Fotografia tirada por Baudouin Mouanda para a série La Sapologie, de 2008
Em movimento, mesmo caladas, as pessoas dizem muito sobre si mesmas. As mãos no bolso ou fora deles, os passos curtos ou as longas jornadas das pernas combinadas com o movimento dos braços; o sorriso de esguelha, o olhar de viés, o bom humor, as roupas. No conjunto de gestos corporais e vestimenta, uma pessoa é, sozinha, um mundo bem interessante. Algumas mais, outras menos. Baudouin Mouanda, fotógrafo, teve seu olhar fisgado por um grupo dessas pessoas “mais” quando entrou num metrô de Paris, em 2007. Eram três homens vestidos com exuberância, roupas bem cortadas, e uma elegância “proposital” nos gestos. “As pessoas (no metrô) estavam cada uma em uma posição, eu li nos olhos de alguns o estresse. Aquilo me impressionou. Vi naquilo uma canção que não era ruim, mas mal usada. De repente, três sapeurs entraram no metrô e começaram a conversar em uma língua que eu compreendia perfeitamente, o lari. Disseram ‘olhe como eles são tristes; bem, deveríamos desviar a atenção deles`. Apenas gesticulando com seus trajes, conseguiram o que queriam. E, na estação seguinte, onde os sapeurs deveriam descer, os passageiros não queriam deixar que eles fossem embora. Enfim, todo mundo estava alegre”, contou Mouanda, de 30 anos, nascido em Congo-Brazzaville, país vizinho à República Democrática do C
Os sapeurs, homens pertencentes ao movimento da SAPE (Société des Ambianceurs et des Personnes Élégantes, Sociedade das Pessoas Divertidas e Elegantes), são dândis congoleses. Dedicam seus dias, bom gosto e dinheiro à compra de roupas finas ou extravagantes de grifes famosas. Eles as vestem e saem às ruas das vilas de Brazzaville, Paris, Londres, Bruxelas ou de qualquer outro lugar onde haja uma comunidade congolesa e desfilam sua elegância pensada para rivalizar com outros sapeurs. Todos exibem seus melhores tecidos, cortes e cores embalados em gestos quase rococós.
O contraste entre a opulência da vestimenta dos sapeurs com a pobreza material de algumas vilas africanas é justamente o que explica a existência da SAPE, cuja origem (ainda discutida) remonta às guerras civis ocorridas no Congo-Brazzaville. “O que me inspirou a ir até eles foi o fato de terem uma mensagem de solidariedade que construíram, de paz, visto que o país saía de uma grande crise política e era necessário reaprendermos a viver juntos e esquecermos os momentos difíceis”, explica Mouanda. Como catalisadora de desejos, sonhos e aspirações de bem-estar, a moda ajudou (e ajuda) a içar parte dos congoleses dos trapos sociais que sobram das guerras.
Baudouin Mouanda
O movimento constante das fotos de Mouanda é registrado na série La Sapologie, no Congo-Brazzaville
Baudouin Mouanda já exibiu sua série de fotos sobre a SAPE em alguns países – inclusive no Brasil – e chegou em julho desse ano com sua primeira mostra individual na capital inglesa, quando concedeu essa entrevista ao Opera Mundi.
Apesar de muito jovem ainda – e de ter começado a fotografar ainda menino – Mouanda, talvez pelas três guerras civis que viveu, desenvolveu um olhar agudo para os traços antropológico-sociais da África que conhece.
É verdade que o Sr. estudou jornalismo?
Estudei direito na Universidade de Brazzaville. Graças a esse estudo, pude ganhar um olhar crítico da fotografia, unindo as duas correntes, interrogando o que é o Direito e o que exatamente é a fotografia, mas sem esperar respostas universais. Em vez disso, buscava questões de relação com a minha sociedade. Isso me fez reparar no serviço da Embaixada da França no Congo em 2006, com a concessão de uma bolsa de estudos no CPFJ (Centre de Formation Professionnel des Journalistes, Centro de Formação Profissional de Jornalistas), em Paris, e foi assim que me vi jornalista, com minha reportagem sobre as sequelas da guerra. E, hoje em dia, tenho orgulho porque adoro aquele meio, ele faz despertar a consciência.
Quando o Sr. começou a tirar fotos, o Congo-Brazzaville estava em meio a uma guerra civil. Como isso influenciou suas fotos?
Brazzaville passou por três guerras civis: em 1993, 1997 e 1998. Foi durante a primeira que fui impedido de ir à escola e fiquei sem estudar por dois anos. E foi graças à câmera do meu pai que comecei a fotografar. Em seguida, quando tudo voltou ao normal, ele me propôs voltar às aulas e me ofereceu sua câmera russa, uma Zenith 11, com a condição de que eu entrasse na faculdade. Foi aí que ganhei a aposta: sabia que meu pai era um homem de palavra. Mas ele queria que eu fosse advogado.
Onde, quando e como foi o seu primeiro contato com os sapeurs?
Há muito tempo em Brazzaville, no início de 2001, no fim da guerra. O que me inspirou a ir até eles foi o fato de terem uma mensagem de solidariedade, paz, visto que o país saía de uma grande crise política e era necessário reaprendermos a viver juntos e esquecermos os momentos difíceis.
O que chamou sua atenção?
A diversão que anda de mãos dadas com os trajes deles, que cria o espetáculo. Certa manhã de 2001, em Paris, entrei no metrô e as pessoas estavam cada uma em uma posição – li nos olhos de algumas estresse. Aquilo me impressionou. De repente, três sapeurs entraram no metrô e começaram a conversar em lari, uma língua que eu compreendo perfeitamente. Disseram: “Olhe como são tristes. Deveríamos desviar a atenção deles”. Gesticulando com seus trajes, conseguiram o que queriam. E, na estação seguinte, onde os sapeurs deveriam descer, os passageiros não queriam deixar que eles fossem embora. Todos estavam alegres.
Baudouin Mouanda
As guerras civis em Brazzaville, em 1993, 1997 e 1998, contribuíram para o empobrecimento do país (série Délestage, de 2010)
Quando e como o Sr. reparou que poderia fazer um trabalho fotográfico com os sapeurs?
Nas festas da comunidade africana. Lá reparei no que havia deixado em Brazzaville e em como o movimento da SAPE estava ganhando terreno. Enquanto falávamos de festas, batizados, não pensávamos em comer, mas no combate das vestimentas. Vestir-se sem estar com os olhos fechados, ou seja, saber escolher as cores. Naquele momento, os convidados não vinham somente para beber, mas esperava-se também viver um espetáculo e isso que me levou a seguir o movimento em seu verdadeiro reduto, Brazzaville.
Vejo que suas fotos dos sapeurs têm muito movimento. É proposital?
Exatamente, adoro fotografá-los em movimento porque é mais natural do que vê-los posando. Isso não corresponde às verdadeiras imagens que temos dos sapeurs. Em pleno movimento, é muito fácil entender o jogo deles, saber o que é sapeur e o que não é, ter argumentos para defender melhor sua classificação de vestimentas sem buscar briga. Dá vontade de ficar e é o que faz o espetáculo.
O que define um sapeur?
Saber brincar com as cores, vestir-se com um bom olho, sem se enganar nas escolhas que fazem quando saem às ruas para se defenderem de seus adversários. Ter um bom conhecimento das grandes marcas de roupas e sapatos, o que demanda muito dinheiro. Mas ser sapeur não é somente um sinônimo de riqueza.
De toda parte. Brazzaville, capital do Congo, é o reduto, mesmo que hoje se fale da República Democrática do Congo. Um sapeur que vive na Europa não pode ser considerado sapeur se não fizer uma viagem a Brazzaville para obter o diploma dos códigos, como dizem os sapeurs.
Há algum tipo de competição entre eles?
Sim, com frequência organizadas para grandes festas, assim como as competições para eleger o melhor sapeur do ano, e também do dia, como é o caso dos encontros de um bairro com outro, como Bacongo, Poto Poto, Ouénzé e Talangaï, os arrondissements mais conhecidos do movimento.
A África é o principal objeto do seu trabalho ou suas inspirações são a cultura e a sociedade, independentemente do país ou das pessoas que fotografa?
A África não é o único cruzamento de inspirações, sou livre para trabalhar onde quer que eu esteja. Os fatos sociopolíticos são frequentemente minhas fontes de reflexão, que me permitem não limitar, mas, em vez disso, ser um porta-voz do olhar sobre a sociedade, possibilitando que eu chame atenção para a minha escrita fotográfica. Daí o interesse de criar um coletivo de fotógrafos em Brazzaville, chamado Collectif Elili, formado por jovens estudantes e funcionários para divulgar suas criações na região cujo talento não precisa mais ser provado.