sábado, 3 de setembro de 2011

Galeano faz 71 anos enquanto as veias permanecem abertas há 40, ou muito mais


Milton Ribeiro no Sul21

"Lamento que As Veias Abertas ainda não tenha perdido a atualidade".

No dia 18 de abril de 2009, o presidente Hugo Chávez presenteou seu colega americano, Barack Obama, com o livro As Veias Abertas da América Latina, clássico ensaio do escritor e jornalista uruguaio Eduardo Galeano. O exemplar estaria autografado pelo autor. O livro fala basicamente sobre o saque dos recursos naturais sofrido pelo continente latino-americano do século XV até o fim do século XX e é citado frequentemente por Chávez. Tendo iniciado o dia 18 na 54.295ª posição entre os livros mais vendidos da megavendedora de livros Amazon, o livro amanheceu o dia 19 em 2º lugar. Atualmente, a avaliação dos leitores da Amazon demonstra uma curiosidade. Dos163 leitores que escreveram resenhas a respeito da obra, 86 dão-lhe nota 5, a máxima, enquanto 50 dão-lhe a nota mínima, 1. Dos 163, somente 27 não lhe dão as notas extremas.
Tais avaliações não chegam a ser surpreendentes. Afinal, As Veias Abertas não parece prestar-se a opiniões desapaixonadas. A direita costuma chamá-lo de um “anacrônico clássico da literatura esquerdista do continente”, o qual questiona o imperialismo americano e europeu na região. Já a esquerda:
Depois do golpe de 1973 não pude levar muita coisa comigo: algumas roupas, fotos da família, um saquinho com barro do meu jardim e dois livros: uma velha edição de Odes, de Pablo Neruda, e o livro de capa amarela, As Veias Abertas da América Latina.
Isabel Allende, no prefácio da edição chilena
Neste sábado (3), Galeano completa 71 anos, enquanto que sua principal obra — escrita anos antes, mas publicada em 1971 — completa 40.
Escritor foi um dos responsáveis pela fundação de três jornais: Marcha, Crisis e Brecha.

Eduardo Galeano nasceu em Montevidéu em 3 de setembro de 1940. Começou sua carreira de jornalista no início dos anos 60, como editor do “Marcha”, um influente jornal semanal que tinha como colaboradores Mario Benedetti, Mario Vargas Llosa, Manuel Maldonado e Denis Fernández Retamar.
Durante o golpe de 27 de junho de 1973, Galeano foi preso e forçado a deixar o Uruguai. Foi para a Argentina, onde fundou a revista cultural “Crisis”. Em 1976, após seu livro As Veias Abertas da América Latina ser censurado pelos governos militares do Uruguai, Argentina e Chile, teve seu nome colocado na lista dos esquadrões da morte de Videla e, temendo por sua vida, exilou-se na Espanha, onde deu início à trilogia Memória do Fogo.
No início de 1985, retornou a Montevidéu. Em outubro do mesmo ano, juntamente com Mario Benedetti, Hugo Alfaro e outros jornalistas e escritores que haviam pertencido ao semanário “Marcha”, fundou o semanário “Brecha”, no qual segue até hoje como membro do Conselho Consultivo. Em 2010, a Brecha instituiu o prêmio Memória do Fogo, entregue anualmente a um artista a cujos talentos se somem a luta pelos direitos humanos e sociais. O primeiro vencedor foi o cantor espanhol Joan Manuel Serrat, que o recebeu a 16 de dezembro de 2010 no Teatro Solís em Montevidéu.
Em 2007, recuperou-se satisfatoriamente de uma operação de câncer de pulmão.
Escritos que combinam ficção, jornalismo, análise política e história.

Galeano tem mais de 30 livros publicados e, se pudéssemos caracterizá-los através de uma frase, talvez desta devesse constar o convite que o autor nos faz para olhar simultaneamente o passado e o futuro. Suas obras também buscam estabelecer uma frente comum contra a miséria moral e material do continente. Há um risco demagógico e piegas neste tipo de proposta, mas Galeano salva-se disto com um texto limpo e objetivo, às vezes duro. Com o tempo, amenizou seu estilo, chegando com naturalidade à prosa poética e mesmo à poesia. Seu projeto de refletir o drama da América Latina é abertamente de esquerda e, ao longo dos anos, o autor manteve um compromisso contínuo com suas ideias, rejeitando uma existência sem utopias.
Seus escritos combinam ficção, jornalismo, análise política e história. Ao lado de As Veias Abertas da América Latina, talvez seus livros mais importantes sejam a trilogia Memória do Fogo, dividida em Os Nascimentos (1982), As Caras e a Máscaras (1984) e O Século do Vento (1986). Trata-se de uma ousada e inclassificável mistura de gêneros unidas por onipresente espírito crítico. Os personagens são generais, artistas, revolucionários e operários, os quais são retratados em pequenos episódios que começam nos mitos dos povos pré-colombianos chegando até a década de 80 do século XX.
 
Como fã de futebol e hincha do Nacional de Montevidéu, Galeano escreveu O futebol ao sol e à sombra (1995), onde revisa a história do esporte. Sua paixão pelo jogo supera a paixão por uma camisa. O autor traça comparações com o teatro e a guerra, critica a presença das grandes corporações, de um lado, e, por outro, ataca sem tréguas os intelectuais de esquerda que rejeitam o jogo por motivos ideológicos. O formato escolhido é o da crônica, mas uma crônica de poesia derramada de paixão pelo futebol. “Aos descendentes dos rituais astecas, aos filhos do tango, do samba e da capoeira, da sombra da miséria e do sol dos sonhos de glória”: é a estes, a sua tradição de virtuosismo e a seus cultores, em todo o mundo e ao longo dos tempos, que o autor presta homenagem. Mas…
Como todos os meninos uruguaios, eu também quis ser jogador de futebol. Jogava muito bem, era uma maravilha, mas só de noite, enquanto dormia: de dia era o pior perna-de-pau que já passou pelos campos do meu país.
(…)
Os anos se passaram, e com o tempo acabei assumindo minha identidade: não passo de um mendigo do bom futebol. Ando pelo mundo de chapéu na mão, e nos estádios suplico:
– Uma linda jogada, pelo amor de Deus!
E quando acontece o bom futebol, agradeço o milagre — sem me importar com o clube ou o país que o oferece.
A nova tradução, por Sergio Faraco

No ano passado, a L&PM lançou uma nova tradução de As Veias Abertas da América Latina. O tradutor, a pedido do próprio autor, foi Sergio Faraco. “Fiz a tradução a pedido de Galeano e acompanhado por ele. Enviava diariamente e-mails com minhas dúvidas, os quais eram respondidos imediatamente. Demorei 3 meses para terminar as quase 400 páginas. A maior dificuldade não foi o texto original, foi a comparação com a outra tradução brasileira, de Galeno de Freitas, muito boa, feita em 1971. Era inevitável, acho que tudo ficou muito parecido”, conta Faraco.
Galeano elogiou a nova tradução, que teria ficado superior ao original em espanhol. “Minha obra hoje soa melhor em português”, disse, referindo-se ao fato de ter não apenas Faraco como tradutor de sua obra, mas também Eric Nepomuceno. Só aqui no Brasil já saíram 52 edições do livro. Faraco completa: “As Veias Abertas é um ensaio com altíssimo grau de informação. É inacreditável que ele tenha feito aquela imensa pesquisa histórica e escrito o livro na idade de aproximadamente 30 anos. O livro retrata uma realidade vergonhosa de surpreendente atualidade em nossos dias, pois nossa miséria e dependência permanecem. É curioso que alguns chamam o livro de anacrônico. Apesar de ter sido escrito há 40 anos, ele não tem nada de anacrônico, até porque revela de forma brilhante uma realidade incontestável – a realidade histórica”.
O professor do Instituto de Biociências da UFRGS, Paulo Brack, em entrevista à Rádio da UFRGS, rebate enfaticamente as acusações de anacronismo. “Vejam, por exemplo, a questão de Belo Monte. Ela confrontou o Brasil e a Comissão de Direitos Humanos da OEA, que questionou o tratamento que o governo brasileiro está dando ao problema. Também a aprovação do novo Código Florestal na Câmara demonstra a vitória de um sistema que há séculos está enraizado no país. O Código Florestal anterior era uma das legislações mais avançadas do mundo. Agora foi alterada em favor do agronegócio, cujo sistema de produção teve origem nos grandes latifúndios. Ou seja, muita coisa que Galeano fala em seu livro está ainda atual. Apenas mudou a cara de quem faz. Antes, havia a presença militar, agora não mais”.
A América latina parece ter-se especializado em prover o desenvolvimento das economias europeia e norte-americana.

Em As Veias Abertas, Galeano apresenta uma análise histórica sobre formação da América Latina desde sua ocupação pelos europeus até os dias de hoje, fundando sua crítica na espoliação econômica, na dilapidação dos recursos naturais do continente e na dominação política, primeiro pela Europa e depois pelos Estados Unidos. A professora de Geografia Ilana Freitas faz uma curiosa constatação. “Durante a ditadura, As Veias Abertas era muito usado por professores de segundo grau de História e Geografia. Eram pessoas que, de forma muito corajosa, preocupavam-se em marcar uma posição de esquerda ou de crítica à ditadura”.
Lamento que este livro ainda não tenha perdido a atualidade.
Eduardo Galeano
Sem ser hostil, o jornalista e escritor Juremir Machado da Silva, também em entrevista à Rádio da UFRGS, faz ressalvas ao livro. “Galeano defendia que o fim da dependência da América Latina deveria ser baseado na implantação de modos modos de produção. O livro indica que a solução para a dependência latino-americana seria o socialismo. Este aspecto implícito ou explícito do livro, caducou”. Porém, Juremir concorda com Galeano no cerne: “É claro que o Brasil é um vendedor de commodities. Ou seja, vende matéria-prima barata e compra de volta o produto pronto daqueles países que agregam valor a eles. Vende para recomprar a preço maior o produto beneficiado. É uma questão não só de tecnologia, de capital, mas de mentalidade. Hoje, nada nos impede de mudar esta situação, só o fato de existir uma elite que está satisfeita como vendedora de commodities e que não deseja outro tipo de organização sócio-econômica”.
“A divisão internacional do trabalho consiste em que uns países se especializam em ganhar e outros em perder. Nossa comarca do mundo, que hoje chamamos de América Latina, foi precoce: se especializou em perder desde os remotos tempos em que os europeus do Renascimento se lançaram através do mar e cravaram-lhe os dentes na garganta. Passaram-se os séculos e a América Latina aperfeiçoou suas funções. Ela já não é o reino das maravilhas em que a realidade superava a fábula e a imaginação era humilhada pelos troféus da conquista, as jazidas de ouro e as montanhas de prata. Mas a região segue trabalhando como serviçal, continua existindo para satisfazer as necessidades alheias, como fonte e reserva de petróleo e ferro, cobre e carne, frutas e café, matérias-primas e alimentos, destinados aos países ricos que, consumindo-os, ganham muito mais do que a América Latina ganha ao produzi-los.”
Parágrafo de abertura de As Veias Abertas da Amérca Latina
Quando nos vamos, eles se vão?

Atualmente, passados 40 anos, talvez a crítica que se possa fazer a Galeano seja a do tom indignado da narrativa, porém isto não anula ou diminui os fatos descritos e não retifica a história, pois é difícil negar que as colônias e nações latino-americanas têm sido, desde o início do século XVI, especialistas em prover o desenvolvimento das economias europeia e norte-americana, com seu consequente fortalecimento político.
Seu último livro Espelhos (2008) consiste em quase 600 histórias breves que, segundo Galeano, proporcionam ao leitor “viajar através de todos os mapas de todos os tempos, sem limites”.
Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos nos lembram.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, eles se vão?
Este livro foi escrito para que não partam.
Nestas páginas unem-se o passado e o presente.
Renascem os mortos, os anônimos têm nome:
os homens que ergueram os palácios e os templos de seus amos;
as mulheres, ignoradas por aqueles que ignoram o que temem;
o sul e o oriente do mundo, desprezados por aqueles que
desprezam o que ignoram;
os muitos mundos que o mundo contém e esconde;
os pensadores e os que sentem;
os curiosos, condenados por perguntar, e os rebeldes e
os perdedores e os lindos loucos que foram e são o
sal da terra.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Professores lutam pelo piso nacional


Em entrevista, coordenadora do Sind-UTE afirma que greve só termina com o atendimento das reivindicações


Mariana Starling,
De Belo Horizonte (MG)


Os trabalhadores em educação de Minas Gerais estão em greve há 86 dias. A reivindicação principal é a implementação no estado do Piso Salarial Nacional, julgado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal em abril deste ano. Em entrevista ao Brasil de Fato, a coordenadora-geral do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação do estado de Minas Gerais (Sind-UTE/MG), Beatriz Cerqueira, afirma que a greve só termina com o atendimento das reivindicações. Confira a entrevista.

Brasil de Fato – Qual a avaliação que a categoria dos professores de Minas Gerais faz sobre a gestão do PSDB para a educação no estado?

Beatriz Cerqueira – Temos enfrentado um processo de empobrecimento da nossa categoria que se aprofundou desde que o Aécio Neves assumiu o governo. O tão falado “Choque de Gestão” foi uma política em que os profissionais, os servidores públicos pagaram a conta. Ele instituiu uma política de controle de remuneração, de ausência de valorização da categoria com a instituição de dinâmicas de prêmio por produtividade que não trazem eficiência para o sistema público, mas fazem com que o Estado possa controlar a remuneração. Além disso, o investimento em políticas públicas não ocorre no estado e, com isso, toda a sociedade sofre. Não é só nossa categoria.

O governo de Anastasia tem sido, então, uma continuidade do governo Aécio no setor, ou há alguma diferença relevante?

Sem sombra de dúvidas é uma continuidade. O próprio Anastasia diz isso, que é a terceira fase do “Choque de Gestão”. Os dois primeiros mandatos do Aécio e agora o do Anastasia é a terceira geração, que eles mesmos colocam.

E como está a Educação em Minas? Faça, por favor, uma breve radiografia do ensino no estado.

Tem dados relativos à educação que são importantes. O Aécio não investiu 25% previstos constitucionalmente, este é um relatório técnico que o Tribunal de Contas produziu. Em 2009, por exemplo, o investimento foi de 20,15%. Isso traz um prejuízo para toda a sociedade. Há um déficit em Minas Gerais de 1 milhão e meio de vagas na educação básica. Ou seja, se todo mundo na faixa etária da educação básica quiser estudar, não teriam vagas. Faltam 800 mil lugares. Há uma privatização do ensino profissionalizante. Porque neste ensino a rede não é própria. Ao contrário da política do governo federal, no governo do estado a rede depende de financiamento e parceria com a iniciativa privada. O mercado é quem gerencia a educação, que deveria ser pública. Os indicadores de Minas Gerais são medidos pelo próprio governo do estado e eles não demonstram um grande avanço. A nossa é uma carreira em que a pessoa demora 20 anos para chegar a receber por Mestrado. Então, a carreira em Minas não é uma carreira que atrai o profissional, que o valoriza. Isso faz com que nossa profissão em Minas seja uma profissão de passagem. A pessoa está na escola enquanto não está em outro lugar. A preocupação que o governo diz ter com o Enem é ilusória porque o governo não oferece aos estudantes toda a matriz curricular do ensino médio. O aluno tem que optar entre a área de humanas e a área de exatas já no ensino médio. O governo autoriza a contratação de pessoas sem formação em magistério e licenciatura para ser professor. Eu costumo dizer que é a mesma coisa de que você entrar em um hospital e ter uma pessoa que não é formada em medicina fazendo uma cirurgia. Pode isso? Não pode. Então por que em uma escola pode-se abrir uma sala de aula e ter uma pessoa que não é professor lecionando? Ser professor é uma profissão complexa, que exige uma formação adequada.

Nesse sentido, explique as principais reivindicações da categoria.

O foco da nossa greve, pela terceira vez, é o Piso Salarial Nacional. Na nossa realidade, o Estado quer estabelecer uma dinâmica de controle da remuneração, ele não investiu em vencimento básico da categoria. Faz políticas de abono, políticas que são transitórias e não trazem benefícios para a vida funcional do servidor. O vencimento básico hoje de um professor de nível médio é de R$ 369. A pessoa que tem licenciatura plena é R$ 550. Então nós estamos falando que, em Minas Gerais, o professor que faz universidade recebe um salário mínimo. O foco principal é a questão do Piso Salarial Nacional. Nós conquistamos uma lei federal em 2008, que é a lei 11.738, e toda essa greve é para que o governo cumpra a lei. Não é uma decisão judicial que vai fazer com que esta greve acabe. Nós procuramos todos no início da greve: o Ministério Público Estadual, o Ministério Público Federal, a Comissão de Educação da Assembleia Legislativa Mineira, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais no sentido da mediação do conflito. Isso em junho, na primeira semana de greve. Procuramos todos os atores. Nesse momento, a greve só será interrompida quando atingirmos um patamar de negociação que atenda à expectativa da categoria: o Piso Salarial Nacional. A justiça de Minas Gerais tem mania de declarar toda greve do setor público como ilegal. Há uma estratégia do Estado de tentar declarar como ilegal também este ano, como no ano passado. Mas essa greve não vai ser suspensa por uma decisão judicial.

E como tem sido a postura do governo diante das reivindicações?

O governo até o momento não apresentou nenhuma proposta de Piso Salarial como vencimento básico. Tenta investir em um modelo de remuneração construído por ele, que é o subsídio, o qual tem um impacto muito negativo para o servidor de carreira porque não tem a lógica do controle da remuneração, só do vencimento básico. Outro aspecto é que o governo do estado só negocia com quem é conivente com ele.  Aqui em Minas temos uma política permanente de cooptação das entidades sindicais, das lideranças sindicais. Para estar em uma mesa de negociação é necessário que se pactue com o que o governo concorda. Um exemplo disso é o Comitê de Negociação Sindical, que foi criado este ano com o objetivo de ser uma mesa de negociação do servidor público estadual. Por nós estarmos em greve, o governo proibiu que participássemos da mesa. O governo gerencia, interfere, tenta tutelar o lado do trabalhador. Não cabe ao governo determinar quem senta à mesa ou quem não senta ou em que condições senta.

O acórdão do Superior Tribunal Federal (STF), publicado dia 24 de agosto, determina o pagamento do Piso Salarial Nacional aos professores. Qual a expectativa da categoria sobre essa decisão? A Secretaria de Estado de Educação e o governo do estado já se manifestaram?

Junto ao Sind-UTE, o governo ainda não se manifestou. A publicação do acórdão ratifica o que o Sindicato vem dizendo desde abril: que o Piso é vencimento básico e não total de remuneração. Eu acho lamentável que o governo do estado deixe uma greve se prolongar para, no final, ser obrigado a cumprir uma questão que a categoria reivindicava antes mesmo que a greve iniciasse. Na nossa pauta, em fevereiro, nós já reivindicávamos o Piso Salarial Nacional. Quando teve o julgamento do STF de mérito, que definiu a constitucionalidade do Piso entendido como vencimento básico em abril, nós ainda assim tentamos por dois meses a negociação com o governo do estado. Mas o governo optou por não negociar, ignorar uma lei federal. E a publicação do acórdão só veio legitimar a nossa luta pelo Piso Salarial.

O governo do estado afirma que a forma de pagamento com subsídio é constitucional. O que o sindicato diz sobre esse posicionamento?

Quem vai decidir isso é o Supremo Tribunal Federal. Porque em julho nós já ajuizamos uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) pedindo que o STF declare inconstitucional o subsídio em Minas Gerais visto que há uma lei federal que estabelece um Piso Salarial Nacional profissional. Aguardamos o mais breve possível que o Supremo possa se manifestar em relação à nossa Adin.

De que maneira a imprensa local vem noticiando as mobilizações dos trabalhadores em educação?

Por mais que tentem ignorar, é impossível não falar de uma greve de mais de 80 dias. É impossível não falar de uma greve que atinge mais de 50% do estado. Uma greve que está resistindo ao corte de ponto, à suspensão de direitos, que tem resistido a uma ampla, intensa e ofensiva campanha publicitária feita pelo governo no sentido de convencer a sociedade e a própria categoria. Não são todas as entidades que conseguem reunir 8, 9 mil pessoas em assembleia em Belo Horizonte. A imprensa tem feito a cobertura. É claro que em alguns meios de comunicação a gente percebe uma edição no sentido de diminuir a participação da categoria, como aconteceu quando um jornal disse que tinham 700 pessoas em uma assembléia com mais de 7 mil. As secretárias de governo são convidadas para entrevistas de estúdio, coisas que o sindicato não é. E para uma imprensa que preza pela democracia, o espaço deveria ser o mesmo. Já tiveram duas marcações de entrevistas com o sindicato que foram canceladas porque a Secretária de Planejamento e Gestão não aceitou participar. Mas o importante é que temos conseguido furar esse bloqueio e temos conseguido fazer a interlocução dos movimentos através dos meios de comunicação.

Como se posicionam os estudantes, os movimentos sociais e a sociedade em geral em relação à luta da categoria?

Nós conseguimos ter o apoio e a solidariedade de mais de 40 entidades entre movimentos sociais, sindicais, estudantis. Várias comissões de pais no interior do estado têm nos ajudado, têm ido ao Ministério Público.

O governo estadual afirma que já está repondo nas escolas os professores que estão em greve, contratando novos professores. O que o Sindicato tem a dizer sobre isso?

Eu queria fazer uma observação. Da dificuldade que nós enfrentamos em Minas dos direitos dos trabalhadores serem preservados. E quando a gente recorre ao poder Judiciário, o mesmo, em Minas, primeiro resguarda o direito do patrão. No caso, o governo do estado. Há uma lei federal que estabelece o direito de greve e diz que o trabalhador em greve não pode ser substituído. Infelizmente, a Justiça mineira não é guardiã da legislação. A alegação de que o Enem será prejudicado é o desconhecimento do que é o mesmo. Isso é desconhecer a educação básica. Se estivessem realmente preocupados com o Enem, estariam discutindo a matriz curricular do ensino médio. A preocupação com o ensino médio deveria ser no tocante à qualidade do ensino, à qualificação do profissional. A questão da Justiça mineira merece uma reflexão. Fora que o Estado tem contratado pessoas sem qualificação. É um advogado que chega pra pegar aula de sociologia, é um fisioterapeuta para dar aula de biologia, um estudante para lecionar história... Isso não é só um discurso do sindicato. Temos provas nos relatórios das contratações. O interessante é que o estudante não está aceitando. Tem escolas em que os estudantes estão se recusando a assistir às aulas.

Grito dos Excluídos: uma mobilização nacional pelos direitos do povo brasileiro

Grito_2011 
Ao longo desta semana, de 1º a 7 de setembro, todas as regiões do país celebram a 17ª edição do Grito dos Excluídos, cujo lema é “Pela vida grita a terra... Por direitos todos nós”. Trata-se de um conjunto de manifestações populares carregada de simbolismo, aberta às pessoas, grupos, entidades, Igrejas e movimentos sociais comprometidos.
Três são os objetivos da mobilização nacional: denunciar o modelo político e econômico que concentra riquezas e condena milhões de pessoas à exclusão social; tornar público, nas ruas e praças, o rosto desfigurado dos grupos excluídos, vítimas do desemprego, da miséria e da fome; e por último, propor caminhos alternativos ao modelo econômico neoliberal, de forma a desenvolver uma política de inclusão social.
48agdomdemetrioRealizado desde 1995, o Grito dos Excluídos teve origem no então Setor Pastoral Social da CNBB, cujo presidente na época, era o bispo de Jales (SP), dom Luiz Demétrio Valentini. Para ele, os 17 anos de realização do Grito mostram sua força e modelo eficiente para propor discussões em torno dos problemas sociais do país. O bispo elenca algumas das bases que sustentam a mobilização por tantos anos.
“Sua ligação com a temática tratada pela Campanha da Fraternidade a cada ano, depois a vinculação com a CNBB, a convocação para o dia da pátria, da Independência; o resgate de valores da cidadania”, sublinhou. Tem contribuído também para o crescimento do Grito as reflexões sobre temas essenciais para a vida da democracia brasileira.
“A cada ano somos levados a refletir sobre os gritos que se levantam e que precisam ser ouvidos; somos chamados a dar respostas conscientes para a nossa pátria, como em relação às drogas e à juventude que é traiçoeiramente envolvida por ela, tendo em vista que a população brasileira corre perigo; o grito muito forte contra a corrupção política, que se estende por tanto tempo e, em relação à natureza, que precisa ser cuidada”, enumerou.
ari_albertiO membro da coordenação nacional do Grito dos Excluídos, Ari Alberti, destaca que o Grito tem um papel muito forte de conscientização e envolvimento da população brasileira. “É uma forma de dizer que não queremos apenas ver no dia da pátria, passivamente, o desfile de soldados e armas de guerra, mas queremos participar e exigir os nossos direitos e uma sociedade igual para todos”. Segundo Alberti, o evento tem crescido nos últimos anos e recebido adesão de muitas cidades, como exemplo o município de Jundiaí, no interior de São Paulo, que vai realizar o Grito pela primeira vez.
“O Grito dos Excluídos é hoje uma realidade nacional e acontece em todos os estados, além de receber adesão de novas cidades todos os anos. É um processo de construção coletiva que não se esgota no evento, mas há um antes, um durante e um depois com consequências para a vida das pessoas”, afirmou.
As atividades desenvolvidas na Semana da Pátria são as mais variadas: atos públicos, romarias, celebrações especiais, seminários e cursos de reflexão, blocos na rua, caminhadas, teatro, música, dança, feiras de economia solidária, acampamentos.

Histórico

O Grito dos Excluídos teve origem no então Setor Pastoral Social da CNBB. Sua primeira edição deu continuidade à reflexão da Campanha da Fraternidade de 1995, cujo tema foi “Fraternidade e Excluídos” e lema foi “Eras, tu, Senhor”.
Por outro lado, brotou da necessidade de concretizar os debates da 2ª Semana Social Brasileira, realizada nos anos de 1993 e 1994, com o tema “Brasil, alternativas e protagonistas”. Ou seja, o Grito é promovido pela Pastoral Social, mas, desde o início, conta com numerosos parceiros ligados às demais Igrejas do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC), aos movimentos sociais, entidades e organizações.
O pressuposto básico do Grito é o contexto de aprofundamento do modelo neoliberal como resposta à crise generalizada a partir dos anos 70 e que se agrava nas décadas seguintes.

Dialética do Sionismo


Por MAURÍCIO TRAGTENBERG


 Publicado pela REVISTA ACADEMICA - Boletim Informativo - No 22 - Marco de 2003


O sionismo aparece como um fato “revolucionário”: leva as pessoas a deixarem seu país para viverem uma vida radicalmente diversa, renunciando à sua origem social, à sua língua, às suas relações sentimentais, rompendo brutalmente com seu passado, para reconstruírem sua vida. Os únicos precedentes paralelos são as Cruzadas e os emigrados que fundam os E.U.A. nos futuros Estados-Nação não estava previsto um lugar para os judeus. Eles eram “diferentes”. Mais e mais a deixar de largar tudo e construir um “lar nacional” animava os judeus. Todos esses movimentos nacionais tinham uma matriz comum: voltados ao passado, cada povo cada povo cuidava de inventar um passado nacional glorioso pretendendo marcar por sua existência o retorno à uma “idade de ouro”. Era natural que os primeiros sionistas na lógica dos movimentos nacionalistas da época tinham a tendência a ver num território nacional a solução do problema judeu e visualizar na sua vida num novo Estado um prolongamento da história judaica, após curta interrupção de 2000 anos. Os velhos reinos judeus criaram a primeira comunidade centrada no Primeiro Templo. Após o retorno do exílio babilônio a segunda comunidade judaica instituiu-se em torno do Segundo Templo. Era chegado o momento de criar uma Terceira Comunidade, um Estado Judeu Moderno, um verdadeiro Terceiro Templo. O pensamento político sionista torna-se inseparável de uma mística religiosa. embora Herzl o autor do Estado Judeu não fosse movido por uma inspiração messiânica, co o contato das massas judaicas da Europa Central, convence-se que essa mística era essencial ao sionismo.
Outro elemento integra o desenvolvimento do nacionalismo judaico: o ideal socialista. Para os jovens judeus dos guetos da Rússia e da Polônia os evangelhos eram Marx, Tolstoi. O trabalho manual exerce uma atração mágica sobre esses jovens que assistem seus parentes envelhecerem como comerciantes ou usuários. Todas essas aspirações resumem-se numa só: partir, não ser mais uma minoria sem defesa, à mercê da primeira tropa de cossacos que encontram no judeu o “bode expiatório” da incapacidade do Czarismo em atender aos reclamos populares.
Deixar essa miserável existência que leva ao autodesprezo do corpo e do espírito. Trabalhar a terra e se libertar pelo contato místico com ela, nossa mãe. Criar uma sociedade sem senhores e escravos onde todos serão iguais. Realizar isso no “seu” país, marchar nas esteiras dos antigos heróis de seu povo, ressuscitar uma comunidade judia, viver nos espaços dos relatos bíblicos, tal era o sonho. Esse sonho maravilhoso, exultante, conduziu inúmeros jovens judeus da Europa Central à uma província turca denominada Palestina.
Esse movimento de libertação, puro e corajoso, se propunha a criar uma sociedade harmoniosa onde a única luta a ser travada era a luta contra si mesmo, no meio de tanto entusiasmo um fato perdeu-se de vista: a Palestina já era um território habitado.
O sionismo político inicia-se com a obra de T. Herzl o Estado Judeu, que trata da “habitação dos trabalhadores”, da “aquisição de terras” dos “operários não qualificados”, tudo é previsto inclusive as cores da nova bandeira nacional.
Em toda obra de Herzl não há uma só menção sobre a existência dos árabes palestinos. Explica-se quando Herzl sonha com o “Estado Judeu” pensando em localiza-lo em qualquer lugar, Argentina, Canadá ou Uganda. Somente quando redige o último capítulo de seu livro verifica que só a Palestina como espaço do futuro “Estado Judeu” seria capaz de mobilizar emocionalmente as massas judaicas da Europa Central. Para ele, o “Estado Judeu” na Palestina se constituiria num “ponto firme da civilização contra a barbárie”, num posto avançado da Europa na Ásia”.
Segundo Chaim Weizmann – que se tornou primeiro presidente de Israel – no Congresso Sionista de 1931 admite que Herzl não ligava necessariamente o sionismo a um Estado Judeu, nem a Palestina como sede.
Weizmann nota que no 1° Congresso Sionista em 1897, quando Herzl admite a idéia da ressurreição de o povo judeu dar-se na Palestina, a fórmula “Estado Judeu” desaparece de suas declarações. O programa sionista adotado pelo Congresso preocupa-se em “assegurar uma existência legal aos judeus na Palestina”.
Era a época do apogeu do imperialismo, aureolado de glória e idealismo quando os poemas de Kipling cantam o “fardo” do homem branco em territórios inóspitos. Cecil Rhodes era convertido em herói. Não se relacionava o ressurgimento da Ásia ou África com o surgimento dos nacionalismos europeus.
O sionismo no seu início não é somente o produto dos nacionalismos europeus, faz parte da última vaga da expansão imperialista. O sionismo apareceu cem anos depois, sem poder beneficiar-se do movimento da expansão européia, trinta anos antes, para encontrar a resistência afro-asiática à sua presença em terra árabe.
Os sionistas, por ocasião do congresso da Basiléia de 1897, não conheciam a Palestina, onde jamais puseram os pés. Só conheciam uma realidade: a Europa com seus “pogroms”, discriminações e terríveis presságios de futuras tragédias. Sabiam vagamente que a Palestina possuía alguns habitantes, mas isso na época não constituía um centro de preocupações.
Herzl era um europeu, e suas idéias respostas a situações européias. Os sionistas contemplavam o passado do povo judeu e não a paisagem da Palestina.
Sion e a menor colina de Jerusalém tornam-se símbolo religioso, local da palavra divina. A Estrela de David é o símbolo do novo movimento. O novo Estado escolhe a “menorah” o candelabro do templo, como símbolo agregado. Nesse universo simbólico não há espaço para o período não hebraico da história Palestina, muito menos para a herança gloriosa de outras nações semíticas irmãs.
Herzl procurava o apoio das grandes potências para seus projetos, daí dirigir-se ao Sultão da Turquia: “Se Sua Majestade, o Sultão, nos desse a Palestina, poderíamos comprometer-nos a estabilizar completamente a as finanças da Turquia. Para a Europa, constituiríamos ali um bastião contra a Ásia, seríamos a sentinela avançada da civilização contra a barbárie. Manteríamos , como Estado neutro, relações constantes com toda a Europa que deveria garantir nossa existência.” (T. Herzl, L’ Etat Juifs, Paris, Lipschutz, 1926, p. 95).
Eis o sionismo colocado no quadro das políticas imperialistas européias. O texto aprovado significava no pensamento dos fundadores: visar a autonomia da Palestina judia sob a soberania do sultão com a garantia das grandes potências.
Outro traço da política de Herzl era especular com anti-semitismo e com o desejo de se desembaraçar da população judia, para promover a emigração à Palestina. Assim, em 1903, Herzl obteve do ministro czarista Plehve, organizador de “pogroms” iniciando uma tradição política em que a convergência do programa sionista com o dos anti-semitas, abertamente reconhecida por ele, tornava-se quase fatal. Plehve promete ao sionismo “apoio material e moral na medida em que certas de suas medidas práticas sirvam para diminuir a população judia na Rússia”, conforme relata Bernfeld (Le sionisme, étude de droite international public, Paris, Jouve, 1920, p. 399 ss.).
Isso leva Herzl a dizer que “até hoje meu partidário mais ardente é anti-semita de Petersburgo (hoje Leningrado) Ivan V. Simonyi conforme relata A. Chouraqui (T. Herzl, p. 141). Witte, Ministro das Finanças do Czar, explica a Herzl que “se fosse possível afogar no Mar Negro seis ou sete milhões de judeus, ficaria perfeitamente satisfeito com isso; mas como tal não é possível, nesse caso devemos deixa-los viver”. Quando Herzl observa que espera do governo russo certos estímulos, ele responde: “Mas damos aos judeus estímulos para emigrarem como, por exemplo, pontapés.” (Idem, p. 301 ss). Herzl reconhece “Objetar-me-ão razoavelmente que faço o jogo dos anti-seminitas quando proclamamos que constituímos um povo, um povo único.” (Idem, p. 259).
A realização do Estado sionista liga-se a um ato político inglês “A Declaração Balfour” de 2-11-1917. por que motivos a Inglaterra emitiu a Declaração Balfour? Para alguns anti-semitas, ela o fez para compensar os pretensos esforços dos judeus norte-americanos para arrastarem os E.U.A. para a guerra ou pelas vultuosas compras de títulos de guerra pelos judeus ingleses, ou pela teoria romântica, segundo a qual a “declaração” se deu como resposta à invenção de um poderoso explosivo por Heinz Weizmann utilizado pela Inglaterra. Como é inaceitável a tese de Chaim Weizmann segundo a qual isso se deu por obra da sedução exercida pelo Grande Retorno sionista no espírito dos ingleses impregnados pela Bíblia, como ela formula em Trial and Error, London, 1950, p. 226).
Sabia Weizmann que uma potência empenhada numa guerra de alcance mundial, não se moveria por razoes metafísicas para conferir aos sionistas um “Lar Nacional Judeu” na Palestina, daí escrever ele (ob. cit. p. 258), que “ao apresentar a vossa resolução, confiamos o nosso nacional e sionista ao Feoreign Office e ao Gabinete de Guerra Imperial, esperançados em que o problema seria considerado à luz dos interesses imperiais defendidos pela ‘Etente’”.
Os grandes motivos da “Declaração Balfour” foram outros. Foram os efeitos de propaganda esperados sobre os judeus dos Impérios Centrais e da Rússia na esperança de colher benefícios na futura liquidação do Império Otomano. Os judeus da Alemanha (onde esteve instalada a sede da Organização Sionista até 1914) e da Áustria-Hungria tinham sido conquistados para op esforço de guerra pelo fato de se tratar de combater a Rússia czarista, perseguidora dos judeus. No território russo conquistado, os alemães apresentavam-se como protetores dos judeus oprimidos, como libertadores do jugo moscovita. “Por demasiado tempo haveis sofrido o jugo de ferro moscovita”, declara na sua proclamação aos judeus da Polônia, o Alto Comando dos Exército Alemão e Austro-Húngaro em agosto/setembro de 1914. é irônico, depois da experiência que se seguiu – com o nazismo – ler esta violenta denúncia dos “pogroms” e do anti-semitismo czarista. Os partidos social-democrata alemão e austro-húngaro utilizavam também o álibi da luta contra o czarismo como reacionário e anti-semita para justificarem seu apoio ao governo na guerra imperialista.
Por outro lado, a Revolução Russa reforçava as tendências derrotistas na Rússia. Atribuía-se aos judeus papel importante na Revolução Russa. Era fundamental dar-lhes motivos para apoiarem a causa aliada. Não constitui mera coincidência a “Declaração Balfour” surgir cinco dias antes de 7 de novembro (25 de outubro no calendário juliano) em que os bolcheviques tomaram o Poder. Um dos objetivos da “Declaração” era apoiar Kerensky. Pensava-se também na força dos judeus norte-americanos, pois os E.U.A. juntaram-se aos Aliados, daí ser necessário obter um esforço máximo quando neles predominava a tendência ao pacifismo. Isso confirmado pela Declaração de Lloyd George à Palestine Royal Commission em 1936: “Os dirigentes sionistas fizeram-nos a promessa firme de que se os aliados se comprometessem a der-lhes facilidades para o estabelecimento de Um Lar Nacional na Palestina, fariam o que estivesse ao seu alcance para mobilizar os sentimentos e o auxílio dos judeus à causa aliada através do mundo. Fizeram o melhor que podiam”, conforme G. Lencowski (The Middle East in World Affaird, Ithaca, 1962, p. 81 ss.). era necessário antecipar-se aos sionistas alemães e austríacos que negociavam com os seus governos uma espécie de “Declaração Balfour” conforme relata K. J. Herrmann (Political Response to the Balfour Declaration in Imperial Germany no Middle East Journal XIX, 3, 1965, p. 303-320).
Enquanto isso, as grandes potências manobravam junto a Hussein para uma revolta contra os turcos em troca de um grande reino árabe, no mesmo momento o acordo Sykes-Picot partilhava em 1916 na mesma região as zonas de influência entre a Inglaterra e França, essa utilizava suas relações com os libaneses para edificar a “Grande Síria” (incluindo a Palestina), não era mau dispor do Oriente Médio de uma população ligada à Inglaterra pelo reconhecimento e necessidade. Converter a Palestina em problema especial, atribuindo à Inglaterra uma responsabilidade particular, que era obter base sólida de reivindicação na partilha após a guerra. Weizmann insistiu no seu pedido à Inglaterra para que ela exercesse um protetorado sobre o futuro Estado Judaico (Trialand Error, p. 243). A vitória sobre o Império Otomano na Palestina e Síria permitiu a aplicação da “Declaração Balfour”.
Segundo Weizmann, até 1918 a questão árabe estava em segundo plano e os sionistas a tinham negligenciado. Porém, a fase de realização do sionismo coincide com o surgimento do movimento nacionalista árabe. Ainda era possível uma aliança entre o sionismo e o movimento nacional árabe, o dirigente árabe mais importante oferecia na época aos sionistas um Estado Autônomo reunido à Síria sob sua Coroa, 30 anos depois o Rei Abdullah, irmão de Faiçal, fazia o mesmo. Mas a direção do movimento sionista instalada na Palestina após 1918 não aceitou. Nenhum de seus membros tinha a mais leve noção do que era o movimento nacionalista árabe, a união contra o imperialismo lhe parecia sem importância. Faiçal mostrara-se favorável ao estabelecimento de uma comunidade judaica na Palestina sob sua Coroa. No seu universo tribal, a raça se constituía em fator importante, ele considerava os judeus membros da família semítica. Numa de suas “Mensagens” ele desculpa-se por não poder comparecer a uma das assembléias da Organização Sionista por razões puramente circunstanciais, ajuntando que “tais manifestações são importantes para a compreensão entre duas nações unidas por tão antigos laços”. Em 1919 ele manifestara-se junto ao líder judeu norte-americano, Felix Frankfurter: “Sabemos que árabes e judeus são irmãos de raça. Faremos tudo que estiver ao nosso alcance para aceitarmos as propostas sionistas na Conferência de Paz e acolheremos de todo coração os judeus que juntarem-se a nós. O movimento judeu não é um movimento imperialista, é um movimento nacional. Creio verdadeiramente que, para atingir seus objetivos, cada um de nós precisa do outro.” O acordo Faiçal-Weizmann previ a formação de um grande Estado Árabe apoiado pela Organização Sionista e o apoio árabe à formação de um Estado Palestino. Isso jamais foi realizado. Faiçal colocou como condição a aceitação de suas pretensões a Síria junto à Conferência de Paz, fazia o acordo depender da outorga da independência árabe, sem o que não valia. Os franceses invadem Damasco, de põem Faiçal, reprimem o nacionalismo sírio e palestino. Mas em 1920, na Conferência de San Remo, as teses sionistas são aceitas pelas Grandes Potências.
A situação tem seu desfecho com o Mandato conferido à Inglaterra concedido pela Sociedade das Nações a 24 de julho de 1922, com a finalidade de criar um estado de coisas destinado ao estabelecimento de um Lar Nacional na Palestina aos judeus.
Algumas conclusões parciais se impõem. A realização de um projeto sionista iniciou-se depois, graças a um ato político obtido da Grã-Bretanha pela pressão da Organização Sionista. Com isso esperava a Inglaterra obter o apoio à sua política geral em relação aos judeus da Rússia e dos E.U.A., também em função de seus interesses no Oriente Médio após a decadência do Império Otomano. A Inglaterra conciliava o apoio ao projeto sionista com o apoio à dinastia hachemita. Os dirigentes sionistas ajudaram essa conciliação mantendo em hibernação a idéia de um Estado Judeu contentando-se em reivindicar direito Pa emigração de judeus à Palestina. Razão pela qual os palestinos árabes podem legitimamente considerar que a implantação de um elemento estrangeiro novo (o europeu) lhes foi imposto por uma nação européia, graças à vitória militar de um grupo de nações européias contra um outro grupo que aderira o Império Otomano.
A reivindicação da independência do Estado de Israel ante a Inglaterra tem como base a existência em 1943 de 539.000 judeus, ou seja, 31,5% da população total quando em 1922 a proporção não atingia a 11%. Essa imigração maciça só foi possível com o apoio inglês. Daí os dirigentes sionistas sob mandato inglês reclamarem o reforço do corpo de polícia britânica e se oporem a qualquer organismo representativo que diminuísse por pouco que fosse a autoridade do Alto Comissário.
Os mesmos acontecimentos que serviram de base para a instalação de um Estado Judaico serviram para desembaraçar os árabes do jugo turco. Porém, em vez do Estado Árabe unitário independente, eles assistiram a “balcanização” da região pelas potências ocidentais, divida a região entre a França e a Inglaterra. Enquanto, porém, as organizações nacionalistas árabes tinham como base de suas reivindicações as massas locais, as organizações sionistas tinham contra elas a maioria do povo do país onde queriam estabelecer um Estado soberano.
A Inglaterra publicara o Livro Branco em 1939 onde rechaça a idéia de um Estado Judeu englobando toda a Palestina ao mesmo tempo que limita a imigração e a venda de terras a sionistas. O nazismo tornou-se num elemento de pressão do judaísmo na Palestina, contrário ao Livro Branco e as limitações à imigração. Em fins de 1943 a população judia na Palestina atingia a 32%.
Isso possibilitava ao sionismo falar claro: “o fim do sionismo manteve-se inalterável desde Herzl: a transformação da Palestina numa pátria judaica, a fundação de um estado judeu. Por motivos de tática política esse fim nem sempre foi abertamente enunciado. Mas o desenvolvimento da Palestina e do problema judaico em geral atingiram um tal grau de maturidade que se tornou falar claro”. (Weizmann, op. cit., p. 139).
No Livro Branco a Inglaterra tornava claro que o estabelecimento de um Lar Nacional Judeu na Palestina não significava impor a nacionalidade judia a todos os habitantes da Palestina, mas desenvolver a comunidade judaica já existente com o concurso de judeus de outras partes do mundo. A Organização Sionista decidiu aceitar o Livro Branco supondo que “se for aplicado oferece-nos um quadro para construir uma maioria judaica na Palestina e para levar a eventual fundação de um Estado Judeu”. (Idem, p. 361).
Foi com o acordo sionista sobre a interpretação da Declaração Balfour excluindo um Estado Judeu que foi apresentado na Liga das Nações o projeto do texto concedendo à Inglaterra o mandato sobre a Palestina que a Liga das Nações o retificou a 24 de julho de 1922.
Com isso não concordava a facção “Revisionista” dirigida por Jabotinsky, no seio da Organização Sionista, pleiteava ela uma ação militar que constituísse o Estado Judeu nas duas margens do Jordão, sem levar em conta os árabes.
Bem ou mal a Inglaterra representou junto à comunidade judaica na Palestina o papel de Metrópole de uma colônia de povoamento, devido ao apoio ao crescimento da mesma, da mesma maneira como proteger a colonização britânica na América do Norte e a França a colonização francesa.
A primeira revolta dirigiu-se contra a Inglaterra, daí a formação das unidades terroristas do “irgun” e “Grupo Stern”, quando surge o “Programa de Baltimore” que pede um Estado Judeu sobre toda a Palestina e um exército judaico e a imigração ilimitada de judeus à Palestina. Isso fez passar ao segundo plano a questão árabe.
O que impressiona é ver jovens exaltados em quererem livrar “seu país” da tirania inglesa, não lembrarem que os “indígenas árabes” teriam algo a dizer também. Embora grupos árabes se dirigissem ao “Irgun” oferecendo-se para combater contra o imperialismo inglês. Porém, nesse momento a idéia de um Estado binacional entra em desuso ficando claro que no futuro estado instalado na Palestina judaizada pela imigração os árabes teriam que escolher entre a subordinação e a imigração.
Por isso em 1946 Martin Buber censurava o sionismo oficial em procurar firmar-se mais em acordos internacionais em vez de um acordo na região com os árabes interessados diretos. Daí precisar ele que “o programa de Baltimore (nome de um Hotel americano onde se realizou a reunião da Organização Sionista) interpretado como reconhecendo o objetivo da ‘conquista’ do país mediante manobras internacionais, não só desencadeou a cólera árabe contra o sionismo oficial, mas tornou suspeitos todos os esforços tendentes a uma compreensão entre judeus e árabes” (Buber Toward Union in Palestina, Essays in Zionism and Jewish-Arab Cooperation, M. Buber, Jerusalém, Ihud Association, 1947, p. 7-13, Parte II).
Daí veio a Partilha decretada pela ONU, não aceita pelos árabes, que desencadeou a “Guerra de Independência” de Israel. Porém, é necessário entender que para as massas árabes aceitarem as decisões da ONU significava uma capitulação sem condições perante um diktat da Europa, do mesmo tipo que a capitulação dos reis negros ou amarelos do século XIX ante os canhões ocidentais apontados para seus palácios. A Inglaterra, como potência mandatária na Palestina, impedira uma ração indígena para expulsar esses colonos, ao mesmo tempo que dava a garantia falaciosa de que se tratava da implantação pacífica de alguns grupos perseguidos e inofensivos , destinados a permanecerem minoritários. Quando o designo real deles se revela, o mundo euro-americano com a U.R.S.S. queria impor aos árabes o fato consumado. Roosevelt e Truman não prometem que não tomariam nenhuma decisão a respeito da Palestina sem consultar judeus e árabes, em cartas a Ibn Seud de 5-4-45 e 28-10-46? Após a guerra a minoria árabe em Israel ficou sendo considerada quinta-coluna, daí a ampliação das medidas discriminatórias que estava sofrendo há tempos.
Isso leva-nos a uma conclusão particular. A implantação na Palestina de uma nova população de origem européia, se deu em conseqüência de um movimento ideológico europeu, o sionismo. Alcançou sua finalidade: o domínio sobre o território onde se implantavam os imigrantes, graças à “Declaração Balfour” com força de Direito Internacional pela vitória dos Aliados sobre o Império Otomano, graças à força da comunidade judaica na Palestina, com sua capacidade de manipular técnicas modernas, armas e organização do poder de pressão que dispunha na Europa e América. Alie-se o sentimento de culpa europeu pelo genocídio cometido pelos nazistas, seus irmãos de cultura européia, e seu desejo de se desculparem, sem grande mal, em detrimento dos árabes palestinos. No decurso do processo desejos, sentimentos e aspirações árabes não foram levados em consideração. O acordo Faiçal-Weizmann nascera morto, pois o primeiro não conseguira o apoio das massas árabes para suas reivindicações. Por outro lado, a história tem sua lógica interna: querer criar um Estado Judeu na Palestina árabe do Século XX só conduziria a uma situação colonial, com um tipo de racismo e afrontamento militar de etnias.
Fundamentar em direitos históricos a colonização sionista é não conhecer a história. o último Estado verdadeiramente independente da palestina desapareceu a 63 a.C. quando Pompeu se apoderou de Jerusalém.
Esse processo termina com a revolta de Bar Kochba contra o imperialismo territorial romano a 135. a população judia na Palestina diminuiu em conseqüência das deportações e da escravização, mas sobretudo pela emigração (já considerável muitos séculos antes da perda da independência) e pela conversão de inúmeros judeus ao paganismo, cristianismo e islamismo. É muito provável que os habitantes considerados árabes da palestina possuíam mais “sangue” hebraico do que a maior parte dos judeus da Diáspora (Dispersão) cujo exclusivismo religioso não impedia a absorção dos convertidos de origem diversa. O proselitismo religioso foi importante na própria Europa Ocidental, durante séculos, o mesmo ocorreu em outros locais durante longos períodos. Historicamente, bastará para nos convencermos disso evocar o estado judeu da Arábia do Sul no Século XI de base árabe meridional judaizada, o Estado judeu turco dos Khazars, no sudeste da Rússia nos Séculos VIII a X, os judeus assimilados da China, os judeus negros do Cochim, os Falashas da Etiópia. Admite-se que o grupo heterogêneo formado por todos os judeus do mundo permanecesse em contato com o judaísmo religioso, fosse considerado dotado de caracteres permanentes a despeito de suas mudanças internas cabe perguntar: como seria possível atribuir-lhes direitos sobre um território determinado? Nesse caso poderiam os árabes reivindicar a Espanha.
O caráter colonial da implantação do sionismo na Palestina reside no fato de que o sionismo não desejava as riquezas do país, mas sim a substituição da mão-de-obra árabe pela judaica na Palestina. A compra de terras pela organização sionista dos latifundiários árabes, levou o “felah” à exclusão do processo produtivo, quando mais aumenta a compra sionista de terras, mais aumenta o número de camponeses árabes sem terra. é a colonização sionista que cria reativamente o nacionalismo árabe. Os camponeses árabes diaristas, despojados de suas terras, são base do problema palestino. Inimigo da assimilação judia o sionismo crê que possa similar os árabes a seu projeto.
A criação de uma central sindical ao mesmo tempo empresarial como a Histadruth, que integra o “trabalho judeu” nas suas fileiras, exclui o árabe, é um dos fundamentos de uma formação econômico-social de “apartheid”. Trabalho “judeu” e produção “judia” são a base da Histadruth. Ela á responsável por 20% do produto bruto produzido.
Segundo o líder trabalhista sionista Tabenkin, o movimento operário sionista sofrendo concorrência da mão-de-obra árabe estabelece uma economia judia nova. o processo de autocriação de uma classe operária judia em Israel se dá pela expulsão da mão-de-obra árabe das colônias judias e a criação de uma economia sionista nova fundada sobre a colonização operária, por meio do fundo nacional e instituições associadas. Como a mão-de-obra judia é mais cara que a árabe, o empresário judeu é subsidiado pela Organização Sionista para aceitá-la.
Após proclamação do Estado de Israel verifica-se a espoliação metódica das terras árabes, assim publicava em 1948 uma “Proclamação de Urgência sobre as propriedades de pessoas ausentes”, elevada a lei em 1950 com o título “Lei Sobre a Propriedade de Pessoas Ausentes”. Considera-se ausente o camponês árabe em Israel que abandona seu domicílio antes de 1-8-48 ou que se instalou por qualquer razão naquelas áreas da palestina controladas por forças opostas ao estado de Israel entre 29-11-47 e a abolição do “estado de Emergência” instituído pelo governo em 19-4-48.
Muitos dos árabes “ausentes” se deveu ao temor do campesinato árabe à repetição do massacre da aldeia de Deir Yassin onde a “Irgun”, exército terrorista de Beguin, massacrou mais de 200 camponeses com mulheres e crianças. A lei permite ao governo declarar “zonas fechadas” por razoes de “segurança” qualquer área. Para se entrar ou sair tem que se ter uma justificação escrita passada pelo comandante militar. Muitas das zonas de aldeia foram declaradas “zonas interditas” depois de seus habitantes serem expulsos. Com isso, comodamente suas terras foram confiscadas. Com as “Leis de Emergência” em vigor, o Ministro da Defesa recebia poderes para declarar “zona de segurança” qualquer região de Israel dela expulsando todos os habitantes, dez dias depois a essa Declaração. Foi assim que foram expulsos à força os habitantes árabes camponeses, de duas aldeias da Galiléia, Ikret e Kfar Baram. Apelaram, ao Supremo Tribunal, antes que ele pronunciasse, o Exército dinamitou as casas dos aldeões. Em 1953 foi promulgada a “Lei Sobre a Propriedade Fundiária”, seis meses depois com base na lei foram confiscadas terras de 250 aldeias árabes. Para fixar a indenização expropriatória fixou-se o preço do dunan (dez dunans valem 1 hectare) em vigor em janeiro de 1950, valendo cinco vezes menos que em 1953, quando a lei entrou em vigor. Em 1958 promulgou-se a “Lei de Prescrição”, uma emenda de leis otomanas que fixava em 10 anos o período segundo o qual poderia o camponês trabalhara a terra registrá-la em seu nome. A “Lei de Prescrição” estende para 20 anos o prazo, tornando impossível muitas vezes que o camponês registrasse a terra em seu nome, permitindo ao Estado de Israel pôr as mãos sobre uma superfície de terras árabes, que atingem muitos milhões de “dunans”. Surgiu a Lei de Ordenação Fundiária (desapropriação por interesse público) em 1943, com ela o governo apropriou-se de grande parte das terras árabes em volta de Nazaré, construindo uma cidade judaica.
Igual expropriação se deu na região onde se construiu a cidade judaica de Carmelo. Isso contraria a resolução das Nações Unidas de 29-11-47 que estipula: “Não se poderá a qualquer expropriação de terra de um árabe, no Estado Judaico, salvo em casos de interesse público. em todos os casos de expropriação, o Supremo Tribunal fixará o montante da indenização que terá que ser paga integralmente antes de se proceder à expropriação”. Os bens religiosos (Wakfs) islâmicos foram expropriados pelo Estado que retirou da comunidade islâmica o usufruto dos mesmos, apoderando-se de sua administração, apossando-se de seus rendimentos. Os bens islâmicos produzem grandes lucros, porém a comunidade muçulmana em nada se beneficia, daí a estagnação de suas atividades religiosas e culturais.
No campo a implantação do “kibutz”, a exploração coletiva da terra por quem nela trabalha, se dá em terras de “refugiados” árabes onde se dá a exploração da mão-de-obra árabe, especialmente nas terras confiscadas. Nas mãos do capital bancário que o absorva o “kibutz” se torna uma exploração coletivista da mão-de-obra assalariada árabe das aldeias próximas. Quando instalado na fronteira, integra-se no Exército de Israel para vigiar a volta de “infiltrados”, são os “árabes expropriados, transformados em ‘refugiados’ e mortos como ‘infiltrados’”.
A estrutura coletivista do “kibutz” insere-se na mecânica da economia capitalista de Israel, eles são integrados no mercado capitalista e dele dependem. Ocupam mais de 70% da terra cultivada, seus componentes na sua maioria são mestres, contra-mestres e administradores. Se se suprimir a mão-de-obra assalariada árabe, eles desapareceriam na sua maioria. Na Galiléia, foram instalados 20 “kibutzim” em terras expropriadas de camponeses árabes. Entre 1948 e 1953, foram instalados 370 novos “kibutzim”, em Nazaré foram expropriados 120 hectares de terras em 1956 para fundar “kibutzim”.
As “zonas ocupadas” pelo Estado de Israel têm como finalidade suprir a burguesia israelense de mão-de-obra a preço vil, explorando um trabalhador sem defesa sindical. Em suma, economia “autárquica” judaica fechada ao “árabe” palestino, expropriação do mesmo e sua transformação em “refugiado”, discriminação racial, criando um cidadão de segunda classe, o Estado Sionista procura realizar-se pelo expansionismo a pretexto de “defesa”. Os massacres de Sabra a Chatila mostram até que ponto o racismo pode levar ao extermínio, aliás os judeus sentiram-no em sua pele na Segunda Guerra Mundial. Seria o caso de não transformar os palestinos nos “judeus do Século XX”.

MAURÍCIO TRAGTENBERG


Reconhecimento: a cartada final dos palestinos


Por Luiz Eça site Olhar o Mundo 

“Se a solução dos dois Estados falhar, Israel enfrentará uma luta tipo União Sul-Africana. E, uma vez que isso aconteça, será o fim do Estado de Israel”. São palavras de Ehud Barak, quando primeiro-ministro israelense, em 2007.
Há 20 anos que, sob inspiração de presidentes americanos, se tenta chegar a um acordo para a criação de um Estado palestino ao lado do Estado de Israel. Não se andou nada devido à firme decisão dos vários governos israelenses de tornar impossível esse objetivo. Na última tentativa, patrocinada pelo presidente Obama, sequer se iniciaram as negociações de paz, boicotadas pela recusa de Israel em interromper mais uma vez, ainda que temporariamente, a implantação de novos assentamentos em terras árabes.
Diante desse fracasso e como já haviam renunciado à resistência armada, só restava aos palestinos uma última cartada: obter para si o reconhecimento internacional de um Estado independente e viável, dentro dos limites estabelecidos pela ONU desde 1967. É o que irão solicitar à Assembléia Geral da ONU, em setembro.
Isso é inaceitável pelo atual governo de Tel-aviv. Desde os Acordos de Paz de Oslo, em 1993, que lançou as bases para a negociação do futuro Estado palestino, Israel tem agido contra tal idéia, estimulando a criação de novos assentamentos em terras árabes. Dessa maneira, vem aumentando sem cessar a área ocupada na Cisjordânia e Jerusalém Oriental, expulsando os árabes das suas propriedades, num processo que se não for detido acabará por inviabilizar, de fato, a criação do Estado palestino.
Caso o reconhecimento da Palestina seja aprovado pela Assembléia Geral da ONU e o governo Israel persista em combatê-lo, ficará provada urbi et orbi sua oposição à idéia de dois Estados na Palestina. E as conseqüências, segundo o líder empresarial israelense Idan Ofer, serão pesadas: “Nós estamos nos tornando rapidamente uma União Sul-Africana. O impacto econômico das sanções será sentido por cada família em Israel”.
Em reunião com dirigentes dos maiores grupos econômicos de Israel, Dan Gillerman, ex-embaixador do país na ONU, repetiu Ehud Barak e Idan Ofer: “Na manhã depois do anúncio antecipado do reconhecimento do Estado palestino, um dramático e doloroso processo de sul-africanização começará.” Ou seja, Israel se tornaria um estado pária, sujeito a sanções internacionais, inclusive o boicote da importação de seus produtos. Seu caso seria levado à Corte Internacional de Justiça, o país poderia ser condenado, não só por violar leis internacionais, mas também por efetuar ações criminosas num Estado ocupado pela força, reconhecido pela ONU.
Como os empresários sul-africanos no passado, também os empresários israelenses atualmente pressionaram seu governo para entregar os pontos. Sugeriram que fosse aceito o Acordo de Genebra de 2003, no qual personalidades de alto nível israelenses e palestinas negociaram uma solução, dentro da idéia dos dois Estados, aprovada por estadistas de todo o mundo, porém, recusada por Israel. Mas a coligação de direita que está no poder prefere outro caminho. Com apoio dos Estados Unidos, tenta convencer, especialmente os países da Europa, a opor-se ao reconhecimento palestino.
Alega que isso representaria a “deslegitimação” de Israel. Argumento difícil de ser justificado. Na verdade, o que seria deslegitimado seria a ocupação ilegal pelos israelenses do território que pertence de direito aos árabes.
Como parte dessa campanha, Dennis Ross, enviado especial do governo Obama, apregoou que, se os árabes desistirem de pleitear o reconhecimento pela ONU, Netanyahu estaria disposto a renegociar um status final para a Palestina, em condições extremamente “generosas”. Afirmação de escassa credibilidade, considerando que até agora o governo do primeiro-ministro tem se comportado com extrema dureza em relação aos palestinos.
No velho estilo policial do “good cop, bad cop”, depois das belas palavras de Dennis Ross, vieram as ameaças do ultra-direitista ministro das Relações Exteriores, Avigdor Lieberman. Ele declarou que, caso as Nações Unidas reconhecessem o Estado da Palestina, Israel anularia os Acordos de Oslo. Em outras palavras: retomaria Gaza, tiraria os poderes da Autoridade Palestina, que deixaria de existir, e sepultaria de vez a solução dos dois Estados.
Susan Rice, embaixadora dos EUA na ONU, também entrou de sola, ameaçando com a retirada dos subsídios americanos à Autoridade Palestina (representam um quarto do orçamento).
Apesar das pressões americanas e israelenses, a reivindicação dos árabes tem todas as chances de vingar; 100 países já reconheceram o estado palestino. A França, o Reino Unido e outros países europeus elevaram a delegação geral palestina a “missões e embaixadas diplomáticas”, um status normalmente reservado aos países independentes. Na Assembléia Geral da ONU, a votação pró-Palestina deve ser esmagadora. Ainda no ano passado, uma resolução recomendando negociações de paz com volta aos limites de 1967 foi aprovada por 164 a 7. O mundo inteiro ficou de um lado e os EUA, Israel, a Austrália e algumas ilhotas da Oceania, do outro.
Não sabemos se esse placar se repetirá na votação do reconhecimento. O poder de pressão dos EUA é muito grande, possivelmente muitas nações cederão a ele e acompanharão a rejeição israelense. Antes de ser discutido pela Assembléia Geral da ONU, o caso deve passar pelo Conselho de Segurança. Aí, quem ficará numa saia justa será Barack Obama.
Se votar contra as aspirações palestinas, seu governo perderá de vez o prestígio que lhe resta em todo o mundo árabe. Governos aliados, especialmente a Arábia Saudita, com seu petróleo, e o Paquistão, com suas armas atômicas, ficarão em dificuldades diante dos seus povos para justificar a manutenção da amizade com os americanos.
Se votar pelo reconhecimento, terá contra si a maioria do Congresso americano e a maioria dos financiadores tradicionais do Partido Democrata, entre outros poderosos interesses. Fugir deste dilema é fundamental para Obama. Eis por que ele está fazendo de tudo para convencer Netanyahu a fazer logo uma proposta de paz realmente séria, capaz de convencer os palestinos a desistirem.

Luiz Eça é jornalista.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

O poder desnudado por suas próprias crises



A crise econômica iniciada em 2008, o acidente nuclear de Fukushima e as revoltas populares no mundo árabe convergem para um questionamento do capitalismo mundial. Apesar das diferenças que guardam entre si, os três grandes acontecimentos que agitam o mundo revelam de maneira gritante os limites de uma mesma lógica
por Denis Duclos NO LE MONDE DIPLOMATIQUE
Três grandes crises agitam o mundo e não se deixarão reduzir a assuntos que espiamos rapidamente antes de passar para o próximo: o grande pânico financeiro iniciado no final de 2008; o acidente nuclear em Fukushima, ocorrido em 11 de março de 2011; e a crise de regime em muitos Estados árabes, onde o povo se rebela desde o fim de 2010.
A priori, não é razoável comparar tais crises, já que elas se referem a campos muito diferentes. A primeira, que parece produzir-se em um mundo virtual, trata da evaporação de trilhões de dólares; a segunda decorre de um acidente gravíssimo relacionado a uma tecnologia que visa à produção de energia abundante; e a terceira nasce de uma revolta popular em massa contra ditaduras militarizadas. Também não seria decente justapô-las como puras catástrofes, sendo uma o efeito do “triunfo da ganância”1 e outra o resultado de um desastre natural imprevisível, com sofrimentos que assumem o sentido – desejável – de uma “primavera dos povos”.
Contudo esses eventos distintos convergem para um mesmo questionamento do sistema capitalista mundial. E a resultante poderia não ser o caos global anunciado por um impressionante concerto de pessimistas, mas uma evolução libertadora – um “parto da história”, retomando a clássica metáfora marxista.
 
Pontos em comum
Essas crises têm três pontos em comum. Elas fragilizam pilares cruciais do sistema: sua base energética, seu modo de orientação do trabalho humano pelo dinheiro e sua necessidade de estabilidade política, especialmente na periferia dos centros liberais. Em cada área respectiva, as crises são a manifestação do mesmo estilo do excesso, que conduz ao perigo tecnológico inaceitável, ao risco financeiro incontrolável ou ao poder autoritário insuportável. E revelam o poder das tendências que se opõem à manutenção do próprio sistema: dinâmicas ambientais e resistências humanas de sociedades inteiras que se recusam a submeter-se à incompetência, à poluição ou a autoridades delinquentes.
Em primeiro lugar, destaca-se um conjunto coerente de condições de sobrevivência do mecanismo dominante: a submissão do homem e da natureza ao controle e à exploração do melhor mercado, pelo maior rendimento possível. Assim, a tutela financeira da economia não é uma divagação especulativa: ela ordena as atividades humanas pela lógica do rendimento. A economia virtual constitui, portanto, menos uma aberração que um campo de manobra da autoridade mundializada, capaz de deslocar fábricas e trabalhadores; de criar economias “emergentes”, impérios-fábrica e continentes-escritório; de prever a produtividade e desenvolver o consumo cativo que lhes serão irreversivelmente necessários. Em outras palavras, a financeirização é a criação do quadro – muito caro – de uma economia-mundo. Daí que sua crise em enormes bolhas de insolvência desqualifica a governança geral do trabalho humano no sistema.
 
Imprevisibilidade e desordem
Sem o petróleo – mesmo três vezes mais caro que em 2000 e dez vezes mais que em 1990 –, deveríamos dividir por quatro a produção global de alimentos. A intendência que ainda fornece energia barata não pode desprezar nenhum de seus recursos fósseis, orientando cada setor a um uso preferencial: energia nuclear para a produção industrial; carvão liquefeito e gás para o aquecimento; e petróleo principalmente para deslocar um bilhão de veículos.2 Questionar o setor nuclear (e planejar seu abandono, como propõe a Alemanha até 2022) não será, portanto, apenas uma lição que incentiva a reorientar pelo menos 14% da produção elétrica mundial para a energia eólica, solar ou para a biomassa, mas um ataque a um segmento essencial do mecanismo global.
Enfim, sem esmagar as liberdades políticas num anel de países em torno das democracias de mercado supostamente regidas pelo Estado de direito, centenas de milhões de pessoas seriam desenfreadamente atraídas para mercados de trabalho distantes de seu local de vida; conflitos sociais ou religiosos adiariam indefinidamente a própria possibilidade de uma mundialização dócil das trocas.
Esses mesmos democratas puderam ver na solidez dos regimes eufemisticamente considerados “moderados” um escudo contra um conflito mundial oriundo do barril de pólvora do Oriente Médio. É por isso que as legítimas exigências dos povos rebelados não suscitam apenas a espontânea solidariedade (como na Líbia), mas também uma grande preocupação, mais ou menos disfarçada de expectativa.
Não é de surpreender, portanto, que essas três crises convoquem as mais altas instituições internacionais nem que corram a tentar debelá-las. Como disse o californiano especialista em energia nuclear Najmedin Meshkat sobre o acidente em Fukushima: “Isso vai muito além do que um país pode gerir. É algo que deve ser discutido pelo Conselho de Segurança da ONU. [...] É uma questão mais importante que a zona de exclusão aérea sobre a Líbia.”3
Em segundo lugar, cada uma dessas três falhas sistêmicas designa a mesma tendência do sistema a “forçar” o curso das coisas: forçar o trabalho humano pelo constrangimento financeiro; forçar a natureza por meio de tecnologias perigosas; forçar o processo político, enquadrando as massas quando elas ainda não se disciplinaram pela lógica taylorista (que foi e continua sendo a faceta civil da disciplina militar).
A indústria financeira usou a garantia dos Estados liberais para beneficiar dívidas públicas, manipular ofertas de crédito e empurrar devedores para contratos injustos ou armadilhas invisíveis. Quanto aos regimes autoritários, eles exibem sua natureza em seus uniformes e nas suas barreiras rodoviárias, em prisões políticas e “estados de exceção”, na arrogância de suas classes nepotistas monopolizadoras. Por fim, a indústria nuclear cerca-se, desde suas origens, de uma cultura da segurança, policial e militar, para impor suas escolhas em nome dos interesses nacionais estratégicos.
 Nos três casos também, a duplicidade serve como ferramenta de gestão cotidiana. Depois de escamotear os pontos fracos – impossibilidade de “titularizar” as dívidas sem tirar a solvibilidade do sistema financeiro; necessidade permanente de resfriar uma central nuclear; separação inelutável entre os povos e os serviços de segurança –, camufla-se a extensão dos danos. O programa de recuperação dos ativos bancários nos Estados Unidos, votado em outubro de 2008, cobria apenas US$ 300 bilhões (com um custo final de US$ 25 bilhões para os contribuintes), ou seja, menos de um décimo das perdas reais. O desastre nuclear de Fukushima foi e continua sendo constantemente minimizado pela operadora Tepco e pelas autoridades japonesas e internacionais, mesmo depois de ter sido considerado de gravidade equivalente à do acidente de Chernobyl. Isso sem falar nos desaparecimentos, torturas, prisões e abusos de todo tipo, ignorados pela mídia nos regimes principescos ou nas ditaduras militar-policiais ainda consideradas “moderadas”.
Esses excessos revelam agora seu limite comum. A falta de previsão, a confusão e a paralisia aparecem e perduram, apesar das afirmações infundadas e da insistência no erro. A incapacidade de pensar acompanha como uma sombra a vontade de impor uma ordem a despeito de qualquer razão: quando se decide construir uma indústria nuclear, não se pode incluir a prioriuma “preparação para um acidente grave” cuja simples possibilidade se nega (com apoio do cálculo de probabilidades). Assim, a França e o Reino Unido recusaram-se a incluir os ataques terroristas nos “testes de resistência” das centrais nucleares europeias.
No mundo financeiro, se acredita no mercado (que é sua fonte de vida), você não pode pensar o crescimento como uma bolha que vai “suicidá-lo” – e isso menos de um século após a última grande crise, e exatamente como previu o economista John Kenneth Galbraith.4 As elites ditatoriais parecem incapazes de imaginar, até o último segundo, que um buraco pode se abrir em seus palácios e que seus privilégios podem ser abolidos, tanto pela rua (que desprezam) como pelo congelamento de seus bens tão cuidadosamente expatriados. Considerando a impotência para resolver problemas, a analogia entre a crise nuclear e a financeira fica ainda mais evidente. Como observa Paul Jorion,5 a crise financeira assemelha-se à de Fukushima: em um caso, é necessário jogar água incessantemente para resfriar os núcleos danificados da central; no outro, é necessário jogar dinheiro incessantemente para remediar a implosão da bolha.
Mas, assim como será difícil esconder e reduzir por muito tempo o grau de endividamento ao qual conduziu a excessiva criação de moeda por meio do crédito – pois essas perdas acabarão sendo absorvidas pelos contribuintes –, também será impossível estabilizar por muito tempo a difusão mundial (por ar, mar e pelos produtos exportados) de substâncias radioativas de longa duração, como o césio 137, ou muito tóxicas, como o plutônio – pois os tanques de muitos reatores estão danificados. Do mesmo modo, já não se pode mais esconder que, para além das zonas de evacuação, o Japão está ameaçado por uma nova degradação dos reatores de Fukushima, pelo estado de outras centrais abaladas pelo terremoto ou pela radioatividade subavaliada que impregna o solo, os produtos agrícolas, os contêineres. Também não se pode mais esconder que outros milhões de pessoas serão afetados pelo agravamento da crise econômica e do desemprego, em decorrência do desastre.
 
Uma ideologia em declínio
É verdade que persiste a atitude de conduzir as coisas à força, com imposições financeiras, tecnológicas e policiais. Esses constrangimentos contam até mesmo com uma solidariedade corporativa mundializada: a definição, pelas instituições nucleares do mundo inteiro, do que se pode saber; o impedimento, pelos lobbiesfinanceiros, da restrição de seu poder de orientar o futuro; o socorro mútuo dos regimes autoritários (príncipes sunitas reprimindo juntos os manifestantes no Bahrein, ou cartéis militares do Magreb apoiando secretamente o coronel Muamar Kadafi); e a desconfiança ocidental implícita para com a juventude árabe.
Mas a estratégia de forçar o mundo não pode mais atuar como ideologia global. Ela não aparece mais como um mal necessário, revelando-se pelo que é: um estilo de governo arbitrário, perigoso e predatório, a serviço de três tipos de agentes de dominação, em detrimento da liberdade de cada um dispor de seu trabalho, desfrutar da natureza sem destruí-la (verdadeiro objetivo da economia, de acordo com o matemático e bioeconomista Nicholas Georgescu-Roegen) e participar sem entraves da comunidade política humana.
As três crises que manifestam os mesmos constrangimentos excessivos do dinheiro, da tecnologia e do poder têm como resposta a expectativa das “três libertações”: a de um trabalho humano que não deve ser apenas relocalizado, reformulado e orientado para o lucro máximo, mas sim rediversificado, em uma lógica de maior autonomia; a da natureza que não deve ser submetida ou torturada para obter sua máxima utilidade; e por fim a da livre participação na vida política do “povo planetário”, contrária tanto à dominação dos regimes militares (ou das fatwas aterrorizantes cada vez mais rechaçadas no mundo muçulmano) como ao fechamento xenófobo que sentimos crescer no Ocidente, presumido lar do liberalismo.
Em todas essas áreas, uma formidável batalha de ideias está sendo travada, especialmente na internet. Ela se mostra tão difícil no setor de energia como no campo financeiro – em que cada protagonista deve iniciar-se nos arcanos do funcionamento dos mercados –, e mesmo assim cresce em camadas cada vez mais amplas, apesar dessa dificuldade. A intuição de uma possibilidade de viver de outra forma, mais simples e livre, é o argumento que enfrentam agora os experts, sem que eles possam imediatamente tachar tais alternativas regressivas ou irrealistas.

Denis Duclos
antropólogo, é diretor de pesquisa do Centre National de la Recherche Scientifique – CNRS.



Ilustração: Orlando
1 Joseph Stiglitz, Le triomphe de la cupidité [O triunfo da ganância], Les Liens qui Libèrent, Paris, 2010.
2 Temos 1,290 bilhão de veículos particulares e utilitários, ou seja, uma frota duplicada em quatro anos, de acordo com a avaliação em tempo real da associação Carfree.
3 C itado por Kiyoshi Takenaka e Yoko Kubota, “Le Japon se résigne à une longue crise nucléaire” [Japão resignado a uma longa crise nuclear], Reuters Online, 28 de março de 2011.
4 John Kenneth Galbraith, La crise économique de 1929: Anatomie d’une catastrophe financière [A crise econômica de 1929: Anatomia de uma catástrofe financeira], Petite Bibliothèque Payot, Paris, 2008.
5 V er seu blog de notícias financeiras: www.pauljorion.com/blog/.