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Créditos: UMQUETENHA
Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
domingo, 16 de outubro de 2011
Crianças, do assistencialismo à inclusão social
Claudia Rodrigues no SUL21
Muito se fala de inclusão, mas na prática o assistencialismo ainda é a forma de contato mais comum entre as classes sociais. Doar objetos novos ou usados, alimentos e brinquedos é o que se faz mais. Dizer que o assistencialismo não tem função seria um exagero, mas há algo que o assistencialismo realmente não promove: inclusão social.
De megaprojetos, como construções de casas em bairros afastados para a população de baixa renda, ao recolhimento de brinquedos em escolas particulares para doações a escolas públicas, o assistencialismo, por melhores que sejam as intenções, reforça muros entre ricos e pobres estabelecendo linhas muito claras de distanciamento entre as classes sociais, o que pode ser definido como a antítese do que seria a promoção da inclusão social.
Às vésperas do dia das crianças, reunida com uma amiga a debater o tema assistencialismo x inclusão social, ela surpreendeu-me com a constatação de que atividades voltadas para a inclusão causam medo nos que deveriam promovê-la: “Ora Cláudia, mesmo os que sabem teoricamente da importância de se investir na inclusão têm medo, as pessoas têm medo de se misturar, realmente não desejam conviver com as diferenças, preferem ficar nos seus guetos e ajudar dessa forma, mantendo a coisa num terreno neutro e distante, para muitos é só mais uma utopia.”
Ela deve ter razão, só pode ser medo porque a insuficiência do assistencialismo já é conhecida faz tempo, ele de fato aumenta as diferenças, os estranhamentos, as fobias de contato e, por consequência, a violência, mas como atenua a culpa, continuamos trilhando esse caminho já conhecido, que durante muito tempo conseguiu apartar os pobres nas periferias, em serviços subalternos, distanciados das melhores fatias do bolo social e econômico. O que conseguimos com o assistencialismo ou com o enfraquecimento dele diante do investimento em práticas cada vez mais privativistas, individualistas, foi criar um gigantesco universo paralelo e uma enorme dificuldade de lidar com as diferenças.
Mas que loucos são esses que querem trazer a periferia para morar nos prédios abandonados do centro? Que loucos são esses que querem promover convivências entre alunos de escolas públicas e particulares? Será que eles não enxergam que as diferenças precisam ficar muito claras e bem limitadas, que cada macaco deve ficar no seu galho? Que história é essa de derrubar muros e construir pontes?
É uma história de aposta em outro paradigma, pelo menos para quem tem certeza de que nossa história social, política e econômica está falida emocionalmente. A tese é de que não basta doar coisas, dividir coisas, mas trocar sentimentos, entrar no corpo a corpo, abrir as janelas, promover encontros, dar conta das diferenças na prática focando em igualdades comuns, que não são poucas. Como diz o ditado, “crianças são todas iguais, só mudam de endereços”.
Nesse último dia 12 de outubro tive o prazer de ver de perto como a inclusão social não é uma utopia, mas uma prática a ser multiplicada.
Um projeto do Meme http://www.centromeme.com.br/ com a Prefeitura Municipal de Porto Alegre e o SATED – Sindicato dos Artistas e Técnicos de Espetáculos e Diversões, reuniu crianças da Escola Pão dos Pobres, Central Única das Favelas, Centro, Cidade Baixa, Bonfim, Moinhos de Vento, Auxiliadora e outros bairros nobres da cidade para uma tarde de diversão e arte na Rua Lopo Gonçalves, na Cidade Baixa.
“A idéia era devolver a rua livre, repleta em diversidade e sem diferenças sociais ou econômicas para as crianças, estamos muito satisfeitos, foi uma tarde em que mais de 1500 crianças se divertiram, misturando-se com muita alegria”, relata o professor e bailarino Paulo Guimarães, um dos sócios-fundadores do Meme.
A rua foi fechada para a gurizada, pais e amigos da idéia. Os cinco sócios do Meme passaram a tarde trabalhando duro na distribuição de pipoca, suco, água e doces para as crianças que se organizavam sem brigas na fila. Curiosamente as crianças de escolas privadas, acostumadas ao esquema de fichas pagas, foram as a que mais se divertiram com a distribuição gratuita. Acharam a idéia “uma coisa planetas”.
“É, posso pegar pipoca sem pagar?”
“Ué, pode sim, todo mundo pode pegar e eu posso dar uma volta no teu skate?”
“Pode, pode pegar, eu vou estar na corrida do ovo depois, me encontra lá!”
“Tu já viu o contador de histórias?”
“Já, bem legal!”
É claro que a gurizada se pegou no futebol, mas os adultos foram lá e administraram na compreensão e com muito humor, na paz, sem gritos, sem insultos, como deveria ser em todas as escolas públicas e privadas do país. Continuo com a tese de que só a arte salva, não a arte da TV com seus artistas que só têm as quatro caras: a do riso, a da tristeza, a do espanto e a da violência, mas esses artistas que dançam, cantam, fazem malabares, improvisos, esses artistas de corpo inteiro e alma libertária que desipnotizam do tédio da vida sempre igual, das relações ríspidas, afetadas, sem humor e sem criatividade. Falta arte nas escolas públicas e privadas. A arte une as pessoas e melhora as relações humanas.
Se houve algum estranhamento, para além do breve entrevero entre gremistas e colorados, não durou mais do que alguns minutos iniciais; logo estavam todos sentados pelo chão para assistir ao teatro do homem que faz bolhas de sabão gigantes, a moça nas pernas de pau, as artistas do trapézio e da lira, o moço do tecido; foi mais do que comida de graça, foi diversão e arte em sua forma máxima de expressão unificadora.
Depois de uma tarde inteira de tanta alegria nas misturanças, fico cá a perguntar-me: por que será que temos tanta dificuldade em associar a violência com os muros erguidos e tanto medo da paz da inclusão?
Como podem as crianças, tão plenas de naturalidade frente à igualdade humana, desenvolver essa natureza de respeito às diferenças, se passamos a vida investindo numa formação separatista? Que sentimentos individualistas produzimos, em crianças ricas ou pobres, quando não promovemos a socialização? Com suas duas brutas faces – a da competição para o sucesso garantido e a do colapso que gera a revolta –, o individualismo está em velocidade crítica; a solução talvez resida na junção das forças e não no aumento do abismo entre elas.
Terminei o dia com esperança de que mais atitudes como essa se multipliquem. A caminho de casa, levando três crianças felizes e exaustas, sombreei por um minuto em um longo suspiro. O dia fora uma exceção, uma rua entre tantas outras que guardavam crianças solitárias, algumas com seus brinquedos caros e raros, prisioneiras dos excessos; outras sem brinquedos, sem cuidados básicos, reféns das privações.
Cláudia Rodrigues, jornalista, terapeuta reichiana, autora de Bebês de Mamães mais que Perfeitas, 2008. Centauro Editora. Blog: http://buenaleche-buenaleche.blogspot.com.
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sábado, 15 de outubro de 2011
Feliz Dia dos Professores
Ninguém nega o valor da educação e que um bom professor é imprescindível. Mas, ainda que desejem bons professores para seus filhos, poucos pais desejam que seus filhos sejam professores. Isso nos mostra o reconhecimento que o trabalho de educar é duro, difícil e necessário, mas que permitimos que esses profissionais continuem sendo desvalorizados. Apesar de mal remunerados, com baixo prestígio social e responsabilizados pelo fracasso da educação, grande parte resiste e continua apaixonada pelo seu trabalho.
A data é um convite para que todos, pais, alunos, sociedade, repensemos nossos papéis e nossas atitudes, pois com elas demonstramos o compromisso com a educação que queremos. Aos professores, fica o convite para que não descuidem de sua missão de educar, nem desanimem diante dos desafios, nem deixem de educar as pessoas para serem “águias” e não apenas “galinhas”. Pois, se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela, tampouco, a sociedade muda.
Paulo Freire.
As guerras europeias quanto à dívida que vêm aí
Países da UE afundam na depressão
por Michael Hudson [*]
A dívida do governo grego é apenas a primeira de uma série de bombas de dívidas europeias destinadas a explodir. As dívidas hipotecárias nas economias pós-soviéticas e na Islândia são mais explosivas. Embora estes países não estejam na Eurozona, a maior parte das suas dívidas é denominada em euros. Uns 87% das dívidas da Letónia são em euros ou em outras divisas estrangeiras e são devidas principalmente a bancos suecos, ao passo que a Hungria e Roménia têm dívidas em euro principalmente para com bancos austríacos. Assim a contracção de empréstimos governamentais por membros não-euro foi para apoiar taxas de câmbio a fim de pagar dívidas do sector privado a bancos estrangeiros, não para financiar um défice orçamental interno como na Grécia.
Todas estas dívidas são impagavelmente altas porque quase todos estes países incorrem em aprofundamentos dos défices comerciais e afundam-se na depressão. Agora que os preços do imobiliário estão em mergulho, os défices comerciais já não são mais financiados por um influxo de empréstimos hipotecários em divisas estrangeiros e compras de propriedades. Não há meios visíveis de apoio para estabilizar divisas (tais como economias saudáveis). Durante o ano passado estes países suportaram as suas taxas de câmbio através da tomada de empréstimos da UE e do FMI. Os termos destas tomadas de empréstimos são politicamente instáveis: cortes drásticos nos orçamentos do sector público, taxas de impostos mais altas sobre o trabalho já super-tributado e planos de austeridade que contraem economias e levam a mais emigração de trabalho.
Os banqueiros na Suécia, Áustria, Alemanha e Grã-Bretanha estão prestes a descobrir que oferecer crédito a países que não podem (ou não querem) pagar pode ser problema seu, não dos seus devedores. Ninguém quer aceitar o facto de que dívidas que não podem ser pagas não o serão. Alguém deve arcar com o custo quando dívidas entram em incumprimento ou são reduzidas (written down), para serem pagas em divisas drasticamente depreciadas, mas muitos peritos legais consideram inaplicáveis (unenforceable) acordos de divida que recorrem ao reembolso em euros. Toda nação soberana tem o direito de legislar os seus próprios termos da dívida e os realinhamentos de divisas e reduções de dívida que vêm aí serão muito mais do que mera cosmética.
Não tem sentido desvalorizar, a menos que "em excesso" – isto é, o suficiente para realmente mudar padrões de comércio e produção. Eis porque Franklin Roosevelt desvalorizou o US dólar em 75% em relação ao ouro em 1933, elevando o seu preço oficial de US$20 para US$35 por onça [1 onça troy = 31,103 gramas]. E para evitar a elevação proporcional do fardo da dívida dos EUA, ele anulou a "cláusula ouro" que indexava o pagamento de empréstimos bancários ao preço do ouro. É aqui que se verificará o combate político de hoje – sobre o pagamento de dívida em divisas que são desvalorizadas.
Outro subproduto da Grande Depressão nos Estados Unidos e Canadá foi libertar devedores hipotecários do passivo pessoal, tornando possíveis que recuperassem da bancarrota. Os arrestos dos bancos permitem que tomem posse do imóvel colateral, mas não dá direito a qualquer reclamação ulterior sobre os hipotecados. Esta prática – baseada na lei ordinária – mostra como a América do Norte se libertou da herança de estilo feudal do poder do credor e das prisões de devedores que tornaram tão duras as primitivas leis europeias da dívida.
A questão é: quem arcará com as perdas? Manter dívidas denominadas em euros levaria à bancarrota muitos negócios locais e patrimónios imobiliários. Reciprocamente, redenominar estas dívidas em divisas locais depreciadas liquidaria o capital de muitos bancos baseados no euro. Mas estes bancos são estrangeiros, afinal de contas – e em última análise os governos devem representar os seus próprios eleitorados internos. Os bancos estrangeiros não votam.
Os possuidores estrangeiros de dólares perderam 29/30 avos do valor em ouro dos seus haveres desde que em 1971 os Estados Unidos cessaram de ajustar os défices de balança de pagamentos em ouro. Eles agora recebem menos de 1/30 avos disto, pois o preço elevou-se para US$1.100 por onça. Se o mundo pode aguentar isso, por que não deveria ele aguentar as reduções de dívida europeia que aí vêm a passos largos?
Há um reconhecimento crescente de que as economias pós-soviéticas foram estruturadas desde o princípio em benefício de interesses estrangeiros, não das economia locais. Exemplo: o trabalho na Letónia é tributado em mais de 50% (trabalho, empregador e contribuição social) – tão elevado quanto necessário para torná-lo não competitivo, ao passo que os impostos sobre a propriedade são inferiores a 1%, o que proporciona um incentivo rumo à especulação desenfreadas. Esta filosofia fiscal enviesada tornou os "Tigres do Báltico" e a Europa Central mercados de empréstimo primários para bancos suecos e austríacos, mas o seu trabalho não podia encontrar empregos bem pagos internamente. Nada disto (ou suas abissais leis de protecção laborais) existe nas economias da Europa Ocidental, América do Norte ou Ásia.
Parece não razoável e irrealista esperar que grandes sectores da nova população europeia possam ser tornados sujeitos de confisco salarial ao longo das suas vidas, reduzindo-a a uma crónica escravidão pela dívida (debt peonage). As futuras relações entre a Velha e a Nova Europa dependerão da aptidão para redesenhar as economias pós-soviéticas em bases mais solventes – com mais crédito produtivo e um sistema fiscal menos enviesada em favor dos rentistas que promova o emprego ao invés da inflação do preço do activos que leva o trabalho a emigrar. Além dos realinhamentos de divisas para tratar da dívida insustentável, a linha de solução indicada para estes países é uma grande mutação de impostos para fora do trabalho e em direcção à terra, tornando-a mais semelhante à Europa Ocidental. Simplesmente não há alternativa. Do contrário, o antigo conflito de interesses entre credores e devedores ameaçará dividir a Europa em campos políticos opostos, com a Islândia a fazer o ensaio geral.
Até que este problema da dívida esteja resolvido – e o único meio de resolvê-lo é negociar um apagamento da dívida (debt write-off) – a expansão europeia (a absorção da Nova Europa na Velha Europa) parece suspensa. Mas a transição para esta futura solução não será fácil. Os interesses financeiros ainda exercem um poder dominador sobre a UE e resistirão ao inevitável. Gordon Brown já mostrou as suas cores com as suas ameaças contra a Islândia de ilegalmente e inadequadamente utilizar o FMI como um agente colector para dívidas que a Islândia legalmente não deve e de chantagear com a entrada islandesa na UE.
Confrontados com a prepotência do sr. Brown – e dos caniches holandeses da Grã-Bretanha – 87% dos eleitores islandeses opuseram-se à liquidação da dívidas que no mês passado a Grã-Bretanha e Holanda procuraram forçar através da garganta do Allthing [parlamento]. Isto é uma votação nunca vista no mundo desde a antiga era stalinista.
Isto é só um aperitivo. A opção que a Europa fizer provavelmente levará milhões às ruas. Alianças políticas e económicas mudarão, divisas desmoronar-se-ão e governos fracassarão. A União Europeia, e na verdade o sistema financeiro internacional, mudará de formas ainda a serem vistas. Isto será o caso, em especial, se países adoptarem o modelo da Argentina e se recusarem a fazer pagamentos até serem efectuados descontos drásticos.
Pagar em euros – por imobiliário e fluxos de rendimento pessoal em situação líquida negativa, quando as dívidas excedem o valor actual dos fluxos de rendimento disponíveis para pagar hipotecas ou dívidas pessoais – é impossível para países que pretendam manter um mínimo de sociedade civil. "Planos de austeridade" estilo FMI e UE são um jargão anti-séptico para o impacto do encurtamento de vidas e da morte com o estripamentos de rendimentos, de serviços sociais, de gastos com saúde em hospitais, educação e outras necessidades básicas, assim como a liquidação de infraestruturas públicas para compradores transformarem países em "economias de portagem" onde toda a gente é obrigada a pagar preços de acesso a estradas, educação, cuidados médicos e outros custos para viver e fazer negócios que durante muito tempo foram subsidiados pela inflação progressiva na América do Norte e na Europa Ocidental.
Linhas da batalha estão a ser desenhadas quanto ao modo como as dívidas privada e pública devem ser reembolsadas. Para países que rejeitam o reembolso em euros, os países credores têm o seu "músculo" de sobreaviso: as agências de classificação de crédito. Ao primeiro sinal de que um país está a rejeitar o pagamento em divisa dura, ou mesmo à primeira indicação de questionar uma dívida externa como inadequada, as agências movimentar-se-ão para reduzir a classificação de crédito de um país. Isto aumentará o custo da tomada de empréstimos e ameaçará paralisar a economia por falta de crédito.
O tiro mais recente foi disparado em 6 de Abril, quando a Moody's degradou a dívida da Islândia de estável para negativa. "A Moody's reconheceu que a Islândia ainda pode alcançar um acordo melhor em negociações renovadas, mas diz que a presente incerteza está a prejudicar as perspectivas económicas e financeiras do país a curto prazo" [1]
O combate começou. Deverá ser uma década interessante.
[*] Conselheiro Económico Chefe da Reform Task Force Latvia (RTFL). O seu sítio web é michael-hudson.com . Todas estas dívidas são impagavelmente altas porque quase todos estes países incorrem em aprofundamentos dos défices comerciais e afundam-se na depressão. Agora que os preços do imobiliário estão em mergulho, os défices comerciais já não são mais financiados por um influxo de empréstimos hipotecários em divisas estrangeiros e compras de propriedades. Não há meios visíveis de apoio para estabilizar divisas (tais como economias saudáveis). Durante o ano passado estes países suportaram as suas taxas de câmbio através da tomada de empréstimos da UE e do FMI. Os termos destas tomadas de empréstimos são politicamente instáveis: cortes drásticos nos orçamentos do sector público, taxas de impostos mais altas sobre o trabalho já super-tributado e planos de austeridade que contraem economias e levam a mais emigração de trabalho.
Os banqueiros na Suécia, Áustria, Alemanha e Grã-Bretanha estão prestes a descobrir que oferecer crédito a países que não podem (ou não querem) pagar pode ser problema seu, não dos seus devedores. Ninguém quer aceitar o facto de que dívidas que não podem ser pagas não o serão. Alguém deve arcar com o custo quando dívidas entram em incumprimento ou são reduzidas (written down), para serem pagas em divisas drasticamente depreciadas, mas muitos peritos legais consideram inaplicáveis (unenforceable) acordos de divida que recorrem ao reembolso em euros. Toda nação soberana tem o direito de legislar os seus próprios termos da dívida e os realinhamentos de divisas e reduções de dívida que vêm aí serão muito mais do que mera cosmética.
Não tem sentido desvalorizar, a menos que "em excesso" – isto é, o suficiente para realmente mudar padrões de comércio e produção. Eis porque Franklin Roosevelt desvalorizou o US dólar em 75% em relação ao ouro em 1933, elevando o seu preço oficial de US$20 para US$35 por onça [1 onça troy = 31,103 gramas]. E para evitar a elevação proporcional do fardo da dívida dos EUA, ele anulou a "cláusula ouro" que indexava o pagamento de empréstimos bancários ao preço do ouro. É aqui que se verificará o combate político de hoje – sobre o pagamento de dívida em divisas que são desvalorizadas.
Outro subproduto da Grande Depressão nos Estados Unidos e Canadá foi libertar devedores hipotecários do passivo pessoal, tornando possíveis que recuperassem da bancarrota. Os arrestos dos bancos permitem que tomem posse do imóvel colateral, mas não dá direito a qualquer reclamação ulterior sobre os hipotecados. Esta prática – baseada na lei ordinária – mostra como a América do Norte se libertou da herança de estilo feudal do poder do credor e das prisões de devedores que tornaram tão duras as primitivas leis europeias da dívida.
A questão é: quem arcará com as perdas? Manter dívidas denominadas em euros levaria à bancarrota muitos negócios locais e patrimónios imobiliários. Reciprocamente, redenominar estas dívidas em divisas locais depreciadas liquidaria o capital de muitos bancos baseados no euro. Mas estes bancos são estrangeiros, afinal de contas – e em última análise os governos devem representar os seus próprios eleitorados internos. Os bancos estrangeiros não votam.
Os possuidores estrangeiros de dólares perderam 29/30 avos do valor em ouro dos seus haveres desde que em 1971 os Estados Unidos cessaram de ajustar os défices de balança de pagamentos em ouro. Eles agora recebem menos de 1/30 avos disto, pois o preço elevou-se para US$1.100 por onça. Se o mundo pode aguentar isso, por que não deveria ele aguentar as reduções de dívida europeia que aí vêm a passos largos?
Há um reconhecimento crescente de que as economias pós-soviéticas foram estruturadas desde o princípio em benefício de interesses estrangeiros, não das economia locais. Exemplo: o trabalho na Letónia é tributado em mais de 50% (trabalho, empregador e contribuição social) – tão elevado quanto necessário para torná-lo não competitivo, ao passo que os impostos sobre a propriedade são inferiores a 1%, o que proporciona um incentivo rumo à especulação desenfreadas. Esta filosofia fiscal enviesada tornou os "Tigres do Báltico" e a Europa Central mercados de empréstimo primários para bancos suecos e austríacos, mas o seu trabalho não podia encontrar empregos bem pagos internamente. Nada disto (ou suas abissais leis de protecção laborais) existe nas economias da Europa Ocidental, América do Norte ou Ásia.
Parece não razoável e irrealista esperar que grandes sectores da nova população europeia possam ser tornados sujeitos de confisco salarial ao longo das suas vidas, reduzindo-a a uma crónica escravidão pela dívida (debt peonage). As futuras relações entre a Velha e a Nova Europa dependerão da aptidão para redesenhar as economias pós-soviéticas em bases mais solventes – com mais crédito produtivo e um sistema fiscal menos enviesada em favor dos rentistas que promova o emprego ao invés da inflação do preço do activos que leva o trabalho a emigrar. Além dos realinhamentos de divisas para tratar da dívida insustentável, a linha de solução indicada para estes países é uma grande mutação de impostos para fora do trabalho e em direcção à terra, tornando-a mais semelhante à Europa Ocidental. Simplesmente não há alternativa. Do contrário, o antigo conflito de interesses entre credores e devedores ameaçará dividir a Europa em campos políticos opostos, com a Islândia a fazer o ensaio geral.
Até que este problema da dívida esteja resolvido – e o único meio de resolvê-lo é negociar um apagamento da dívida (debt write-off) – a expansão europeia (a absorção da Nova Europa na Velha Europa) parece suspensa. Mas a transição para esta futura solução não será fácil. Os interesses financeiros ainda exercem um poder dominador sobre a UE e resistirão ao inevitável. Gordon Brown já mostrou as suas cores com as suas ameaças contra a Islândia de ilegalmente e inadequadamente utilizar o FMI como um agente colector para dívidas que a Islândia legalmente não deve e de chantagear com a entrada islandesa na UE.
Confrontados com a prepotência do sr. Brown – e dos caniches holandeses da Grã-Bretanha – 87% dos eleitores islandeses opuseram-se à liquidação da dívidas que no mês passado a Grã-Bretanha e Holanda procuraram forçar através da garganta do Allthing [parlamento]. Isto é uma votação nunca vista no mundo desde a antiga era stalinista.
Isto é só um aperitivo. A opção que a Europa fizer provavelmente levará milhões às ruas. Alianças políticas e económicas mudarão, divisas desmoronar-se-ão e governos fracassarão. A União Europeia, e na verdade o sistema financeiro internacional, mudará de formas ainda a serem vistas. Isto será o caso, em especial, se países adoptarem o modelo da Argentina e se recusarem a fazer pagamentos até serem efectuados descontos drásticos.
Pagar em euros – por imobiliário e fluxos de rendimento pessoal em situação líquida negativa, quando as dívidas excedem o valor actual dos fluxos de rendimento disponíveis para pagar hipotecas ou dívidas pessoais – é impossível para países que pretendam manter um mínimo de sociedade civil. "Planos de austeridade" estilo FMI e UE são um jargão anti-séptico para o impacto do encurtamento de vidas e da morte com o estripamentos de rendimentos, de serviços sociais, de gastos com saúde em hospitais, educação e outras necessidades básicas, assim como a liquidação de infraestruturas públicas para compradores transformarem países em "economias de portagem" onde toda a gente é obrigada a pagar preços de acesso a estradas, educação, cuidados médicos e outros custos para viver e fazer negócios que durante muito tempo foram subsidiados pela inflação progressiva na América do Norte e na Europa Ocidental.
Linhas da batalha estão a ser desenhadas quanto ao modo como as dívidas privada e pública devem ser reembolsadas. Para países que rejeitam o reembolso em euros, os países credores têm o seu "músculo" de sobreaviso: as agências de classificação de crédito. Ao primeiro sinal de que um país está a rejeitar o pagamento em divisa dura, ou mesmo à primeira indicação de questionar uma dívida externa como inadequada, as agências movimentar-se-ão para reduzir a classificação de crédito de um país. Isto aumentará o custo da tomada de empréstimos e ameaçará paralisar a economia por falta de crédito.
O tiro mais recente foi disparado em 6 de Abril, quando a Moody's degradou a dívida da Islândia de estável para negativa. "A Moody's reconheceu que a Islândia ainda pode alcançar um acordo melhor em negociações renovadas, mas diz que a presente incerteza está a prejudicar as perspectivas económicas e financeiras do país a curto prazo" [1]
O combate começou. Deverá ser uma década interessante.
[1] The Associated Press, "Moody's Downgrades Iceland Outlook", The New York Times, April 7, 2010.
O original encontra-se em http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=18545
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
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sexta-feira, 14 de outubro de 2011
Nem tudo está perdido
Se a diplomacia falhar, sempre haverá outros Davis que se disponham a promover novas intifadas contra os debilitados Golias
“Canta a primavera, pá /Cá estou carente
Manda novamente um algum cheirinho de alecrim”
(Chico Buarque, Tanto Mar)
Este cronista emocionou-se com a festa dos palestinos nas ruas de Ramallah e em vários pontos da Cisjordânia, durante a transmissão do discurso proferido pelo presidente da ANP, Mahmoud Abbas, na Assembleia Geral da ONU. A Palestina marcou um gol de placa ao reivindicar a cadeira nº 194 na hoje frágil e decadente organização, provocando imensa inquietude nos gabinetes de Washington e Tel Aviv. Ao romper com o moribundo “processo de paz” iniciado em 1993 em Oslo, optando por uma medida política (e diplomática) centrada na ONU, a ANP mandou um recado claríssimo para a Casa Branca, revogando sua “exclusividade” na mediação das negociações entre a Palestina e Israel, que visam à constituição sólida e definitiva de um Estado palestino naquela conturbada região do Oriente Médio.
É claro que a iniciativa da ANP não ocorre por acaso. Em meio à tão decantada “primavera árabe”, a turma do bom-mulato Obama e a falange do primeiro-ministro Netanyahu perdem espaço entre aliados históricos, em especial o Egito, assistindo, a contragosto, à ascensão de novos atores na cena regional, entre eles a Turquia e o obstinado Irã. Além disso, há novas alianças em formação no mundo globalizado, inclusive aquela que inclui a nossa querida América Latina, onde os principais países (à exceção de Colômbia e México) já subscreveram o legítimo direito palestino de criação do seu Estado nacional. O próprio Brasil, além de declarar publicamente seu irrestrito apoio à proposta, já tem assumido um papel expressivo nos territórios palestinos, financiando programas sociais, educativos e de saúde na Faixa de Gaza, cujo custo supera a casa de US$ 10 milhões. Se Tio Sam cortar sua verba assistencial de US$ 500 milhões anuais, em mesquinha retaliação pela iniciativa da ANP, não há problema: a presença do Brasil e da América Latina no Oriente Médio tenderá a ser cada dia maior...
Tudo isso são especulações otimistas do cronista, meu caro leitor. Sei que há muita gente cética sobre a aprovação do pedido encaminhado por Abbas à Assembleia, em face do poder de veto dos EUA no Conselho de Segurança da ONU, mas quem irá arcar com o ônus político dessa negativa é o próprio Império, cuja hipocrisia e desfaçatez no cenário internacional ficam cada dia mais evidentes. Afinal de contas, “primavera nos olhos dos outros é refresco...” Se a diplomacia falhar, sempre haverá outros Davis que se disponham a promover novas intifadas contra os debilitados Golias de um mundo em frangalhos.
A crise, aliás, é ótima parteira de ideias e eventos inusitados, que nos advertem a cada instante sobre a falência do projeto neoliberal em um planeta ansioso por profundas mudanças políticas e sociais. Por trás da enxurrada de notícias desanimadoras que a mídia nos despeja, há sempre um fato insólito a lembrar-nos que nem tudo está perdido na terra dos homens. Se a violência e a maracutaia seguem desenfreadas no planeta bola (que o diga a farra da Copa em Bruzundanga!), a Turquia nos brinda com um exemplo antológico de punição: condenado a realizar dois jogos da liga nacional de portões fechados, o Fenerbahçe do brasileiro Alex obteve o direito, a título de pena alternativa, de jogar para um público de mais de 40 mil mulheres e crianças, que lotaram o seu estádio em Istambul.
A experiência impressionou os jogadores dos dois times em campo, que, ao final da partida, se juntaram para distribuir flores para a torcida. Famoso pela brutalidade dos seus hooligans, o futebol turco presenciou uma multidão que entoou com rara afinação os cantos típicos das arquibancadas, torcendo o tempo todo com paixão, mas sem que se registrasse um único caso de agressão ao longo do espetáculo. Detalhe: tudo isso a custo zero, pois os ingressos eram gratuitos. Agora o cronista pergunta: será que a Fifa, dominada pela máfia de Blatter, Havelange, Teixeira & Cia., aprovou a iniciativa turca? E em 2014, cá em Bruzundanga, veremos algo parecido nos bilionários estádios “reformados” com o dinheiro do povo?
Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Estudos Literários pela Universidade de La Habana, é autor de Noel Rosa – Poeta da Vila, Cronista do Brasil e de Lima Barreto – o rebelde imprescindível.
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Mariza Abreu defende formação continuada dos professores
Rachel Duarte no SUL21
Secretária da Educação no governo de Yeda Crusius, Mariza Abreu tentou implementar mudanças no sistema de avaliação do ensino público do Rio Grande do Sul, mas o projeto foi barrado pela resistência do Cpers, que considerava a proposta uma maneira de estimular a competição entre escolas e professores, não contribuindo para a melhoria da qualidade da educação.
“O Cpers é contra qualquer proposta que cheire à vinculação de salário com resultado. E o grande problema do governo é que eles ofereceram para o magistério a perspectiva de um sonho que é colocar o piso salarial nesta estrutura de níveis e achar que vão conseguir pagar isso”, afirma a ex-secretária, em entrevista ao Sul21, que promove um debate sobre a avaliação do ensino público no Estado.
Na entrevista, Mariza Abreu defende que a melhor forma de avaliar o ensino é promovendo a formação continuada dos professores
Eu concordo que a discussão é o mérito, não meritocracia. Mérito é a palavra que os petistas utilizam e eu acho correta. A meritocracia é mais utilizada no meio empresarial. Neste debate, se tratam duas coisas que também são aceitas pelo movimento sindical: remunerar pela formação de forma diferenciada e remunerar pelos resultados do trabalho.
Eu acredito que a maneira de fazer isso, que foi a proposta que nós discutimos, é com formação continuada para os professores. Mas de forma real. O professor deve comprovar o seu aproveitamento.
Sul21 – Qual a sua avaliação sobre a proposta apresentada pelo governo Tarso?
Marisa Abreu – Eu conheço pelo que li na imprensa e pelo projeto da prefeitura de Canoas, que foi a referência. Também estudei a publicação da Confederação Nacional dos Trabalhadores de Educação (CNTE), de 2009, com as novas diretrizes do plano de carreira do magistério. Há uma limitação concreta na proposta por ser uma mudança feita por decreto. A avaliação dos professores no Rio Grande do Sul está, em grande parte, delineada na Constituição Estadual. Está lá a progressão na carreira alternada por atividade e merecimento, e adicionais por tempo de serviço. Para fazer este tipo de mudança tem que mudar a Constituição do Estado. Além disso, existe uma série de determinações relativas à promoção da carreira do magistério que estão na lei do estatuto do plano de carreira. Então, qualquer mudança feita por decreto só pode alterar os critérios para promoção por merecimento. Nada mais se pode mexer. Não pode mexer na alternância da promoção por atividade e merecimento, na quantidade de classes, no valor que acrescenta os vencimentos na promoção, no procedimento de vagas nas classes. Nesta proposta atual, há a intenção de considerar o rendimento dos alunos para progressão dos professores, de forma amostral. Como avaliar por amostra de escolas com notas mais altas? Percebemos que há uma tensão dentro do governo. O governador acreditando na avaliação do magistério e a secretaria de Educação desacreditando. A secretaria de Educação parece representar a posição sindical dento do governo. Quando há ataques ao governo, quem defende é o prefeito de Canoas, Jairo Jorge. A brincadeira que costumo fazer é que o secretário de Educação é a representação avançada do Cpers dentro do governo e o secretário é o Jairo Jorge.
Sul21 – A senhora acredita que o diálogo entre a categoria e o governo está mais na política do que no conteúdo da proposta?
Marisa Abreu – O Cpers é contra qualquer proposta que cheire à vinculação de salário com resultado, e se meteu num brete. Nem a diretoria da CNTE concorda com eles. E o grande problema do governo é que eles ofereceram para o magistério a perspectiva de um sonho que é colocar o piso salarial nesta estrutura de níveis e achar que vão conseguir pagar isso. Não quer dizer que isto não seja justo. Os professores têm direito de receber mais e todos os governadores gostariam de fazer isso. Eu tenho o maior desejo que o governo acerte a avaliação. Mas passa pela carreira, pela valorização salarial e a qualificação dos professores.
Sul21 – Qual a diferença do que propõe o governo, a promoção por merecimento e a meritocracia?
Marisa Abreu – Promoção por merecimento nós já temos. Eu não gosto da palavra meritocracia, é inadequada. “Cracia” no radical grego é “poder”. Quando falamos de carreira dos servidores não estamos falando de poder por mérito. Estamos falando de remuneração diferenciada por mérito. Eu concordo que a discussão é o mérito, não meritocracia. Mérito é a palavra que os petistas utilizam e eu acho correta. A meritocracia é mais utilizada no meio empresarial. Neste debate, se tratam duas coisas que também são aceitas pelo movimento sindical: remunerar pela formação de forma diferenciada e remunerar pelos resultados do trabalho.
Sul21 – Quais os critérios ideais para avaliação dos professores?
Marisa Abreu – Isso é um pouco complicado porque o trabalho do professor não é manual, mas intelectual. No caso, é a produção integral do aluno. O conjunto dos valores, atitudes e comportamentos deste aluno. Este resultado não se faz apenas com o professor, é responsabilidade da escola, da família, da mídia, das associações. Mas qual é a função social precípua da escola? É o desenvolvimento das habilidades e competências cognitivas dos conteúdos escolares. A escola existe para transferência da herança cultural da humanidade entre gerações. Este é o processo educacional. Então, o produto do trabalho do professor é o nível de aprendizagem e a aprovação dos alunos.
Sul21 – Critério por desempenho do aluno não é insuficiente, uma vez que o professor pode simplesmente passar os alunos?
Marisa Abreu – Primeiro, este produto é coletivo. O que o aluno aprendeu de português na 7ª série é resultado do que ele aprendeu também na 6ª. É preciso também considerar o que ele aprendeu em outras disciplinas. É muito mais conseqüente fazer esta avaliação do coletivo. Todos os estudos da educação nos mostram que quase 70% do nível de aprendizagem dos alunos é decorrente de fatores de fora da escola. O fator que isoladamente mais aparece é o nível de escolaridade da mãe ou de quem está neste papel. Mas, tem os outros 40%, 30%, que são da escola. O mesmo professor, fazendo o mesmo trabalho, com a mesma dedicação, mas se estiver em uma escola de periferia urbana ou classe social mais elevada, o nível de aprendizagem será diferente e não será resultado apenas do trabalho dele. Tudo isso tem que ser considerado. E é possível. Avaliam-se o esforço e progressão da escola ano a ano, por exemplo. Mas este é exatamente o “x” da questão: como fazer?
Sul21 – Em sua opinião, qual o ideal? A proposta feita no governo anterior?
Marisa Abreu – Eu acredito que a maneira de fazer isso, que foi a proposta que nós discutimos, é com formação continuada para os professores. Mas de forma real. O professor deve comprovar o seu aproveitamento. Na maioria das carreiras brasileiras, a avaliação de formação continuada para professor é por freqüência. Os professores participam de atividades e capacitações, mas não são avaliados sobre o real aprendizado. Eles apresentam atestados para subir na sua carreira e estes atestados são considerados para pontuação pelo número de horas. O que se observa neste processo é que 80% dos professores, a cada dois anos, fazem cursos de capacitação, e isso não faz a mínima diferença. O governo também tem que avaliar os professores, uma espécie de ENEM. A prova do concurso público tem que ser qualificada também. Eu estou muito feliz que este governo está dizendo que irá fazer isto. Tínhamos proposto que o concurso público tivesse prova especifica do conhecimento dos professores por área. Este tipo de prova poderia ser feito ao longo da vida profissional do educador. Títulos com aproveitamento e provas de conhecimentos feitos pelo governo. Além disso, como já fazem governos do PSDB e do PSB no Brasil, inclusive uma gestão do PCdoB no Paraná também fez, é pagar um 14º salário pela avaliação dos resultados anuais da escola aferidos pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). A CNTE critica isso, não por utilizar o IDEB, não concordam com a política de 14º porque desconfiguraria a carreira, quebrando a paridade das carreiras.
Sul21 – Não é uma forma de estimular uma competição desleal entre as escolas, uma vez que existe diferença de condições conforme a região e a gestão?
Marisa Abreu – Mas tem que considerar a condição de cada escola e o nível socioeconômico dos alunos. A maneira de premiar/remunerar o esforço dentro de escolas iguais. O valor do 14º salário seria comparado com elas mesmas e entre as que têm condições iguais. Mas a CNTE não concorda por quebrar a paridade entre ativos e inativos. Mas quem acabou com isso foi o Lula. Pela reforma da Previdência feita pelo Lula em 2003, quem entrou em janeiro de 2004 e não tinha os 20 anos de serviço público, o valor do provento foi calculado pela média das maiores remunerações correspondentes a 80% do período contributivo. Uma vez definido este valor ele passa a ser reajustado pelos mesmos índices e datas do regime geral da previdência, ou seja, pelo INSS. Não existe mais integralidade e paridade para os servidores brasileiros e o Lula estava certo. Agora terá teto para as categorias, mas os governos têm que mandar suas propostas de regime complementar. Só dois governos fizeram isso: o Lula e a Yeda. No governo Yeda teve rejeição por parte da oposição e a proposta foi vetada em dezembro de 2010. A proposta do Lula está tramitando e a Dilma mandou andar para ser votada nas comissões da Câmara. Aqui, o Tarso se subordinou de tal forma ao Cpers que enviou um artigo nos dois projetos de lei garantindo a paridade mesmo àqueles que não têm pela reforma do Lula. É uma impropriedade conceitual e técnica.
Sul21 – É possível falar em qualidade de ensino, sem cumprir os 35% do PIB para educação previstos da Constituição Estadual e o piso do magistério?
Marisa Abreu – Estes 35% da Constituição Estadual não conseguimos cumprir e não vamos cumprir de jeito nenhum. A Constituição Federal diz 25%. Não podemos colocar 25% e cumpri-los? Esta é outra façanha do Rio Grande do Sul. Estamos sempre contra e brigando. A questão do piso é outra piada de mau gosto. Não existe este negócio que o governo está falando que irá pagar o piso em quatro anos. Nós já fizemos os cálculos. Quando o governo começou no início do ano a diferença entre o piso e o vencimento básico era de 66%. O governo deu 10,9% de reajuste em maio e baixou para 50%. O reajuste do piso nacional será de 16,6% em janeiro de 2012. Isso vai aumentar a diferença do piso do magistério para 65%. É uma linha no horizonte que se afasta. Tarso não irá cumprir nunca este plano de carreira. Nunca. Agora, qual é o problema do plano de carreira do Rio Grande do Sul? É que é o único feito antes da Constituição de 1988. Há uma diferença entre o vencimento médio e o superior de 85%. É impagável. Nós propomos 30%. Em Canoas é 33%. Não tem como pagar.
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Para Cpers, avaliação isenta Estado e sobrecarrega professores
Rachel Duarte no SUL21
Na sequência do debate sobre a avaliação da educação pública no Rio Grande do Sul, o Sul21 entrevista a presidenta do Cpers, Rejane de Oliveira, que tem uma visão crítica em relação à proposta apresentada pelo governo do Estado. Para a dirigente sindical, o governo põe a “culpa” da má qualidade do ensino na conta dos professores e se isenta de suas responsabilidades – principalmente o pagamento do piso nacional do magistério.
“Pelo que já vimos da proposta, ela demonstra uma intenção de retirar as responsabilidades do Estado sobre os problemas da educação e jogar sobre os ombros dos professores”, afirma Rejane.
Sul21 – O governo adiou a publicação do decreto lei que propõem mudanças na forma de avaliação do ensino público. Como está a conversa entre o governo e o Cpers?
Rejane de Oliveira - Ficou combinada a audiência depois de termos entrado na secretaria de Educação. Como dissemos que iríamos acampar na sala, disseram que iriam rever a posição de publicar o decreto no dia 14 de outubro, portanto o debate seguirá até dezembro. Não há mais uma data marcada para a publicação do decreto. Até lá, vamos ler a proposta detalhadamente e discuti-la com a categoria. Vamos discutir também com o governo e analisar o que de fato está colocado.
Sul21 – O Cpers está com a proposta do governo em mãos?
Rejane de Oliveira – Estamos com o material por escrito e estamos analisando. Vamos ter reuniões entre a diretoria do Cpers e nesta semana vamos reunir com a secretaria de Educação para dar uma primeira posição sobre a proposta ao governo.
Sul21 – O que já é possível dizer sobre a proposta elaborada pelo governo?
Rejane de Oliveira - Pelo que já vimos da proposta, ela demonstra uma intenção de retirar as responsabilidades do Estado sobre os problemas da educação e jogar sobre os ombros dos professores. Esta é a concepção do que está sendo sugerida, um esvaziamento do Estado e uma sobrecarga aos trabalhadores. A proposta é de pontuação e avaliação externa, avaliação de desempenho e responsabiliza os trabalhadores pela evasão da escola pública. Isto não dialoga com o que defendemos historicamente como um processo de avaliação. Nós temos avaliação no plano de carreira e vamos dizer para o governo o modelo que nós defendemos como ideal. O plano de carreira tem uma progressão pelos níveis de habilitação e por avaliação de merecimento, com vários critérios. Em vez de o governo pagar o piso do magistério, que é uma reivindicação amparada por lei, como forma de valorizar os trabalhadores, ele faz uma proposta de sobrecarregar e culpar os professores pela falta de investimentos na educação pública.
Sul21 – A principal crítica não está no conteúdo da proposta, mas na falta de compromisso com os deveres constitucionais do Estado?
Rejane Oliveira – Como o governo fala em avaliação do ensino sem cumprir com os 35% da receita líquida, como está na Constituição Estadual, assim como o não cumprimento do pagamento do piso do magistério? O governo está tendo muita agilidade para criar novas propostas e pouca agilidade para garantir aquilo já conquistado em lei pelos trabalhadores.
Rejane Oliveira – Nós entendemos que a avaliação continuada é uma reivindicação histórica da categoria. Mas o governo não pode querer utilizar este argumento para mudar mecanismos no sistema de avaliação que já temos. O governo que cumpra o seu papel de garantir a formação continuada dos trabalhadores em educação sem mexer no processo de avaliação conquistado e construído pelos trabalhadores.
Sul21 – Agora que o Cpers teve acesso ao projeto, ainda é possível considerar como uma proposta de meritocracia?
Rejane Oliveira- Toda a proposta que fala sobre avaliação externa, pontuação e tenta jogar sobre o ombro dos trabalhadores o que é de obrigação do Estado culpa os trabalhadores e tem um caráter meritocrático.
Sul21 – Em síntese, qual o modelo ideal de avaliação do ensino na visão do Cpers?
Rejane Oliveira – Nós não terminamos a análise do projeto do governo, mas defendemos o nosso plano de carreira, a manutenção do processo de avaliação como está hoje e que o governo pague o piso nacional para os trabalhadores em educação. É importante dizer que a nossa categoria está fazendo caravanas pelo interior, construindo a greve pela exigência do piso. Não abrimos mão desta conquista. Temos uma assembleia geral prevista para novembro. O governo, se não pagar o piso por vontade própria, será obrigado a pagar pela luta da categoria.
quinta-feira, 13 de outubro de 2011
Onde o fogo começa a queimar
Um estudo do Instituto Nacional do Câncer divulgado no mês passado reuniu dados sobre a atual situação do tabagismo no Brasil e trouxe à tona problemas graves em relação ao consumo juvenil de tabaco. Entre eles: metade dos adolescentes com idade entre 13 e 15 anos já comprou cigarro, cuja venda deveria ser restrita aos maiores de 18 anos. O levantamento, que reuniu dados de pesquisas realizadas entre 2002 e 2009 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), revelou que a publicidade de cigarro dirigida a jovens é cerca de 70% maior do que a adultos e é na faixa etária entre 17 e 19 anos que os fumantes brasileiros se iniciam.
Sabe-se que nem todos os adolescentes que experimentam cigarros se tornam fumantes, mas que a experimentação é o primeiro passo e a iniciação precoce aumenta significativamente os riscos de adoecimentos.
Sabe-se que nem todos os adolescentes que experimentam cigarros se tornam fumantes, mas que a experimentação é o primeiro passo e a iniciação precoce aumenta significativamente os riscos de adoecimentos.
Para entender por que um jovem começa a fumar, é preciso atentar para algumas importantes características: o adolescente, na maioria das vezes, quer parecer mais velho, fazer parte de um grupo e não tem a completa percepção de consequências a longo prazo. São inerentes à adolescência o imediatismo e o prazer. Assim, uma abordagem mais ampla sobre o cigarro visará expandir as noções que os jovens têm de prazer e identidade grupal, ajudando-os a valorizar a autonomia de suas escolhas.
Ao querer parecer mais velhos do que de fato são, os adolescentes olham para os adultos em busca de um modelo de comportamento. Sendo os pais os adultos de referência do adolescente, é comum que ele os imite também no quesito fumar. O mesmo vale para os professores. As pesquisas mostram que em lares onde pelo menos um dos pais fuma, é maior o número de adolescentes que se iniciam nesse hábito.
Além do exemplo, temos no Brasil um acesso livre dos adolescentes ao fumo. As primeiras tragadas não vêm da compra do produto, vêm do acesso livre ao mesmo. Não é incomum pais que fumam pedirem a seus filhos que comprem cigarro num ponto próximo à casa, ensinando aos filhos o caminho para a aquisição do tabaco.
Uma vez que o jovem está em busca de sua identidade, o ato de fumar transmite ao adolescente a possibilidade de se reunir e de pertencer a um determinado grupo, o que costuma ser amplamente utilizado pelas empresas de tabaco. Apesar da proibição da propaganda de cigarros em diferentes mídias, 46% dos adolescentes entre 15 e 24 anos viram propaganda de cigarro nos últimos 30 dias, segundo o estudo a Situação do Tabagismo no Brasil, do Instituto Nacional do Câncer (Inca). Nelas, em geral, é reforçada a ideia de que fumar este ou aquele cigarro dá características comuns a outros fumantes do mesmo produto. Muitos cigarros costumam ser patrocinadores de competições esportivas associando sua imagem à força e liberdade. Outro dado muito importante revelado pela pesquisa do -Inca: em 2008, 17,5% da população brasileira com 15 anos ou mais eram usuários de algum tipo de tabaco (fumado e não fumado), o equivalente a cerca de 25 milhões de pessoas.
O consumo de tabaco também está relacionado à escolaridade: quanto menor o nível de instrução, mais cedo se começa a fumar. Entre os fumantes, 40% dos que começaram a fumar cedo têm pouquíssima escolaridade. Os mais instruídos iniciam-se no vício entre 17 e 19 anos e os menos instruídos, abaixo dos 15 anos de idade. As regiões Nordeste e Centro-Oeste registraram a maior proporção de indivíduos que começaram a fumar com menos de 15 anos. Também são essas as regiões com maior dificuldade de acesso dos jovens à educação. As diversidades culturais também devem ser relevadas. Em alguns lugares o hábito de fumar está arraigado ao modo de viver da população.
O papel da escola
Quanto mais cedo se começa a fumar, mais graves os problemas de saúde – a diferença de um ano pode dobrar os riscos de danos. Com isso, percebemos a importância da escola no combate ao consumo de tabaco, porque quanto mais instruído o adolescente é, melhor ele estabelece a relação de longo prazo entre causa e consequência. Maior a probabilidade de eficiência na abordagem educativa. Esta deve acontecer quando há espaços planejados e intencionais e, nelas, os comportamentos e escolhas dos jovens também devem ser entendidos como fazendo parte do conteúdo a ser incorporado no trabalho pedagógico.
Quanto mais cedo se começa a fumar, mais graves os problemas de saúde – a diferença de um ano pode dobrar os riscos de danos. Com isso, percebemos a importância da escola no combate ao consumo de tabaco, porque quanto mais instruído o adolescente é, melhor ele estabelece a relação de longo prazo entre causa e consequência. Maior a probabilidade de eficiência na abordagem educativa. Esta deve acontecer quando há espaços planejados e intencionais e, nelas, os comportamentos e escolhas dos jovens também devem ser entendidos como fazendo parte do conteúdo a ser incorporado no trabalho pedagógico.
A pesquisa International Tobacco Control – ITC Brasil, realizada em três capitais brasileiras em 2009, mostra que 95% dos fumantes têm conhecimento da associação do fumo com doenças cardíacas e 96% conseguem relacionar o consumo do tabaco ao câncer de pulmão. A compreensão da passagem do tempo, com suas consequências, que parecem para o adolescente muito distantes, faz com que eles tenham dificuldade em dar a devida importância às consequências que o tabaco pode ter. Por isso, a relação com o tempo deve ser trabalhada pelos professores em matérias como história e matemática, por exemplo, o que fará com que a informação de que o cigarro faz mal no futuro tenha importância no aqui e agora.
Discussões ou exemplos que incluam o combate ao fumo devem estar presente com naturalidade nos exemplos dos professores. Claro que momentos de reflexão sobre o tema têm sua importância, mas o alerta sistemático dos professores para o risco do fumo – associado à compreensão de outros conteúdos – pode ser muito mais efetiva.
Diego Bragante
Psicólogo e coordenador de Psicologia na Clínica Medicina do Comportamento e no Residencial Terapêutico Vila Verde
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Emir Sader: O maior massacre da história da humanidade
12 de outubro marca o início dos maiores massacres da história da humanidade. A chegada dos colonizadores, invadindo e ocupando o nosso continente – ate aí chamado Aby ayala pelas populações indígenas -, representava a chegada do capitalismo, com o despojo das riquezas naturais dos nossos países, da destruição das populações indígenas e a introdução da pior das selvagerias: a escravidão.
Por Emir Sader, em seu blog
Chegaram com a espada e a cruz, para dominar e oprimir, para impor seu poder militar e tentar impor sua religião.
Centenas de milhões de negros foram arrancados dos países, das suas famílias, do seu continente, à força, para serem trazidos como raça inferior, para produzir riquezas para as populações ricas da Europa branca e colonizadora. Uma grande proporção morria na viagem, os que chegavam tinham vida curta – de 7 a 9 anos -, porque era mais barato trazer nova leva de escravos da Africa.
Os massacres das populações indígenas e dos negros revelava como o capitalismo chegava ao novo continente jorrando sangue, demonstrando o que faria ao longo dos séculos de colonialismo e imperialismo. Fomos submetidos à chamada acumulação originária, aquele processo no qual as novas potências coloniais disputavam pelo mundo afora o acesso a matérias primas, mão de obra barata e mercados. A exploração colonial das Américas fez parte da disputa entre as potências coloniais no processo de revolução comercial, em que se definia quem estaria em melhores condições de liderar o processo de revolução industrial.
Durante mais de 4 séculos fomos reduzidos a isso. Os ciclos econômicos da nossa história foram determinados não por decisões das populações locais, mas das necessidades e interesses do mercado mundial, controlado pelas potências colonizadoras. Pau brasil, açúcar, açúcar, borracha, no nosso caso. Ouro, prata, cobre, carne, couro, e outras tantas riquezas do novo continente, foram sendo reiteradamente dilapidados em favor do enriquecimento das potências colonizadoras europeias.
Assim foi produzida a dicotomia entre o Norte rico e o Sul pobre, entre o poder e a riqueza concentrada no Norte – a que eles chamavam de “civilização” – e a pobreza e a opressão – a que eles chamavam de “barbárie”.
O início desse processo marca a data de hoje, que eles chamavam de "descoberta da América", como se não existissem as populações nativas antes que eles as “descobrissem”. No momento do quinto centenário buscaram abrandar a expressão, chamando de momento de “encontro de duas civilizações”. Um encontro imposto por eles, baseado na força militar, que desembocou no despojo, na opressão e na discriminação.
Não nos esqueçamos disso, demos à data seu verdadeiro significado, que nos permita entender o presente à luz desse tenebroso passado de exploração e de massacre das populações indígenas e das populações negras.
Centenas de milhões de negros foram arrancados dos países, das suas famílias, do seu continente, à força, para serem trazidos como raça inferior, para produzir riquezas para as populações ricas da Europa branca e colonizadora. Uma grande proporção morria na viagem, os que chegavam tinham vida curta – de 7 a 9 anos -, porque era mais barato trazer nova leva de escravos da Africa.
Os massacres das populações indígenas e dos negros revelava como o capitalismo chegava ao novo continente jorrando sangue, demonstrando o que faria ao longo dos séculos de colonialismo e imperialismo. Fomos submetidos à chamada acumulação originária, aquele processo no qual as novas potências coloniais disputavam pelo mundo afora o acesso a matérias primas, mão de obra barata e mercados. A exploração colonial das Américas fez parte da disputa entre as potências coloniais no processo de revolução comercial, em que se definia quem estaria em melhores condições de liderar o processo de revolução industrial.
Durante mais de 4 séculos fomos reduzidos a isso. Os ciclos econômicos da nossa história foram determinados não por decisões das populações locais, mas das necessidades e interesses do mercado mundial, controlado pelas potências colonizadoras. Pau brasil, açúcar, açúcar, borracha, no nosso caso. Ouro, prata, cobre, carne, couro, e outras tantas riquezas do novo continente, foram sendo reiteradamente dilapidados em favor do enriquecimento das potências colonizadoras europeias.
Assim foi produzida a dicotomia entre o Norte rico e o Sul pobre, entre o poder e a riqueza concentrada no Norte – a que eles chamavam de “civilização” – e a pobreza e a opressão – a que eles chamavam de “barbárie”.
O início desse processo marca a data de hoje, que eles chamavam de "descoberta da América", como se não existissem as populações nativas antes que eles as “descobrissem”. No momento do quinto centenário buscaram abrandar a expressão, chamando de momento de “encontro de duas civilizações”. Um encontro imposto por eles, baseado na força militar, que desembocou no despojo, na opressão e na discriminação.
Não nos esqueçamos disso, demos à data seu verdadeiro significado, que nos permita entender o presente à luz desse tenebroso passado de exploração e de massacre das populações indígenas e das populações negras.
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Em debate, o sistema de avaliação do ensino público no RS
Rachel Duarte no Sul21
Secretaria da Educação a Cpers devem se reunir mais uma vez nesta quinta-feira (13) para discutir o novo sistema de avaliação do ensino público que vem sendo proposto pelo governo gaúcho. A proposta causa resistências, principalmente entre a categoria, que no dia 29 de setembro conseguiu fazer com que o governo adiasse a publicação do decreto que instituiria o Sistema Estadual de Avaliação Articulada Participativa.
Conforme anunciado, o Sul21 promove um debate sobre o tema. Nos últimos dias, entrevistamos a presidenta do Cpers, Rejane de Oliveira; a ex-secretária da Educação, Mariza Abreu; a presidenta do Conselho Estadual de Educação, Sônia Balzano; e a secretária adjunta da Educação, Maria Eulália Nascimento, que abre a série de entrevistas que serão publicadas entre esta quinta e sexta-feira (14).
“O Sistema Estadual de Avaliação Articulada Participativa vai avaliar não um aluno isoladamente, mas fazer um diagnóstico envolvendo escolas, coordenadorias regionais e secretaria de Educação. Hoje há uma avaliação de desempenho de alunos, parcial”, afirma Maria Eulália.Na entrevista, a secretária adjunta da Educação dá detalhes sobre a proposta do governo, que promete “avaliar não um aluno isoladamente, mas fazer um diagnóstico envolvendo escolas, coordenadorias regionais e secretaria de Educação”, comenta as críticas do Cpers e afasta que o projeto se baseie na ideia de “meritocracia”. “O mundo já está abandonando esta concepção, então não serão nem o governador Tarso Genro nem o secretário José Clóvis que irão instituir algo que sempre fomos contrários”, afirma.
Sul21 – Qual a mudança que o governo está propondo?
Maria Eulália Nascimento - Hoje existem no Rio Grande do Sul dois sistemas de avaliação. Um que é o sistema nacional, o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), que aplica provas de língua portuguesa e matemática entre os alunos, e faz amostragens. E o outro sistema, instituído em 2007, que é o Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Rio Grande do Sul (SAERS), que se sobrepõe, na nossa opinião, em relação ao SAEB, porque também é restrito a aplicação de provas da língua portuguesa e matemática.
Sul21 – O SAERS é inadequado?
Maria Eulália Nascimento – Ele será extinto com a edição do decreto que institui o sistema estadual de avaliação. O Sistema Estadual de Avaliação Articulada Participativa vai avaliar não um aluno isoladamente, mas fazer um diagnóstico envolvendo escolas, coordenadorias regionais e secretaria de Educação. Hoje há uma avaliação de desempenho de alunos, parcial. Vamos articular o SEAAP com o SAEB e ampliar as áreas de avaliação dos alunos para as ciências humanas e ciências da natureza. Em escolas típicas, serão selecionados os dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Vamos selecionar escolas de baixo, médio e alto IDEB para definir políticas públicas. Hoje, quando são avaliados unicamente os alunos, temos a visão de que se a nota do aluno no IDEB é baixa, os professores são ruins e a escola não é boa. Queremos avaliar as instituições e vincular isso ao desempenho dos alunos. Estamos, em primeiro lugar, interpretando o IDEB. Que fatores interferem no resultado? Qual o nível de participação da comunidade escolar? Quais são as linhas do projeto pedagógico? Qual a implicação da estrutura física das escolas nessa realidade? Quando dizemos que é um sistema institucional, é porque também as coordenadorias e a secretaria serão avaliadas. Nós queremos buscar um diagnóstico e as tarefas da secretaria de Educação.
Sul21 – E quanto à permanência dos alunos?
Maria Eulália Nascimento – É o que tem gerado mais polêmica atualmente, pelo desconhecimento da proposta. As escolas, em sua grande maioria, fazem um esforço tremendo para melhorar o seu trabalho, em especial no que diz respeito à permanência dos alunos nas escolas. Tanto que existe a Ficha de Comunicação do Aluno Infrequente, e seguidamente o Ministério Público, os conselhos tutelares, se reúnem com os professores, com a direção, porque essa ficha é o instrumento para ir atrás dos alunos que não estão vindo para a escola. Esse esforço coletivo existe, não estamos inventando, isso nunca repercutiu positivamente na carreira dos professores. Essa é a novidade, digamos assim, do vínculo com a trajetória individual do professor. A novidade nas promoções dos professores é que a avaliação institucional e esse empenho na manutenção e ampliação da permanência dos alunos nas escolas serão uma parte do conjunto da pontuação na carreira para promoção. E isso não tem nada a ver com a mudança do plano de carreiras. Porque o plano de carreiras é uma lei e estabelece que os professores têm direito a promoções. O processo de regulamentação da promoções foi feito por decreto. Nós vamos instituir um novo regulamento das promoções. Essa articulação entre a avaliação institucional, a trajetória individual dos alunos, a ampliação das áreas de avaliação, a valorização dos trabalhos da escola e dos professores coletivamente, é que serão interligados nesse sistema.
Sul21 – De acordo com estes critérios, qual é a diferença da pontuação por merecimento e a chamada meritocracia?
Maria Eulália Nascimento – Existem duas formas de se ter a promoção: por merecimento e por antiguidade. Nós estamos tratando da questão do merecimento. A promoção é um somatório de pontos. O critério de avaliação hoje é rendimento e qualidade do trabalho. É dividido em quatro conceitos: mínimo, regular, bom e excelente. Com essa subjetividade, acaba com que ou fique à mercê das simpatias e antipatias, que é um risco quando não há objetividades, ou que todo mundo seja bem avaliado, para não se incomodar. Nós queremos que o rendimento e a qualidade, por exemplo, sejam avaliados. Hoje tu podes apresentar poucos certificados de participação de curso, e nós estamos ampliando isso porque estamos fazendo uma política de estìmulo à formação continuada. Nós temos professores que produzem blogs, as tecnologias do momento, e isso está sendo incluído nas possibilidades de avaliação. Há outros itens, como o reconhecimento público do trabalho do professor. Quando digo que estamos articulando a avaliação do sistema, com as trajetórias dos alunos, com a valorização do empenho coletivo dos professores, que é um pedacinho da avaliação, estou sendo incisiva em dizer que isso não tem nada a ver com a meritocracia. Por quê? A meritocracia, na sua essência, estimula a competição. No governo anterior tivemos uma política de contrato de gestão com as escolas, que não se concretizou, mas houve a intenção. Na escola isso não combina. Esse contrato de estabelecer metas, e se não cumprissem, até previa demissão. Não passou, mas era uma proposta de meritocracia. Quando se faz ranking de escola, mesmo com o critério de colocar o IDEB na pontuação da escola, tu reforças rótulos nas escolas. Esta é boa e a outra é ruim. Isto faz com que os pais queiram matricular os filhos apenas naquelas escolas com conceito melhor, reforçando aquele conceito. Outra coisa que configura meritocracia é o bônus por prêmio, o 14º salário. Se a escola cresce, os professores ganham prêmio, se não cresce, os professores não ganham. Esta lógica não funciona. Estamos construindo uma cultura diferente. A educação é essencialmente um processo cooperativo. A construção é coletiva, professor, escola e comunidade. A vida já faz a pessoa competir em muitas coisas, precisamos fazer com que os alunos tenham autonomia intelectual, crítica, capacidade de dominar os conteúdos e saírem instrumentalizados para se virarem na vida. O mundo já está abandonando esta concepção de meritocracia, então, não serão nem o governador Tarso Genro nem o secretário José Clóvis que irão instituir algo que sempre fomos contrários.
Sul21 – Como será a avaliação externa feita com a participação da comunidade?
Maria Eulália Nascimento - São nove cadernos de orientação com um conjunto de indicadores que possibilitarão a avaliação da escola sob vários aspectos: estrutura, projeto pedagógico, visão dos pais, professores. Em cada relatório serão levadas em conta as especificidades de cada escola.
Sul21 – Como serão os critérios para controle de assiduidade e frequência, que foi um ponto criticado na proposta da prefeitura de Canoas?
Maria Eulália Nascimento – Licenças de saúde e laudos médicos serão respeitados. No Plano de Carreira do Magistério podemos ter até dez faltas justificadas ao ano, sem prejuízo funcional. Mas hoje quem tem até nove faltas não justificadas pontua igual. Nós entendemos que o esforço do professor em não faltar deve ser prestigiado, então estamos tirando esta possibilidade de faltas não justificadas. Não podemos avaliar ambos, o que não falta nunca e o que falta muito, da mesma forma.
Sul21 – A senhora poderia sintetizar a proposta do governo pelos principais pontos de mudança?
Maria Eulália Nascimento - Temos cinco pontos hoje: rendimento e qualidade no trabalho; cooperação; deveres e responsabilidades; conhecimentos e experiências; e iniciativa. Estes itens valem quase 68% do total para fins de promoção. A avaliação com critérios objetivos, que são assiduidade, trabalhos elaborados e participação em encontros valem 32%. O que nós propomos é a inversão desta valoração. A cooperação, que estará distribuída entre avaliação coletiva da escola e o aumento das taxas de permanência com a avaliação dos critérios que existem hoje no plano de carreira, passam para 24,32%. Portanto, o empenho coletivo dos professores não fará diferencial como competição, estará incluído em um processo. A assiduidade e pontualidade valem 18,91%, e valerão 10,82%. Os trabalhos elaborados, participação em encontros e cursos passarão a valer 64,86%. Nós entendemos que o empenho dos professores em produzir e participar de outras atividades é o grande mérito da avaliação. Hoje a formação vale 13,7%. Não será pouca mudança.
Sul21 – O governo espera resistência por parte dos professores, desestimulados a buscarem o aperfeiçoamento?
Maria Eulália Nascimento – Este tipo de incômodo é menos preocupante do que aquele que se diz contrário ao que nem conhece ou deturpa o que está sendo proposto. Este é o incomodo que nos preocupa. O que nós estamos fazendo é valorizar o empenho e o estudo dos professores, mais do que outros critérios. Pode haver resistência. Mas a crítica pela crítica, alegando que é meritocracia, é o que mais dói. São muitos anos de experiências para ver nosso esforço reduzido em uma frase.
Sul21 – Mas a crítica de alguns setores da sociedade e do sindicato da categoria, o Cpers, foi de que não se conhece a proposta do governo e ela já estava sendo enviada por decreto mesmo assim.
Maria Eulália Nascimento – A dinâmica do governo não é a mesma do sindicato. Entendemos que os movimentos sociais são independentes do governo, mas isto não quer dizer que o governo irá se atrelar aos movimentos também. Nós recebemos o Cpers para apresentar detalhadamente a nossa proposta e entregamos a eles um documento. Eles disseram que não ouviriam a proposta, se nós não garantíssemos prazo de negociação nas mudanças de avaliação referente aos professores. Abrimos um prazo, não temos pressa.
Sul21 – Outra crítica do Cpers é que não é possível pensar a melhora da qualidade do ensino sem cumprir os deveres constitucionais de valorização salarial dos professores, como o piso do magistério.
Maria Eulália Nascimento – Sempre terá tensão sobre estes pagamentos. Mas há um grande investimento do governo na educação desde o começo da gestão. A previsão orçamentária da educação neste ano era de R$ 23 milhões, e houve uma suplementação de mais de R$ 70 milhões. Isto já demonstra prioridade do governo Tarso na educação. A questão do reajuste acordado em 10,91% nos aproximou do piso. Nós estamos cumprindo duas leis ao mesmo tempo, a lei do piso e a lei do plano de carreira. Os Estados que já cumprem o piso achataram o plano de carreira. Não vamos fazer isto. Só não aceitamos que o piso seja um argumento de recusa a negociar mudanças na avaliação do ensino. Ambos buscam a qualidade do ensino. Não estamos falando só de reestruturação curricular, estamos falando em modernização de escolas e valorização profissional. Este ano 9,6 mil professores foram promovidos em setembro, e não tinham promoção desde 2002. Estamos fazendo tudo simultaneamente e estamos abertos para discutir durante o processo. Não estamos pagando o piso, sabemos, mas vamos pagar ao longo do governo.
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