quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Sobre algumas ilusões a respeito da Palestina

Idelber Avelar na REVISTA FORUM

Há uma espécie de euforia tranquilizadora de consciências em curso. A Autoridade Palestina deve solicitar em breve às Nações Unidas a sua admissão como estado membro com plenitude de direitos. Essa admissão deve ser aprovada por ampla maioria, com o tradicional voto contrário de Israel, acompanhado dos indefectíveis EUA e de algum outro país (em geral são as Ilhas Marshall). Como era previsível, há grande apoio popular à iniciativa em praticamente todo o mundo. Mas também há, me parece, uma enorme má consciência com respeito ao tema, como se a admissão à ONU fosse uma espécie de solução definitiva do problema, o tão esperado aplacador da culpa ocidental. Lamento, mas não é o caso.
Quem não acompanha de perto o problema talvez se surpreenda com a notícia de que há pouquíssimo entusiasmo na Palestina, tanto em Gaza como na Cisjordânia, com respeito a essa entrada na ONU. É evidente que a admissão às Nações Unidas muda algo no tabuleiro formal internacional, mas o que se convencionou chamar, nos processos de negociação, de “facts on the ground”, não se move absolutamente um centímetro. Aliás, muita gente se convenceu de que estamos vivendo a época do enterro definitivo da possibilidade de uma solução biestatal para a tragédia do povo palestino.
A solução biestatal sempre teve, a seu lado, a legitimidade internacional. A Resolução das Nações Unidas 242—numerozinho mágico que qualquer palestino sabe de cor—afirma a inadmissibilidade da conquista de território por guerra e exige que Israel retorne às fronteiras anteriores à guerra de 1967. Na prática, ela estabelece as atuais Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental como território legalmente palestino. Há 44 anos esse território continua sob ocupação militar israelense, no caso da Cisjordânia e de Jerusalém Oriental e, no caso de Gaza, sob bloqueio aéreo, terrestre e marítimo.
O número de colonos só cresceu durante esse período e hoje chega a 280.000, na Cisjordânia, e 180.000, em Jerusalém Oriental. A política de remoção forçada da população palestina de suas casas, especialmente em Jerusalém, continua galopante. A implantação de estradas exclusivas para colonos, checkpoints e monopólio da água só se intensificou nos últimos anos. A rotina dos espancamentos, tortura e encarceramentos extra-judiciais também. Periodicamente, reinicia-se a farsa da “negociações de paz”, nas quais não se concede aos palestinos sequer a interrupção do roubo de território. Nada nesse quadro se altera com a admissão da Palestina à ONU.
Especialmente entre os palestinos mais jovens, o atual pedido de admissão à ONU tem sido visto como instrumento para que a Autoridade Palestina faça ainda mais concessões, acelere ainda mais a sua transformação em capanga a serviço do poder colonial israelense e dissemine ainda mais ilusões sobre uma “solução” que já está, na prática, morta, assassinada pela picotagem, confisco e ocupação do território que seria palestino segundo a Resolução 242.
Uma das grandes vozes israelenses contra o Apartheid, Ilan Pappe—o primeiro historiador de Israel a escrever a história do Nakba (a catástrofe) de 1948-9 com fontes orais árabes—, recentemente escreveu um artigo que este blogue recomenda com ênfase (o link leva à minha tradução do texto ao português, publicada aqui na Fórum). Pappe se refere à entrada na ONU como o funeral da solução biestatal, a sua revelação definitiva como farsa de pouquíssimas relações com qualquer realidade existente ou possível. Um número cada vez maior de palestinos e analistas internacionais começa a ver como única possibilidade de solução a emergência de um estado plurinacional e pluriétnico, onde judeus e árabes gozassem de completa e equânime cidadania e direitos iguais. Para que isso se realize, claro, seria necessária uma revolução, nada menos que uma das mais inesquecíveis revoluções da era moderna.
Outras revoluções já tomaram seu impulso inicial de situações assim, em que uma “solução” imaginária, exatamente ao ser colocada sobre a mesa, se revela como ilusão destinada a acalmar más consciências.

domingo, 11 de setembro de 2011

Sistema tributário progressivo

Marcio Pochmann no PORTAL CTB
A trajetória do desenvolvimento contempla a existência de um sistema tributário progressivo. Ou seja, a presença de impostos, taxas e contribuições que atuam em proporção maior com a elevação da renda e riqueza. Assim, a justiça tributária se manifesta logo na arrecadação do fundo público e se mantém na medida em que o gasto governamental seja proporcionalmente maior com a redução da renda e riqueza. Para se conhecer a eficiência do Estado, basta saber a forma com que tributa a sociedade e redistribui o que arrecadou para a população.

Pela tradição do subdesenvolvimento, a capacidade do Estado tributar os pobres tem sido proporcionalmente maior que a renda e a propriedade dos ricos. O inverso se estabelece na redistribuição do fundo público constituído por impostos, taxas e contribuições, uma vez que os pobres ficam geralmente com a parte menor do que contribuíram e os ricos com a parcela maior. Isso tudo porque os segmentos privilegiados demonstram inegáveis condições de pressionar o Estado a seu favor, bem mais que os demais estratos sociais, sobretudo os mais vulneráveis e desorganizados politicamente. Sobre isso, aliás, valeria aprofundar o debate acerca da eficiência do Estado.

Na virada do século XXI, o governo brasileiro demonstrou considerável interesse em elevar a qualidade do gasto social, o que permitiu melhorar o tratamento dos segmentos sociais mais vulneráveis e desorganizados politicamente. Por diversas modalidades de atuação das políticas públicas os segmentos de menor renda terminaram ampliando a absorção do fundo público. O impacto distributivo do Estado brasileiro se mostrou inegável, com queda no grau de desigualdade pessoal da renda de 9,5%, passando de 0,55, em 2003, para 0,50, em 2009 (índice de Gini, quanto mais próximo de 1 mais desigual a distribuição). Se desconsiderada a atuação do Estado sobre os rendimentos do conjunto da população, ou seja, a renda original sem incluir as políticas de transferências de renda, a redução no grau de desigualdade seria de apenas 1,7% (de 0,64, em 2003, para 0,63, em 2009).

Em síntese, constata-se uma positiva contribuição recente do Estado no tratamento da desigualdade da renda, especialmente pelo lado da redistribuição do fundo público arrecadado. Mas falta ainda, por outro lado, avançar na qualidade da arrecadação tributária, que permanece fortemente concentrada na parcela da população de baixa renda. Os ricos seguem demonstrando importante capacidade de driblar o conjunto dos tributos. Um bom exemplo disso pode ser observado na marcha da sonegação fiscal existente no Brasil. Inicialmente pela ausência de tributação nas aplicações financeiras de residentes nas operações realizadas no exterior, sobretudo nos chamados paraísos fiscais. Em 2009, por exemplo, somente os recursos aplicados em quatro dos 60 paraísos fiscais (Ilhas Cayman, Virgens Britânicas e Bahamas, mais Luxemburgo) existentes no mundo representaram mais de ¼ do total de recursos considerados investimentos diretos externos (IDE) pelo Banco Central. A intransparência e, por que não dizer, escassa regulação permite que esses recursos aplicados externamente possam retornar legalizados e com contida tributação. A ausência de uma taxação internacional faz prevalecer a sistemática de poderosos e ricos evadirem-se de suas contribuição ao fundo público.

Na sequência, podem ser identificadas diversas modalidades existentes no Brasil que facilitam a evasão fiscal. O contrabando nas fronteiras e o exercício da informalidade consagram funcionalidade à concorrência não-isonômica, ao mesmo tempo em que permitem que riqueza existente deixe de ser tributada. O resultado disso tem sido a concentração da renda e, sobretudo, da riqueza. Também nesse sentido segue inalterado o curso da tributação sobre as grandes fortunas no país, sem qualquer contribuição ao fundo público, devido à ausência de taxação específica conforme verificado nas economias desenvolvidas.

No caso ainda do favorecimento aos privilegiados e poderosos, cabe mencionar a baixa eficácia da tributação direta nas três esferas do federalismo brasileiro. Em relação ao imposto de renda da pessoa física, por exemplo, o Ipea estima que R$ 1 a cada R$ 3 deixa de ser arrecadado, ao passo que segmentos de maior renda podem financiar os seus gastos privados com educação, saúde, previdência e assistência social por meio de abatimentos na declaração anual. Só no financiamento da educação privada, o Estado brasileiro deixou de arrecadar R$ 5 bilhões daqueles que fizeram a declaração anual do Imposto de Renda em 2010.

Por fim, os tributos diretos sobre a propriedade rural (ITR) e urbana (IPTU) seguem inacreditavelmente regressivos, uma vez que sinais exteriores de riqueza concentrada manifestada por latifúndios e mansões em progressão sigam quase imunes à contribuição justa ao fundo público. Além disso, constata-se também que o imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA) permanece sem incidir sobre aviões, helicópteros e lanchas.

O adequado enfrentamento da injustiça tributária atual impõe a elevação da eficiência do Estado, seja no formato da arrecadação do fundo público como na sua redistribuição. Isso implicaria abandonar o vergonhoso peso do Estado proporcionalmente maior sobre os segmentos de menor rendimento, que transferem todo o mês praticamente a metade do que recebem por força do esforço do seu trabalho. Já os ricos, que por força de suas propriedades obtêm rendas elevadas, quase nada contribuem com o fundo público no Brasil.

Marcio Pochamann é economista e presidente do Ipea. Texto publicado no Valor Econômico.

Produção do agronegócio fica longe da mesa do brasileiro


Virginia Toledo, Rede Brasil Atual
Desgastado por estar no centro dos argumentos contra as mudanças no Código Florestal, o agronegócio brasileiro tenta se associar a uma "agenda positiva". De um lado, há a aposta no discurso de uma produção sustentável; de outro, a ideia de que a produção em larga escala no país vai garantir alimentos para o mundo.
Um exemplo foi um evento realizado na semana passada pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA), a organização presidida pela senadora Kátia Abreu (ex-DEM, a caminho do PSD-TO). O lema do Fórum Internacional de Estudos Estratégicos para o Desenvolvimento Agropecuário e Respeito ao Clima (Feed 2011) foi direto: "o desafio de alimentar 9 bilhões de pessoas".
A referência é à população estimada do planeta no ano de 2050, feita pelo órgão responsável por estudos sobre demografia da Organização das Nações Unidas (ONU). As empresas agrícolas brasileiras colocam-se como a "galinha dos ovos de ouro" da produção de alimentos, colocando em xeque a segurança alimentar num mundo sem a indústria agropecuária.
Na programação do fórum da CNA, discussões voltadas a questões ambientais, formas de tornar a produção mais eficiente – inclusive do ponto de vista ambiental, já que a segunda maior fonte de emissões de gáses de efeito estufa é a pecuária.
Na abertura do evento, Kátia Abreu afirmou que o Brasil é o único país do mundo que optou por abrir mão de terras agricultáveis e férteis em nome da preservação ambiental. Ela qualificou a medida como um "legado" do país para o mundo, mas afirmou que isso demandaria contrapartidas dos outros países para retribuir com esse bônus oferecido durante tanto tempo.
Nem parece o mesmo grupo que defende alterações no Código Florestal brasileiro, em tramitação no Senado, com redução nas áreas de preservação permanente (APPs) e a possibilidade de os estados legislarem sobre o tema, diminuindo ainda mais o espaço em que atualmente a manutenção de áreas florestais é obrigatórias.
Qual o intuito de colocar a si próprio a obrigação de suprir a fome da população mundial? A necessidade de justificar a expansão da fronteira agrícola – que será legitimada em caso de aprovação das mudanças no Código Florestal.

Longe da mesa

O conceito de segurança alimentar envolve bem mais do que a produção de alimentos em quantidade necessária para a população. Para se considerar que a condição de um país, de uma cidade ou de uma comunidade oferece segurança alimentar é preciso, por exemplo, que a comida consumida venha de áreas próximas. A ideia é que, deslocamentos muito grandes aumentam os riscos de problemas de abastecimento, por exemplo.
A ideia de colocar o Brasil como "celeiro do mundo", responsável por "alimentar" a população do planeta até a metade do século, tenta responder a um desafio colocado mundialmente, mas com uma resposta convencional.
Mas as contradições vão bem além. Dos alimentos consumidos pela população brasileira, 70% dos que têm origem agropastoril vêm de propriedades da agricultura e da pecuária familiar. Quer dizer, arroz, feijão, leite, mandioca e outros itens básicos da dieta do brasileiro são produzidos por pequenos ou médios agricultores, em propriedades que não demandam a devastação total do bioma em que se encontram.
Outro dado: apesar da pretensão de alimentar a população do mundo, a agroindústria nacional ainda está longe de dar conta da demanda em seu próprio quintal. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2009 mostra que 30,2% da população brasileira ainda vive em situação de insegurança alimentar.
Contudo, nosso agronegócio segue quebrando recorde atrás de recorde da produção de grãos – com destaque para a soja, pouco consumida in natura no país -, e para a cana-de-açúcar, cada vez mais voltada para a produção do etanol para fazer rodar nossos veículos. Os números da produção para exportação aumentam, as reivindicações do empresariado por mais terra agricultável se intensificam, mas o sustento da população do país ainda está longe de garantida. 
O geógrafo Ariovaldo Umbelino, professor da Universidade de São Paulo, é um dos críticos à insistência de que o agronegócio precisa de mais áreas para suprir as necessidade de alimentar o mundo. "Se o agronegócio ainda não consegue alimentar o Brasil, como será capaz de ser o protagonista da solução do problema da segurança alimentar mundial?", questiona.
"A produção do agronegócio não é uma produção de alimentos", resume Raul Krauser, coordenador da Via Campesina e membro do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA). "É uma produção de commodities destinada à exportação para o mercado internacional, em que grande parte da soja é usada na fabricação deração de animais, ou combustível, sobretudo na Europa", pontua.
Para Krause, a atual legislação ambiental foi construída numa perspectiva de uso sustentável da natureza e dos recursos naturais. Entretanto, o setor do agronegócio quer expandir desenfreadamente suas fronteiras agrícolas, sem sequer rever as áreas de pastagens extensiva, que apresentam baixíssima produção por hectare.
É hora de rever conceitos. É preciso deixar de ver a floresta como uma barreira ser derrubada e é preciso também que se entenda definitivamente que a produção de alimentos - de qualidade e acessível a todo cidadão, sem exceção - não é tarefa para quem visa apenas e tão somente o lucro, nada mais.

Quem financia o ódio aos muçulmanos nos EUA?


Uma nova reportagem detalha como um pequeno grupo de doadores e "intelectuais" disseminaram a islamofobia.

Por MJ Rosenberg na REVISTA FORUM

Faz cerca de uma década que a islamofobia explodiu neste país. O momento em que o World Trade Center e o Pentágono foram atingidos por terroristas da al Qaeda. A islamofobia existia antes do 11 de setembro, mas as perdas daquele dia e o terror geral que aquilo causou sobre este país fez com que muitos, muitos americanos se tornassem mais cautelosos ainda com árabes e, bastante rapidamente, mais amedrontados da religião que professavam os terroristas.
O primeiro sinal de que o 11 de setembro seria explorado para fazer avançar diversos programas veio de Benjamin Netanyahu, que foi citado no New York Times dizendo que os ataques seriam bom para Israel:
“Quando questionado hoje [11 de setembro de 2001] sobre o que significaram os ataques para as relações entre os Estados Unidos e Israel, Benjamin Netanyahu, ex-primeiro ministro, respondeu, “São ótimos.” E então se explicou: “Bem, não ótimos, mas gerarão simpatia imediata”. Ele previu que os ataques iriam “fortalecer a união entre os dois povos, por terem experienciado o terror durante muitas décadas, mas os Estados Unidos agora haviam experimentado uma hemorragia massiva de terror.”
Netanyahu subsequentemente reiterou seu ponto de vista sobre o 11 de setembro.
E, é claro, desde os ataques o lobby “pró-Israel” obteve sucesso em se utilizar deles para construir um apoio para as políticas da direita israelense nos Estados Unidos.

Mas o lobby não veio sozinho.

É somente um dos componentes de um orquestrado e bem-financiado esforço para fazer com que os norte-americanos temam e odeiem muçulmanos e árabes.
Tenho que admitir, no entanto, que até ter lido uma reportagem publicada hoje pelo Centro de Progresso Americano (CAP, por seu nome em inglês), eu não tinha ideia de precisamente quão orquestrado e bem-financiado era este movimento.
A reportagem “Medo Ltda.: As raízes da Rede de Islamofobia nos EUA” demonstra que um pequeno grupo de autoproclamados especialistas (Frank Gaffney, David Yerushalmi, Daniel Pipes, Robert Spencer, e Steve Emerson) apoiados por um grupo de fundações e doadores (muitos dos quais financiam o lobby) colocaram a islamofobia no mapa.
Para colocar de maneira simples, sem estes “especialistas”, seus doadores e a Fox News (o porta-voz midiático) você jamais teria ouvido falar que um centro comunitário muçulmano (a “Mesquita Marco-Zero”) estava sendo construído em Nova Yorque. E o centro certamente não teria se tornado manchete. Nem mesmo os candidatos republicanos (e até mesmo alguns democratas) à presidência, ao Congresso, e até mesmo à prefeitura, seriam chamados para condenar o Islã e a “Lei da Sharia” ou ter que enfrentar o fato de ser rotulado de apoiador do terrorismo. Nem Newt Gingrich, Herman Cain e Rick Santorum teriam feito com que o ódio por muçulmanos americanos fosse uma parte integral de suas campanhas.

Tudo começa com o dinheiro. De acordo com o CAP:

Um pequeno grupo de fundações e doadores ricos são o sangue da rede de islamofobia nos Estados Unidos, fornecendo financiamento fundamental a uma ninhada de direitistas formadores de opinião que espalham ódio e medo de muçulmanos e do islã – em forma de livros, reportagens, sites, blogues, e apontamentos cuidadosamente concebidos que organizações de base anti-Islã e alguns grupos religiosos de direita usam como propaganda para seus eleitorados.
Algumas dessas fundações e doadores ricos também fornecem financiamento direto a grupos de base anti-Islã. De acordo com nossa extensa análise, aqui estão os sete principais contribuintes responsáveis por promover a islamofobia neste país:

Fundo Donors Capital
Fundações Richard Mellon Scaife
Fundação Lynde e Harry Bradley
Fundações e Fundos de Caridade Newton D. & Rochelle F. Becker
Fundação Russell Berrie
Fundo Beneficente Anchorage e Fundo William Rosenwald Family
Fundação Fairbrook

Muitos destes são novos para mim, ainda que quando trabalhei na AIPAC foi difícil não ver o fato de que alguns deles apoiam tanto a AIPAC como seu formador de opinião, o Instituto Washington de Políticas no Oriente Próximo.
A coisa mais incrível na reportagem do CAP é que ela expõe pessoas que tentam de tudo para cobrir seus rastros. Uma coisa é ser conhecido por apoiar a AIPAC, mas é outra bem diferente ser alinhado a Steve Emerson, Daniel Pipes e Pam Geller, que aparecem na reportagem do CAP somente como um segundo nível de ódio cuja veemência anti-muçulmana não passa de nojenta.
Os financiadores do ódio estão particularmente determinados a se esconder desde o massacre de 76 pessoas na Noruega em julho por um autodeterminado Cristão conservador chamado Anders Breivik, que disse ser influenciado por Robert Spencer, Pam Geller e David Horowitz (outro proeminente propagandista contra muçulmanos e beneficiário de várias fundações anti-Islã).
Mas o CAP seguiu o dinheiro, foi atrás dos nomes de fundações que aparentavam ser inocentes, e cruzou estes nomes. E agora nós temos: a rede do ódio exposta.
E o retrato é bem feio. Judeus cuja principal preocupação é Israel se alinham com os direitistas cristãos que não gostam de judeus. Há até mesmo alguns muçulmanos enviados pela rede para dizer para plateias em igrejas e sinagogas quão más pessoas eles são. É estranho.
Mas também é muito perigoso, como o massacre da Noruega contesta.
A coisa mais estranha sobre a matança é que ela ocorreu na Noruega. Lendo este artigo, você deve se perguntar por que não ocorreu aqui. Ainda.

A Al-Qaeda existe?


A resposta óbvia é sim, ela existe, mas é preciso qualificá-la: ao contrário do que diz o senso comum, a Al-Qaeda não é uma organização, mas uma rede de grupos locais fragilmente unidos, e Osama Bin Laden não tinha tanto poder como os EUA e ele próprio queriam fazer o mundo crer. Sem essa compreensão, a natureza do ativismo islâmico, inclusive de sua vertente radical, não pode ser devidamente esclarecida.


Há um senso comum sobre o que é a Al-Qaeda. Pergunte a alguém ao seu lado. A maioria provavelmente responderá que se trata de uma organização terrorista fundada décadas atrás por um fanático religioso saudita e bastante rico, que, enquanto viveu, recrutou e treinou homens para criar células de ataque em vários países, inclusive no Ocidente, a fim de atingir cinematograficamente alvos escolhidos por ele próprio.

É com uma provocação desse tipo que Jason Burke, correspondente dos jornais Observer e The Guardian no sul da Ásia, inicia um dos capítulos de seu livro “Al-Qaeda - a verdadeira história do Islã radical” (Editora I. B. Tauris, 2003, 357 páginas) – uma referência para os que querem explorar as entranhas do grupo ligado ao terrorista Osama Bin Laden. Repórter de campo com experiência em frentes de batalha e amplos contatos com militantes mulçumanos, Burke desmonta aquela visão simplificada compartilhada por muitos de nós, mas ainda amplamente legitimada nos meios de comunicação.

Para o jornalista, o que chamamos de Al-Qaeda trata-se na verdade de uma rede global pouco conectada de grupos terroristas com histórias e objetivos distintos entre si, muitas vezes mais interessados nas disputas por projetos nacionais do que por metas determinadas por uma ideologia islâmica global. Nessa rede, Bin Laden e seus aliados mais próximos tiveram um poder frágil, regularmente contestado pelos grupos e lideranças nacionais.

Burke relata diversas histórias para provar que a decisão de tratar Bin Laden como o inimigo público número um do planeta não encontra muitas justificativas na realidade. Uma delas diz respeito aos chamados “campos da Al-Qaeda” para treinar militantes no Afeganistão e no Paquistão, entre 1990 e 1996. Bin Laden tem sido até hoje insistentemente considerado o coordenador desses centros de treinamento. No entanto, segundo o jornalista, não há qualquer evidência de que o saudita tivera controle sobre os campos.

Ele menciona dois documentos do Departamento de Estado dos EUA para comprovar sua tese. O primeiro, de 1995, seis anos antes dos ataques de 11 de setembro, faz um relato oficial sobre os centros de treinamento afegãos, revela que militantes de várias nacionalidades estavam sendo habilitados para executar atos terroristas e aponta como chefe do esquema, além de setores do próprio governo do Afeganistão, um personagem chamado Abd al-Rab al-Rasul Sayyaf, com diversas conexões com a elite saudita. Mas alguém já ouviu falar em Sayyaf, que mais tarde foi eleito para o parlamento afegão?

O outro documento citado pro Burke, um memorando interno do mesmo Departamento de Estado, de 1996, quando o Afeganistão já estava sob pleno domínio do Taleban, afirma que vários grupos árabes dividiam o controle dos campos. “A verdade é que Bin Laden era uma figura marginal naquela época. Homens como Sayyaf, um dos mais importantes líderes político e religioso do Afeganistão naquele contexto, com excelentes contatos com ricos e devotados sauditas que contribuíam com seu projeto, tinham muito mais importância”, escreveu o jornalista.

Em 2001, após os ataques ao World Trade Center, a tevê norte-americana ABC entrevistou um militante árabe que havia treinado durante oito meses dos campos afegãos. Ele disse que jamais ouvira alguém chamar seu grupo de Al-Qaeda. “Isso revela como os investigadores norte-americanos forçaram a barra para encontrar um grupo, liderado por um personagem identificável, e que tivesse um nome”, aponta Burke.

O próprio correspondente destaca, porém, que não se trata de menosprezar o papel de Bin Laden no terrorismo global e nem mesmo de negar a existência da Al-Qaeda – tese defendida por alguns especialistas em Islã. Para ele, a Al-Qaeda existe, sim, e poderia ser didaticamente descrita como composta por três elementos: um núcleo duro, uma rede de grupos locais e uma ideologia comum. Além do governo norte-americano, no plano do discurso, o próprio Bin Laden se esforçou, entre 1996 e 2001, para fortalecer a unidade da rede e seu próprio poder sobre ela.

Com recursos financeiros nas mãos, o terrorista atraiu para sua órbita proeminentes militantes islâmicos que já estavam ativos ao redor do globo. Isso não significa, porém, que eles operariam sob as ordens de Bin Laden. “Taxar esses grupos locais como Al-Qaeda simplesmente encobre os fatores específicos que fizeram esses grupos surgir”, diz Burke. Segundo ele, Bin Laden passou a usar táticas empregadas por EUA e URSS durante a Guerra Fria – entre elas, fazer acordos de curto prazo com grupos locais, ainda que as diferenças entre eles fossem grandes, e financiá-los, com vistas a um objetivo comum.

A verdade é que a visão de uma Al-Qaeda institucionalizada tem bagunçado as peças de análises sobre a militância islâmica no mundo. Perdem-se as peculiaridades locais dos grupos e todos acabam se surpreendendo, ao menos no Ocidente, quando esses militantes se envolvem em atividades contra governos não-democráticos e corruptos, como foi o caso da atuação da Irmandade Mulçumana na derrubada do governo de Hosni Mubarak, no Egito.

Radicalismo, religião e pobreza
 
A idéia de uma organização composta por fanáticos mulçumanos prontos para se explodirem também é desmontada não apenas por Burke, mas por outro pesquisador da cultura islâmica, o francês Gilles Kepel, em seu livro “Jihad – a trilha do Islã político” (Belknap Press, 2002, 464 páginas).

Segundo Kepel, a violência traduzida pelo terrorismo tem sido causada por uma falha do ativismo político islâmico, incapaz de oferecer uma alternativa viável às populações islâmicas mais empobrecidas na Ásia e da África. Os movimentos anticolonialistas da primeira metade do século 20, os projetos socialistas e nacionalistas que se seguiram, assim como o desenvolvimento do projeto político islâmico, a partir da década de 80, não conseguiram responder aos anseios daquelas populações.

Segundo o pesquisador francês, os ativistas islâmicos radicais são em sua maioria recrutados entre famílias pobres ou da baixa classe média trabalhadora. Muitos constituem a primeira geração de suas famílias a obterem educação formal e viverem em cidades. Kepel identifica neles uma série de aspirações econômicas, traduzidas na idéia de que é justo "melhorar de vida" e lutar por isso. São pessoas que em outros países são naturalmente captadas para o ativismo social, em ONGs, ou político, nos partidos. Entretanto, a fragilidade dessas instituições na sociedade civil de muitas nações islâmicas torna fácil o recrutamento pelos flancos terroristas.

Isso não seria possível, claro, sem uma leitura do Islã que não só permita, mas incentive as atividades violentas. Essa referência tem origem na idéia de missão islâmica, chamada de da'wa, a qual glorifica a Jihad e o martírio como caminhos para a transformação mundana e a redenção divina. Um dos berços das práticas e valores islâmicos mais conservadores é a Arábia Saudita, terra natal de Osama Bin Laden. Hoje, porém, essa vertente da religião já se espalhou pela Ásia e África e não é à toa que entre os principais líderes identificados como da Al-Qaeda estão egípcios e líbios.

Votando a Jason Burke, os anos mais intensos do terrorismo islâmico – e das "Guerras do 11 de Setembro", como ele denomina esse período – ocorreram em 2005 e 2006, ano do ataque ao metrô de Londres. O jornalista lembra que nessa fase a estratégia da Al-Qaeda de confronto com o Ocidente parecia funcionar, tamanho o grau de mobilização que exigiu dos governos europeus e norte-americano. Mas, desde então, a capacidade de mobilização da entidade arrefeceu. A morte de Osama Bin Laden acentuou o fenômeno.

Um outro fator que enfraquece as conexões da Al Qaeda, diz Burke, tem relação com a própria maneira de os mulçumanos enxergarem a organização. Segundo o jornalista, quando a Al-Qaeda foi criada, uma de suas mais explícitas estratégias era executar grandes atentados terroristas com o objetivo de demonstrar às populações islâmicas no mundo que derrubar governos patrocinados pelo Ocidente era possível.

A idéia funcionou bem quando ocorreu em lugares distantes, seja nos Estados Unidos, na Europa ou no meio do mar. Quando, porém, a maioria dos atentados passou a ocorrer em ruas movimentadas de cidades como Bagdá, a população passou a ver com mais restrições os grupos terroristas.

O que concluir de tudo isso? A fase pós-Bin Laden da militância islâmica no mundo exige dos observadores um olhar para a realidade e para além dos discursos dos governos e das próprias redes terroristas. Histórias nacionais e objetivos específicos explicam muito mais sobre a existência desses grupos, seu modo de atuação e mesmo suas ações mais violentas do que uma análise homogênea e global do Islamismo radical. Kabul e Bagdá estão muito mais distantes do que o mapa da Ásia pode revelar.

sábado, 10 de setembro de 2011

Mais atual do que nunca, obra de Mariátegui indica caminhos para o futuro da esquerda

Créditos: operamundi

Neste domingo, boa parte da sociedade burguesa vai parar para, durante algum momento do dia refletir sobre o estado do mundo dez anos após os atentados de 11 de Setembro. Definitivamente, o quadro não vai parecer nada favorável.

Quando sentiram seus valores serem atingidos com a queda simbólica das Torres Gêmeas, esperavam que uma reação militar e econômica resolvesse rapidamente a crise e restabelecesse a ordem natural do fim da história. Mas, ao contrário, não só não se recuperaram do golpe como agora vêem seu a base do modelo sem saída.

As grandes potências da Europa e da América do Norte se encontram estagnadas, endividadas, atingidas por taxas alarmantes de desemprego e, pior, sem grandes idéias ou perspectivas ou lideranças que possam, a médio prazo, recolocá-las nos eixos. As forças políticas conservadoras se alteram no poder com partidos autodenominados socialistas que, na prática, se afastam cada vez mais das noções da esquerda. Ao beberem na fonte da terceira via, passaram a acreditar em uma combinação mágica de pujança econômica, liberal, democrática e com oportunidade para todos.

No entanto, os governos da nova social-democracia se encontram engessados em clara crise de identidade, por seguirem a mesma cartilha dos rivais da direita (muito bem exemplificada pelos atuais planos de austeridade que se disseminam pelo Atlântico Norte) e produzem cada vez mais os mesmos resultados. Um mundo bem diferente do prometido ao fim dos anos 1990, quando aparentemente, "tout allait bien".

Wikimedia Commons

José Carlos Mariátegui ao lado de seus quatro filhos

É espantoso como o cenário acima vem à mente por sucessivas vezes quando nos deparamos com a clareza e precisão com que o jornalista e revolucionário peruano José Carlos Mariátegui analisa os rumos da sociedade ocidental. Mas, para os desavisados, seu mundo não é o do pós-neoliberalismo.

A História se repete

Não à toa, seus ensaios e reflexões tem ganhado mais espaço e destaque no mercado editorial quase um século após terem sido elaborados. A maior parte deles, nos anos 1920, influenciados por quadros como Europa pós-I Guerra Mundial, a ascensão do fascismo e a Revolução Russa. Sua morte precoce em 1930, aos 35 anos, interrompeu uma trajetória acadêmica e política que não teria precedentes no continente sul-americano.

Um dos melhores exemplos sobre a atualidade de seus pensamentos pode ser encontrado agora no Brasil através da compilação Defesa do marxismo: polêmica revolucionária e outros escritos (Boitempo editorial, 232 páginas, R$ 39). Além dos 16 tópicos que compõem o ensaio principal do qual trata o título, o livro traz também outros seis textos inéditos em português em que o autor versa sobre os mais variados temas, desde os conflitos entre Oriente vs. Ocidente passando pelo feminismo até o papel do Partido Comunista do Peru, o qual foi um dos fundadores.

Boitempo Editorial/Divulgação


E é justamente no ensaio principal, Defesa do marxismo, que mostra não só sua contemporaneidade como a do próprio Karl Marx, que há mais de 150 anos já havia previsto a natureza da economia mundial no século XXI e sua inevitável crise.

O objetivo de sua defesa parece ser relembrar e conscientizar toda a esquerda, incluindo os social-democratas, que não se deve nunca renunciar aos princípios do marxismo. Isso não significa tornar-se necessariamente um ortodoxo. Pelo contrário, Mariátegui sempre defendeu que toda introdução do modelo de socialismo seja adaptado ao respectivo povo. Para o Peru, por exemplo, o autor entende que, ao contrário do cunho filantrópico dos apristas, ele deve emergir a partir da libertação dos povos indígenas. Por essas razões, foi duramente acusado em sua época de irracional e idealista por absorver ideias de ícones como Sigmund Freud, Friedrich Nietzsche e George Sorel (a quem creditava por ter feito a melhor revisão do marxismo).

Além da contemporaneidade, há outro aspecto de Mariátegui nessa compilação que chama atenção e que serve de exemplo ao presente: a forma ao mesmo tempo implacável e respeitosa com que desconstrói as ideias dos revisionistas – em especial Henri de Man (líder trabalhista belga que, após propor uma revisão total do marxismo, colaborou com os nazistas na II Guerra). Termos como "reformista desenganado" e "derrotista" soam corteses ao explicar que de Man optou por identificar o juízo da História a partir de sua frustração pessoal. Mariátegui é capaz de indicar ponto a ponto, com maestria as contradições revisionistas, sem demonstrar qualquer pudor em citar os pontos de concordância com seus rivais.

Um exemplo de fidalguia intelectual impensável para o radicalismo da era do terror capitaneado por correntes como o Tea Party e a extrema-direita europeia.

Serviço
Título: Defesa do Marxismo: polêmica revolucionária e outros escritos
Autor: José Carlos Mariátegui
Editora: Boitempo Editorial
Nº de páginas: 232
Preço: R$ 39

O outro 11 de setembro: 40 mil vítimas, US$ 27 milhões nas contas secretas de Pinochet



A matemática macabra envolvendo o 11 de setembro e os Estados Unidos manifesta-se mais uma vez quando voltamos a 1973, quando Washington apoiou ativamente o golpe militar que derrubou e assassinou o presidente do Chile, Salvador Allende. Em agosto deste ano, o governo chileno anunciou uma nova estatística de vítimas da ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1990): entre vítimas de tortura, desaparecidos e mortos, 40 mil pessoas, 14 vezes mais do que o número de vítimas dos atentados de 11 de setembro de 2001. Relembrando as palavras do presidente Obama e seu peculiar conceito de justiça, os chilenos estariam autorizados a caçar e matar os responsáveis pelo assassinato de milhares de homens, mulheres e crianças.
Assim como no Iraque, nem tudo foi morte, dor e sofrimento na ditadura chilena. Com a chancela da Casa Branca e a inspiração do economista Milton Friedman e seus Chicago Boy’s, Pinochet garantiu gordos lucros para seus aliados e para si mesmo também. Investigadores internacionais revelaram, em 2004, que Pinochet movimentava, desde 1994, contas secretas em bancos do exterior no valor de até US$ 27 milhões. Segundo um relatório de uma comissão do Senado dos EUA, divulgado em 2005, Pinochet manteve elos profundos com organismos financeiros norte-americanos, como o Riggs Bank, uma instituição de Washington, além de outras oito que operavam nos EUA e em outros países. Segundo o mesmo relatório, o Riggs Bank e o Citigroup mantiveram laços com o ditador chileno durante duas décadas pelo menos. Pinochet, amigos e familiares mantiveram pelo menos US$ 9 milhões em contas secretas nestes bancos.
Em 2006, o general Manuel Contreras, que chefiou a Dina, polícia secreta chilena, durante a ditadura, acusou Pinochet e o filho deste, Marco Antonio, de envolvimento na produção clandestina de armas químicas e biológicas e no tráfico de cocaína. Segundo Contreras, boa parte da fortuna de Pinochet veio daí.
Liberdade, Justiça, Segurança: essas foram algumas das principais palavras que justificaram essas políticas. O modelo imposto por Pinochet no Chile era apontado como modelo para a América Latina. Os Estados Unidos seguem se apresentando como guardiões da liberdade e da democracia. E pessoas seguem sendo mortas diariamente no Iraque e no Afeganistão para saciar uma sede que há muito tempo deixou de ser de vingança.

As suspeitas sobre o 11 de Setembro


Por Altamiro Borges


“Darei uma razão propagandística para começar a guerra, não importa se é ela plausível ou não. Ao vencedor não se pergunta depois se ele disse ou não a verdade”. Discurso de Adolf Hitler, em 25 de outubro de 1939, poucos dias antes da invasão da Polônia.


Até hoje persistem dúvidas sobre o de que fato aconteceu na manhã de 11 de setembro de 2001. Naquele fatídico dia, dois aviões atingiram as “torres gêmeas” do World Trade Center, em Nova York, símbolo da ostentação capitalista; um outro destruiu parte do prédio do Pentágono, em Washington, símbolo do poder imperial; e um quarto caiu na Pensilvânia.

Segundo dados oficiais, estes atentados causaram a morte de 3 mil pessoas e comoveram o mundo. Mas eles também ressuscitaram a desgastada imagem de George W. Bush, eleito de forma fraudulenta no final de 2000, e lançaram o planeta na insana “guerra infinita” contra o “eixo do mal” – que contabiliza a morte de 700 mil iraquianos e de mais de três mil soldados ianques.

Alguns setores mais críticos, inclusive nos EUA, garantem que os atentados foram orquestrados de forma inescrupulosa pela própria equipe de facínoras do governo Bush, interessada em criar o clima de histeria para justificar as bárbaras invasões do Afeganistão e Iraque. A comparação com o nazista Adolf Hitler é inevitável.

Outros, menos conspirativos, afirmam que eles foram funcionais aos planos expansionistas do imperialismo. Apresentam várias provas que confirmam que o governo dos EUA nada fez para evitar os atentados, mesmo sabendo previamente do risco iminente. Razões para tão graves e espantosas suspeitas existem. Não são meras especulações dos críticos mais radicais do ex-presidente-terrorista George W. Bush.

Relações intimas com os Bin Laden

Afinal, são conhecidas as antigas e intimas relações entre a dinastia Bush e a rica família de Osama Bin Laden, dona de uma das maiores construtoras do Oriente Médio. A primeira empresa de petróleo de George W. Bush, a Arbusto, inclusive foi financiada pela corporação do líder do grupo Al-Qaeda, culpado pelos ataques.

Não é para menos que no discurso em que anunciou a invasão do Afeganistão, Bush ordenou que se retirassem as referências à construtora árabe. Esta postura tão cordial diante desta fiel parceira nos negócios também pode explicar porque os familiares de Osama bin Laden foram retirados às pressas dos EUA, sem se sujeitarem às rigorosas normas de segurança dos aeroportos impostas no dia dos atentados.

Além disso, é público e notório que os setores mais agressivos do imperialismo já almejavam há tempos ocupar países estratégicos, preocupados com a grave crise energética e motivados pelo aumento do poder geopolítico dos EUA no planeta. Estas idéias já estavam presentes no governo de Bush-pai no documento Orientação da Política de Defesa (DPG), de 1992, que inclusive sugeria a invasão do Iraque.

Os atentados serviram somente de pretexto para reeditá-las, em setembro de 2002, na fascista Estratégia de Segurança Nacional (NSS). Os motivos para esta ação belicista e expansionista não tinham nada a ver com Osama Bin Laden, mas sim com as ambições do poderoso “complexo industrial-militar” que domina os EUA.

Alertas sobre os aviões-mísseis

Mas o que reforça a tese – seja da conspiração ou da razão funcional – são alguns fatos que antecederam os atentados. Hoje se sabe que, desde 1996, o serviço de inteligência interna, o FBI, já produzia relatórios alertando para o risco da Al-Qaeda usar aviões como mísseis em ataques suicidas nos EUA. Eles citavam que este grupo treinava pilotos no próprio território ianque e em outros países.

Em março de 1999, o serviço de inteligência da Alemanha (BND), forneceu à CIA o nome e o telefone de Marwan al-Shehhi, o terrorista que seqüestrou o vôo 175 da United Arlines e lançou o avião contra o World Trade Center. Ele mantinha contatos com o Mohamed Zammar, residente em Hamburgo, ativo militante da Al-Qaeda.

Cinco meses antes dos ataques, o próprio governo dos EUA avisara as companhias aéreas sobre o perigo do seqüestro de aviões para fins terroristas. Esta possibilidade foi comunicada diretamente ao presidente Bush nos primeiros dias de agosto de 2001, tanto pela CIA, que enviou um memorando advertindo sobre possíveis ataques, como pelo FBI, através do top-secret briefing do agente Kenneth Williamns.

O texto, datado de 6 de agosto, tinha como título “Bin Laden determinado a atacar dentro dos EUA”. Logo na sua abertura, o agente inclusive mencionava o World Trade Ceder como provável “alvo da ação terrorista”.

Ordem superior suspeita

O presidente George W. Bush manteve o conteúdo deste texto em rigoroso sigilo por quase três anos para que o país não soubesse que havia ignorado o alerta. Ele só se tornou público em abril de 2004, quando a sua ex-assessora de segurança, Condoleezza Rice, foi obrigada a ler o título do top-secret briefing numa seção do Congresso. Diante da denúncia bombástica, a Casa Branca ainda tentou desmentir as evidências.

Alegou que eram apenas especulações visando abortar os ataques ao Afeganistão e ao Iraque. Coisa de antipatriotas. Mas Eleanor Hill, antiga inspetora-chefe do Departamento de Defesa, confirmou no comitê parlamentar responsável por apurar falhas na segurança que a CIA, o FBI e outros serviços de inteligência dos EUA já tinham provas suficientes sobre os riscos de ataques da Al-Qaeda.

Um agente do FBI, que até hoje tem a sua identidade mantida em sigilo, ainda revelou ao comitê que seus superiores negaram, em 29 de agosto de 2001 – duas semanas antes dos atentados –, o pedido de prisão de Khalid Al-Midhar, um dos seqüestradores do vôo AA77, cujo avião foi lançado contra o Pentágono. Este havia participado de uma reunião da Al-Qaeda, na Malásia, 18 meses antes.

A CIA sabia da sua militância no grupo e seu nome constatava da lista de passageiros do avião-bomba. Stella Rimington, ex-chefona da MI5, agência de inteligência da Grã-Bretanha, revela em seu livro de memórias que estranhou o fato do governo estadunidense nada ter feito para reforçar a segurança nos aeroportos, já que eram conhecidos os relatórios da CIA e do FBI sobre os cursos em escolhas de aviação do país de militantes islâmicos.

“Uma junta de homens do petróleo”

Tamanho desprezo por informações tão alarmantes e graves é que leva várias pessoas a acreditarem que o ex-presidente-terrorista George W. Bush orquestrou macabramente os atentados ou, no mínimo, foi cúmplice dos ataques para viabilizar o seu projeto expansionista. Alguns até estranham o fato do plano de ocupação do Afeganistão ter sido anunciado apenas seis dias após os atentados, em 17 de setembro.

No documento de duas páginas e meia, classificado de top-secret, o presidente já detalhava a campanha de invasão do Afeganistão e dava ordens aos seus assessores para iniciarem o planejamento das opções militares de ataque ao Iraque. Tão lerdo diante dos inúmeros alertas; tão ágil na aplicação do seu sonho imperialista!

O premiado escritor Gore Vidal, que se auto-exilou após a invasão do Afeganistão, foi um dos que afirmou que os atentados serviram de pretexto para ambições econômicas. “Somos governados por uma junta de homens do petróleo. A maior parte deles é do ramo do petróleo – ambos os Bushes, Cheney, Rumsfeld e assim por diante. Eles estão no poder e este grande golpe irá beneficiá-los pessoalmente e [...] também vai beneficiar os EUA: que o país tenha acesso a esse imenso manancial de óleo da Ásia Central através de diversos oleodutos”.

“Durante muito tempo tratamos com o Talibã, mas seus homens se tinham tornado doidos e desmiolados demais, a ponto de tornar-se impossível tratar com eles. Então entramos no país para tentar estabilizar a situação, para que a Unocal (empresa de energia) possa construir o oleoduto”.

Boicote ao show de Roberto Carlos

Da Frente em Defesa do Povo Palestino:

 
Como brasileiros e brasileiras sabedores da importância da mídia como formadora de opinião, protestamos contra o anúncio de exibição pela TV Globo do show do cantor Roberto Carlos realizado em Jerusalém, a convite do Governo de Israel, no último dia 7 de setembro. Essa apresentação encobrirá questões importantes que precisariam ser colocadas para a sociedade brasileira, como a ocupação ilegal de territórios naquela região por parte de Israel.


Ademais, a iniciativa enfraquece o chamado da sociedade civil palestina feito desde 2005 para o BDS (boicote, desinvestimento e sanções) até que Israel cumpra os requisitos básicos do direito internacional, pondo fim à ocupação militar, à tomada de terras e construção de novas colônias nos territórios palestinos, respeitando os direitos humanos e dos refugiados. Inspirado pelo boicote cultural ao apartheid na África do Sul, o povo palestino pede a artistas internacionais que se juntem ao movimento BDS cancelando shows e eventos em Israel, que só servem para igualar o ocupante ao ocupado e, portanto, promover a continuação da injustiça.

Em outubro do ano passado, o sul-africano Desmond Tutu, consagrado com o Prêmio Nobel da Paz por sua luta contra o apartheid, apelou à ópera de seu país para cancelar a apresentação agendada em Israel. Infelizmente, o cantor Roberto Carlos, apoiado pela TV Globo, não seguiu esse e outros exemplos, como os de Elvis Costello, Carlos Santana, Roger Waters e os Pixies, que se recusaram a fazer shows em Israel no ano passado.

Com essa atitude, entendemos que a TV Globo acaba por apoiar a campanha israelense para encobrir violações do direito internacional e projetar uma imagem falsa de normalidade. Muito mais pessoas teriam a noção da injustiça cotidiana cometida nos territórios ocupados, entre os quais Jerusalém, se o show não fosse exibido no Brasil. Por isso, vamos nos juntar ao apelo da comunidade árabe e muçulmana no País por um grande movimento de boicote à emissora durante a exibição do show.

A apresentação está marcada para este sábado (10/9), após a exibição da novela Fina Estampa. Faça a sua parte: boicote o show, mudando de canal ou desligando a TV neste momento!

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Sociedade do risco e o consumo de alimentos orgânicos.


Entrevista especial com Eduardo Moro
 
Em contraposição à alimentação fast food, a procura pela alimentação orgânica tem crescido consideravelmente em diversos países do mundo. Escândalos alimentares ocorridos na Europa nos anos 1980, o clima de insegurança, as “dúvidas quanto à capacidade dos peritos em prever ou mesmo controlar incidentes envolvendo o consumo de alimentos” e as incertezas da sociedade do risco, teoria abordada por Ulrich Beck, contribuíram para que os consumidores repensassem as práticas alimentares, diz Moro à IHU On-Line.
Apesar de a agricultura orgânica ter avançado nas últimas décadas, e de “mais de 60 milhões de hectares serem destinados” à essa prática, apenas dez países lideram a produção de alimentos orgânicos e “são responsáveis por quase 3/4 do total. (...) Esses dados evidenciam, por um lado, limitações da agricultura orgânica, mas também, ao mesmo tempo, oportunidades de desenvolvimento em outras partes do planeta”, assinala o sociólogo na entrevista a seguir, concedida por e-mail.
Ao analisar a agricultura orgânica brasileira, Moro diz que os desafios estão na produção e na comercialização dos alimentos. Para se desenvolver, esse modelo agrícola precisa de subsídio estatal, especialmente durante o período de “conversão, ou seja, quando o agricultor passa sua produção de convencional para orgânica”. Em relação à comercialização, “o desafio está no fortalecimento do mercado interno. (...) Os relatórios internacionais apontam que 70% a 90% da produção brasileira de alimentos orgânicos é destinada à exportação”, aponta.
Eduardo Moro é graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, mestre e doutorando em Sociologia Política pela mesma instituição. Tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em Sociologia Ambiental, atuando principalmente nos seguintes temas: alimentos orgânicos, supermercados, riscos alimentares, consumo alimentar e consumidores.
Confira a entrevista.
IHU On-Line Como se caracteriza um alimento orgânico? Quais são as regras para se produzir um alimento orgânico?
Eduardo Moro – A partir da década de 1990, inúmeros países passaram a debater definições, normas e regras ligadas à produção e à comercialização de alimentos orgânicos. A partir destes debates, uma série de legislações passaram a vigorar, cada uma delas com especificidades inclusive no que se refere às terminologias e às definições de alimento orgânico. O que no Brasil é chamado de orgânico, por exemplo, pode ser encontrado como ecológico ou biológico em outras partes do mundo. Portanto, não existe uma única definição de alimento orgânico, tendo em vista que podem variar de país para país.
Em uma análise recente, baseada em publicações oficiais de países da América Latina e União Europeia, além de Estados Unidos e Canadá, bem como de organizações ligadas à agricultura orgânica no Brasil e no mundo, destaquei quatro aspectos que penso estarem, em maior ou menor grau, presentes na maioria das definições investigadas e que contribuem para formular uma definição “geral” de agricultura orgânica, nos moldes da pergunta. O primeiro deles é mais específico e se refere à não utilização de insumos químicos na produção. Já os demais envolvem uma perspectiva social, uma econômica e outra ambiental, ou ecológica. Esta última pode subdividir-se ainda em proteção do solo, dos recursos hídricos e na defesa do bem-estar animal.
Especificamente no caso do Brasil, acredito que a construção da definição de agricultura orgânica dá seu primeiro grande passo a partir dos debates que originaram a Instrução Normativa 007, de 17 de maio de 1999. O segundo e definitivo passo ocorre com publicação da lei n. 10.831, de 23 de dezembro de 2003, regulamentada em 27 de dezembro de 2007 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A definição presente na lei refere-se à utilização de técnicas que visam à sustentabilidade econômica e ecológica em contraposição a materiais sintéticos, organismos geneticamente modificados e radiação ionizante. É importante ressaltar que a produção e a comercialização de alimentos orgânicos envolve ainda inúmeros outros aspectos que se referem à certificação, ao transporte, ao armazenamento, etc., que deram origem a novos documentos que vêm sendo discutidos até os dias atuais.
IHU On-Line A que você atribui o crescimento da produção e consumo de alimentos orgânicos no mundo?
Eduardo Moro – Não tenho dúvidas de que o crescimento da produção e do consumo de alimentos orgânicos ocorre por diversos fatores. Uma única razão não dá conta de explicar tal fenômeno, sobretudo dada a especificidade de cada país e a forma como cada cultura percebe a sua alimentação. Portanto a resposta que darei aqui não é a única, mas é talvez umas das mais aceitas na literatura internacional. Para muitos europeus, a década de 1980 ficou marcada pelos diversos escândalos alimentares, o mais importante deles possivelmente tenha sido a encefalopatia espongiforme bovina, conhecida como a “doença da vaca louca”. Tais acontecimentos trouxeram à tona um clima de insegurança e dúvidas quanto à capacidade dos peritos em prever ou mesmo controlar incidentes envolvendo o consumo de alimentos. Trouxeram também em seu bojo transformações marcantes nos hábitos alimentares de parte importante da população de alguns países, especialmente aqueles cujas organizações de consumidores eram mais estruturadas e atuantes. Esse cenário favoreceu a inserção dos alimentos orgânicos na dieta de muitos consumidores, tidos como mais seguros, saudáveis e livres de qualquer tipo de contaminação. Contudo, essa explicação não se aplica ao Brasil, por exemplo. Acredito que aqui o crescimento tenha se dado muito mais por uma oportunidade de mercado, como uma tendência trazida pelas redes internacionais de supermercados (assunto que ainda pretendo discutir) e como uma oportunidade na exportação de alimentos orgânicos para grandes mercados consumidores.
IHU On-Line Quais são os desafios da produção e do consumo de alimentos orgânicos?
Eduardo Moro – Ainda que a agricultura orgânica tenha tido um grande avanço nas últimas décadas, ainda há um longo caminho a ser percorrido. Apesar de atualmente mais de 60 milhões de hectares serem destinados à agricultura orgânica em todo o mundo (incluindo áreas de extrativismo sustentável e em processo de conversão), os dez países líderes em produção são responsáveis por quase 3/4 do total. Mais do que isso, de um mercado com receita anual superior a 54 bilhões de dólares, 97% deste montante está concentrado na Europa e nos Estados Unidos. Esses dados evidenciam, por um lado, limitações da agricultura orgânica, mas também, ao mesmo tempo, oportunidades de desenvolvimento em outras partes do planeta.
No Brasil, o caso não é muito diferente, pois, apesar de o país possuir uma área de mais de 880 mil hectares destinada à agricultura orgânica, isso representa apenas 0,33% do total da área agrícola do país. Da mesma forma, há um caminho longo a ser percorrido. Mas, tratando especificamente dos desafios do Brasil, acredito que eles residam tanto na produção como na comercialização. Não sou muito otimista quanto ao desenvolvimento da agricultura sem subsídios do Estado. Especialmente no caso da agricultura orgânica, sou ainda mais enfático ao defender o apoio do governo, sobretudo no período compreendido como “conversão”, ou seja, quando o agricultor passa sua produção de convencional para orgânica. Esse período de tempo varia de acordo com o cultivo a ser desenvolvido e o uso anterior da unidade de produção (sendo no mínimo de 12 meses), que é quando o produtor encontra dificuldades de comercializar seu produto por não ser considerado ainda um produtor orgânico.
No que concerne à comercialização, o desafio está no fortalecimento do mercado interno. Uma das grandes dificuldades em pesquisar agricultura orgânica no Brasil sempre foi a ausência e a confusão de dados acerca da produção e da comercialização. Digo isso, pois os relatórios internacionais apontam que 70% a 90% da produção brasileira de alimentos orgânicos é destinada à exportação. Embora ainda não possua todos os dados empíricos necessários, as pesquisas realizadas nos últimos anos junto ao Instituto de Risco e Sustentabilidade (IRIS-UFSC) me levam a questionar tal fato. Penso que o mercado interno brasileiro está sendo subestimado. Apesar disso, acredito também que um dos desafios da agricultura orgânica no Brasil resida justamente em mensurar de maneira clara esse mercado e, a partir disso, elaborar estratégias envolvendo poder público e privado para fomentar a venda de tais alimentos e assim popularizar cada vez mais a agricultura orgânica nas diversas regiões do país.
IHU On-Line Se, por um lado, cresce a produção de alimentos orgânicos, por outro, o Brasil é um dos maiores usuários de agrotóxicos. Como o senhor explica essa questão?
Eduardo Moro – Mesmo me considerando um otimista quanto ao crescimento da agricultura orgânica nos próximos anos, acho pouco provável que ela venha a se tornar o modelo dominante de agricultura no país. Portanto, não me surpreende que o Brasil apresente – por um lado – o crescimento da agricultura orgânica e – por outro – mantenha-se como um dos maiores usuários de agrotóxicos do planeta. A agricultura orgânica encontra-se em um processo de implementação no Brasil e rivaliza com modelos de produção consolidados e amplamente utilizados desde a Revolução Verde. Não podemos esperar que em um curto período a agricultura orgânica promova reduções drásticas na utilização de agrotóxicos, mas “apenas” que se mantenha enquanto uma alternativa economicamente viável e ambientalmente sustentável para aquele produtor que esteja disposto a buscar novas alternativas. Porém, repito que isso será possível somente com planejamento, contando com apoio e diálogo do poder público e da indústria privada.
IHU On-Line Qual o papel dos supermercados na oferta de alimentos orgânicos?
Eduardo Moro – Tomando de empréstimo as palavras da professora doutora Julia Guivant, o crescimento dos supermercados levou feiras livres e lojas especializadas a ocuparem um papel secundário na venda de alimentos orgânicos no Brasil. A própria pesquisadora demonstra a importância dos supermercados através de pesquisas em supermercados no Rio de Janeiro, São Paulo e Florianópolis. Justamente na capital catarinense é que realizei minha primeira pesquisa relacionando alimentos orgânicos e o papel dos supermercados no ano de 2006. Naquela oportunidade, visitei doze lojas de sete diferentes redes de supermercados presentes na região, e pela primeira vez presenciei in loco o crescimento na oferta de alimentos orgânicos (principalmente vegetais in natura) nas gôndolas dos supermercados. Uma das conclusões daquele trabalho foi de que a cidade de Florianópolis possuía um mercado consolidado, podendo ser comparado em diversos aspectos com capitais mais populosas, como São Paulo e Rio de Janeiro.
Alimentos orgânicos nos supermercados
No ano seguinte, voltei a campo, ampliando a pesquisa para as capitais dos estados que compõem a região sul. Novamente pude constatar a presença de alimentos orgânicos na maioria dos supermercados, assim como a crescente oferta de produtos processados em gôndolas não refrigeradas. Mais do que isso, pude observar o papel destacado das grandes redes de supermercados internacionais, que não focavam sua oferta em determinadas cidades ou regiões dos estados. Ao contrário, passavam a inserir os alimentos orgânicos em políticas de venda que envolvia todo o conjunto de lojas.
Recentemente, vale ressaltar, surge uma tendência importante na venda de alimentos orgânicos: a comercialização em “pequenos supermercados” ou “supermercados de bairro”. Embora ainda não tenha realizado nenhuma pesquisa acerca desse tema, acredito que essas lojas passam gradativamente a aderir à venda de alimentos orgânicos. Mas o mais importante é o que está por trás do avanço dos supermercados. É fundamental considerar que a relação entre supermercados e consumidores se dá numa perspectiva de ganho para todas as partes, ou seja, ao passo que consumidores demandam alimentos orgânicos e reivindicam a existência destes nas gôndolas do supermercado, consumidores “comuns” – que não teriam informação ou mesmo interesse em buscar alimentos orgânicos em outros canais de venda – “convertem-se” em compradores dada a oferta. Sob essa ótica, a inserção dos supermercados traria uma relação de ganho, para os produtores, para os próprios supermercados e para os consumidores.
IHU On-Line Quais as implicações dos alimentos geneticamente modificados na agricultura orgânica?
Eduardo Moro – Minha intenção aqui não é debater os possíveis riscos ou benefícios dos organismos geneticamente modificados. Restrinjo-me a responder como imagino que os transgênicos podem implicar na produção e na comercialização dos alimentos orgânicos. Conforme a lei 10.831, a chamada “Lei dos Orgânicos”, é proibida a utilização de qualquer organismo geneticamente modificado na produção orgânica. Essa informação é central. Diante disso, os transgênicos surgem como um entrave para o avanço da agricultura orgânica. No que se refere à produção, por exemplo, há o risco de contaminação de uma lavoura orgânica pelo pólen oriundo de culturas transgênicas, tanto através de vetores abióticos como biológicos. Já no mercado alimentício, os transgênicos surgem como mais uma opção e passam disputar a atenção de parte importante dos consumidores nas gôndolas dos supermercados. Parece-me claro que, até o momento, o consumidor adepto a um “estilo de vida” dito saudável tem evitado o consumo de transgênicos. Entretanto, devemos considerar o caráter heterogêneo do consumidor no Brasil e os diferentes graus de informação. Diante disso, para muitos indivíduos que poderiam vir a se “converter” em consumidores de alimentos orgânicos, os transgênicos surgem como nova opção de compra.
IHU On-Line A expansão do agronegócio brasileiro impede ou prejudica de alguma maneira a produção de alimentos orgânicos?
Eduardo Moro – Dentre os diversos grupos ou “correntes” que defendem a agricultura orgânica no Brasil, alguns defendem que a venda seja mantida num modelo “tradicional”, ou seja, em pequenas feiras livres,  com contato direto com o produtor, mantendo relações de proximidade e confiança entre aquele que compra e aquele que vende. Em contrapartida, outros defendem que a produção orgânica seja inserida no agronegócio do país, comercializada em redes de supermercados, certificada por agências especializadas e exportada para grandes mercados consumidores. Essas perspectivas dicotômicas divergem também quanto à expansão do agronegócio. Acredito que o crescimento do agronegócio no país pode representar uma oportunidade para a agricultura orgânica desde que haja incentivo governamental aos pequenos produtores, que a produção atenda às exigências de certificação dos mercados internacionais e de que o mercado interno aquecido contribua na absorção da produção. Portanto, o destaque da produção agrícola brasileira pode contribuir para o aumento na produção, exportação e comercialização de produtos orgânicos, mas para isso necessita-se de planejamento e apoio.
IHU On-Line Quais setores agrícolas costumam investir na produção orgânica?
Eduardo Moro – No ano de 2003, logo que comecei a pesquisar sobre a oferta de alimentos orgânicos em feiras livres e em supermercados, os principais produtos ofertados eram vegetais in natura dispostos a granel, embalagens plásticas ou em bandejas de isopor. Os produtos mais comuns eram verduras e legumes (como alface, brócolis, couve, repolho, rúcula e outras), ervas (como hortelã, endro, manjerona, entre outras) e frutas (principalmente ameixas e laranjas). Grande parte desses itens era produzida por pequenos e médios agricultores, organizados em cooperativas ou associações e certificados de forma participativa. Com o passar dos anos, novos itens somaram-se aos que citei anteriormente, sobretudo alimentos processados, como açúcar, farinha, biscoitos, sucos, arroz, achocolatados, cafés, entre outros. Neste caso, a produção passou também a envolver empresas de médio e grande porte, tanto aquelas de nome conhecido no mercado, que adotaram a chamada produção “paralela”, como por empresas dedicadas exclusivamente à produção orgânica. Não vou detalhar aqui as consequências desta transformação, embora tenha se tornado visível a proliferação de itens e marcas de alimentos orgânicos nas gôndolas dos grandes supermercados.
IHU On-Line Como a teoria de Ulrich Beck pode ser aplicada à produção de alimentos orgânicos?
Eduardo Moro – O alemão Ulrich Beck publicou em 1986 um livro (traduzido para o inglês em 1992) que tornou bastante conhecida a premissa de viveríamos em um período no qual denominou de Modernidade tardia, caracterizado como uma “sociedade do risco”. Na obra, Beck diferencia os riscos de períodos pré-modernos daqueles presentes nos dias atuais, dando destaque aos que envolvem o meio ambiente e que trazem consigo uma série de transformações na sociedade moderna.
Em 2010, o autor escreveu um novo livro com o intuito de “atualizar” a primeira versão e passou a discutir também os riscos gerados pelo terrorismo, marcado pelos ataques de 11 de setembro. Em termos gerais, algumas coisas que falei anteriormente podem ser relacionadas com a teoria de Beck. Muitos dos escândalos alimentares que ocorreram nas últimas décadas trouxeram à mente das populações riscos antes inimagináveis. Esses riscos globais e de graves consequências, “democráticos” em um sentido negativo e, muitas vezes, imperceptíveis pela ciência moderna geraram um cenário altamente favorável para a adoção de hábitos alimentares mais seguros. A crescente “encenação” (ou como diria Beck, “escenificação”) dos riscos no cotidiano dos consumidores de diversas partes do mundo trouxe profundas transformações nos hábitos alimentares, como a diminuição no consumo de carne, por exemplo, ou a adoção de uma dieta composta com alimentos orgânicos. Mesmo sem ter lido Beck, atualmente os consumidores estão conscientes dos riscos alimentares como uma nova forma de risco.
IHU On-Line Qual costuma ser o perfil dos consumidores de alimentos orgânicos?
Eduardo Moro – Analisando as principais pesquisas que investigam os consumidores de alimentos orgânicos no Brasil e no mundo, arrisco-me afirmar que a maioria delas está centrada na distinção entre valores individuais e/ou coletivos. Em outros termos, pesquisadores investigam se a compra ocorre motivada pelo cuidado à saúde (do consumidor ou de sua família) e/ou pela proteção ao meio ambiente. Os resultados variam consideravelmente, embora apontem predominantemente para indivíduos inseridos no primeiro grupo (ligados a valores individuais). Em número reduzido surgem pesquisas que investigam possíveis perfis, sobretudo baseados em indicadores socioeconômicos, ou elaboram tipologias dos consumidores de alimentos orgânicos. No Brasil são bastante comuns em meios de comunicação e até mesmo em trabalhos acadêmicos afirmações generalistas baseadas em dados como sexo, idade, renda e escolaridade. Uma delas é que os consumidores de alimentos orgânicos são preponderantemente mulheres, de faixa etária entre 35 e 50 anos, possuidores de um elevado nível de escolaridade e com alta renda. Acredito que tais informações são apenas pistas acerca de um grupo que acredito ser bem mais heterogêneo e repleto de especificidades. Nos últimos anos, novas pesquisas vêm sendo desenvolvidas, algumas delas trazendo novidades em termos metodológicos e na abrangência dos indivíduos investigados, o que poderá contribuir num futuro próximo na percepção de quem são os consumidores de alimentos orgânicos no Brasil.    
(Por Patricia Fachin)