolver uma estratégia que fez da «luta contra o terrorismo» a primeira prioridade da política estado-unidense.
Uma gigantesca campanha mediática foi desencadeada, com o apoio do Congresso, para criar condições favoráveis à implantação da política defendida pela extrema-direita. Segundo Bush e os neocon, «a segurança dos EUA» exigia medidas excepcionais na esfera internacional e na interna.
Os grandes jornais, as cadeias de televisão, as rádios, a explorando a indignação popular e o medo, apoiaram iniciativas como o Patriot Act que suspendeu direitos e garantias constitucionais, legalizando a prática de crimes e arbitrariedades. A irracionalidade contaminou o mundo intelectual e até em universidades tradicionais professores progressistas foram despedidos e houve proibição de livros de autores célebres.
A campanha adquiriu rapidamente um carácter de caça às bruxas, com perseguições maciças a muçulmanos. Uma vaga de anti-islamismo varreu os EUA, com a cumplicidade dos grandes media. O Congresso legalizou a tortura.
No terreno internacional, o povo do Afeganistão foi a primeira vítima da «cruzada contra o terrorismo». Os EUA, a pretexto de que o governo do mullah Omar não lhe entregava Bin Laden- declarado inimigo numero um de Washington - invadiu, bombardeou e ocupou aquele pais.
Seguiu-se o Iraque após uma campanha de desinformação de âmbito mundial. O Governo de Bagdad foi acusado de acumular armas de extermínio massivo e de ameaçar portanto a segurança dos EUA e da Humanidade. A acusação era falsa, como se provou mais tarde, e os EUA não conseguiram obter o apoio do Conselho de Segurança. Mas, ignorando a posição da ONU, invadiram, vandalizaram e ocuparam o país. Inicialmente contaram somente com o apoio do Reino Unido.
Crimes monstruosos foram cometidos no Afeganistão e no Iraque pelas forças de ocupação. A tortura de prisioneiros no presidio de Abu Ghrabi assumiu proporções de escândalo mundial. Ficou provado que o alto comando do exército e o próprio secretário da Defesa, Donald Rumsfeld tinham autorizado esses actos de barbárie. Mas a Justiça norte-americana limitou-se a punir com penas leves meia dúzia de torcionários.
Simultaneamente, milhares de civis, acusados de «terroristas» -muitos nunca tinham sequer pegado numa arma - foram levados para a base de Guantanamo, em Cuba, e para cárceres da CIA instalados em países da Europa do Leste.
As Nações Unidas não somente ignoraram essas atrocidades como acabaram dando o seu aval à instalação de governos títeres em Kabul e Bagdad e ao envio para ali de tropas de muitos países. No caso do Afeganistão, a NATO, violando o seu próprio estatuto, participa activamente, com 40 000 soldados, da agressão às populações. Dezenas de milhares de mercenários estão envolvidas nessas guerras.
Em ambos os casos, Washington sustenta que essas guerras preventivas representam uma contribuição dos EUA para a defesa da liberdade, da democracia, dos direitos humanos e da paz e foram inspiradas por princípios e valores éticos universais. O presidente Barack Obama, ao receber o Premio Nobel da Paz em Oslo, defendeu ambas, num discurso farisaico, como serviço prestado à humanidade. Isso no momento em que decidira enviar mais 30 000 soldados para a fogueira afegã.
Os factos são esses. Apresentando-se como líder da luta mundial contra o terrorismo, o sistema de Poder dos EUA faz hoje do terrorismo de Estado um pilar da sua estratégia de dominação.
A criação de um exército permanente em África - o Africom – os bombardeamentos da Somália e do Iémen, a participação na agressão ao povo da Líbia inserem-se nessa politica criminosa de desrespeito pela Carta da ONU.
Mas a ambição de poder absoluto de Washington é insaciável.
O Irão, por não capitular perante as exigências do sistema de Poder hegemonizado pelos EUA, é há anos alvo permanente da hostilidade dos EUA. Washington tem saudades do governo vassalo do Xá Pahlevi e cobiça as enormes reservas de gás e petróleo iranianas.
A campanha de calunias, apoiada pelos media, repete incansavelmente que o Irão enriquece urânio para produzir armas atómicas. A acusação é gratuita. A Agencia Internacional de Segurança Atómica não conseguiu encontrar qualquer indício de que o país esteja a utilizar as suas instalações nucleares com fins militares. O presidente Ahmanidejah, alias, de acordo com o Brasil e a Turquia, numa demonstração de boa fé, propôs-se a enriquecer o urânio no exterior. Mas essa proposta logo foi recusada por Washington e pelos aliados europeus.
Sobre as armas nucleares de Israel, obviamente, nem uma palavra. Para os EUA, o Estado sionista e neo fascista, responsável por monstruosos crimes contra os povos do Líbano e da Palestina, é uma democracia exemplar e o seu melhor aliado no Médio Oriente.
O agravamento das sanções que visam estrangular economicamente o Irão é acompanhado de declarações provocatórias do Presidente Obama e da secretaria de Estado Clinton, segundo as quais «todas as opções continuam em aberto», incluindo a militar. Periodicamente jornais influentes divulgam planos de hipotéticos bombardeamentos do Irão, ou pelos EUA ou por Israel, sem excluir o recurso a armas nucleares tácticas. O objectivo é manter a tensão na guerra não declarada contra um pais soberano.
Lamentavelmente, uma parcela importante do povo dos EUA assimila as calunia anti iranianas como verdades. A maioria dos estadounidenses desconhece a gravidade e complexidade da crise interna. A recente elevação do teto da divida publica de mais de 14 biliões de dólares para 16 biliões - total superior ao PIB do pais – é, porem, reveladora da fragilidade do gigante que impõe ao mundo uma politica de terrorismo de estado.
Entretanto, o discurso oficial, invocando os «pais da Pátria», insiste em apresentar os EUA como o grande defensor da democracia e das liberdades, vocacionado para salvar a humanidade
Sem o controlo pelo grande capital da esmagadora maioria dos meios de comunicação social e dos áudio visuais pelo sistema de poder imperial, a manipulação da informação e a falsificação da História não seriam possíveis. Um instrumento importante nessa politica é a exportação da contra-cultura dos EUA, país-registe-se-onde coexiste com a cultura autêntica.
A televisão, o cinema, a imprensa escrita e, hoje, sobretudo a Internet cumprem um papel fundamental como difusores dessa contra cultura que nos países industrializados do Ocidente alterou profundamente nos últimos anos a vida quotidiana dos povos e a sua atitude perante a existência.
A construção do homem formatado principia na infância e exige uma ruptura com a utilização tradicional dos tempos livres. O convívio familiar e com os amigos é substituído por ocupações lúdicas frente à TV e ao computador, com prioridade para jogos violentos e filmes que difundem a contra cultura com prioridade para os que fazem a apologia das Forças Armadas dos EUA.
A contra cultura actua intensamente no terreno da musica, da canção, das artes plásticas, da sexualidade. A contra musica que empolga hoje multidões juvenis é a de estranhas personagens que gritam e gesticulam, exibindo roupas exóticas, berrantes em gigantescos palcos luminosos, numa atmosfera ensurdecedora, em rebeldia abstracta contra o vácuo.
O jornalismo degradou-se. Transmite a imagem de uma falsa objectividade para ocultar que os media ao serviço da engrenagem do poder insistem, com poucas excepções, em justificar as guerras americanas como «cruzada anti-terrorista» em defesa da humanidade porque os EUA, nação predestinada, batalhariam por um mundo de justiça e paz.
É de justiça assinalar que um número crescente de cidadãos americanos denunciam essa estratégia de Poder, exigem o fim das guerras na Ásia e lutam em condições muito difíceis contra a estratégia criminosa do sistema de poder.
Nestes dias em que se multiplicam as ameaças ao Irão, é minha convicção de que a solidariedade actuante com o seu povo se tornou um dever humanista para os intelectuais progressistas.Visitei o Irão há cinco anos. Percorri o pais de Chiraz ao Mar Cáspio. Escrevi sobre o que vi e senti. Tive a oportunidade de verificar que é falsa e caluniosa a imagem que os governos ocidentais difundem do país e da sua gente. Independentemente da minha discordância de aspectos da politica interna iraniana nomeadamente os referentes à situação da mulher - encontrei um povo educado, hospitaleiro, generoso, amante da paz, orgulhoso de uma cultura e uma civilização milenares que contribuíram decisivamente para o progresso da humanidade.
Para mim o Irão encarna muito mais valores eternos da condição humana do que a sociedade norte americana, cada vez mais robotizada.


*Este texto foi enviado ao Festival Internacional Justiça e Paz que se realizará no Irão em Outubro próximo

Alunos de baixa renda recebem menos conteúdo, aponta pesquisa



Apenas uma em cada seis escolas públicas do país que recebem alunos de classes sociais mais baixas consegue cumprir mais de 80% do conteúdo previsto para o ano letivo. Já entre as unidades escolares onde estudam as crianças de nível social mais elevado, essa taxa sobe para 45,2% - ou seja, metade das escolas que têm as matrículas de alunos com melhores condições socioeconômicas conseguem cumprir quase todo o currículo.


Os dados fazem parte de um tabelamento dos microdados da Prova Brasil 2007 feito pelo pesquisador Ernesto Martins Faria, do site Estudando Educação. Os dados de 2009 ainda não foram divulgados e não há previsão de publicação.

Faria levou em conta os questionários socioeconômicos que compõem a avaliação. Foram consideradas todas as 47.976 escolas que fizeram a prova. Delas, 11.994 têm alunos com condições socioeconômicas precárias matriculados.

A maior parte dessas escolas se situa nas Regiões Norte e Nordeste do País. Acre, Alagoas, Amazonas, Amapá, Bahia Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Paraná, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima, Sergipe e Tocantins têm pelo menos uma escola pública com esse perfil.

Para Faria, a situação é preocupante porque os alunos que são atendidos nessas escolas são justamente os que chegam mais defasados. São esses que mais necessitam de atenção porque, normalmente, vêm de famílias em que os pais têm escolaridade baixa, explica.

Para ele, o contexto se agrava porque essas escolas são aquelas que não apresentam uma infraestrutura de qualidade - geralmente, não têm grandes bibliotecas, prédios em condições adequadas e boas equipes pedagógicas. O aluno precisa estudar numa escola onde ele sinta que há incentivo. Não é o que acontece numa escola que não dá todo o conteúdo programado.

Problemas. O não cumprimento do currículo escolar nesses colégios pode ter origem em diversas fontes, segundo os especialistas. As faltas dos alunos são apontadas como um dos fatores e podem ocorrer por diversos motivos, como a dificuldade de acesso ao colégio - em municípios do interior do País, por exemplo - e as condições ruins de infraestrutura da escola - que não são suficientes para garantir as aulas.

É claro que entre o que está programado e o que é cumprido existe sempre uma diferença, afirma Ocimar Alavarse, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). Mas existem escolas onde faltam luz e cadeiras.

O absenteísmo dos docentes também aparece entre as possíveis causas. As escolas situadas nas regiões mais pobres têm mais dificuldades para atrair e manter professores, afirma Alavarse. Tudo isso pesa no conteúdo a ser desenvolvido.

Antonio Batista, coordenador de desenvolvimento de pesquisas do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), chama a atenção para o fato de que o Brasil não tem um currículo único - ou seja, cada cidade e Estado tem suas próprias programações de conteúdos.

Em tese, o não cumprimento do currículo significa menos conteúdo e um cerceamento do direito da criança a uma aprendizagem de qualidade, afirma.

Apesar disso, em certos casos, cumprir todo o currículo não implica necessariamente que a criança aprenda tudo, porque, para alcançar a abordagem completa de currículos muito extensos, o ensino pode se tornar muito superficial ou sobrecarregar a criança de informações.

Para os pesquisadores, procurar soluções para resolver o quadro passa por meios que fixem o professor nessas escolas. Em vez de dar bônus, o melhor seria investir na melhoria da infraestrutura e dar adicionais a esses docentes dentro de uma política de carreira, afirma Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

Pesquisa Prova Brasil

A pesquisa dividiu as escolas que participaram da Prova Brasil em quatro faixas de renda, de acordo com a quantidade de bens que os alunos declararam possuir - como TV, rádio, carro e geladeira, por exemplo. Entraram também nessa conta o serviço de empregada mensalista e a quantidade de banheiros de cada casa.

A somatória de todos os itens deu uma pontuação a cada aluno, que foram divididos em quartis de acordo com a classe socioeconômica.

A Prova Brasil avalia, de dois em dois anos, os alunos de 5.° e 9.° anos do ensino fundamental da rede pública. Além das questões de matemática e língua portuguesa, os estudantes respondem a questionários socioeconômicos que podem ser associados ao desempenho deles na avaliação. Professores e diretores também respondem a questionários.

Fonte: O Estado de S. Paulo via PORTAL VERMELHO

Venezuela: um país mudando o eixo

Escrito por Alexandre Haubrich, de Caracas, para o Correio da Cidadania   

 
Em um pequeno mercado de um bairro na região oeste da cidade, não se pode comprar duas caixas de leite. Uma caixa por pessoa é o limite determinado pela senhora que atende atrás do balcão gradeado. O motivo comentado pelas ruas: mais um boicote das distribuidoras de alimento ao tabelamento dos preços da cesta básica. O racionamento informal não é novidade na Venezuela. O enfrentamento entre o governo do presidente Hugo Chávez e setores do empresariado ligados à oposição é intermitente, e perpassa toda a sociedade venezuelana nas grandes e nas pequenas ações.

Os boicotes da oposição são uma realidade na Venezuela. Havia o boicote ao processo eleitoral, que terminou no ano passado com a participação nas eleições de deputados. Mas seguem se repetindo casos de boicote alimentar. O sufocamento e a queda de popularidade do presidente são os objetivos. A resposta do governo vem na forma de incentivos morais – e institucionais – às tomadas de fábricas pelos trabalhadores e à criação de cooperativas que produzam e distribuam alimentos. Nas estações de metrô que ligam uma ponta da cidade à outra, painéis destacam o aumento de produtividade nas indústrias ocupadas pelos trabalhadores e mostram operários felizes com seu trabalho. Todos os painéis, como muitas outras coisas em Caracas, carregam um slogan como uma marca do sucesso da revolução: “Hecho en socialismo”. 


A Praça Bolívar cheia para comemorar o aniversário do presidente

Caracas está profundamente dividida. Não há meio termo: ou se está com o processo revolucionário ou se está contra ele. Em cada um desses grandes grupos existem variações de comprometimento e ideário, mas ninguém está indiferente às mudanças ocorridas na Venezuela desde que o Comandante Hugo Chávez venceu sua primeira eleição, em 1998. Na verdade, o processo já iniciara antes, com o Caracazo de 1989 – uma rebelião popular contra o governo de Carlos Andrés Pérez – e a tentativa de Chávez de tomar o poder pelas armas em 1992. Mas o avanço institucional da revolução bolivariana teve como impulso a chegada do Comandante à presidência e a divisão política que tomou conta do país a partir daí.

Na capital, o chavismo se espraia pela região central e pelo oeste da cidade. A leste, redutos de anti-chavismo, de defesa do neoliberalismo e até de certa indiferença política. Porém, sempre com o ódio por Chávez à flor da pele. Não é desgosto, não é indiferença. As elites venezuelanas nutrem verdadeiro ódio pelo líder idolatrado pelo povo. Povo este que não deixa por menos, e devolve o ódio das elites com ódio às elites. E com ainda mais respeito por Chávez.

O aniversário do presidente, comemorado no dia 28 de julho, foi momento de grande comoção popular em Caracas. Em frente ao Palácio Miraflores, a sede do governo federal, milhares de pessoas se aglomeraram para ouvir Chávez falar. Na Praça Bolívar, centro político da cidade, outras milhares participaram das comemorações cantando, dançando e ouvindo poesias e discursos. Pessoas de todas as idades, vestidas com as cores da Venezuela ou com o vermelho revolucionário. Nem a chuva e o calor que se alternaram durante todo o dia fizeram o povo se recolher. O gigante que esse povo tem vencido dia-a-dia é muito maior do que o clima instável. 


Painel no metrô comemora controle operário em fábrica ocupada

Foram espalhados pela Praça Bolívar alguns painéis para que fossem deixados recados de aniversário ao presidente. Mas o povo segue sua própria ordem, sua própria lógica, e os desejos de saúde e muitos anos de vida se direcionaram menos ao aniversário de Chávez do que à doença que o líder enfrenta. Sobre o câncer muito se fala e pouco se diz efetivamente. A oposição já oscilou entre acusar Chávez de inventar a doença e defender a idéia de que ele não terá condições de saúde para seguir no poder. O governo, por sua vez, divulgou que Chávez estava saudável quando já sabia da doença. Nenhuma informação sobre o assunto é confiável, de lado a lado. Nenhuma informação sobre qualquer assunto repassada pela oposição é confiável.

O discurso anti-chavista ganha forte eco nos meios de comunicação privados. Globovisión e Venevisión lideram os ataques desde que a concessão da RCTV venceu e não foi renovada, em 2007. Não há a falsa neutralidade que caracteriza parte da mídia brasileira. A mídia privada venezuelana é abertamente contra o governo, assim como a mídia estatal é abertamente a favor. Há ainda um crescimento importante da chamada “mídia alternativa, comunitária e independente”. Em dez anos, o número de rádios comunitárias saltou de zero para quatrocentas, e o número de emissoras de TV comunitárias foi de zero para cinqüenta. O governo apóia esses veículos, que por sua vez apóiam o governo – mas de forma extremamente crítica. O apoio é ao “processo”, não necessariamente a Chávez.

A mídia comunitária é construída pelo povo, mas a participação popular não se esgota aí. Os Conselhos Comunais são um mecanismo importante de inclusão das comunidades no processo decisório e o interesse é efetivo. Há dificuldades, há uma burocracia corrupta no meio do caminho entre o poder popular e o governo, mas as pontes vão sendo construídas – e derrubadas – na dinâmica do processo. 


Che e Lênin nos muros de Caracas

Parte importante dessa dinâmica são as diversas organizações sociais espalhadas pela Venezuela, incluindo um grande número de coletivos operando em Caracas. Tais coletivos levam variadas oficinas às comunidades, de forma que possuem papel importante na formação política dos venezuelanos. São oficinas culturais, que vão desde a operação de rádios comunitárias até o hip hop e o circo, sempre de forma politizada e politizante, sempre com um fundo político fundamental. Os coletivos são, de modo geral, independentes do governo, mas muitos trabalham ombro a ombro com a parte institucional da revolução. Os muros grafitados estão por toda Caracas lembrando à população sua própria história e a luta atual, com referências a Bolívar, Sucre, Miranda, Che Guevara, Fidel Castro e Hugo Chávez.

Com as oficinas, a mídia alternativa e os muros, a política está por todos os lados. A polarização não deixa espaço para meios termos ou para a indiferença. Às vezes Chávez segue o povo, às vezes o povo segue Chávez. Liderança e liderados, lideranças e liderado, difícil determinar até que ponto as ordens vêm de baixo, até que ponto vêm de cima. Fato é que, nos últimos anos, a Venezuela se reinventou. Nas praças, discute-se o rumo do país, o petróleo e a revolução. “Há dez anos éramos todos ignorantes” é uma frase que se ouve facilmente, sempre complementada com o olhar sonhador da mudança em processo: “hoje sabemos quem somos e pra onde queremos ir”.


Alexandre Haubrich é jornalista e editor do Jornalismo B.

domingo, 28 de agosto de 2011

Da necessidade de um novo paradigma para a Segurança Pública no Brasil


Os partidos vistos, ou que se apresentam como partidos de esquerda, não disputaram a visão de segurança pública e de polícia com a direita, da mesma forma que ainda disputam educação, saúde e desenvolvimento com os setores conversadores da nossa sociedade.


“Passamos os anos da ditadura encarando os policiais como repressores e defendemos os direitos humanos, mas nos esquecemos dos direitos humanos dos próprios policiais” (Marcos Rolim)

INTRODUÇÃO
Não é por acaso que no imaginário popular os heróis são os policiais como os “Capitães Nascimento” (no que se refere ao primeiro filme Tropa de Elite), e que as torturas e até mesmo os assassinatos no referido filme sejam ovacionadas pela grande maioria.

Também não é por acaso que as redes de comunicação tem como grande atração programas - campeões de audiência - que sensacionalizam a violência. Mostrando perseguições em viaturas, entradas em residências e prisões, tudo ao vivo, com a narração “espetaculoza” de apresentadores que usam termos como vagabundos, chibungos, filhos do ECA, bandidagem etc.

A vitória destes programas e personagens, fictícios ou reais, é fruto da nossa derrota enquanto campo político. Temos que ter maturidade para avaliarmos qual nossa contribuição e/ou omissão neste quadro. Um reconhecimento que manifeste posicionamento crítico e político, sem dramatizações e sem dar a este fato maior ou menor importância que realmente o tenha. A óbvia relação entre omissão e efeito, causa e conseqüência.

Os partidos vistos, ou que se apresentam como partidos de esquerda (PT, PC do B, PSB, para falar dos mais antigos), não disputaram a visão de segurança pública e de polícia com a direita, da mesma forma que ainda disputam educação, saúde e desenvolvimento com os setores conversadores da nossa sociedade.

Tal omissão é que fortaleceu e ainda fortalece a visão de que bandido bom é bandido morto, que devemos ter prisão perpétua e de pena morte, que deve-se reduzir a menor idade penal, e até mesmo o posicionamento de não descriminalizar o aborto, haja vista que esta discussão – mesmo contendo posicionamentos machistas e religiosos - esta diretamente relacionada com a visão maximizadora do direito penal. Estado mínimo e direito penal máximo.

Aliás, a história das administrações dos partidos conservadores ou programáticamente de direita, (no Brasil mais especificamente DEM, PSDB) nos demonstrou esta estreita e, para eles, quase necessária relação: quanto menos Estado, mais Direito Penal, quanto menos políticas sociais, mais repressão policial, quanto menos distribuição de renda, mais presídios e presidiários, ou seja, quanto menos Estado tivermos mais os mecanismos de repressão – direito penal e polícias – são chamados para atuarem na sua ausência.

A esquerda brasileira disputou com organização e propriedade os vários setores do mundo do trabalho, tal organização resultou na criação da Central Única dos Trabalhadores, e da própria Força Sindical, e, mais atualmente, da CONLUTAS. Cada central sindical tendo majorativamente as influências do PT, PDT e PSTU, respectivamente.

Estas centrais sindicais nasceram com o objetivo de organizar e dirigir os trabalhadores no país, influenciando – logicamente - nas políticas públicas de cada setor trabalhista, ou se preferirem, de cada profissão ou categoria de trabalhadores.

O referido campo político também disputou e disputa os grêmios estudantis, os diretórios acadêmicos, os sindicatos de professores (aqui no estado sempre sendo maioria no CPERS- Sindicato), mas, no entanto não disputaram, e não disputam com a mesma ferocidade e organização, as associações dos servidores da área de segurança pública. A omissão de uma intervenção política, conjunta e organizada neste setor foi o que tornou a direita hegemônica, pois atuava (e de certa forma ainda atua) sem concorrência.

Acreditamos que a visão majoritária sobre segurança publica, a qual não compactuamos, tem sua maior explicação na falta de atuação conjunta e organizada dos partidos de esquerda (e/ou centro-esquerda) e dos setores mais progressistas.

Observamos um revelador e interessante debate no jornal Zero Hora entre o ex Deputado Federal do PT Marcos Rolim e o Cel. Mendes, ex Comandante da Brigada Militar do Governo de Yeda Crusius do PSDB, sobre o que seria ter vocação para ser policial. Debate este que desnuda a base teórica e ideológica nas posições antagônicas dos debatedores e que pode servir de norte para sabermos o tamanho da luta e da disputa ferrenha que temos pela frente [1] .

Há de se ter uma visão estratégica para esta área problemática e importante da sociedade brasileira. Para tal propósito é mister fazer disputas programáticas que tenham, entre outras medidas:

i- produção teórica, no sentido de pesquisas e artigos dentro e fora do mundo acadêmico;

ii- apropriação da sociedade civil e de todos os órgãos da administração pública direta e indireta, no que se refere a não “guetizar” o saber e o viver da segurança pública;

iii- e principalmente aproximação com os servidores da segurança pública, que em última análise são os administradores e executores da política de segurança pública. No sentido de formação e capacitação política, bem como colocação em espaços políticos partidários e demais estruturas, como acontece com professores, profissionais da comunicação, administradores, juristas etc.

Os candidatos de esquerda, ao executivo ou legislativo, sempre mostraram domínio em assuntos como saúde, educação, moradia, reforma agrária, desenvolvimento sustentável, no entanto, encontravam dificuldades na temática segurança pública, nada mais revelador para a compreensão do distanciamento real e equivocado deste campo político haja vista que tal fragilidade não é exclusividade de um só partido.

Neste sentido o governo Lula revolucionou o ver e o fazer a segurança pública no país. Tal mutação começou com o então Ministro da Justiça Marcio Thomas Bastos, se solidificando e aprofundando com seu sucessor, Tarso Genro.

O governo Lula é um marco pois tranformou a relação do governo federal com os governos dos Estados e do Distrito Federal e até mesmo os municípios dando uma outra abordagem hermenêutica ao artigo 144 da Constituição Federal.

A implantação dos programas como PRONASCI (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania), UPP (Unidades de Polícias Pacificadoras), mudaram concretamente a atuação dos servidores da segurança pública, bem como, as relações entre União e Estados Membros e ainda, as estatísticas da violência e da criminalidade.

Os desafios

É necessário pautar, disputar organizadamente uma nova relação entre sociedade e Estado.

As disputas coorporativas, aliado a uma frágil militância impediram avanços nas reformulações das instituições, neste sentido - o das reformas - há uma dívida real com instituições como polícia civil e polícia militar.
Os aperfeiçoamentos institucionais feitos pela Constituição Federal de 1988 deixaram de fora - erroneamente - às polícias estaduais. Se analisarmos, mesmo que superficialmente, o que era o Ministério Público antes, e no que se transformou após a promulgação da nova e atual Constituição, veremos o quanto progrediu e o quanto acompanhou a nova visão jurídica e social estabelecida com a nova proposta de ordenamento jurídico.

No entanto, as polícias, civil e militar, ainda usam os mesmos métodos ultrapassados, ainda tem a mesma estrutura administrativa e operacional, ainda formam, com as mesmas ideologias seus quadros técnicos, de soldado a coronel, e de investigador e/ou escrivão a delegado.

Tal afirmação é confirmada num importante estudo intitulado “O que pensam os profissionais de segurança pública no Brasil” [2]. Pesquisa que foi feita com 64 mil policiais em todo o país pelo Ministério da Justiça e em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

Com 115 páginas, o estudo mostra em números como o Policial brasileiro é despreparado, e humilhado por seus superiores, torturados nas corporações e discriminado na sociedade, Lembra Nelito Fernandes da Revista Época.

Se o diagnóstico feito pelos próprios agentes é confiável, diz Marcos Rolim, a situação que eles vivem é desalentadora:

Um em cada três policiais afirma que não entraria para a polícia caso pudesse voltar no tempo. Para muitos deles, a vida de policial traz mais lembranças ruins do que histórias de glória e heroísmo.

A pesquisa revela que 20% dos agentes de segurança afirmam terem sido torturados durante treinamento, isto é, um em cada cinco.

Além da tortura, os policiais são vítimas de assédio moral e humilhações em todos os níveis, de soldado a coronel.

Salário baixo, corrupção, assédio moral, rispidez, insensibilidade, autoritarismo e discriminação por parte da população, são as maiores queixas e preocupações dos operadores da segurança pública.

O Tenente da PM do Rio, Melquisedec Nascimento diz que um namoro recente acabou porque os pais da moça não aceitavam que ela ficasse com um policial. “Você só pode dizer que é da polícia depois que a mulher está apaixonada. Se disser antes, ela corre. Todo mundo acha que o policial é um brucutu corrupto. Outro dia eu ia a uma festa e o amigo soletrou para mim o nome da rua: ‘Claude Monet’. Ele achou que só porque eu sou policial não saberia quem foi Monet”, diz ele. (mesma fonte)

Outra importante revelação: apenas 20,2% dos policiais se declararam a favor da manutenção do modelo atual, que mantém PM e Polícia Civil separadas, uma atuando no patrulhamento, outra na investigação. Para 34,4% dos policiais ouvidos, o ideal seria a unificação das duas forças, formando apenas uma só polícia civil, dita “de ciclo completo” – ou seja, encarregada de patrulhar, atuar em conflitos e também de investigar os crimes. A maior resistência à unificação vem dos oficiais da PM. Apenas 15,8% deles defendem o novo modelo de polícia. “Não só temos duas polícias, como também temos duas polícias dentro de cada polícia. A situação dos praças e dos agentes de polícia civil é muito diferente da dos delegados e dos oficiais”, diz Luiz Eduardo Soares.

Continua Soares alertando:

“Hoje, um praça da PM que quiser ser oficial precisa fazer concurso. Ao passar, recomeça a carreira do zero. Quem chega a sargento não vira oficial, a menos que concorra também com os civis, fazendo provas. Na Polícia Civil acontece o mesmo. Um detetive que queira ser delegado, hoje, tem de fazer um concurso e concorrer com qualquer advogado que não seja policial. Esse advogado recém-formado chega às delegacias mandando em agentes que têm 30 anos de polícia e é boicotado. Temos milhares de detetives que são formados em Direito, mas não viram delegados".

Logicamente que o debate não se esgota na reformulação das instituições policiais, e demais órgãos da segurança pública. É preciso unificar, transversalizar o entendimento e atuação dos vários órgãos e instituições.

Não se trata tão somente de repressão ou prisão, mas também, e principalmente de um debate forte e estratégico para avançarmos na complexa relação entre: Polícias, Judiciário, Ministério Público, IGP, SUSEPE, Guardas Municipais, FASE, Conselhos Tutelares, além de políticas de inclusão social, distribuição de renda, fortalecimento do trabalho formal, cursos profissionalizantes, combate ao tráfico de drogas, direito penal mínimo (ou ultima ratio), penas alternativas, justiça restaurativa, etc.

Propostas

Os setores mais progressistas devem chamar para si a responsabilidade de pautar uma nova visão de segurança pública e bancar no Congresso Nacional as mudanças legislativas necessárias, e ainda, um debate firme, propositivo e sistemático com a sociedade civil, de forma tão organizada e intensa como acontece com outras temáticas tão caras, sensíveis e importantes da nossa sociedade.

Deve ser feito uma aliança com a sociedade civil, partidos políticos, ONGs, servidores públicos e necessariamente com os trabalhadores da segurança pública para demonstrarmos a população que a maximização do direito penal já se demonstrou totalmente ineficaz.

Que a inteligência policial é melhor que o franco combate (onde inclusive acontecem várias mortes de inocentes).

Que é urgente uma reformulação das instituições (que atendam minimamente as necessidades e expectativas dos servidores, combinando com a modernização da sociedade, a maturidade da democracia e do Estado Democrático e Social de Direito, além das necessidades da população em geral).

Também é premente uma mudança da visão da própria sociedade que só acontecerá com uma mobilização política intensa.

Para revolucionar de forma democrática o entendimento sobre segurança pública devemos ter - entre outras - algumas movimentações pontuais [propostas aqui apresentadas para o contexto de um debate travado no Rio Grande do Sul, onde o autor atua]:

* Fazer uma Conferência Estadual de Segurança Pública para mapearmos as especificidades regionais e contexto político, cultural e institucional do nosso estado e tirarmos metas de curto, médio e longo prazo.

* Fortalecer a Susepe e retirar a Brigada Militar dos Presídios e Casas Prisionais.

* Debater na Assembléia Legislativa Gaúcha a reforma total da Lei 10. 990, conhecida como Estatuto dos Servidores Militares da Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul fazendo este instrumento avançar para servir de proteção e resgate da dignidade e da cidadania dos trabalhadores, indo ao encontro do Neoconstitucionalismo e pós-positivismo [3] .

* Enfrentar o tema da maximização do direito penal sugerindo e pautando a nível regional e federal as penas alternativas e a justiça restaurativa.

* Reformular o sistema penitenciário, debater este tema a nível regional e federal, dando condições dignais aos seres humanos que se encontram sob tutela estatal.

* Implementar programas de aperfeiçoamento dos servidores e das instituições e órgãos da segurança pública.

* Enfrentar o tema da reforma nas polícias estaduais, (este talvez um dos mais importantes) promovendo estudos e debates com os servidores, acadêmicos, associação de classe, partidos políticos, ONGs, militantes e ativistas dos Direitos Humanos, Parlamentares e a sociedade como um todo para caminharmos efetivamente em direção de uma polícia para o século XXI.

* dentro do tópico de reforma, solidificar os mecanismos para que as políticas de segurança pública sejam políticas de Estado e não (ou no mínimo o menos possível), de governo. Diga-se de passagem, um dos maiores problemas da segurança pública é que sempre tem sido tratada – pois assim é a sua atual estrutura administrativa - como política de governo (passível de mudança ideológica, operacional e programática de quatro em quatro anos) e não como política de Estado mais estável e duradoura.
.
*Debater a proporcionalidade de gênero nas instituições que impedem formalmente a ascensão das mulheres a cargos de chefias. No Rio Grande do Sul não existe e nunca existiu, uma só mulher no cargo de coronel, são banidas do topo da carreira.

O presente texto não tem a pretensão de ser onisciente e absoluto, mas tão somente, de contribuir para este debate sempre acalorado e hoje, mais do que nunca, indispensável.

Os partidos progressistas, os intelectuais e militantes devem olhar de forma mais comprometida com este debate, ajudar na construção de novas visões e derrotarem dinossáuricos conceitos ainda presentes na atuação e formulação das políticas de segurança pública, (sejam elas teóricas ou operacionais), para alicerçarmos de vez um novo paradigma para a segurança pública no Brasil.

NOTAS

[1] O referido debate aconteceu quando Marcos Rolim escreveu um artigo no dia 28 de outubro de 2008 em Zero Hora intitulado Vocação. No outro dia, 29 de outubro de 2008 no mesmo veículo de comunicação o Cel. Mendes, então Comandante Geral da Brigada Militar do Governo Yeda Crusius (PSDB), rebate o referido artigo discordando da postulação feita pelo ex Deputado Federal, com o artigo Brigada Militar: Vocacionada pela Lei. Tendo em vista que Zero Hora não dá o direito a tréplica Marcos Rolim escreveu no seu Blog Tréplica de Marcos Rolim o qual contém na íntegra os três artigos citados e um quarto com autoria de Fernando Fedozzi Moralidade e formação dos Policiais, no link chamado Moralidade e Formação dos Policiais: polêmica Marcos Rolim e Cel. Mendes. Disponível em http://rolim.com.br.

[2] A análise da pesquisa é encontrada num artigo de Luiz Eduardo Soares e Marcos Rolim intitulado, Arqueologia da Gestão de Segurança Pública: Potencialidades e Limites. Marcos Rolim retifica e explica a necessidade reformas nas instituições em Repensando as Polícias Brasileiras.

[3] Neoconstitucionalismo no marco do que ensina Luís Roberto Barroso em Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito: o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil e Lenio Luis Streck em hermenêutica Jurídica (em) Crise ou ainda em Verdade e Consenso: Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas.
(*) Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUCRS, Pós-Graduando em Direito Público pelo IDC, Militante dos Direitos Humanos e Movimento Negro.

Um balaço que feriu todo o Chile


Na noite de 24 de agosto, último dia da greve nacional convocada pela Central Unitária de Trabalhadores (CUT), Manolito saiu de sua casa para acompanhar seu irmão Gerson, em uma cadeira de rodas, a fim de observar os “panelaços” da população contra o atual governo de direita, presidido por Sebastian Piñera. Mas Manuel nunca voltou para casa. Uma bala perdida o atingiu no tórax. A reportagem é de Christian Palma, correspondente da Carta Maior em Santiago.


Manuel Gutiérrez Reinoso tinha 16 anos e era um fiel integrante da Igreja Metodista Pentecostal, da vila Jaime Eyzaguirre, um dos setores populares da comunidade de Macul, localizada na zona sudeste de Santiago. Na noite de 24 de agosto, último dia da greve nacional convocada pela Central Unitária de Trabalhadores (CUT), “Manolito” saiu de sua casa para acompanhar seu irmão Gerson, em uma cadeira de rodas, a fim de observar os “panelaços” da população contra o atual governo de direita, presidido por Sebastian Piñera.

Mas Manuel nunca voltou para casa. Uma bala perdida o atingiu no tórax. “Estávamos caminhando na direção da passarela que está no final da rua quando apareceu um carro patrulha dos carabineiros e eles começaram a disparar. Estou certo que foram eles. Um dos tiros atingiu meu irmão no peito e ele caiu no chão”.

Os dois irmãos estavam acompanhados pelo amigo Giuseppe Ramírez, de 19 anos, quando escutaram o ruído três tiros. “Manuel colocou a mão no peito e me disse “me acertaram”. Estava cheio de sangue e tentei animá-lo, despertá-lo, para que não dormisse, e ele me dizia estou bem, irmão, tranquilo, vou sair desta”, contou entre soluços Gerson Gutiérrez.

Jacqueline, outra irmã da vítima, relatou que, no princípio, acharam que o jovem tinha sido ferido por um estilhaço ou por uma bala de borracha, “mas depois os médicos nos disseram que não puderam salvá-lo, porque era uma bala de grosso calibre”.

A natureza do projétil, precisamente, é fundamental para determinar sua origem e os eventuais responsáveis. A bala foi extraída do corpo de Manuel Gutiérrez durante a autópsia que ocorreu na sexta-feira no Serviço Médico Legal (SML) e entregue aos peritos da Polícia para análise.

“Era um bom estudante, um exemplo para seu colégio, era um jovem tremendamente cristão”, conta sua irmã, o que foi corroborado por seus vizinhos.

Dois dias depois da tragédia, começou a discussão entre aqueles que imputam a morte do jovem aos carabineiros e os meios de comunicação próximos ao governo que se inclinam pela tese de que Manuel teria relações com uma das gangues que operam nos bairros populares e que o assassinato teria sido resultado de um ajuste de contas entre torcidas organizadas de futebol.

No entanto, o testemunho do irmão da vítima abriu uma investigação para ver se, efetivamente, as forças policiais abriram fogo. Frente a estas acusações, o general Sergio Gajardo, segundo chefe da Zona Metropolitana de Carabineiros, descartou que os efetivos da corporação estejam envolvidos no ocorrido. “Sei que há uma versão de pessoas que estavam com ele, que teria passado um veículo pelo lugar onde estavam e que atribuíram o tiro aos carabineiros”.

O subsecretário do ministério do Interior, Rodrigo Ubilla, pediu que se deixe as instituições investigarem de maneira efetiva a morte de Manolito e pediu que “não se especule” sobre o fato. “O governo espera de forma decidida que tudo se resolva de maneira rápida e que se esclareça o falecimento deste jovem”, acrescentou.

Segundo Ubilla, “frente à morte de qualquer cidadão, de qualquer pessoa, a situação é gravíssima. Vínhamos dizendo isso há bastante tempo. Neste cenário, devemos manter uma atitude responsável e não especular. Deixemos que as instituições trabalhem. Neste momento, a informação está chegando à Justiça que é quem tem a tarefa de esclarecer o caso”.

A prefeita de Santiago, Cecilia Pérez, disse que o fato deve ser investigado e que ninguém deve se apressar a emitir juízos. Já o porta-voz Andrés Chadwick afirmou que é preciso ser cauteloso neste momento e esperar o informe dos investigadores para determinar as circunstâncias da morte.

Mas, ainda que as autoridades do governo se apressem em descartar a participação dos carabineiros, o certo é que, nos últimos dois dias de greve, os policiais cometeram uma série de graves erros em outras zonas periféricas da cidade, como ter ingressado a força em casas de bairros populares ou ter lançado bombas de gás lacrimogêneo no interior de alguns sindicatos sem que tivesse ocorrido provocação alguma.

Miguel Fonseca, vizinho de Manuel e porta-voz da família, disse à Carta Maior que serão apresentadas seis testemunhas sobre o caso. Além de Gerson e Giuseppe, testemunharão três vizinhos e outro jovem atingido por uma bala no braço perto de onde Manuel foi morto, bala esta que ainda não foi retirada do seu corpo.

A morte de Manuel da populosa Vila Jaime Eyzaguirre demonstrou que a repressão dos Estado ocorre de forma mais visível nas zonas periféricas da cidade. Na tarde de sexta, as estreitas ruelas deste bairro popular estavam de luta pela perda do vizinho. Sua Igreja organizou uma despedida de acordo com a fé que o jovem professava, uma esperança de uma vida melhor, o que também pedem milhões de chilenos.

Enquanto isso, Mireya Reinoso, mãe de Manuel, vela o filho falecido na igreja localizada a duas quadras de sua casa. A mulher se aferra à fé para suportar tanta dor. Generosa, também pede que se faça justiça para que esta tragédia não se repita. “Nada vai devolver o meu filho, mas creio que poderiam ter disparado para o ar, poderiam ter se dado conta de que estavam fazendo algo errado, mas sei que a justiça vem de cima. É uma dor muito grande”, disse entre lágrimas.

Tradução: Katarina Peixoto

Elogio à preguiça

Para o preguiçoso, “é preciso ser distraído para viver”, afastar-se do mundo sem se perder dele, sendo por isso acusado de não contribuir p/ o progresso. Além de crime contra a sociedade do trabalho, o preguiçoso comete ainda pecado capital. Pela lógica do trabalho e da Igreja, deve, assim, pagar pelo que não faz
por Adauto Novaes no LEMONDE-BRASIL
O crítico e ensaísta Jean Starobinski começa assim o livro Ação e reação:“Em A comédia humana, Balzac descreve as deliciosas viagens de Louis Lambert em meio às palavras: ‘Que belo livro escreveríamos narrando a vida e as aventuras de uma palavra!’”.
É isso que o ciclo “Elogio à Preguiça”propõe. Filósofos franceses e brasileiros narram em oitenta conferências, em quatro estados – Rio de Janeiro, Belo Horizonte, São Paulo e Brasília – a vida e as aventuras da preguiça, e mostram que sua história sempre foi mal contada.
Apesar da oposição, preguiça e trabalhoguardam um misterioso parentesco, quase simétrico e especular. As palavras preguiça e trabalhotêm história. Como nos lembra o filósofo francês Francis Wolff, o trabalho, no sentido moderno do termo, consiste em uma relação intrínseca entre duas ideias: a ideia de labor (pena) e a ideia de atividade socialmente útil. Vemos que para os gregos, diz Wolff, as atividades produtivas, mesmo socialmente úteis, não são moralmente valorizadas. Nada corresponde ao valor “trabalho” nem, em consequência, a desvalorização da preguiça. Acontece mesmo o contrário: “Scholein em grego, que corresponde ao latim otium, designa o que se pode fazer quando não se tem nada a fazer: o ócio. Ascholia, ao contrário, designa o fato de ser privadodessa liberdade... Em latim, ascholia vai se tornar neg-otium, negação do otium, que deu em negócio nas línguas latinas modernas. O negócio é, portanto, desvalorizado, ao contrário daquilo que vai se tornar, no cruzamento de certa moral ascética e do espírito do capitalismo. O negócio é tão desvalorizado na Antiguidade grega, que, na maioria das vezes, é deixado aos escravos. Com efeito, se numerosos escravos eram forçados a trabalhos manuais, por exemplo, nas minas, havia escravos banqueiros, como havia escravos policiais. Nem finanças nem ordem pública eram atividades valorizadas, uma vez que deixadas aos escravos”.
Ora, se saltarmos no tempo, vemos que os laços que atam preguiça e pecado tecem um nó invisível que prende imagens sociais do preguiçoso como improdutivo, indolente, melancólico, indiferente, distraído, voluptuoso, incompetente... Mas eis a questão posta por Marilena Chaui em sua conferência: não é curioso que o desprezo pela preguiça e a extrema valorização do trabalho possam existir em uma sociedade que não desconhece a maldição que recai sobre o trabalho, visto que trabalhar é castigo divino e não virtude do livre-arbítrio humano? A hipótese que passa por quase todas as conferências pode ser assim resumida: no mundo dominado pela tecnociência, nunca se trabalhou tanto e se pensou tão pouco não apenas sobre as condições do trabalho, mas principalmente sobre a ausência do trabalho do espírito, entendendo por espírito “potência de transformação da inteligência”.
A vida íntima que a preguiça leva com o trabalho pode revelar que o preguiçoso trabalha muito. Como?
Para o preguiçoso, “é preciso ser distraído para viver” (Paul Valéry), afastar-se do mundo sem se perder dele, sendo ele, exatamente por isso, acusado de em nada contribuir para o progresso. Além de praticar crime contra a sociedade do trabalho, o preguiçoso comete ainda pecado capital. Pela lógica do mundo do trabalho e da Igreja, o preguiçoso deve, portanto, sentir-se culpado e pagar pelo que não faz.
Ao ver de modo peculiar o fazer, o ocioso pode prestar um grande serviço e ajudar a responder à velha questão moral: “o que devo fazer?”. Dependendo da resposta, teremos diferentes definições do que seja o homem, a política, as crenças, o saber, nossa relação com o mundo e, principalmente, nossa relação com o trabalho. A resposta pode dizer um pouco mais precisamente, não apenas o que fazemos, mas também o que o trabalho faz em nós. Na era do grande desenvolvimento tecnocientífico e digital, maravilhosas máquinas “economizam” o trabalho mecânico, mas criam, ao mesmo tempo, dois novos problemas: primeiro, uma espécie de intoxicação voluntária, “mais a máquina nos parece útil, mais ela nos torna incompletos”. Isto é, mais precisamente, a máquina governando quem a devia governar; daí decorre o segundo problema, bem mais complexo: tantas potências auxiliares mecânicas tendem a reduzir “nossas forças de atenção e de capacidade de trabalho mental”, o que se relaciona aos seguintes fenômenos: impaciência, rapidez e volatilidade nunca antes vistas. Assim escreveu Valéry: “Adeus trabalhos infinitamente lentos, catedrais de trezentos anos cuja construção interminável acomodava curiosas variações e enriquecimentos sucessivos... Adeus perfeições da linguagem, meditações literárias e buscas que tornavam as obras, ao mesmo tempo, comparáveis a objetos preciosos e a instrumentos de precisão! [...] Eis-nos no instante, voltados aos efeitos de choque e contraste, quase obrigados a querer apenas o que ilumina uma excitação de acaso. Buscamos e apreciamos apenas o esboço, os rascunhos. A própria noção de acabamento está quase apagada”.
Certamente o preguiçoso tem muito a dizer sobre o mundo acelerado do progresso e do trabalho que cria objetos indispensáveis, mas também nos deixa, como herança, neurose, depressão, alienação, desastres ecológicos, excesso de ruídos artificiais e técnicos, apressamento, economia de guerra, morte do sujeito, inconsciência de si e, enfim, 191 milhões de vítimas em massacres nos últimos cem anos, entre outros feitos. É certo que o trabalho investiu muita ciência e técnica para criar esse mundo.
A mobilização veloz e incessante do trabalho cego hoje não permite ao homem dizer qual o seu destino e muito menos o que acontece. Ele não dispõe de tempo para pensar e, muito menos, consciência de que seus gestos, no trabalho, produzem muito mais que os objetos que fabrica. Há um excedente invisível, entendendo-se por “excedente” tudo o que não é mensurável, que produz catástrofes através do trabalho “normal e produtivo” que se manifesta na poluição da natureza, nos desastres ecológicos resultantes do descontrole dos sistemas de produção, no esquecimento e na desconstrução de si. Como lembra Robert Musil em O homem sem qualidades, foi preciso muita virtude, engenho e trabalho para tornar possíveis as grandes descobertas científicas e técnicas, graças ao sucesso dos “homens de guerra, caçadores e mercadores”. Tudo isso fundado na disciplina, no senso de organização e na eficácia do trabalho, o que talvez se pudesse resumir assim: o trabalho mecânico da produção de mercadorias pretende tomar o mundo de assalto, produzindo ao mesmo tempo agitação social e frenesi econômico e consumista, dada a multiplicação de objetos “não naturais e não necessários”. Já o preguiçoso põe-se na escuta de si e do mundo que o cerca.
Mas, afinal, quem é o preguiçoso? Enfim, como se pode, então, pensar essa figura que sempre teve péssima reputação no Ocidente? Talvez uma boa definição seja a de um autor inglês, Jerome K. Jerome, em seu livro Pensamentos preguiçosos de um preguiçoso:“A preguiça sempre foi o meu forte. Não é nenhuma glória, é um dom. Um dom raro. É certo que existem muitos farniente, mas um autêntico preguiçoso é exceção. Isso nada tem a ver com alguém que anda com as mãos nos bolsos. Ao contrário, o que melhor caracteriza um verdadeiro preguiçoso é o fato de ele estar sempre intensamente ocupado. De início, é impossível apreciar a preguiça se não há uma massa de trabalho diante de si. Não é nada interessante nada fazer quando não se tem nada a fazer! Em revanche, perder seu tempo é uma verdadeira ocupação, e uma das mais fatigantes. A preguiça, como um beijo, para ser agradável deve ser roubada”. Jerome K. Jerome leva-nos a pensar que a preguiça não é uma coisa passiva. Perder o tempo mecânico dá trabalho e exige enorme atividade do espírito. O farnientesubmete-se à lógica do capital; é parte do processo, porque já está nos cálculos da mão de obra excedente do processo de produção: a existência de excluídos. O ocioso não é propriamente quem se opõe ao trabalho. É quem sabe usar a inteligência.

Adauto Novaes

foi jornalista e professor. Estudou filosofia na França. Foi diretor, durante 20 anos, do Centro de Estudos e Pesquisas da Fundação Nacional de Arte/Ministério da Cultura. Organizou diversos ciclos de conferências, sendo o último deles "Mutações – a experiência do pensamento" (mais informações em www.cultura.gov.br/pensamento).

Falácias, amnésia seletiva e má sociologia da RBS deseducam o “Rio Grande




Eu quase não acreditei quando enxerguei a manchete do jornal Zero Hora deste domingo (28): “Gosto pelo confronto emperra o Rio Grande”. Ainda isso? Não é possível. Mas o grupo da RBS não desiste de sua tarefa de deseducar a população do Rio Grande do Sul: “Falta de consenso em temas importantes trava o desenvolvimento do Estado, que está ficando para trás em comparação com outras unidades da federação”. Não se trata apenas de uma incursão sociológica equivocada. É uma tese falsa que consegue a proeza de tirar conclusões sobre a situação econômica do Estado sem tratar de economia. Os problemas do “Rio Grande” seriam “uma cultura que valoriza o conflito, a polarização ideológica, a atmosfera de discórdia e a força do corporativismo”.
É verdade. A economia do Rio Grande do Sul vem perdendo terreno no cenário nacional, não acompanhando o crescimento médio registrado no país. Mas não é possível analisar esse problema sem levar em conta dados objetivos sobre a economia do Estado. Chega a ser constrangedor ter que afirmar isso. Até onde minha memória alcança, esse discurso foi inaugurado pela RBS no governo Olívio Dutra (PT) que, do início ao fim, foi caracterizado pelos veículos dessa empresa como um “governo do conflito”. Há um editorial inesquecível de Zero Hora, no dia seguinte à vitória de Germano Rigotto (PMDB), na eleição para o governo do Estado em novembro de 2002: o jornal comemora a derrota do “governo de conflito” e saúda a chegada do “governador pacificador”, que iria recolocar o “Rio Grande” nos trilhos.
Não recolocou. Rigotto fez um governo apático, sem grandes conflitos ou realizações. Há uma amnésia permanente nas matérias editorializadas da RBS sobre o “Rio Grande”. Uma amnésia que anda de mãos dadas com uma postura de tirar o corpo fora. Esses textos “esquecem” que a RBS tomou posições claras nas últimas décadas, defendeu propostas, projetos e determinados governos. Aliás, não só defendeu como participou ativamente dessas escolhas como ocorreu durante o processo de privatizações do governo Britto (PMDB), onde participou da compra da empresa telefônica do Estado. Na época, a RBS prometeu ao “Rio Grande” em seus editoriais que as privatizações, a vinda da GM, a guerra fiscal e a renegociação da dívida do Estado feita pelo governo Britto iriam colocar o Estado em um novo patamar de desenvolvimento. Não deu certo, assim como a pacificação de Rigotto e como o choque de gestão de Yeda Crusius (quando, aliás, um dos fiadores da pacificação de então era o coronel Mendes).
Naquele período, a tese da “mania do conflito” ainda não existia. Ela surgirá com o governo seguinte e, a partir daí, passará a ser afirmada e reafirmada até hoje. O Rio Grande do Sul teria perdido posições em relação a outros Estados por que aqui há um gosto pelo confronto, que teria suas origens na Revolução Farroupilha. A alternância de governos e de projetos é apontada como uma erva daninha, como se, em outros Estados da Federação não houvesse tal alternância. Em três páginas de matéria, não há uma única menção à manutenção de uma matriz produtiva que ignorou as mudanças na economia mundial. O sucateamento do setor calçadista, por exemplo, não tem nada a ver com o “gosto pelo confronto”, mas sim com a concorrência massacrante da indústria chinesa e de outros países asiáticos.
Entrevistei dias atrás, para o jornal Adverso, da Adufrgs Sindical (Sindicato dos Professores das Instituições Federais de Ensino Superior de Porto Alegre), o professor Luiz Augusto Estrella Faria, técnico da Fundação de Economia e Estatística (FEE) e professor associado da UFRGS nos cursos de pós-graduação em Economia e em Estudos Estratégicos Internacionais. Entre outras coisas, Faria fala sobre a decadência da economia gaúcha e aponta alguns elementos que não frequentam a má sociologia do grupo RBS:
O Rio Grande do Sul vive uma semi-estagnação desde nos anos 80. O Estado teve poucos momentos de crescimento neste período. É verdade que todo o Brasil viveu duas décadas perdidas em termos de crescimento, mas, mesmo assim, isso foi pior no Rio Grande do Sul, na média. Com exceção do início dos anos 2000, quando o Estado teve uma media de crescimento maior que a do Brasil, na década de 90 tinha sido pior e na segunda metade dos anos 2000 voltou a ser pior que a média nacional. Historicamente, o Estado sempre teve algo entre 7 e 8% do PIB brasileiro. Hoje estamos entre 5 e 6%.
A economia do RS não se modernizou neste período e ficou, em larga medida, vinculada a alguns setores tradicionais que passaram a crescer pouco por razões diversas. Durante boa parte desse período, os preços dos produtos agropecuários atravessaram uma fase ruim. Só foram melhorar na segunda metade dos anos 2000. Então, foram cerca de 15 anos com preços ruins para soja, milho, arroz e carne. Isso afetou um setor que, no RS, pesa mais do que a média nacional, que é a agropecuária. Além disso, a nossa indústria é, predominantemente, de pequeno e médio porte e vinculada a setores particularmente vulneráveis à competição da Ásia, principalmente.
 
O maior segmento da indústria gaúcha no início deste período era o calçadista. Hoje, ele praticamente sumiu do mapa, sufocado pela concorrência asiática, que produz o mesmo tipo de calçado, as mesmas grifes tradicionais, em condições de produção muito mais baratas, pois trabalha em uma escala gigantesca. Nós temos aqui pequenas empresas de calçado e lá tudo é mega. Há empresas com dezenas de milhares de trabalhadores fabricando calçado. Esse nível de escala dá um poder de competição gigantesco. Não dá para achar que podemos produzir com uma escala chinesa.
É pedir muito que, em uma matéria que pretende analisar a situação econômica do Estado, se utilize dados econômicos objetivos? Para os editores de ZH, aparentemente é. Mas isso não ocorre por acaso. A má sociologia é alimentada por uma postura arrogante que não reconhece os próprios erros e da “elite” econômica que esse grupo midiático representa. Uma “elite” que foi incapaz de ler as mudanças na conjuntura nacional e mundial e que sempre manteve um discurso hostil ao Estado, a não ser, é claro, na hora de pedir generosas isenções fiscais. A RBS se coloca do lado de fora do jogo, como se fosse um ente a-histórico a pairar sobre o “Rio Grande” e a explicar ao povo gaúcho o que ele deve ou não fazer. Suas escolhas políticas e econômicas permanecem sistematicamente dentro do armário. Isso é fundamental para que volta e meia Zero Hora venha nos alertar para os riscos da “mania de conflito” e do “gosto pelo confronto”. A RBS tem responsabilidade direta sobre várias das escolhas políticas e econômicas feitas no Rio Grande do Sul nas últimas décadas. E, sistematicamente, faz de conta que não tem nada a ver com isso. Talvez seja essa mistura de má fé, amnésia seletiva e má sociologia que esteja emperrando o “Rio Grande”.

Articulista do ‘Financial Times’ quer espantar alma de Marx de Wall Street

Samuel Brittan, articulista do "Financial Times", resgata, em artigo reproduzido pelo "Valor Econômico" nesta sexta-feira (26), o que ele chama de “recuperação” das teses de Karl Marx.

Por Osvaldo Bertolino na GRABOIS
 

“Em meio a quase todas crises periódicas que afetam as economias mercantis, erguem-se vozes dizendo que 'No fim das contas, Marx estava certo'", diz ele. Brittan recorda que alguns anos atrás Nicolas Sarkozy, o poresidente da França, foi visto empunhando uma cópia de Das Capital. Nas últimas semanas, complementa, gurus financeiros, entre eles Nouriel Roubini e George Magnus, escreveram artigos com referências ao “pensador comunista”.

Segundo Brittan , quando a recuperação acontece a grita se dissipa, apenas para ressurgir na vez seguinte em que ocorre uma contração brusca. “A primeira coisa errada no slogan é que ele tem pouco a ver com Karl Marx”, diz ele. “Lembro-me de uma senhora, sob outros aspectos uma profissional extremamente inteligente que, quando indagada sobre por que era marxista, respondeu: ‘Eu fiquei entediada com os amigos de meu pai’.” Em seguida o articulista do Financial Times divaga por caminhos obscuros da história, deixando de lado as luzes do marxismo para mirar em personagens que o imperialismo elegeu como alvos principais — principalmente os revolucionários marxistas Josef Stálin e Mao Tse tung.

Divisão da história

Brittan tenta separar Marx dos marxistas. “É, evidentemente, absurdo culpar Marx, que viveu de 1818 a 1883, pelos crimes cometidos décadas após sua morte. Na verdade, o grande homem disse certa vez: ‘Seja lá que outra coisa eu possa ser, não sou um marxista’. Muitos analistas sérios têm escrito sobre o que Marx quis dizer ou deve ter desejado dizer. Não sou um deles e minha desculpa principal para dar minha própria opinião extremamente seletiva é que nunca demonizei nem adorei esse homem”, escreve. Essa resvalada retórica na verdade serve de gancho para ele enveredar pelo mais baixo antimarxismo ao discorrer sobre a essência da obra de Marx — possivelmente para tentar espantá-la de Wall Street e adjacências.

Começa dizendo que o aspecto de Marx que originalmente o intrigou foi sua divisão da história após o fim da Idade das Trevas: feudalismo, capitalismo, socialismo e comunismo. “Por socialismo, Marx entendia algo semelhante a uma versão extrema da antiga quarta cláusula do Partido Trabalhista britânico, que contemplava a propriedade pública de todos os meios de produção, de distribuição e de trocas. Mas comunismo não implicava nada semelhante a seu significado posterior. Era uma utopia na qual um dia de trabalho curto proveria todas as necessidades da sociedade e as pessoas ficariam livres para ‘caçar de manhã, pescar à tarde e discutir filosofia à noite’. A visão de uma sociedade assim reteve no campo marxista alguns idealistas que, do contrário, poderiam ter abandonado a causa”, assevera.

Livro de Rudolf Hilferding

Partindo daí ele discorre sobre outros aspectos de menor importância. Para ele, “há muitos problemas na versão marxista”. “Será que o capitalismo começou nas repúblicas da Itália no século XV ou ainda não tivera início em muitas regiões da Europa onde a Revolução Industrial não se firmou efetivamente até um momento bem avançado do século XIX? E o que dizer sobre a Rússia, que ainda não tivera uma revolução capitalista, mas onde Marx tinha um número surpreendente de discípulos? Isso começou a preocupá-lo no fim de sua vida, quando ponderou se a Rússia poderia passar diretamente ao socialismo”, escreve.

Brittan cita a conhecida introdução de A. J. P. Taylor, historiador conservador inglês, em uma edição do Manifesto do Partido Comunista (editora Penguin) na qual ele determina que o marxismo foi uma peculiaridade do mundo de língua alemã. “Sua elaboração mais interessante veio de Rudolf Hilferding, um social-democrata austríaco cuja contribuição duradoura foi formulada em seu livro Das Finanzkapital. Nele, Hilferding chamou a atenção para uma nova faceta sinistra, a ascensão de banqueiros e financistas por trás da crescente cartelização do sistema produtivo. Ele não previu a importância bem maior da massa de dinheiro artificial cruzando fronteiras, o que certamente é extremamente relevante, num momento em que os banqueiros centrais estão quebrando a cabeça sobre como reanimar a economia mundial”, finaliza.

Interpretações da realidade

Essas passagens revelam o velho problema da indiferença em relação à alma do marxismo — a dialética. Um exame, mesmo sumário, da obra de Marx evidencia que Britan repete a batida na mesma tecla já milhões de vezes tocada pelos que evitam compreender o marxismo com espírito científico, isento de paixões e sem a carga irracional de ódio herdada em boa parte de preconceitos incutidos por anos de anticomunismo. Mesmo quando ele não é excluído da categoria de fenômeno social — o marxismo é ensinado até nas universidades norte-americanas —, procuram a todo custo destituí-lo de sua alma. É assim que os espíritos se fecham ao seu conhecimento, possivelmente com medo de a ele se converter.

Foi precisamente esse grande pensador quem decifrou o código da economia de crise. E isso não está em nenhum livro em particular. Está no conjunto de sua obra, da qual a parte mais importante é, certamente, O Capital. Ignorar essa premissa básica do marxismo equivale a sair à cata de mitos na tentativa de fugir da realidade. E quem lembra isso, evidentemente em tom crítico, é ninguém menos do que Paul Krugman, o prestigiado economista do MIT (Massachusetss Institute of Tecnhology), assumidamente keynesiano, que, ao comentar as comemorações dos 150 anos do Manifesto do Partido Comunista, em 1998, escreveu: "Artigos proclamam que a turbulenta economia mundial de hoje é exatamente o que o grande homem previu. Um colunista do New Yorker chegou a proclamar Marx como o pensador do futuro."

Interpretações da realidade

Karl Marx não é, portanto, apenas mais um nome no balaio de gatos dos gurus da economia. Ele é, antes de qualquer outra coisa, um cientista que se destaca na história do pensamento social. Sua teoria difere substancialmente das idéias voláteis que são propagadas por gente que ganha a vida montando frases de efeito e expelindo perdigotos em palestras sobre o mercado e redução do Estado mundo afora.

A interpretação científica dos seus princípios radiografa casos de sucesso e fracasso em uma sociedade, gera novas interpretações da realidade, cria novos paradigmas e equações para entender e explicar o que ocorre no mundo. Ao contrário da maioria das pessoas que escrevem ou escreveram sobre economia, Marx tinha farinha no saco — e, por isso, é uma das raras fontes seguras nesse terreno. Por tudo, Marx precisa ser estudado. Por sua originalidade, pela seriedade e consistência de sua obra, porque escrevia bem. Talvez seja por isso que Wall Street tenha tanto interesse em sua leitura. O medo é o de que as grandes massas compreendam a sua alma e tomem seus destinos nas mãos — seguindo a máxima marxista de que não basta interpretar o mundo, mas, sim, tranformá-lo. Daí o esforço milhões de vezes repetido para tentar vulgarizar o marxismo.

Antimarxismo primitivo

Samuel Brittan adota o modelo mais ordinário de vulgarização da obra de Marx: a tentativa de associá-la ao autoritarismo. Não há dúvida de que as experiências socialistas carregam nas costas distorções grosseiras no que diz respeito à interpretação do marxismo. Não resta dúvida também que os dois personagens citados pelo articulista do Financial Times, Josef Stálin e Mao Tse Tung, são os principais responsáveis por essas distorções. Repassar os motivos que os levaram a cometer erros, no entanto, seria chover no molhado. O que importa é constatar que seus acertos pesam muito mais em qualquer balança honesta que se utilize para analisar os processos históricos.

Ao lado deste antimarxismo primitivo, outras vulgaridades mais sofisticadas tentam demonstrar o marxismo como algo essencialmente equivocado. Uma delas é a apresentação da obra de Marx impregnada de erudição e afogada em terminologia complicada, uma forma de obscurecer os problemas. Falta clareza para chegar às situações concretas. E há também os grupos “esquerdistas”, para os quais o anticomunismo de “esquerda” tornou-se uma fixação fanática, um preconceito inextirpável. Nada melhor do que a definição de Lênin para estes grupos: o extremismo é filho de erros oportunistas.

Marx sem alma

Não é possível falar do legado de Marx sem o seu parâmetro revolucionário, sem a sua alma, a sua essência. Numa palavra: a dialética. O marxismo, independente do que dizem dele os já decrépitos “novos filósofos”, não pode evidentemente ser resumido a um modelo. Os bolcheviques de “têmpera especial” partiram a história em duas, abalaram o mundo, romperam pela primeira vez a estrutura e a lógica do capitalismo e do imperialismo — tomaram o céu de assalto, como dizia Karl Marx sobre os revolucionários da Comuna de Paris de 1871 —, mas foram marxistas do seu tempo. O desenvolvimento histórico obriga os marxistas a uma nova perspectiva revolucionária. E, com isso, a um novo posicionamento.

Marx e Engels, no Manifesto do Partido Comunista, estavam bem longe de qualquer triunfalismo revolucionário. Eles disseram que a luta entre classes antagônicas de uma sociedade dilacerada — como é a sociedade capitalista — pode perfeitamente terminar “com a ruína das classes em luta”. Não há nenhuma “providência histórica” que garanta a vitória da classe revolucionária — aquela que poderia superar a contradição existente e recompor a sociedade. Não basta, portanto, como lembrou Galileu Galilei quando acossado pelos aristotélicos das universidades, filosofar folheando textos nos quais fatalmente são encontradas todas as soluções para todos os problemas. Por tudo isso, pode-se concluir: os antimarxistas, como o articulista do Financial Times, leêm um Marx sem alma.

Carta às esquerdas

 
Livre das esquerdas, o capitalismo voltou a mostrar a sua vocação anti-social. Voltou a ser urgente reconstruir as esquerdas para evitar a barbárie. Como recomeçar? Pela aceitação de algumas ideias. A defesa da democracia de alta intensidade é a grande bandeira das esquerdas.

Boaventura de Sousa Santos * por email de Marcos Vargas


Não ponho em causa que haja um futuro para as esquerdas mas o seu futuro não vai ser uma continuação linear do seu passado. Definir o que têm em comum equivale a responder à pergunta: o que é a esquerda? A esquerda é um conjunto de posições políticas que partilham o ideal de que os humanos têm todos o mesmo valor, e são o valor mais alto. Esse ideal é posto em causa sempre que há relações sociais de poder desigual, isto é, de dominação. Neste caso, alguns indivíduos ou grupos satisfazem algumas das suas necessidades, transformando outros indivíduos ou grupos em meios para os seus fins. O capitalismo não é a única fonte de dominação mas é uma fonte importante.
Os diferentes entendimentos deste ideal levaram a diferentes clivagens. As principais resultaram de respostas opostas às seguintes perguntas. Poderá o capitalismo ser reformado de modo a melhorar a sorte dos dominados, ou tal só é possível para além do capitalismo? A luta social deve ser conduzida por uma classe (a classe operária) ou por diferentes classes ou grupos sociais? Deve ser conduzida dentro das instituições democráticas ou fora delas? O Estado é, ele próprio, uma relação de dominação, ou pode ser mobilizado para combater as relações de dominação?
As respostas opostas as estas perguntas estiveram na origem de violentas clivagens. Em nome da esquerda cometeram-se atrocidades contra a esquerda; mas, no seu conjunto, as esquerdas dominaram o século XX (apesar do nazismo, do fascismo e do colonialismo) e o mundo tornou-se mais livre e mais igual graças a elas. Este curto século de todas as esquerdas terminou com a queda do Muro de Berlim. Os últimos trinta anos foram, por um lado, uma gestão de ruínas e de inércias e, por outro, a emergência de novas lutas contra a dominação, com outros atores e linguagens que as esquerdas não puderam entender.
Entretanto, livre das esquerdas, o capitalismo voltou a mostrar a sua vocação anti-social. Voltou a ser urgente reconstruir as esquerdas para evitar a barbárie. Como recomeçar? Pela aceitação das seguintes ideias.
Primeiro, o mundo diversificou-se e a diversidade instalou-se no interior de cada país. A compreensão do mundo é muito mais ampla que a compreensão ocidental do mundo; não há internacionalismo sem interculturalismo.
Segundo, o capitalismo concebe a democracia como um instrumento de acumulação; se for preciso, ele a reduz à irrelevância e, se encontrar outro instrumento mais eficiente, dispensa-a (o caso da China). A defesa da democracia de alta intensidade é a grande bandeira das esquerdas.
Terceiro, o capitalismo é amoral e não entende o conceito de dignidade humana; a defesa desta é uma luta contra o capitalismo e nunca com o capitalismo (no capitalismo, mesmo as esmolas só existem como relações públicas).
Quarto, a experiência do mundo mostra que há imensas realidades não capitalistas, guiadas pela reciprocidade e pelo cooperativismo, à espera de serem valorizadas como o futuro dentro do presente.
Quinto, o século passado revelou que a relação dos humanos com a natureza é uma relação de dominação contra a qual há que lutar; o crescimento económico não é infinito.
Sexto, a propriedade privada só é um bem social se for uma entre várias formas de propriedade e se todas forem protegidas; há bens comuns da humanidade (como a água e o ar).
Sétimo, o curto século das esquerdas foi suficiente para criar um espírito igualitário entre os humanos que sobressai em todos os inquéritos; este é um patrimônio das esquerdas que estas têm vindo a dilapidar.
Oitavo, o capitalismo precisa de outras formas de dominação para florescer, do racismo ao sexismo e à guerra e todas devem ser combatidas.
Nono, o Estado é um animal estranho, meio anjo meio monstro, mas, sem ele, muitos outros monstros andariam à solta, insaciáveis à cata de anjos indefesos. Melhor Estado, sempre; menos Estado, nunca.
Com estas ideias, vão continuar a ser várias as esquerdas, mas já não é provável que se matem umas às outras e é possível que se unam para travar a barbárie que se aproxima.
* Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).