Artistas gráficos, designers e ilustradores brasileiros participam do IllustraBrazil, festival que reunirá entre os dias 20 de agosto e 25 de setembro mais de cem obras em Xangai, na China |
por Felipe Machado no LE MONDE-BRASIL |
Há diversos aspectos culturais que influenciam na percepção da identidade de um povo. A música, sem dúvida, é um dos mais populares, mas há muitos outros. A literatura, a gastronomia e o gosto por determinadas atividades esportivas, por exemplo, representam outras expressões culturais que revelam a identidade dessas pessoas que compartilham uma origem geográfica específica. Seria possível, no entanto, afirmar que há uma característica visual própria de um país, um estilo que o diferencie dos outros, apenas pelos traços de seus ilustradores ou artistas gráficos? Se voltarmos no tempo e entrarmos pela porta das grandes escolas de arte, a resposta evidentemente é afirmativa. Difícil imaginar outro berço mais propício para o início do Renascimento do que a Itália do século XVI, assim como seria impossível assistir ao big bang do expressionismo abstrato sem o contexto cultural que brotava em Nova York nos (quase tão) longínquos anos 50. Mas a grande verdade é que o mundo mudou, ficou menor, mais global. E as fronteiras perderam o significado limitador e simbólico que tinham até o final do século XX. Haveria, então, algum país que conseguiria ficar isolado o suficiente para criar uma identidade visual 100% própria? Como é de esperar, a Sociedade dos Ilustradores do Brasil (SIB) não pretende responder a essas questões com palavras, mas com imagens. A entidade, que desde 2001 reúne mais de duzentos associados, é a organizadora do IllustraBrasil, que já está em sua oitava edição. O evento costuma se alternar entre Rio de Janeiro e São Paulo, mas a partir de 20 de agosto ganha sua primeira edição internacional: a mostra IllustraBrazilreunirá, na galeria The Foundry, em Xangai, mais de cem obras de artistas gráficos brasileiros selecionados especialmente para a ocasião. Fábio Sgroi, conselheiro da SIB, acredita que existe, sim, um estilo brasileiro, que pode ser reconhecido nas ilustrações principalmente por suas cores e formas. “Como vivemos em um clima tropical, temos a tendência de enxergar a iluminação natural de maneira mais viva e quente do que nos países do Hemisfério Norte, por exemplo. A combinação das cores de nossa vegetação com a luz dos dias claros no país aparece frequentemente em nossas artes, mesmo quando o tema não é tão alegre. Em relação à forma, também optamos por combinações mais orgânicas e impregnadas de movimento”, afirma Sgroi. O ilustrador Bruno Porto, um dos organizadores da mostra brasileira em Xangai, chegou a essa cidade em 2006, a convite do Departamento de Comunicação Visual do Raffles Design Institute, para dar aulas de Tipografia, Identidade Corporativa e Design Gráfico a alunos chineses. Entre as aulas, trabalhou como consultor para empresas estrangeiras sobre design chinês e ainda sobrou tempo para fazer a curadoria de exposições de cartazes brasileiros e coordenar a 9ª Bienal Brasil de Design Gráfico em Pequim e Xangai. “Mais do que uma mostra de ilustração brasileira, o IllustraBrazil é uma seleção de diversos aspectos de nossa cultura: natureza, esportes, arquitetura, música, sob o olhar de mais de cem profissionais das artes gráficas. A mostra permitirá que o visitante conheça o Brasil por meio da ilustração.” O evento não terá apenas cunho artístico: além das obras de cunho editorial, haverá espaço para filmes de animação, design de embalagens e peças publicitárias. “Será apresentado um seminário de negócios voltado para editoras, agências de publicidade, produtoras e empresários locais. A ideia é mostrar que o mundo descobriu a ilustração, os quadrinhos e a animação brasileira.” É o caso da graphic novel Daytripper, dos irmãos Fabio Moon e Gabriel Ba, que foram campeões de venda no site Amazon e ganharam críticas positivas no New York Times, ou do ilustrador Luiz Catani, que há duas décadas publica livros infantis na França. Porto acredita que essa é a hora de os profissionais de criação brasileiros se prepararem para atender a uma demanda estrangeira crescente, uma vez que o Brasil é a “bola da década”, com Copa do Mundo e as Olimpíadas a caminho. “O mundo todo vai querer ‘vender’ Brasil, e temos de deixar claro que somos os mais indicados para isso. A China também passou por algo semelhante, com as Olimpíadas em 2008 e a Feira Mundial de Xangai em 2010.” A mostra conta com o apoio do Ministério das Relações Exteriores. Joel Sampaio, cônsul-geral adjunto do Brasil em Xangai, acredita que o evento será essencial para aumentar a sensibilidade dos chineses em relação ao Brasil. “Muitos estudantes virão à exposição. Será ótimo para que tenham um conhecimento mais amplo sobre nosso país”, afirma o diplomata. O evento terá ainda a participação dos ilustradores Marcelo Martinez e Orlando Pedroso, profissionais e conselheiros da SIB, que darão palestras e promoverão oficinas em universidades locais. “Um evento deste porte no exterior é uma grande vitrine e, ao mesmo tempo, um espelho”, afirma Orlando Pedroso. A imagem que o Brasil quer refletir não tem preço, mas certamente valerá mais do que mil palavras. Felipe Machado Diretor de mídias digitais do Diário de S. Paulo e Rede Bom Dia, grupo com jornais distribuídos por dez cidades paulistas. Assina também o blog Palavra de Homem e é autor dos livros Bacana bacana: as aventuras de um jornalista pela Copa do Mundo da África do Sul (2010), Ping Pong: as aventura de um jornalista brasieliro na China olímpica (2008), indicado ao Prêmio Jabuti, e dos romances Olhos cor de chuva (2002) e o Martelo dos Deuses (2007). Ilustração: Mario Bag |
Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
sexta-feira, 9 de setembro de 2011
Ilustração para exportação: uma mostra brasileira na China
quarta-feira, 7 de setembro de 2011
Militante do multiculturalismo, Caroline Fourest teme por tempos 'dolorosos e violentos' na Europa
O racismo passou da retórica aos fatos, pôs o dedo no gatilho de uma metralhadora e estraçalhou os corpos de 76 jovens em julho deste ano, na Noruega. Comeste ato, provocou urros de aprovação numa direita branca, católica, homofóbica e raivosa, desejosa de ver no massacre cometido por Anders Behring Breivik os pilares da recuperação da Europa "monocultural, forte, íntegra e iluminada da Era Medieval".
Wikimedia Commons
Em uma entrevista exclusiva ao Opera Mundi, concedida por e-mail, de Paris, a escritora francesa e professora de multiculturalismo da Sorbonne, Caroline Fourest, falou da nova onda que prega o apartheid mundial como forma de frear os "efeitos nocivos" da mundialização. Colunista do jornal francês Le Monde e fundadora da revista ProChoix, Caroline emergiu nos últimos dez anos como uma das maiores defensoras do multiculturalismo. Razão suficiente para, segundo as teorias de Breivik, ser vítima de um ataque, assim como sua publicação.
Temas ligados à intolerância são cada vez mais presentes na imprensa – às vezes como debate de uma visão de mundo; outras como motivação para atos violentos. Acredita na existência de uma onda favorável a um 'apartheid mundial', onde norte e sul, negro e branco, cristão e muçulmano serão cada vez mais temerosos de viverem juntos?
Nós estamos presenciando hoje o crescimento de um medo que é mais complexo que um "simples" racismo de tipo neocolonial. Já não se trata mais de preconceitos ligados a sentimentos de superioridade para dominar o outro, seja com finalidade econômica, seja com finalidade comercial. Hoje, vemos um medo mais ligado à crise da mundialização e do multiculturalismo. Do ponto de vista de certos europeus, principalmente dos mais desfavorecidos, a mundialização não faz mais que causar problemas como reduzir a proteção social, aumentar a concorrência por salários e levar a perda da identidade nacional.
Trata-se, portanto, muitas vezes, de uma ansiedade que é ao mesmo tempo social e cultural. Ainda que os preconceitos racistas de tipo clássico se retirem, pelo menos no caso da Europa, o medo do estrangeiro apenas muda de forma.
Já não se trata tanto de rejeitar a imigração porque nós acreditamos que os outros são inferiores, mas porque eles podem nos fazer concorrência com os mesmos salários ou mesmo enquanto trabalhadores do sul (em pleno crescimento).
Isso os leva a crer que poderemos desaparecer enquanto cultura, caso todas as minorias que migram para o Norte nos impuserem sua particularidade cultural ou religiosa. É assim, o extremismo religioso irrompe.
O atentado na Noruega permite dizer que a Europa entrou em uma nova etapa no combate à discriminação e da defesa dos direitos humanos? O que mudou depois deste episódio para os que defendem um mundo livre e tolerante?
O massacre na Noruega é um ato isolado de uma pessoa perversa, sádica e narcisista. Mas é claro que ele levanta questões. Seu manifesto de ódio concentra os novos bordões da direita europeia, como a nostalgia de um mundo monocultural, no qual a identidade europeia deve ser reafirmada para que não desapareça.
Os principais perigos que pairam sobre esta identidade são, aos olhos destas pessoas, destes assassinos, a "feminilização da Europa", como um conceito que sabota o patriarcado.
Depois, há o medo do marxismo cultural, que é visto como algo que depões contra o brio masculino do homem branco, cristão e heterossexual. Estes assassinos criticam o multiculturalismo, mas eles nunca o fazem de maneira laica, universalista ou igualitária. É, em vez disso, uma visão machista, homofóbica e patriarcal da identidade europeia, frente ao que eles veem como uma ameaça à virilidade e à vitalidade, provocada também pelo que eles chamam de "islamização" em curso, ou seja, uma invasão muçulmana por meio da imigração.
Muitos chamaram o manifesto de Breivik um novo Mein Kampf. O pensa dessa associação e quais são efetivamente os riscos que um livro como este pode representar, na disseminação de ideias fascistas na Europa de hoje?
É um manifesto de ódio, o qual o autor espera claramente que tenha o mesmo destino do Mein Kampf. Ele já teve uma difusão inquietante pela internet, ainda que grande parte das pessoas o tenha lido para melhor combatê-lo. Mas, diferente de Hitler, seu autor passou aos atos antes de transformar-se num modelo. E que modelo ele propunha? De matar a sangue frio pessoas que tinham entre 12 e 17 anos? Quem pode se identificar com isso?
Le Blog de Caroline Fourest
Mesmo os piores extremistas políticos estão obrigados a condenar este ato absolutamente sem sentido, ao contrário do que o assassino queria fazer crer, e que se parece a terrorismo puro. Sim, devemos estar muito vigilantes para que todos os que ousem se solidarizar com um "modelo" como esse sejam sistematicamente condenados.
A imprensa viveu um dilema confrontada com a decisão de publicar ou não o manifesto de Breivik. Há quem pensa ser preciso discutir o conteúdo como uma forma de confrontar intelectualmente a ameaça. Por outro lado, há quem defenda que não se pode dar mais visibilidade a essas teorias, pois é justamente a publicidade que interessa. Qual sua opinião?
É muito complicado, realmente. De um lado, é preciso ler para melhor compreender. De outro, ele contém efetivamente passagens de incitação ao ódio, à morte; um verdadeiro manual de terrorismo, que faz com que sua proibição me pareça justificada e até mesmo necessária.
Mas como proibir isso na Internet? É impossível. Se você prevê uma sanção aos que possuem o documento, não estará fazendo mais que dar a ele um caráter sulfuroso, ainda mais sedutor. Apesar disso, é preciso penalizar os sites que publicam e difundem este documento.
Em seu documento, Breivik diz a seus seguidores que eles devem realizar ações violentas contra todos os que defendem o multiculturalismo na Europa. Sentiu-se pessoalmente confrontada com uma ameaça tão direta?
Mas como proibir isso na Internet? É impossível. Se você prevê uma sanção aos que possuem o documento, não estará fazendo mais que dar a ele um caráter sulfuroso, ainda mais sedutor. Apesar disso, é preciso penalizar os sites que publicam e difundem este documento.
Em seu documento, Breivik diz a seus seguidores que eles devem realizar ações violentas contra todos os que defendem o multiculturalismo na Europa. Sentiu-se pessoalmente confrontada com uma ameaça tão direta?
Eu trabalho numa fundação para o diálogo entre as diferentes culturas, que foi citada como um dos alvos para estes ataques. Ao mesmo tempo, faço parte dos intelectuais que escreveram livros contra a integralidade (no sentido de pureza) e criticam certo tipo de multiculturalismo, que não passa de uma visão anglo-saxã de multiculturalismo.
Ela leva a tolerar a integralidade sob o pretexto de respeitar "as culturas". Mas a minha crítica é articulada, guiada pelo feminismo e pelo antirracismo. É uma crítica que pede que nós reforcemos a igualdade entre homens e mulheres, que lutemos contra a discriminação e que apliquemos os princípios laicos.
Os assassinos não compartem, absolutamente, desta visão, que eles combatem com todas as suas forças, uma vez que detestam o feminismo e o antirracismo. Este ato atroz (na Noruega) reforça tudo o que eu tenho tentado dizer nos últimos dez anos.
Se não encontrarmos soluções que sejam ao mesmo tempo antirracistas e laicas para a crise da mundialização, estaremos abandonando o terreno em favor dos racistas extremistas e monoculturalistas. Se nós estivermos de acordo sobre estes valores e ao mesmo tempo encontrarmos soluções para mitigar a crise econômica e reduzir as injustiças provocadas pela desregulamentação econômica, a barragem aguentará.
Do contrário, teremos pela frente tempos dolorosos e muito violentos.
Ela leva a tolerar a integralidade sob o pretexto de respeitar "as culturas". Mas a minha crítica é articulada, guiada pelo feminismo e pelo antirracismo. É uma crítica que pede que nós reforcemos a igualdade entre homens e mulheres, que lutemos contra a discriminação e que apliquemos os princípios laicos.
Os assassinos não compartem, absolutamente, desta visão, que eles combatem com todas as suas forças, uma vez que detestam o feminismo e o antirracismo. Este ato atroz (na Noruega) reforça tudo o que eu tenho tentado dizer nos últimos dez anos.
Se não encontrarmos soluções que sejam ao mesmo tempo antirracistas e laicas para a crise da mundialização, estaremos abandonando o terreno em favor dos racistas extremistas e monoculturalistas. Se nós estivermos de acordo sobre estes valores e ao mesmo tempo encontrarmos soluções para mitigar a crise econômica e reduzir as injustiças provocadas pela desregulamentação econômica, a barragem aguentará.
Do contrário, teremos pela frente tempos dolorosos e muito violentos.
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Animação divertida conta a história da Independência do Brasil
Um breve resumo divertido da independência brasileira, focando a origem da famosa dívida externa.
A criação e edição geral é de Alan de Melo Ely.
Expointer e Agricultura Familiar: pasteurização da utopia
Postado por Rubens Filho no AMIGOS DE PELOTAS
Ana Carolina Martins da Silva *
O sonho pelo qual eu brigo exige que eu invente em mim a coragem de lutar ao lado da coragem de amar. (Paulo Freire)
A EXPOINTER, quem diria, começou no Parque da Redenção. Segundo dados da SEAPA (Secretaria da Agricultura, Pecuária e Agronegócio do Gov. Do RS), essa movimentação iniciou em 1901, no Campo da Redenção, hoje Parque da Redenção. Conhecida como Exposição Estadual, em 1972, com a oficialização da participação de outros países, a feira passou a chamar-se Expointer – Exposição Internacional de Animais. Atualmente em Esteio/RS, na sua 34ª edição internacional, a Feira apresenta novidades em agropecuária e agroindústria, sendo divulgada como um cartão de visitas do agronegócio do Rio Grande do Sul [...]
A palavra Agronegócio não parece ter muito a ver com a palavra família. Uma parece ligada ao mundo fora de casa, a outra, ao mundo de dentro. Entretanto, tangenciada cada vez mais para fora de casa, a família tenta sobreviver como pode no mundo do capital e sua estada dentre grandes nomes dos negócios parece merecer um estudo antropológico. A prova disso é o Pavilhão da Agricultura Familiar. Considerando que todos os outros segmentos do Agronegócio são tocados, em sua linha geral, por famílias, como a questão das grandes fazendas, da criação de cavalos crioulos, as plantações de arroz, de soja, dentre outros, o que pode ter de tão diferente nesse tipo de trabalho que mereceu ter o nome “familiar” elevado a título de Pavilhão? Geraldo Hasse, em reportagem no periódico on line Sul21, grafou uma mensagem, no mínimo, assustadora: Expointer 2011 eleva a autoestima da agricultura familiar gaúcha. Pego o título, porque a reportagem em si, reflete o que Hasse viu, não vou debater com seu jornalismo altamente qualificado, tampouco sua opinião que em certos momentos perpassam nas entrelinhas e com a qual me sinto afamiliada.
Reflito sobre o que pensei ao ver o título. Ao desmembrarmos esse título, temos algumas discussões bem graves: o fato de que se existe uma agricultura familiar em destaque, possivelmente existam outras agriculturas que não são familiares; o fato de que a autoestima da agricultura famíliar poderia estar baixa; o fato de que – essa – de 2011, em especial, elevou a autoestima da agricultura familiar.
Pegando a primeira discussão, abordo o que vi, porque não faço parte. São mundos diferentes, dentro do mesmo espaço físico, numa forçação de barra de igualdade que nem de perto existe. As outras agriculturas não são ligadas à vida, considerando o equilíbrio ecológico parte fundamental, ou ao que a família idealizada por alguns de nós se vê, como um ninhozinho de amor envolvendo todos os elementos Planeta Terra. São ligadas ao monocultivo, seja de clássicos, como exemplo, cito o arroz, ou a soja, ou novidades, como o monocultivo de árvores para a celulose.
Essas agriculturas não trabalham para a família, trabalham para o capital. Mesmo as famílias que lidam com isso, longe dos sonhos de manutenção financeira de sua prole, hoje, estão a serviço do capital, são reféns de sua movimentação. É como se a outra agricultura, a dos “pequenos” fosse uma coisa distante, folclórica, quando se compara as duas. Entretanto, essa – de mercado – destrói o ambiente, apossando-se dos recursos naturais que são coletivos e devolvendo à sociedade a natureza violada, sugada, envenenada, desmatada, destruída, enquanto seus produtos, embalados em saquinhos de rótulos maravilhosos são vendidos à própria sociedade por valores que poucos podem pagar. Ao olharmos a pecuária, poderíamos talvez manter um projeto de autosustentabilidade de uma vila inteira por anos, com o valor de apenas um touro, “gordo e lustroso como gato de bolicheiro.” Talvez a das mais graves diferenças entre a família da Agricultura Familiar e a família que vive do grande agronegócio seja a aceitação de todos os passos destrutores do capitalismo. A prova disso é que há anos, o agronegócio vem garantindo, a cada eleição, em todos os níveis, fortunas para políticos profissionais defenderem leis que os protejam nesse abuso. A Agricultura familiar faz campanha para pessoas que representam projetos, o Agronegócio faz campanha para pessoas que obedeçam ao Projeto do Capital. Na minha opinião, é isso.
A segunda discussão é o fato de que a autoestima da agricultura famíliar poderia estar baixa. Circulou em agosto desse ano, um texto de Amilton Fernando Munari, o Amilton das Sementes, de Maquiné, divulgando a participação na EXPOINTER, com o convite para visitá-lo lá. Nas palavras do Amilton não há nada de autoestima baixa, ao contrário. Percebe-se que a ocupação do espaço da EXPOINTER significa uma vitória de uma causa que se sabe grandiosa.
Dizia o texto: “Voltam as sementes a brilhar no Pavilhão da Agricultura Familiar (PAF) na Expointer em Esteio RS, do dia 27 de Agosto a 04 de Setembro,desta vez junto a tempos prometida, polpa de Juçara. Depois do Coletivo da Biodiversidade,com 7 empreendimentos, do qual fiz parte por 6 anos, ter sido cortado pela Secretaria de Desenvolvimento Rural, isto devido a exigência de substituição, me inscrevi novamente junto ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais, do qual sou secretário, pela Fetag, foi necessário a Emater fornecer a Declaração de a Aptidão(DAP),mais com meu bloco de notas e alvará sanitário da Agroindústria, assim ocuparei um estande no PAF. Não tinha a pretenção, mas governo e movimentos escolheram a polpa de Juçara o produto destaque em inovação, que será apresentado este ano e a mídia vem aí.”
Essa série de exigências (como a que surgiu nesse ano, de que as agroindústrias terão de atualizar suas máquinas de suco, incluindo outras, que pasteurizam, esterelizam, e outros que tais, cujo custo é uma pequena fortuna) e de subsituições e inovações voltam a confirmar o que se sabe, que a inclusão do termo familiar, muitas vezes é uma forma de exclusão. Contempla a presença, mas não dá condições de atuar. A Associação Içara, da qual Amilton faz parte, ficou apertada num cantinho no Pavilhão, e suas sementes crioulas, que também não poderiam estar presentes, foram foco de maior atenção de todos os produtores familiares e, também de integrantes dos pavilhões dos “ricos”, que vinham sistematicamente à banca procurar a riqueza da biodiversidade. Devido à militância e sua história como Passador de Sementes, Amilton manteve as sementes, em um balcão minúsculo, onde as pessoas faziam fila, se apertavam, perguntavam sobre o plantio e – com muita pena – contavam a ele sobre a perda de diversas espécies, cujas sementes não achavam em lugar nenhum, como a mandioquinha salsa. A quem interessa isso? Eu estive lá, durante três dias fiquei na Banca da Içara, junto com o Amilton e o Ricardo Dalbem, biólogo da Associação, revesando na máquina de Suco, na explicação das sementes e da manutenção da nossa Juçara, a Palmeira que alguns matam para comer o Palmito, e, cujo o fruto tem elementos nutricionais, em muito, superiores ao Açaí da Amazônia. Esse processo todo de resistência da Juçara, por pouco também não está lá, como comenta Amilton em seu texto: “Mesmo não sendo possível a inscrição da Associação Içara da qual sou coordenador, onde seria necessária DAP jurídica, (80% dos sócios comprovarem 80% de renda da agricultura), continua o nome do estande Associação Içara como definimos em reunião e não mais Família Munari como antes, esperando o melhor, que se vejam as possibilidades de atuação dentro do movimento dos agricultores, e consequente visibilidade para projetos futuros.” Consequência de uma escala de produção de pequenos grandes homens e mulheres do litoral, o suco da Juçara levava às pessoas ao delírio.
Todos o achavam delicioso e ficam extremamente chocados ao saber que a Palmeira é morta para se tirar o Palmito, em detrimento de uso dos frutos tão maravilhosos. Segundo Amilton: “A produção está sendo na agroindústria do Isaias em Morro Azul, também nos aplicamos para concretizar o rótulo da Içara, e trabalhar em parceria na Amadecon em Boa União. Em um cenário de frutas, mudas e sementes,o contato com o povo, agricultores, consumidores, será um grande aprendizado.” Ao todo, experimentaram o suco da nossa Juçara gauchinha aproximadamente três mil pessoas. Três mil pessoas que foram tocadas pelo sabor, pela consciência de preservação da Mata Atlântica, pela ação da Associação Içara, de Maquiné. Essa, talvez seja outra diferença entre a Agricultura familiar e as outras. Na Familiar, a idéia é que todos sejam contemplados pela vida, a troca e a solidariedade são constantes. Vai pelo Brasil a mensagem da floresta! Numa passada pela Banca da Associação Içara, o Ministro Afonso Florence confirmou a participação da polpa da Juçara na feira anual em Brasília ¨”Brasil Rural Contemporâneo”.
Isso me joga para o último fato que consigo abarcar nesse texto, o de que – essa – de 2011, em especial, elevou a autoestima da agricultura familiar. Como o Hasse mesmo mencionou em seu texto, essa é “A primeira Expointer do governo Tarso Genro” e ainda “tendo como protagonista central a agricultura familiar”. Para Hasse, o que o levou a crer que a autoestima desse segmento nunca esteve tão elevada, foi que o pavilhão da agricultura familiar foi de longe o mais frequentado da 34ª Exposição-Feira Internacional de Animais e Máquinas. Isso, somado à pressão das organizações familitares presentes, fez com que se decidisse a ampliar a área do segmento familiar em 2012. Para mim, há mais coisas, essa, de ser o Governo do nosso Tarso, essa de vermos Ivar Pavan Como Secretário do Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo, vermos um Secretário prometendo que o espaço dos produtos orgânicos será maior na próxima feira, ou ainda, estar orgulhoso ao dizer que 86% da totalidade das propriedades rurais do Estado dos estabelecimentos atendidos pela sua secretaria são de base familiar. Políticos de todas as espécies fizeram pose em frente às bancas, políticos do bem e políticos do mal. Os do bem, deixaram saudades e militância, os do mal, deixaram propagandas impressas com seu nome.
Voltando ao antagonismo que vi entre a palavra Agronegócio e a palavra Família e começando a encerrar, cito um dos comentários mais frequentes que ouvi, o sobre o preço dos reprodutores de “puro sangue” de todas as espécies na feira, de galos, touros, cavalos, outros! Parecia que todo mundo estava pasmo. O “estar pasmo” me mostrou que a população está cada vez mais ciente de que isso não tem cabimento, é uma cadeia que libera verba para alguns e aprisiona outros, inclusive os que ainda mantém seus semens, suas sementes. Observei isso em relação aos poucos homens que vi, também muito concorridos na Feira – e lindos – de todas as cores, todas as pilchas, todas as etnias, todas as idades, cada qual com seu sonho no olhar e uma mulher, enquanto centenas de mulheres graçavam sozinhas pelos pavilhões. Sob meu olhar entristecido enquanto espécie, vi estampado o desequilíbrio de gênero, causado pelo estresse, pelos poluentes químicos e tudo mais que influencia na fertilidade e na sexualidade humana. Afinal, quem mais aguenta ser vítima do Capitalismo? O tal do capitalismo que faz “pioramento” de sementes, que faz envenenamento de tudo, que faz pequenos animais monstros, para vender em partes, mais peito, mais pelo, mais carne, mais ovos, mais grades, mais encarceramento para mais produtividade. Quando penso que tal modelo tem trazido fim de espécies, tem trazido endemias, tem trazido evasão rural, miséria, endividamento, suicídios, confilitos por terra e campo, me revolto! Afinal, quem leva vantagem real nesse negócio?
Fim de mais uma EXPOINTER. A vida continua, as lutas continuam. Uns vão para suas mansões em carrões, outros para suas propriedades rurais empilhados em ônibus, outros de trem, para seus ranchos urbanos “apinchados” uns em cima dos outros, outros de carros utilitários, para casas com seus pátios e hortas, enfim, acredito que, como toda Feira, a EXPOINTER deixa esse saldo positivo: o enfrentamento de todos os conceitos, todos os paradigmas que movem o mundo. “Temos de nos mover dentro de uma sociedade capitalista”, disse o Ivar Pavan, citado por Hasse. Eu concordo. Temos de nos mover dentro da sociedade capitalista, fazer a roda dela girar e girar e ir colocando pedrinhas em suas engrenagens, tanto, até quebrá-la.
Como disse, não faço parte do mundo da Agricultura Familiar, nem do Agronegócio. Meu mundo é de todas as lutas no âmbito do Magistério. Conto o que ouvi e vi ao lado do Amilton, do Ricardo, nas filas para tudo, no trem, porque estava lá e, aqui, lendo o SUL21, ainda porque gosto de fazer a informação circular. Portanto, encerro com as palavras de quem é protagonista dessa história, do Amilton das Sementes, de Maquiné, que lembram muito o jeito de sonhar e amar de Paulo Freire: “Viva a organização dos Agricultores Familiares! Basta querer e se comprometer e fará a diferença.” AFM (Mensagem enviada por amiltonsementes@yahoo.com.br em 05/08/2011).
* Ana Carolina Martins da Silva é professora da UERGS, ambientalista e mestre em Comunicação Social
A palavra Agronegócio não parece ter muito a ver com a palavra família. Uma parece ligada ao mundo fora de casa, a outra, ao mundo de dentro. Entretanto, tangenciada cada vez mais para fora de casa, a família tenta sobreviver como pode no mundo do capital e sua estada dentre grandes nomes dos negócios parece merecer um estudo antropológico. A prova disso é o Pavilhão da Agricultura Familiar. Considerando que todos os outros segmentos do Agronegócio são tocados, em sua linha geral, por famílias, como a questão das grandes fazendas, da criação de cavalos crioulos, as plantações de arroz, de soja, dentre outros, o que pode ter de tão diferente nesse tipo de trabalho que mereceu ter o nome “familiar” elevado a título de Pavilhão? Geraldo Hasse, em reportagem no periódico on line Sul21, grafou uma mensagem, no mínimo, assustadora: Expointer 2011 eleva a autoestima da agricultura familiar gaúcha. Pego o título, porque a reportagem em si, reflete o que Hasse viu, não vou debater com seu jornalismo altamente qualificado, tampouco sua opinião que em certos momentos perpassam nas entrelinhas e com a qual me sinto afamiliada.
Reflito sobre o que pensei ao ver o título. Ao desmembrarmos esse título, temos algumas discussões bem graves: o fato de que se existe uma agricultura familiar em destaque, possivelmente existam outras agriculturas que não são familiares; o fato de que a autoestima da agricultura famíliar poderia estar baixa; o fato de que – essa – de 2011, em especial, elevou a autoestima da agricultura familiar.
Pegando a primeira discussão, abordo o que vi, porque não faço parte. São mundos diferentes, dentro do mesmo espaço físico, numa forçação de barra de igualdade que nem de perto existe. As outras agriculturas não são ligadas à vida, considerando o equilíbrio ecológico parte fundamental, ou ao que a família idealizada por alguns de nós se vê, como um ninhozinho de amor envolvendo todos os elementos Planeta Terra. São ligadas ao monocultivo, seja de clássicos, como exemplo, cito o arroz, ou a soja, ou novidades, como o monocultivo de árvores para a celulose.
Essas agriculturas não trabalham para a família, trabalham para o capital. Mesmo as famílias que lidam com isso, longe dos sonhos de manutenção financeira de sua prole, hoje, estão a serviço do capital, são reféns de sua movimentação. É como se a outra agricultura, a dos “pequenos” fosse uma coisa distante, folclórica, quando se compara as duas. Entretanto, essa – de mercado – destrói o ambiente, apossando-se dos recursos naturais que são coletivos e devolvendo à sociedade a natureza violada, sugada, envenenada, desmatada, destruída, enquanto seus produtos, embalados em saquinhos de rótulos maravilhosos são vendidos à própria sociedade por valores que poucos podem pagar. Ao olharmos a pecuária, poderíamos talvez manter um projeto de autosustentabilidade de uma vila inteira por anos, com o valor de apenas um touro, “gordo e lustroso como gato de bolicheiro.” Talvez a das mais graves diferenças entre a família da Agricultura Familiar e a família que vive do grande agronegócio seja a aceitação de todos os passos destrutores do capitalismo. A prova disso é que há anos, o agronegócio vem garantindo, a cada eleição, em todos os níveis, fortunas para políticos profissionais defenderem leis que os protejam nesse abuso. A Agricultura familiar faz campanha para pessoas que representam projetos, o Agronegócio faz campanha para pessoas que obedeçam ao Projeto do Capital. Na minha opinião, é isso.
A segunda discussão é o fato de que a autoestima da agricultura famíliar poderia estar baixa. Circulou em agosto desse ano, um texto de Amilton Fernando Munari, o Amilton das Sementes, de Maquiné, divulgando a participação na EXPOINTER, com o convite para visitá-lo lá. Nas palavras do Amilton não há nada de autoestima baixa, ao contrário. Percebe-se que a ocupação do espaço da EXPOINTER significa uma vitória de uma causa que se sabe grandiosa.
Dizia o texto: “Voltam as sementes a brilhar no Pavilhão da Agricultura Familiar (PAF) na Expointer em Esteio RS, do dia 27 de Agosto a 04 de Setembro,desta vez junto a tempos prometida, polpa de Juçara. Depois do Coletivo da Biodiversidade,com 7 empreendimentos, do qual fiz parte por 6 anos, ter sido cortado pela Secretaria de Desenvolvimento Rural, isto devido a exigência de substituição, me inscrevi novamente junto ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais, do qual sou secretário, pela Fetag, foi necessário a Emater fornecer a Declaração de a Aptidão(DAP),mais com meu bloco de notas e alvará sanitário da Agroindústria, assim ocuparei um estande no PAF. Não tinha a pretenção, mas governo e movimentos escolheram a polpa de Juçara o produto destaque em inovação, que será apresentado este ano e a mídia vem aí.”
Essa série de exigências (como a que surgiu nesse ano, de que as agroindústrias terão de atualizar suas máquinas de suco, incluindo outras, que pasteurizam, esterelizam, e outros que tais, cujo custo é uma pequena fortuna) e de subsituições e inovações voltam a confirmar o que se sabe, que a inclusão do termo familiar, muitas vezes é uma forma de exclusão. Contempla a presença, mas não dá condições de atuar. A Associação Içara, da qual Amilton faz parte, ficou apertada num cantinho no Pavilhão, e suas sementes crioulas, que também não poderiam estar presentes, foram foco de maior atenção de todos os produtores familiares e, também de integrantes dos pavilhões dos “ricos”, que vinham sistematicamente à banca procurar a riqueza da biodiversidade. Devido à militância e sua história como Passador de Sementes, Amilton manteve as sementes, em um balcão minúsculo, onde as pessoas faziam fila, se apertavam, perguntavam sobre o plantio e – com muita pena – contavam a ele sobre a perda de diversas espécies, cujas sementes não achavam em lugar nenhum, como a mandioquinha salsa. A quem interessa isso? Eu estive lá, durante três dias fiquei na Banca da Içara, junto com o Amilton e o Ricardo Dalbem, biólogo da Associação, revesando na máquina de Suco, na explicação das sementes e da manutenção da nossa Juçara, a Palmeira que alguns matam para comer o Palmito, e, cujo o fruto tem elementos nutricionais, em muito, superiores ao Açaí da Amazônia. Esse processo todo de resistência da Juçara, por pouco também não está lá, como comenta Amilton em seu texto: “Mesmo não sendo possível a inscrição da Associação Içara da qual sou coordenador, onde seria necessária DAP jurídica, (80% dos sócios comprovarem 80% de renda da agricultura), continua o nome do estande Associação Içara como definimos em reunião e não mais Família Munari como antes, esperando o melhor, que se vejam as possibilidades de atuação dentro do movimento dos agricultores, e consequente visibilidade para projetos futuros.” Consequência de uma escala de produção de pequenos grandes homens e mulheres do litoral, o suco da Juçara levava às pessoas ao delírio.
Todos o achavam delicioso e ficam extremamente chocados ao saber que a Palmeira é morta para se tirar o Palmito, em detrimento de uso dos frutos tão maravilhosos. Segundo Amilton: “A produção está sendo na agroindústria do Isaias em Morro Azul, também nos aplicamos para concretizar o rótulo da Içara, e trabalhar em parceria na Amadecon em Boa União. Em um cenário de frutas, mudas e sementes,o contato com o povo, agricultores, consumidores, será um grande aprendizado.” Ao todo, experimentaram o suco da nossa Juçara gauchinha aproximadamente três mil pessoas. Três mil pessoas que foram tocadas pelo sabor, pela consciência de preservação da Mata Atlântica, pela ação da Associação Içara, de Maquiné. Essa, talvez seja outra diferença entre a Agricultura familiar e as outras. Na Familiar, a idéia é que todos sejam contemplados pela vida, a troca e a solidariedade são constantes. Vai pelo Brasil a mensagem da floresta! Numa passada pela Banca da Associação Içara, o Ministro Afonso Florence confirmou a participação da polpa da Juçara na feira anual em Brasília ¨”Brasil Rural Contemporâneo”.
Isso me joga para o último fato que consigo abarcar nesse texto, o de que – essa – de 2011, em especial, elevou a autoestima da agricultura familiar. Como o Hasse mesmo mencionou em seu texto, essa é “A primeira Expointer do governo Tarso Genro” e ainda “tendo como protagonista central a agricultura familiar”. Para Hasse, o que o levou a crer que a autoestima desse segmento nunca esteve tão elevada, foi que o pavilhão da agricultura familiar foi de longe o mais frequentado da 34ª Exposição-Feira Internacional de Animais e Máquinas. Isso, somado à pressão das organizações familitares presentes, fez com que se decidisse a ampliar a área do segmento familiar em 2012. Para mim, há mais coisas, essa, de ser o Governo do nosso Tarso, essa de vermos Ivar Pavan Como Secretário do Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo, vermos um Secretário prometendo que o espaço dos produtos orgânicos será maior na próxima feira, ou ainda, estar orgulhoso ao dizer que 86% da totalidade das propriedades rurais do Estado dos estabelecimentos atendidos pela sua secretaria são de base familiar. Políticos de todas as espécies fizeram pose em frente às bancas, políticos do bem e políticos do mal. Os do bem, deixaram saudades e militância, os do mal, deixaram propagandas impressas com seu nome.
Voltando ao antagonismo que vi entre a palavra Agronegócio e a palavra Família e começando a encerrar, cito um dos comentários mais frequentes que ouvi, o sobre o preço dos reprodutores de “puro sangue” de todas as espécies na feira, de galos, touros, cavalos, outros! Parecia que todo mundo estava pasmo. O “estar pasmo” me mostrou que a população está cada vez mais ciente de que isso não tem cabimento, é uma cadeia que libera verba para alguns e aprisiona outros, inclusive os que ainda mantém seus semens, suas sementes. Observei isso em relação aos poucos homens que vi, também muito concorridos na Feira – e lindos – de todas as cores, todas as pilchas, todas as etnias, todas as idades, cada qual com seu sonho no olhar e uma mulher, enquanto centenas de mulheres graçavam sozinhas pelos pavilhões. Sob meu olhar entristecido enquanto espécie, vi estampado o desequilíbrio de gênero, causado pelo estresse, pelos poluentes químicos e tudo mais que influencia na fertilidade e na sexualidade humana. Afinal, quem mais aguenta ser vítima do Capitalismo? O tal do capitalismo que faz “pioramento” de sementes, que faz envenenamento de tudo, que faz pequenos animais monstros, para vender em partes, mais peito, mais pelo, mais carne, mais ovos, mais grades, mais encarceramento para mais produtividade. Quando penso que tal modelo tem trazido fim de espécies, tem trazido endemias, tem trazido evasão rural, miséria, endividamento, suicídios, confilitos por terra e campo, me revolto! Afinal, quem leva vantagem real nesse negócio?
Fim de mais uma EXPOINTER. A vida continua, as lutas continuam. Uns vão para suas mansões em carrões, outros para suas propriedades rurais empilhados em ônibus, outros de trem, para seus ranchos urbanos “apinchados” uns em cima dos outros, outros de carros utilitários, para casas com seus pátios e hortas, enfim, acredito que, como toda Feira, a EXPOINTER deixa esse saldo positivo: o enfrentamento de todos os conceitos, todos os paradigmas que movem o mundo. “Temos de nos mover dentro de uma sociedade capitalista”, disse o Ivar Pavan, citado por Hasse. Eu concordo. Temos de nos mover dentro da sociedade capitalista, fazer a roda dela girar e girar e ir colocando pedrinhas em suas engrenagens, tanto, até quebrá-la.
Como disse, não faço parte do mundo da Agricultura Familiar, nem do Agronegócio. Meu mundo é de todas as lutas no âmbito do Magistério. Conto o que ouvi e vi ao lado do Amilton, do Ricardo, nas filas para tudo, no trem, porque estava lá e, aqui, lendo o SUL21, ainda porque gosto de fazer a informação circular. Portanto, encerro com as palavras de quem é protagonista dessa história, do Amilton das Sementes, de Maquiné, que lembram muito o jeito de sonhar e amar de Paulo Freire: “Viva a organização dos Agricultores Familiares! Basta querer e se comprometer e fará a diferença.” AFM (Mensagem enviada por amiltonsementes@yahoo.com.br em 05/08/2011).
* Ana Carolina Martins da Silva é professora da UERGS, ambientalista e mestre em Comunicação Social
jornalistasinterditados
As relações arcaicas que ainda prevalecem nas redações brasileiras, sobretudo naquelas ancoradas nos oligopólios familiares de mídia, revelam um terrível processo de adaptação às novas tecnologias no qual, embora as empresas usufruam largamente de suas interfaces comerciais, estabeleceu-se um padrão de interdição ideológica dos jornalistas. Isso significa que a adequação de rotinas e produtos da mídia ao que há de mais moderno e inovador no mercado de informática tem, simplesmente, servido para coibir e neutralizar a natureza política da atividade jornalística no Brasil.
Baseados na falsa noção de que o jornalista deve ser isento, as grandes empresas de comunicação criaram normas internas cada vez mais rígidas para impedir a livre manifestação dos jornalistas nas redes sociais e, assim, evitar o vazamento do clima sufocante e autoritário que por muitas vezes permeia o universo trabalhista da mídia. Em suma, a opinião dos jornalistas e, por analogia, sua função crítica social, está sendo interditada.
Recentemente, a ombudsman da Folha de S.Paulo, Suzana Singer, opinou que jornalista não deveria ter Twitter pessoal. Usou como argumento o fato de que, ao tuitar algo “ofensivo”, o jornalista corre o risco de, mais para frente, ter que entrevistar o ofendido. A preocupação da ombudsman tem certa legitimidade funcional, mas é um desses absurdos sobre os quais me sinto obrigado a, de vez em quando, me debruçar, nem que seja para garantir o mínimo de dissociação entre a profissão, que tem caráter universal, e os guetos corporativos onde, desde os anos 1980, um sem número de manuais de redação passaram a ditar todo tipo de norma, inclusive comportamental, sobretudo para os repórteres.
Suzana Singer deu um exemplo prosaico, desses com enorme potencial para servir de case em cursinhos de formação de monstrinhos corporativos que pululam nas redações:
“Hoje o jornalista pode estar em um churrasco, com os amigos, e ser ofensivo com os palmeirenses porque eles ganharam o jogo de domingo. E na semana seguinte ele tem que ir entrevistar o presidente do Palmeiras. Ou seja, é uma situação muito desagradável, que poderia ter sido evitada se o repórter tivesse a postura adequada de não misturar as coisas. Não tem como ter dupla personalidade, separar a sua vida pessoal da profissional, assim como não dá para ter duas contas no twitter”.
Bom, primeiro é preciso esclarecer duas coisas, principalmente para os leitores desse blog que não são jornalistas: é possível, sim, separar a vida pessoal da profissional; e, claro, dá para ter duas contas no twitter. Essa história de que jornalista tem que ser jornalista 24 horas é a base do sistema de exploração trabalhista que obriga repórteres, em todo o Brasil, a trabalhar sem hora extra, ser incomodado nas férias e interrompido nos fins de semana, como se fossem cirurgiões de guerra. Também é responsável, na outra ponta, por estimular jornalistas que se tornam escravos de si mesmo, ao ponto de, mesmo em festas de crianças e batizados de bonecas, passarem todo tempo molestando alguma fonte infeliz que calhou de freqüentar o mesmo espaço.
A interdição imposta aos jornalistas pelas empresas de comunicação tem servido, entre outras coisas, para a despolitização das novas gerações de repórteres, instadas a acreditar que são meros repassadores de notícias e tarefeiros de redações. Desse triste amálgama é que surgem esses monstrinhos entusiasmados com teses fascistas, bajuladoras profissionais e bestas-feras arremessados sobre o cotidiano como cães raivosos, com carta branca para fazer, literalmente, qualquer coisa.
Não causa mais estranheza, mas é sempre bom expor o paradoxo dessa posição da ombudsman, que não é só dela, mas do sistema na qual ela está inevitavelmente inserida, desde que o pensamento reacionário e de direita passou a ser bússola fundamental da imprensa brasileira. Digo paradoxo porque o mesmo patronato que confunde, deliberadamente, liberdade de expressão com liberdade de imprensa, para evitar a regulação formal da atividade midiática, é esse que baixa norma sobre norma para impedir seus funcionários de se manifestarem no ambiente de total liberdade das redes sociais, notadamente o Twitter e o Facebook. Não o fazem, contudo, por zelo profissional.
Essa interdição visa, basicamente, evitar que os jornalistas opinem, publicamente, sobre a própria rotina e, assim, exponham as mazelas internas das corporações de mídia. Ou que expressem opiniões contrárias à de seus patrões. Foi assim, por exemplo, no caso da bolinha de papel na cabeça de José Serra, na campanha de 2010. Aquela farsa ridícula foi encampada, sem nenhum respeito ao cidadão consumidor de notícia, por quase toda a imprensa, por imposição editorial. Diversos colegas jornalistas, alguns que sequer conheço, me mandaram mensagens (um me abordou numa livraria de Brasília) implorando para que eu tratasse do assunto nas redes sociais. Todos me informaram que seriam demitidos sumariamente se contestassem, no Twitter e no Facebook, a tese patética do segundo ataque com um rolo de fita crepe. Todos, sem exceção.
A ética do jornalista é a ética do cidadão, dizia um grande jornalista brasileiro, Cláudio Abramo, aliás, responsável pela modernização de O Estado de S.Paulo e da Folha, nos anos 1960 e 1970. Portanto, nada mais natural que tenha o jornalista os mesmos direitos do cidadão, aí incluído o de se expressar. Impedi-lo, sob um argumento funcional, de exercer seu direito de opinião e crítica é, no fim das contas, mais um desses sinais de decadência moral da mídia brasileira. E, claro, retrato fiel do que ela se tornou nos últimos anos.
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Dermeval Saviani: a dominação ideológica no nosso tempo
Vídeo com palestra do professor Dermeval Saviani no curso "Singularidades do Capitalismo Contemporâneo"
Dermeval Saviani, professor doutor em filosofia da educação, faz uma profunda abordagem sobre os aspectos principais da dominação ideológica exercida pelo sistema capitalista, identificando seus diversos mecanismos de convencimento, cooptação e manipulação, em palestra ministrada no curso "Singularidades do Capitalismo Contemporâneo" realizado pela Escola Nacional de Formação em 2006
terça-feira, 6 de setembro de 2011
Do protesto social para a mudança política
Este comunicado do CC do PC Israel analisa o protesto de massas que se tem verificado em Israel: não se trata de “mais um protesto”, mas de um movimento muito amplo em que convergem as camadas mais pobres da sociedade israelense, profundamente desigual e injusta. E o protesto, na apreciação do PCI, vai mais fundo: é anti-capitalista.
Uma forte onda de protesto social tem surgido em Israel. O protesto, que começou com a organização de um acampamento no Rothschild Boulevard, no centro de Tel Aviv, se espalhou pelo país desde Kiryat Shmona, no norte, até Eliat, no sul. O protesto tem sido participado por grandes e diversificados públicos – a classe média em erosão, trabalhadores com média e baixa rendas, moradores de bairros pobres, mães, estudantes – que, na maioria, trabalham para suas sobrevivências. Os líderes dos protestos são jovens, empregados e educados. Começando como um protesto contra o aumento das rendas, em uma semana se tornou um protesto contra as condições de vida sustentadas pelas políticas do governo neoliberal.
É importante entender que não se trata de “mais um protesto” ou “outra manifestação” com uma forma já conhecida em Israel, mas de um desenvolvimento político importante que requer uma análise profunda e uma rejeição do pensamento convencional.
1. Na essência, o novo movimento de protesto social é anti-capitalista: representa uma resistência às políticas dominantes do neoliberalismo de privatização e desmantelamento dos acordos de bem-estar; representa um apoio aos valores socialistas e uma crença na responsabilidade do estado para com os seus;
2. É nosso papel, no contexto do movimento de protesto, continuar a esclarecer e trazer à tona a natureza ideológica da luta básica – uma luta entre dois caminhos diferentes: um estado que é responsável por todos os seus cidadãos e residentes versus um estado que os abandona às forças do mercado e dos magnatas.
Ao mesmo tempo, devemos elucidar a natureza política da luta – e convencer o público de que Netanyahu prefere os interesses dos magnatas e das oligarquias às necessidades do grande público; ele prefere ocupações e assentamentos à vida diária da sociedade Israelense – e que qualquer mudança real requer a derrota do governo de Netanyahu.
1. O protesto anti-capitalista enfraquece, mas não erradica, as perspectivas nacionalistas e as polaridades políticas em torno da questão da ocupação em andamento dos territórios Palestinos e do acordo de paz;
2. É nosso papel, no contexto do protesto, continuar explicando, paciente e sensivelmente, a conexão entre essas duas questões. Nós temos que relembrar aos nossos ouvintes do alto custo económico e social das políticas de ocupação e assentamentos. Uma paz justa facilitará uma mudança de prioridades e mais investimento em moradias, educação, saúde e bem-estar.
Devemos continuar falando contra as tentativas do governo de erradicar os protestos através de meios que levem a outro conflito militar ou, até mesmo, guerra.
Devemos continuar falando contra as tentativas do governo de “dividir e conquistar” enquanto se aprofunda a discriminação nacionalista contra a população Árabe de Israel. O verdadeiro teste do protesto será sua habilidade de manter solidariedade e ampla unidade frente a todos que foram prejudicados pelas políticas dominantes.
1. A luta pela mudança social em Israel pode obter sucesso somente com uma luta conjunta entre Judeus e Árabes. A adopção de um modo Judaico-Árabe de acção é um teste importante para a maturidade do movimento de protesto. A organização de acampamentos de protesto nas comunidades Árabes e nas cidades, liderada por membros do PC de Israel, é um desenvolvimento importante guiado para consolidar o carácter do protesto Judaico-Árabe.
Até agora, o protesto não assumiu o carácter de uma manifestação de massa entre o público Árabe. Os mecanismos de divisão nacional que existem em Israel criam uma sensação de distância do protesto existente dentre os segmentos do público Árabe.
A população Árabe deve ter um lugar importante nesse protesto. A participação da população Árabe no protesto é importante porque seu público sofre muito mais com a falta de moradia e serviços sociais e com a pobreza dobrada, ou quadruplicada, como resultado das políticas discriminatórias de todos os governos Israelenses contra a minoria nacional. A direita tenta empurrar os cidadãos Árabes para fora do campo da actividade social e política em Israel.
1. O protesto social está se espalhando junto com as importantes lutas dos trabalhadores. Os médicos estão liderando uma luta prolongada não somente em relação às suas condições de trabalho, mas também pelo futuro do sistema público de saúde. Os professores universitários estão lutando por empregos justos. Os trabalhadores químicos de Haifa estão conduzindo uma prolongada greve e os trabalhadores das indústrias alimentícias do norte estão lutando contra demissões. De qualquer maneira, até agora os trabalhadores organizados em sindicatos não se juntaram ao protesto com força total. O líder da Federação Histadrut de Trabalhadores, Ofer Eini, está tentando diluir o protesto focando em alguns “itens de compra”, isto é, progressos limitados e localizados;
2. Na essência, o movimento de protesto social é uma progressiva manifestação de força não somente contra o actual modelo de capitalismo neoliberal, mas, também, contra as correntes fascistas que ameaçam o espaço democrático de Israel. O movimento de protesto é prova clara de que a sociedade Israelense também mantém uma quantidade não desprezível de forças saudáveis, as quais podem produzir mudanças progressivas. Essa é uma resposta formidável e convincente para os sentimentos de desespero que, nos anos recentes, tem caracterizado certos grupos na esquerda e na população Árabe.
O PCI nunca compartilhou a sensação de desespero do público Israelense e da sociedade Israelense. Nossa análise Marxista sempre nos permitiu expor a natureza dialéctica da realidade, com suas contradições inerentes e as possibilidades de mudança, que essas contradições produzem continuamente. No 25° Congresso do partido (2007), nós reiteramos nossa análise da estrutura básica da sociedade de classes Israelense. Argumentamos, incisivamente, contra todas as abordagens que subestimam o poder e a importância das contradições internas da sociedade Israelense e a condição que essas contradições têm de criar uma estrutura real de mudança.
1. Nos últimos anos o PCI tem conduzido, sistematicamente, uma forma de “políticas de massa”, dentro do público Judeu também. “Política de massa” consiste em um ponto de virada para o público com slogans que tem o poder de mobilizar. Ao mesmo tempo, continuamente constrói parcerias na luta, tais como a campanha municipal de Tel Aviv por “Uma cidade para todos”, as acções do Primeiro de Maio, as generalizadas manifestações democráticas contra os perigos fascistas, assim como nossa actividade relacionada ao estabelecimento de um estado Palestino, acabando com as ocupações e alcançando uma paz justa. “Política de massa” não significa um abandono do nosso caminho ou nossos princípios. Subjacente, essa política é a compreensão de que determinar os princípios é somente o começo da acção política e não sua nota final: que os princípios não têm força se não forem traduzidos em bandeiras que o público possa entender. Ser uma vanguarda progressista, de acordo com a formação leninista, é, de fato, caminhar antes das massas, mas numa distância que o público possa acompanhar a liderança.
2. As “políticas de massa” do PCI contribuíram, e ainda contribuem muito no desenvolvimento de uma luta progressista em Israel. De qualquer maneira, será um erro grave achar que essa luta nos fortalecerá politicamente. A história está repleta de exemplos de protesto social que não traduziram a verdadeira mudança.
A mudança acontece, somente, quando o protesto social é traduzido para a acção política e dirigido para o poder político. Para que isso aconteça em Israel, um amplo movimento socialista deve surgir do protesto social e se consolidar – um movimento que irá incluir do nosso lado, inclusive, outros grupos, organizações, movimentos da juventude e organizações sociais. Tal movimento deve integrar valores socialistas, luta democrática e deve ter um carácter Árabe-Judeu. Também deve ser baseado na apreciação da conexão entre a ocupação e os problemas da sociedade.
1. Estamos diante de um desafio urgente, nesse contexto, porque as eleições para a Federação Histadrut de Trabalhadores se aproximam. Na iminência dessas eleições, trabalharemos por uma ampla cooperação Judaico-Árabe e socialista, com o Hadash no centro e apresentando um candidato para liderar o Histadrut – como uma alternativa de esquerda à política de colaboração com o regime político e com o capital, que é o que líder do Histadrut tem feito.
2. Uma profunda análise da luta social e das oportunidades que ela nos abre para mudar a sociedade Israelense vai ficar no centro da nossa preparação para o 26° Congresso do PCI, que ocorrerá no final do ano.
Paralelamente, disponibilizaremos nossas mensagens de consciência de classe na imprensa do partido, no nosso trabalho político no Knesset, nos conselhos locais, no Histadrut (Federação de Trabalhadores em Israel), federação Na’amat de mulheres, sindicatos de professores, conselhos de trabalhadores e na nossa actividade entre as mulheres, os estudantes e a juventude.
O Comité Central do PCI saúda os membros do partido que estão activos no movimento de protesto social.
O Comité Central do PCI chama todas as organizações partidárias e Juventudes Comunistas, e nossos parceiros no Hadash, para continuar a organização de acampamentos nas comunidades e na vizinhança e para consolidar planos práticos de trabalho em cada respectiva área de actividade, no espírito dessas decisões.
Traduzido por Mariângela Marques.
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Para Kasparov, Putin cairá pelas mãos das redes sociais na Rússia
Igor Natusch no Sul21
Garry Kasparov é um nome lendário do xadrez. Ex-campeão mundial, considerado por muitos o maior enxadrista que já existiu, Kasparov veio a Porto Alegre, dentro do ciclo de palestas Fronteiras do Pensamento, para exercitar uma outra faceta de sua personalidade: o ativismo político. Notório opositor de nomes como Vladimir Putin e Dmitri Medvedev, Garry Kasparov é membro fundador do Partido Democrático da Rússia e aproveitou a visita ao Brasil para discutir os desafios globais do século XXI, dentro de uma ótica que toma a situação russa como exemplo maior.
No começo da coletiva de imprensa na tarde desta segunda-feira (5), Garry Kasparov explicou que sua palestra inicialmente trataria das dificuldades que a democracia e os direitos humanos enfrentam na Rússia. Depois de conversar com algumas pessoas de Porto Alegre, o conferencista resolveu incluir tópicos sobre o livro “The Blueprint”, ainda sem título em português, que discute o espaço para pensamentos inovadores no mundo atual. “Acaba sendo uma boa combinação de temas, já que regimes não democráticos acabam alcançando a excelência na imitação, abolindo completamente a criatividade. As palavras ‘Rússia’ e ‘inovação’, por exemplo, não combinam”, afirmou Kasparov.
“Não apareço na TV russa há 5 anos”
O enxadrista russo chegou a se candidatar à presidência do país em 2007. Foi forçado a abandonar a campanha, por não conseguir atender algumas das muitas exigências do sistema eleitoral russo. “O Kremlin decide tudo. Quais partidos podem concorrer, os espaços na mídia, cuida até mesmo da contagem de votos. O processo eleitoral em Moscou, por exemplo, parece mais com o do Zimbábue do que com países de democracia consolidada”, lamentou. Kasparov acentua os resultados das chapas governistas em algumas regiões do cáucaso, que mostram números capazes de “causar inveja” em Muammar Kadafi e Saddam Hussein. “Alcançam mais de 100% dos votos”, ironizou.
Na visão de Garry Kasparov, a Rússia está tomada por uma oligarquia da pior espécie. “Afirmações simples, como ‘eleição’, ‘campanha eleitoral’ ou ‘presidente Medvedev’ são enganosas, não refletem a nossa triste realidade”, atacou. “Não apareço na TV russa há 5 anos ou mais, apenas em pequenas matérias sobre xadrez. Como figura política, simplesmente não existo, já que o Estado controla os meios de comunicação de massa.” De acordo com o enxadrista, Putin não tem nenhum compromisso com a democracia e não abandonará o poder pela via eleitoral. “Não temos que perguntar o que será depois de Vladimir Putin, e sim qual o preço que estamos pagando com sua permanência.”
A internet, de acordo com Kasparov, é o único espaço onde a contestação política ao regime é possível. Ainda que sem o mesmo papel decisivo em países árabes como o Egito, as redes sociais auxiliam na mobilização de setores contrários ao governo. “Nossos protestos sempre foram pacíficos, nunca queimamos carros e nem mesmo quebramos janelas. A resistência pacífica está no espírito da oposição contra Putin. A violência vem sempre do estado”, garantiu. “Os números crescem de forma mais lenta do que gostaríamos, mas ainda assim estão a nosso favor. Putin cairá pelas mãos das redes sociais. Elas são a grande maldição dos tiranos modernos.”
Fundação usa xadrez como modo de aprendizado
Mesmo que a palestra fique restrita ao aspecto político das atividades de Garry Kasparov, o russo não deixou de comentar sobre xadrez – mais especificamente, sobre os planos de expansão da Fundação Kasparov de Xadrez. O objetivo do projeto é ensinar professores a ministrar xadrez, como forma de estabelecer uma ligação sobre o modelo tradicional de ensino e as tecnologias digitais. Os planos incluem a instalação de sedes em Buenos Aires e São Paulo. “Foi uma agradável surpresa ver como as ideias que defendo sobre educação recebem acolhida calorosa no Brasil”, afirmou Kasparov.
A agenda do enxadrista no país envolveu uma visita a Brasília, para reunião com os ministros Aloízio Mercadante (Ciência e Tecnologia), Fernando Haddad (Educação), Paulo Bernardo (Comunicações) e Orlando Silva (Esporte). Além disso, Kasparov reuniu-se também com o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab. Na manhã de segunda, Kasparov encontrou-se com o prefeito de Porto Alegre, José Fortunati – reunião que garantiu ter sido muito positiva. “Nossa ideia é, a partir de São Paulo, espalhar o nosso trabalho pelo país todo”, disse Kasparov, que agora busca patrocínios junto à iniciativa privada para financiar o projeto.
De qualquer modo, a terça-feira será dedicada ao xadrez em sua forma mais pura. O ex-campeão mundial enfrentará 20 pessoas simultaneamente, em uma maratona enxadrística no Chalé da Praça XV, em Porto Alegre. Entre os desafiantes, gente como o prefeito de Porto Alegre, José Fortunati, o reitor da UFRGS, Carlos Alexandre Netto, e integrantes do Metrópole Xadrez Clube.
O ciclo de palestras Fronteiras do Pensamento terá, nos próximos meses, a presença de nomes como o escritor Orhan Pamuk, o ativista político Lech Walesa e o escritor suíço Alain de Botton. Pela primeira vez, as palestras estão sendo realizadas também em São Paulo.
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segunda-feira, 5 de setembro de 2011
Palestinos e israelenses, unidos pela Palestina
Em maio de 2011, israelenses e palestinos se reuniram em Hebron, no primeiro encontro das esquerdas da Palestina e de Israel. Nos primeiros dias de setembro eles voltaram a se reunir e elaboraram uma nova declaração conjunta, de apoio à luta palestina e aos protestos populares israelenses. O grupo lançou um documento histórico, apoiando o pleito que a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) levará à ONU no dia 20, solicitando o reconhecimento do Estado palestino nas fronteiras anteriores a 1967. O artigo é de Baby Siqueira Abrão, direto de Ramallah.
Baby Siqueira Abrão - de Ramallah (Palestina) no CARTA MAIOR
As lutas populares palestinas têm contado, ao longo da história, com fieis apoiadores israelenses. São pessoas de todas as idades, profissões, formações, religiões e preferências políticas que defendem os direitos dos palestinos e se colocam radicalmente contra o sionismo e suas políticas de ocupação, colonização, exclusão, militarização, violência e opressão.
Esse apoio aos palestinos já lhes valeram perseguições, detenções, prisões, ferimentos graves, processos na Justiça israelense, ameaças. Alguns foram obrigados a deixar o país, por estar na “lista de inimigos” que o governo sionista atualiza periodicamente, impedindo a seus cidadãos o acesso ao trabalho ou ao estudo.
Todas as sextas-feiras eles se dividem em grandes grupos e se distribuem nas vilas palestinas, participando dos protestos não violentos contra a ocupação das terras da Palestina pelo governo israelense. Dormem nas casas de palestinos ameaçados de prisão. Acorrentam-se às oliveiras para impedir que sejam retiradas e levadas para as colônias judaicas. Apanham dos soldados. Praticam a desobediência civil e levam palestinas a locais onde elas são proibidas de entrar, como as praias mediterrâneas e as cidades israelenses. Praticam o boicote aos produtos fabricados nas colônias construídas em território palestino. Lutam contra a demolição das casas palestinas. Contatam ótimos advogados, também israelenses, para ajudar colegas palestinos a defender os presos políticos da Palestina.
Em maio de 2011, muitos desses israelenses se reuniram em Hebron, com os palestinos, no primeiro encontro das esquerdas da Palestina e de Israel. Foi um dia inteiro de palestras e debates, de levantamento de demandas e de problemas, de conhecimento mútuo e de congraçamento. A declaração final do encontro prometeu luta conjunta para pôr fim à ocupação e para isolar o sionismo, considerado o inimigo comum, o responsável pela situação em que vivem palestinos, israelenses e vários povos do mundo árabe.
Nos primeiros dias de setembro eles voltaram a se reunir e elaboraram uma nova declaração conjunta, de apoio à luta palestina e aos protestos populares israelenses. A ocupação e a “política do medo” – que levam à criação da “necessidade de segurança” e ao consequente investimento quase sem limites na militarização do Estado sionista – são, para esse grupo de palestinos e israelenses, faces da mesma moeda. Para eles, as altas verbas destinadas à área militar e à continuidade da ocupação, além da adoção de políticas neoliberais, deixam a descoberto as necessidades sociais dos cidadãos de Israel e submetem os palestinos à injustiça e à opressão.
Em 5 de setembro o grupo lançou um documento histórico, apoiando o pleito que a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) levará à ONU no dia 20, solicitando o reconhecimento do Estado palestino nas fronteiras anteriores a 5 de junho de 1967 (quando Israel invadiu e tomou Gaza, Cisjordânia e Jerusalém oriental, na Guerra dos Seis Dias) e o status de membro pleno das Nações Unidas.
A declaração conjunta também denuncia a propaganda do governo de Israel, que procura convencer a população dos “perigos” do estabelecimento do Estado palestino, entre os quais uma inexistente luta armada e a ameaça de deslegitimização do Estado de Israel. E afirma que apenas a luta popular conjunta poderá acabar com “a ocupação, os colonatos, o racismo, o colonialismo, [...] as políticas de exclusão, enfraquecimento, pobreza, racismo e apartheid em Israel”.
Conheça, a seguir, a íntegra do documento.
Declaração histórica de palestinos e israelenses em apoio ao protesto social israelense e à luta anticolonialista
Juntos para pôr fim à ocupação e ao racismo, em apoio à luta do povo palestino para conquistar seus direitos e contra a opressão nacional e social;
Apesar da encorajadora mobilização no Oriente Médio, da onda de protestos sociais e do despertar das lutas dos povos por liberdade e pelo direito de viver com dignidade, a população palestina ainda vive sob o jugo da ocupação israelense, a despeito de sua luta persistente e permanente por liberdade. A comunidade internacional, por sua vez, demonstra impotência e não estende a mão para apoiar a luta palestina por justiça e libertação.
Os movimentos de protesto e os ventos de mudança que sopram no mundo árabe têm despertado entusiasmo, em todo o planeta, entre os que buscam a liberdade, incentivando muitos a adotar o modelo de luta popular.
Esses movimentos de protesto tiveram um profundo impacto sobre vários grupos em Israel, entre judeus e palestinos, e deram uma importante contribuição para a ascensão do movimento de protesto popular israelense em prol de justiça social.
Movidos por nossa aspiração de alcançar uma paz justa – que é verdadeiramente essencial para os povos da região e que pode ajudar na promoção da luta por justiça e progresso para todos –, nós, palestinos e israelenses, forças sociais e políticas, representantes de associações de mulheres e jovens de ambos os lados da Linha Verde [Green Line], enfatizamos a necessidade de uma luta conjunta, com o objetivo de libertar os povos da região do colonialismo e da hegemonia, em especial a do sionismo, de deter a ocupação e a agressão militar israelense e de apoiar a justa luta do povo palestino por seu direito à autodeterminação, de acordo com as decisões da comunidade internacional.
Estamos ansiosos pela libertação de todos os povos da região da ditadura, da tirania e de todas as formas de opressão nacional, social e econômica. Portanto, os signatários deste documento enfatizam:
1. Apoiamos a iniciativa palestina nas Nações Unidas – instituição que tem a responsabilidade de estabelecer as bases da paz internacional –, solicitando sua inclusão na ONU como membro pleno, o reconhecimento de seu Estado nas fronteiras de 4 de junho de 1967, com Jerusalém oriental como capital, e o fortalecimento dos esforços para acabar com a ocupação das terras do povo palestino, com a preservação de seu direito de opor-se a essa ocupação e de seu direito de exigir o retorno dos refugiados, em conformidade com a Resolução 194 das Nações Unidas. Nesse contexto, enfatizamos que a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) é o único e legítimo representante do povo palestino, derivando sua legitimidade dos palestinos que vivem em sua terra natal, dos que vivem no exílio e do reconhecimento que recebeu da Liga Árabe e das Nações Unidas.
A iniciativa palestina na ONU é um passo legítimo. As Nações Unidas devem cumprir sua responsabilidade de estabelecer a paz e a justiça no plano internacional. Esse passo fortalece os direitos do povo palestino e não representa, de maneira alguma, uma ameaça para Israel, apesar dos enormes esforços do governo israelense em apresentar esse passo, para o povo israelense, como uma declaração de guerra ou como uma ameaça à legitimidade da existência de Israel.
2. Entendemos que uma das principais razões para o sofrimento social e econômico dos cidadãos em Israel, além das políticas econômicas capitalistas, é a continuação da ocupação e as verbas excessivas destinadas à segurança, que o governo de Israel tenta justificar como necessárias para defender suas colônias, por um lado, e as fronteiras do Estado, por outro. Por isso acreditamos que o fim da ocupação e o estabelecimento de uma paz justa são essenciais para uma vida de paz e bem-estar.
Contamos com a participação e com a integração da população palestina nos protestos sociais de Israel. Essa é uma oportunidade importante para apresentar aos vários grupos da sociedade israelense as angústias dos palestinos e as injustiças que sofrem, para que esses grupos possam assumir sua responsabilidade na luta contra as políticas de marginalização e de discriminação contra os palestinos em Israel, para pôr um fim ao confisco de terras e para conseguir a igualdade plena, para acabar com a ocupação dos territórios palestinos que foram invadidos em 1967.
Protestamos novamente contra as já conhecidas tentativas do governo ocupante de fugir das crises, de suas crises internas e da pressão das ondas de protesto usando a política do medo, que aponta para uma ameaça externa: a de apresentar o apelo palestino nas Nações Unidas como um “perigo" e a de realizar ações militares, como temos presenciado nos últimos dias na brutal escalada [militar israelense] que leva ao derramamento de sangue do povo palestino em Gaza.
3. Reconhecemos o direito do povo palestino, vivendo sob ocupação, de fazer uso de todas as formas legítimas de resistência, de acordo com as normas internacionais, para a remoção dos ocupantes de sua terra e por autodeterminação. Nesse contexto, enfatizamos a importância da luta popular conjunta de palestinos e israelenses. A luta popular conjunta é um dos princípios centrais orientadores da luta contra a ocupação, os colonatos, o racismo, o colonialismo, contra as políticas de exclusão, enfraquecimento, pobreza, racismo e apartheid em Israel.
Setembro de 2011
Assinam [a declaração] partidos políticos, organizações sociais e jovens ativistas, mulheres e homens, palestinos e israelenses (em ordem alfabética):
Association of Palestinian Democratic Youth (Associação da Juventude Democrática Palestina; Palestina)
Association of Progressive Students (Associação dos Estudantes Progressistas; Palestina)
Democratic Front for the Liberation of Palestine (Frente Democrática para a Libertação da Palestina; Palestina)
Democratic Front for Peace and Equality (Frente Democrática para a Paz e a Igualdade; Israel)
Democratic Teachers’ Union (União Democrática dos Professores; Palestina)
Democratic Union of Professionals in Palestine (União Democrática dos Profissionais na Palestina; Palestina)
Democratic Women’s Movement in Israel (Movimento Democrático das Mulheres em Israel; Israel)
Israeli Communist Party (Partido Comunista Israelense; Israel)
National Campaign for Return of the Bodies of Arab and Palestinian Martyrs Captured by the Israeli Government (Campanha Nacional Pelo Retorno dos Corpos dos Mártires Árabes e Palestinos Capturados Pelo Governo de Israel; Palestina)
Palestinian People’s Party (Partido do Povo Palestino; Palestina)
Popular Campaign for the Boycott of Israeli Products (Campanha Popular Pelo Boicote de Produtos Israelenses; Palestina)
Progressive Workers’ Union (Sindicato dos Trabalhadores Progressistas; Palestina)
Tarabut-Hithabrut – Arab-Jewish Movement for Social and Political Change (Tarabut-Hithabrut - Movimento Árabe-Judaico pela Mudança Social e Política; Israel)
The Alternative Information Center (Centro de Informação Alternativa; Palestina/Israel)
Union of Palestinian Farmers’ Unions (União dos Sindicatos de Agricultores Palestinos; Palestina)
Union of One World for Justice (União Um Mundo por Justiça; Palestina)
Union of Palestinian Working Women (União de Mulheres Trabalhadoras Palestinas; Palestina)
Workers’ Unity Bloc (Grupo Unidade dos Trabalhadores; Palestina)
Tradução: Baby Siqueira Abrão
Esse apoio aos palestinos já lhes valeram perseguições, detenções, prisões, ferimentos graves, processos na Justiça israelense, ameaças. Alguns foram obrigados a deixar o país, por estar na “lista de inimigos” que o governo sionista atualiza periodicamente, impedindo a seus cidadãos o acesso ao trabalho ou ao estudo.
Todas as sextas-feiras eles se dividem em grandes grupos e se distribuem nas vilas palestinas, participando dos protestos não violentos contra a ocupação das terras da Palestina pelo governo israelense. Dormem nas casas de palestinos ameaçados de prisão. Acorrentam-se às oliveiras para impedir que sejam retiradas e levadas para as colônias judaicas. Apanham dos soldados. Praticam a desobediência civil e levam palestinas a locais onde elas são proibidas de entrar, como as praias mediterrâneas e as cidades israelenses. Praticam o boicote aos produtos fabricados nas colônias construídas em território palestino. Lutam contra a demolição das casas palestinas. Contatam ótimos advogados, também israelenses, para ajudar colegas palestinos a defender os presos políticos da Palestina.
Em maio de 2011, muitos desses israelenses se reuniram em Hebron, com os palestinos, no primeiro encontro das esquerdas da Palestina e de Israel. Foi um dia inteiro de palestras e debates, de levantamento de demandas e de problemas, de conhecimento mútuo e de congraçamento. A declaração final do encontro prometeu luta conjunta para pôr fim à ocupação e para isolar o sionismo, considerado o inimigo comum, o responsável pela situação em que vivem palestinos, israelenses e vários povos do mundo árabe.
Nos primeiros dias de setembro eles voltaram a se reunir e elaboraram uma nova declaração conjunta, de apoio à luta palestina e aos protestos populares israelenses. A ocupação e a “política do medo” – que levam à criação da “necessidade de segurança” e ao consequente investimento quase sem limites na militarização do Estado sionista – são, para esse grupo de palestinos e israelenses, faces da mesma moeda. Para eles, as altas verbas destinadas à área militar e à continuidade da ocupação, além da adoção de políticas neoliberais, deixam a descoberto as necessidades sociais dos cidadãos de Israel e submetem os palestinos à injustiça e à opressão.
Em 5 de setembro o grupo lançou um documento histórico, apoiando o pleito que a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) levará à ONU no dia 20, solicitando o reconhecimento do Estado palestino nas fronteiras anteriores a 5 de junho de 1967 (quando Israel invadiu e tomou Gaza, Cisjordânia e Jerusalém oriental, na Guerra dos Seis Dias) e o status de membro pleno das Nações Unidas.
A declaração conjunta também denuncia a propaganda do governo de Israel, que procura convencer a população dos “perigos” do estabelecimento do Estado palestino, entre os quais uma inexistente luta armada e a ameaça de deslegitimização do Estado de Israel. E afirma que apenas a luta popular conjunta poderá acabar com “a ocupação, os colonatos, o racismo, o colonialismo, [...] as políticas de exclusão, enfraquecimento, pobreza, racismo e apartheid em Israel”.
Conheça, a seguir, a íntegra do documento.
Declaração histórica de palestinos e israelenses em apoio ao protesto social israelense e à luta anticolonialista
Juntos para pôr fim à ocupação e ao racismo, em apoio à luta do povo palestino para conquistar seus direitos e contra a opressão nacional e social;
Apesar da encorajadora mobilização no Oriente Médio, da onda de protestos sociais e do despertar das lutas dos povos por liberdade e pelo direito de viver com dignidade, a população palestina ainda vive sob o jugo da ocupação israelense, a despeito de sua luta persistente e permanente por liberdade. A comunidade internacional, por sua vez, demonstra impotência e não estende a mão para apoiar a luta palestina por justiça e libertação.
Os movimentos de protesto e os ventos de mudança que sopram no mundo árabe têm despertado entusiasmo, em todo o planeta, entre os que buscam a liberdade, incentivando muitos a adotar o modelo de luta popular.
Esses movimentos de protesto tiveram um profundo impacto sobre vários grupos em Israel, entre judeus e palestinos, e deram uma importante contribuição para a ascensão do movimento de protesto popular israelense em prol de justiça social.
Movidos por nossa aspiração de alcançar uma paz justa – que é verdadeiramente essencial para os povos da região e que pode ajudar na promoção da luta por justiça e progresso para todos –, nós, palestinos e israelenses, forças sociais e políticas, representantes de associações de mulheres e jovens de ambos os lados da Linha Verde [Green Line], enfatizamos a necessidade de uma luta conjunta, com o objetivo de libertar os povos da região do colonialismo e da hegemonia, em especial a do sionismo, de deter a ocupação e a agressão militar israelense e de apoiar a justa luta do povo palestino por seu direito à autodeterminação, de acordo com as decisões da comunidade internacional.
Estamos ansiosos pela libertação de todos os povos da região da ditadura, da tirania e de todas as formas de opressão nacional, social e econômica. Portanto, os signatários deste documento enfatizam:
1. Apoiamos a iniciativa palestina nas Nações Unidas – instituição que tem a responsabilidade de estabelecer as bases da paz internacional –, solicitando sua inclusão na ONU como membro pleno, o reconhecimento de seu Estado nas fronteiras de 4 de junho de 1967, com Jerusalém oriental como capital, e o fortalecimento dos esforços para acabar com a ocupação das terras do povo palestino, com a preservação de seu direito de opor-se a essa ocupação e de seu direito de exigir o retorno dos refugiados, em conformidade com a Resolução 194 das Nações Unidas. Nesse contexto, enfatizamos que a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) é o único e legítimo representante do povo palestino, derivando sua legitimidade dos palestinos que vivem em sua terra natal, dos que vivem no exílio e do reconhecimento que recebeu da Liga Árabe e das Nações Unidas.
A iniciativa palestina na ONU é um passo legítimo. As Nações Unidas devem cumprir sua responsabilidade de estabelecer a paz e a justiça no plano internacional. Esse passo fortalece os direitos do povo palestino e não representa, de maneira alguma, uma ameaça para Israel, apesar dos enormes esforços do governo israelense em apresentar esse passo, para o povo israelense, como uma declaração de guerra ou como uma ameaça à legitimidade da existência de Israel.
2. Entendemos que uma das principais razões para o sofrimento social e econômico dos cidadãos em Israel, além das políticas econômicas capitalistas, é a continuação da ocupação e as verbas excessivas destinadas à segurança, que o governo de Israel tenta justificar como necessárias para defender suas colônias, por um lado, e as fronteiras do Estado, por outro. Por isso acreditamos que o fim da ocupação e o estabelecimento de uma paz justa são essenciais para uma vida de paz e bem-estar.
Contamos com a participação e com a integração da população palestina nos protestos sociais de Israel. Essa é uma oportunidade importante para apresentar aos vários grupos da sociedade israelense as angústias dos palestinos e as injustiças que sofrem, para que esses grupos possam assumir sua responsabilidade na luta contra as políticas de marginalização e de discriminação contra os palestinos em Israel, para pôr um fim ao confisco de terras e para conseguir a igualdade plena, para acabar com a ocupação dos territórios palestinos que foram invadidos em 1967.
Protestamos novamente contra as já conhecidas tentativas do governo ocupante de fugir das crises, de suas crises internas e da pressão das ondas de protesto usando a política do medo, que aponta para uma ameaça externa: a de apresentar o apelo palestino nas Nações Unidas como um “perigo" e a de realizar ações militares, como temos presenciado nos últimos dias na brutal escalada [militar israelense] que leva ao derramamento de sangue do povo palestino em Gaza.
3. Reconhecemos o direito do povo palestino, vivendo sob ocupação, de fazer uso de todas as formas legítimas de resistência, de acordo com as normas internacionais, para a remoção dos ocupantes de sua terra e por autodeterminação. Nesse contexto, enfatizamos a importância da luta popular conjunta de palestinos e israelenses. A luta popular conjunta é um dos princípios centrais orientadores da luta contra a ocupação, os colonatos, o racismo, o colonialismo, contra as políticas de exclusão, enfraquecimento, pobreza, racismo e apartheid em Israel.
Setembro de 2011
Assinam [a declaração] partidos políticos, organizações sociais e jovens ativistas, mulheres e homens, palestinos e israelenses (em ordem alfabética):
Association of Palestinian Democratic Youth (Associação da Juventude Democrática Palestina; Palestina)
Association of Progressive Students (Associação dos Estudantes Progressistas; Palestina)
Democratic Front for the Liberation of Palestine (Frente Democrática para a Libertação da Palestina; Palestina)
Democratic Front for Peace and Equality (Frente Democrática para a Paz e a Igualdade; Israel)
Democratic Teachers’ Union (União Democrática dos Professores; Palestina)
Democratic Union of Professionals in Palestine (União Democrática dos Profissionais na Palestina; Palestina)
Democratic Women’s Movement in Israel (Movimento Democrático das Mulheres em Israel; Israel)
Israeli Communist Party (Partido Comunista Israelense; Israel)
National Campaign for Return of the Bodies of Arab and Palestinian Martyrs Captured by the Israeli Government (Campanha Nacional Pelo Retorno dos Corpos dos Mártires Árabes e Palestinos Capturados Pelo Governo de Israel; Palestina)
Palestinian People’s Party (Partido do Povo Palestino; Palestina)
Popular Campaign for the Boycott of Israeli Products (Campanha Popular Pelo Boicote de Produtos Israelenses; Palestina)
Progressive Workers’ Union (Sindicato dos Trabalhadores Progressistas; Palestina)
Tarabut-Hithabrut – Arab-Jewish Movement for Social and Political Change (Tarabut-Hithabrut - Movimento Árabe-Judaico pela Mudança Social e Política; Israel)
The Alternative Information Center (Centro de Informação Alternativa; Palestina/Israel)
Union of Palestinian Farmers’ Unions (União dos Sindicatos de Agricultores Palestinos; Palestina)
Union of One World for Justice (União Um Mundo por Justiça; Palestina)
Union of Palestinian Working Women (União de Mulheres Trabalhadoras Palestinas; Palestina)
Workers’ Unity Bloc (Grupo Unidade dos Trabalhadores; Palestina)
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