La Haine - [Juan Gelman, Página 12, Tradução de Diário Liberdade] As tropas do regime estadunidense não são só para se apoderar das riquezas da região: trata-se do sonho imperial de colonizar o mundo inteiro. Não terminava de se findar o estrondo da última bomba que a OTAN despejou na Líbia quando o presidente Obama anunciou a decisão de intervir militarmente outro país africano: Uganda. "Isto é necessário – disse – porque o Exército de Resistência do Senhor (ERS) representa uma ameaça para a segurança regional" (www.whitehouse.gov, 14 de outubro de 2011). Em certo sentido, o argumento é novo: até o presente, a Casa Branca invadia países "em defesa da segurança nacional", a dos Estados Unidos. Esta explicação da operação em Uganda – ao que já se destinou 40 milhões de dólares – põe de manifesto a capacidade de troca que caracteriza o mandatário estadunidense e a amplitude de sua preocupação pelo mundo inteiro. Washington enviará uma centena de "assessores militares" para contribuir com o aniquilamento do ERS, uma miniguerrilha de vaga orientação cristã sem base social alguma que cometeu atentados terroristas na zona. Opera desde mais de 20 anos, mas o Departamento de Estado presta agora uma repentina atenção. Esse corpo de elite "permanecerá no país todo o tempo que for necessário", precisou Obama, e a história é conhecida: a intervenção dos Estados Unidos no Afeganistão começou com pessoal militar escasso e hoje ascende a 100 mil o número de seus efetivos no país asiático. A generosidade do chefe da Casa Branca se somou em outra oferta: está disposto a intervir no Congo e na República Centro-Africana "se esses Estados solicitarem". No dia 16 de outubro, dois dias depois do anúncio de Obama, tropas da Quênia invadiram o sul da vizinha Somália por terra, mar e ar com o propósito declarado de impedir que supostos membros da organização islâmica al-Shabaab seguissem violando a fronteira. A Casa Branca manifestou sua surpresa pelo fato e negou que estivesse envolvida, mas os mísseis que causaram a morte de centenas de civis somalis "parecem ter sido disparados desde aviões não-tripulados ou submarinos estadunidenses", segundo The Economist (www.economist.com, 29 de outubro de 2011). A França negou sua participação na operação e foi desmentida por um porta-voz militar do Quênia, o major Emmanuel Chirchir, que manifestou que a marinha de guerra francesa havia bombardeado populações somalis (The New York Times, 23 de dezembro de 2011). A Líbia ficou para trás, mas a OTAN é incessante. Tudo parece indicar que, na realidade, avança a aplicação da estratégia do comando dos Estados Unidos para África (Africom, por sua sigla inglesa). Os EUA perseguem o controle militar das zonas estratégicas do continente negro: Líbia, atravessada pelo Mediterrâneo que banha o Oriente Médio e África; o Chifre da África e a região central africana, que facilitam o controle do Oceano Índico e do Atlântico. Pode-se pensar que a razão deste desígnio é se apoderar das riquezas da região, o petróleo líbio, por exemplo, e as reservas de ouro negro da Somália, ao que parece volumosas. Não deixa de ser assim, mas o jogo é mais amplo: trata-se do sonho imperial de colonizar o mundo inteiro. O Pentágono treina febrilmente os militares de Mali, Chade, Níger, Benin, Botsuana, Camarões, República Centro-Africana, Etiópia, Gabão, Zâmbia, Uganda, Senegal, Moçambique, Gana, Malauí e Mauritânia, e realiza com frequência manobras conjuntas com as forças armadas desses países (www.blackagendareport.com, 18 de outubro de 2011). Exerce, assim, uma notória influência nos comandos militares da região e, consequentemente, em seus governos. Os Estados Unidos se converteram em "sócios" da Etiópia e dos cinco Estados da Comunidade da África Oriental. Qualquer nação africana que, como a Eritreia, não mantém uma relação com o Pentágono, é alvo de uma mudança de regime. A Casa Branca justifica atualmente a invasão queniana da Somália como parte necessária da chamada guerra antiterrorista em função da insurgência da organização islâmica al-Shabaab, que se levantou contra o governo federal de transição de Mogadíscio imposto em 2009 com o apoio dos Estados Unidos e outros países da Europa para combatê-la. Washington acusa os insurgentes de manter laços com a Al-Qaeda, mas "a maioria dos analistas considera que esses laços são débeis", segundo o Council on Foreign Relations, o think-tank não-partidário sediado em Nova Iorque (www.cfr.org, 10 de agosto de 2011). O CFR estima que o número de combatentes islâmicos ideologicamente convencidos de sua luta oscila entre 300 e 800 indivíduos. Não obstante, al-Shabaab controla boa parte do sul da Somália e obstaculiza assim o domínio geopolítico estadunidense do estratégico território marítimo da África Oriental. Há cerca de 12 milhões de pessoas com fome na região, castigada pela seca mais dura das últimas seis décadas. Dezenas de milhares morreram e nos próximos meses centenas de milhares conheceriam o mesmo destino na Somália, advertiu a ONU. A invasão militar do Quênia aprofunda, e muito, a gravidade desta situação humanitária. Traduzido para Diário Liberdade por Lucas Morais |
Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
quarta-feira, 2 de novembro de 2011
África agora? Por que não?
"Companhia francesa descobre 12,3 mil toneladas de urânio na Jordânia"
Do sitio INTELIGENCIABRASILEIRA
A companhia francesa Areva, especialista mundial no setor energético, anunciou nesta terça-feira que descobriu no centro da Jordânia 12.300 toneladas de urânio, quantidade suficiente para desenvolver o programa nuclear jordaniano, segundo comunicado.Divulgada pela agência de notícias estatal jordaniana "Petra", a nota informou que a Areva espera que a jazida alcance 20 mil toneladas até o final de ano, abrangendo uma área de 18 quilômetros quadrados."É uma estratégica reserva de urânio que deve garantir combustível para o programa nuclear jordaniano", afirmou a empresa, que efetua atividades de prospecção em parceria com a estatal jordaniana.A Areva planeja desenvolver "estudos econômicos e técnicos", segundo a nota, para decidir a viabilidade de executar explorações em outras regiões da Jordânia a partir de 2012."A atividade neste âmbito dependerá das necessidades atuais e futuras do mercado global de urânio", acrescentou a empresa.A Jordânia possui aproximadamente 65 mil toneladas de urânio e espera começar a produção deste mineral já no ano 2013, declarou o ministro da Energia jordaniano, Khaled Tuqan, em setembro.Tuqan insistiu recentemente na necessidade da Jordânia desenvolver seu programa nuclear com fins pacíficos, o que preocupa Estados Unidos e Israel, para executar projetos de dessalinização de água e produzir energia segura e estável com baixo custo.Até o momento, a Jordânia fechou acordos de cooperação nuclear com Espanha, Argentina, França, Reino Unido, Rússia, China, Japão, Coreia do Sul, Turquia e Romênia.
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Ativistas digitais da Primavera Árabe
http://www.clickfozdoiguacu.com.br/foz-iguacu-noticias/ blogmundo-reune-blogueiros-ativistas-da-primavera-arabe |
O 1º Encontro Mundial de Blogueiros fez um debate inédito no Brasil sobre as Revoltas do mundo Árabe. Mediada pelo editor da revista Fórum e presidente da Altercon Renato Rovai, e pelo blogueiro Sérgio Telles, a mesa levantou o debate sobre a democracia e a importância das redes sociais para mobilizar a sociedade em grandes protestos como os que aconteceram no Oriente Médio nos últimos meses.
Pra abrir o debate o ativista egípsio Ahmed Bahgat contou sua experiência no Egito e como foi organizar a população em grandes manifestações. De acordo com ele a censura no país chegou a derrubar a inernet por alguns dias para impedir as articulações. Neste período “offline” os ativistas aprenderam a se mobilizar sem internet e ganharam ainda mais força quando o sistema voltou a funcionar.
Bahgat admitiu não ser blogueiro, ele é um ativista no Facebook, onde criou um grupo de protesto. “Eu fui postar algo de protesto no Facebook e percebi que não tinha nem um grupo relacionado ao assunto, por isso criei um, ganhou uma proporção enorme entre os meus amigos e depois atingiu outros círculos de pessoas”.
Em seguida o blogueiro saudita Ahmed Al Omran contou a experiência da Arábia Saudita com as manifestações populares. “As manifestações que vem acontecendo no mundo árabe tem ajudado as pessoas a ultrapassar a barreira do medo, mas ela é diferente de um país para o outro. É improvavé que algo aconteca logo na Arábia”, avaliou.
Omran explicou que no país dele as pessoas ainda são pouco politizadas e não tem muito acesso à informação alternativa, por isso organizar manifestações pela internet ainda é uma tarefa difícil de realizar. “As revoluções tem dado certo na Tunísia e no Egito, mas não em outros lugares, nós na Arábia estamos vendo tudo isso acontecer on-line”.
O blogueiro paquistanês Farhan Janjua participa de uma grande organização responsável por disseminar informação alternativa nas redes sociais. Ele mostrou vídeos com dados sobre os usuários de inernet e o crescimento nas redes durante os últimos meses no país dele. Mostrou ainda um vídeo que foi censurado do Youtube, onde o presidente do Paquistão mandava as pessoas “carem a boca” durante um pronunciamento.
Para fechar a mesa, o jornalista brasileiro, Pepe Escobar, que é também colunista no site Ásia Times do Japão, fez uma explanação sobre a conjuntura política, ecnômica e social no Oriente Médio.
Bahgat admitiu não ser blogueiro, ele é um ativista no Facebook, onde criou um grupo de protesto. “Eu fui postar algo de protesto no Facebook e percebi que não tinha nem um grupo relacionado ao assunto, por isso criei um, ganhou uma proporção enorme entre os meus amigos e depois atingiu outros círculos de pessoas”.
Em seguida o blogueiro saudita Ahmed Al Omran contou a experiência da Arábia Saudita com as manifestações populares. “As manifestações que vem acontecendo no mundo árabe tem ajudado as pessoas a ultrapassar a barreira do medo, mas ela é diferente de um país para o outro. É improvavé que algo aconteca logo na Arábia”, avaliou.
Omran explicou que no país dele as pessoas ainda são pouco politizadas e não tem muito acesso à informação alternativa, por isso organizar manifestações pela internet ainda é uma tarefa difícil de realizar. “As revoluções tem dado certo na Tunísia e no Egito, mas não em outros lugares, nós na Arábia estamos vendo tudo isso acontecer on-line”.
O blogueiro paquistanês Farhan Janjua participa de uma grande organização responsável por disseminar informação alternativa nas redes sociais. Ele mostrou vídeos com dados sobre os usuários de inernet e o crescimento nas redes durante os últimos meses no país dele. Mostrou ainda um vídeo que foi censurado do Youtube, onde o presidente do Paquistão mandava as pessoas “carem a boca” durante um pronunciamento.
Para fechar a mesa, o jornalista brasileiro, Pepe Escobar, que é também colunista no site Ásia Times do Japão, fez uma explanação sobre a conjuntura política, ecnômica e social no Oriente Médio.
Do sitio do MIRO
Elizângela Araújo: O câncer de Lula e o preconceito
por Elizângela Araújo no VIOMUNDO
Muitos conhecidos e até amigos meus têm compartilhado o que parece ser uma campanha cômica – porém sem graça – pelo tratamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Sistema Único de Sáude (SUS). Obviamente, têm sido contra-atacados por aqueles que têm grande apreço e identificação ideológica ou partidária com o ex-presidente. Como a maioria dos brasileiros já deve saber, Lula teve câncer na laringe diagnosticado no último sábado (29/10) e começou nesta segunda-feira (31/10) seu tratamento quimioterápico no hospital Sírio-Libanês, em São Paulo-SP. A brincadeira tem um quê de estupidez e oportunismo e acirra novamente os ânimos do que parece ser dois grupos distintos de pessoas: os pró-Lula e os anti-Lula.
Eu, que até o momento me coloco fora desse terreno de paixões exacerbadas, de repente me vi tendo que pensar algo a respeito da cizânia. A primeira conjectura que me surgiu foi sobre o José Alencar, ex-vice-presidente morto em razão de um câncer no dia 29 de março deste ano, depois de lutar por mais de dez anos contra a doença, não ter sido alvo de uma “campanha” semelhante. Ou foi?
De acordo com a agência de notícias IDGNow, especializada em tecnologia, houve 120 mil compartilhamentos da foto do ex-presidente com a mensagem “Lula, faça o tramento pelo SUS”, no Facebook, desde sábado à tarde até esta segunda. Ainda não há números sobre a repercussão no Twitter. Se o número é pequeno diante do total de usuários – 31 milhões de brasileiros utilizam o Facebook, segundo pesquisa do Ibope realizada em agosto – não deixa de assustar pelo nível dos comentários.
Outros políticos brasileiros enfrentaram a mesma doença – alguns morreram e outros a superaram – sem que houvesse semelhante “campanha”. A presidenta Dilma Rousseff, por exemplo, também tratou-se no Sírio-Libanês. Mário Covas, morto em 2001 depois de perder a luta contra um câncer na bexiga, também não foi alvo de semelhante galhofa. Roseana Sarney, cujo sobrenome dispensa maiores apresentações, também foi vítima de câncer em 1998 (pulmão) e em 2002 (mamas), assim como seu pai, que enfrentou a doença, localizada na próstata, entre 1985 e 1990.
Paulo Maluf, que também dispensa mais detalhes de sua biografia, também foi acometido pela doença em 1997, quando era governador de São Paulo e candidato à Presidência da República. Enfim, há outros inúmeros casos de políticos menos ilustres que tiveram câncer e comoveram mais ou menos brasileiros. No entanto, em nenhum desses casos houve tamanha falta de sensibilidade e oportunismo como no caso do ex-presidente-metalúrgico.
E fico me perguntando por quais razões as pessoas acham jocoso ou mesmo inteligente montar uma “campanha” fajuta a essa altura do campeonato, depois de terem se comovido tanto com a morte do empresário Steve Jobs, morto no dia 5 de outubro também vítima de câncer. Não tenho nenhuma intenção de comparar biografias, malfeitos ou benfeitos de todos que citei aqui, mas convocá-los para expôr minha curiosidade sobre a brincadeira de mau gosto que pede ao ex-presidente que se trate no SUS, porque como dizem seus admiradores, não se trata de uma campanha pelo fortalecimento do sistema, mas de uma campanha anti-Lula. E se tantas pessoas passam a reproduzir uma brincadeira inconsequente como essa sem se importar de tripudiar de uma pessoa que acaba de receber um diagnóstico inquietante como esse, seja quem for, é sinal de que estamos consolidando uma sociedade com valores bem equivocados.
Andaram relembrando, por exemplo, que o Lula declarou, ainda em 2006, que o SUS estaria à beira da perfeição. Assim como ele, porém, todos os governantes deixam o poder público gabando-se de terem deixado evoluções nos serviços públicos. Cá com meus botões, acho que a declaração foi, certamente, infeliz, mas nem por isso vou fazer coro com os que agora tentam achincalhar o ex-presidente num momento em que ser humano nenhum merece tal tratamento.
No fim das contas, acho que todos devem ter o direito de dizer o que querem, desde que também aceitem a contrapartida de ouvir o que não querem. E acho que, no fim, toda essa bobagem evidencia dois grandes grupos que se negam ao amadurecimento político. Os que utilizam a paixão por Lula para desqualificar a indignação do demais pelo sucateamento do SUS, e os que se valem da mesma moeda para tripudiar de uma pessoa acometida com câncer.
Se queremos mesmo a melhoria do nosso sistema público de saúde, por favor, iniciemos uma campanha séria e apartidária pelo fim da corrupção em todos os níveis do poder público, contra a terceirização de serviços essenciais – por meio dos quais muitas secretarias municipais de saúde desviam dinheiro junto com médicos e empresários inescrupulosos do ramo, e pela fiscalização rigorosa da aplicação dos recursos públicos destinados ao setor. Sem esquecer, obviamente, que como população que mais consome agrotóxicos no planeta estamos cada vez mais sujeitos a contrair câncer e outras doenças somente por ingerir alimentos contaminados (embora tenha lido jornalista experiente dizer que Lula contraiu câncer por causa “do fumo e da cachaça”).
Não deixemos que o pior câncer de todos, o do preconceito e da falta de informação, corroa nosso humanismo.
terça-feira, 1 de novembro de 2011
Repúdio ao tribunal midiático no Brasil
Moção apresentada no Encontro Mundial de Blogueiros:
Do sitio do Miro
Nas últimas semanas, a mídia hegemônica mostrou mais uma vez suas garras. De forma inescrupulosa, se aproveitou de denúncias vazias para governar o país no grito.
Inconformados com o fato de terem perdido nas urnas a eleição presidencial, tentam impor uma agenda negativa para a nova presidente, tendo como foco a desmoralização dos quadros políticos que ocupam seu primeiro escalão. Com muito orgulho, os barões da mídia se vangloriam de ter derrubado o 6º ministro de estado em 10 meses de governo.
O alvo da vez foi o ex-ministro do Esporte Orlando Silva. Baseados em afirmações feitas por um homem com extensa ficha corrida na justiça, acionado por ter desviado milhões dos cofres públicos e que não apresentou nenhuma prova contra o ex-ministro, a mídia criou um tribunal de exceção para julgar e condenar publicamente Orlando Silva. Num primeiro momento, a presidente Dilma Rousseff resistiu à investida da mídia, mas não suportou a pressão e cedeu à chantagem midiática.
Ao se curvar, mais uma vez, aos interesses dos grandes conglomerados de comunicação e se pautar pela efemeridade das pesquisas de opinião, a presidente Dilma cria um perigoso precedente para a democracia brasileira e uma arapuca para o seu governo.
No primeiro caso, porque qualquer pessoa pública passa a ter o ônus da prova de sua inocência, violando um princípio Constitucional, e pode ser fuzilada no paredão da sanha reacionária. No segundo, porque a mídia e a elite conservadora que ela representa se sentem fortes para continuar a investida contra o seu governo. Já há, inclusive, os que apontam os próximos alvos. Engana-se a presidente se ela acredita que adotando uma postura subserviente à mídia ela estará fora do alcance dos seus fuzis.
Nessa guerra midiática, a estratégia da mídia e das elites é desmoralizar os partidos que compõe a base do governo e seu primeiro escalão com o objetivo de enfraquecer a presidente, que pode ser o próximo alvo.
Este episódio só fortalece a necessidade de o Brasil discutir urgentemente um marco regulatório para as comunicações. A mídia ataca os que defendem a regulação porque tem o monopólio da capacidade de gerar escândalos – mesmo que a partir de fatos que não os justifiquem – ou de abafá-los, quando lhes interessa. O país não pode mais ser refém das vontades políticas das poucas famílias que controlam 80% do conteúdo dos meios de comunicação. Só por meio da regulação é possível garantir a liberdade de expressão para todos, ampliar o pluralismo e a diversidade da comunicação brasileira.
Inconformados com o fato de terem perdido nas urnas a eleição presidencial, tentam impor uma agenda negativa para a nova presidente, tendo como foco a desmoralização dos quadros políticos que ocupam seu primeiro escalão. Com muito orgulho, os barões da mídia se vangloriam de ter derrubado o 6º ministro de estado em 10 meses de governo.
O alvo da vez foi o ex-ministro do Esporte Orlando Silva. Baseados em afirmações feitas por um homem com extensa ficha corrida na justiça, acionado por ter desviado milhões dos cofres públicos e que não apresentou nenhuma prova contra o ex-ministro, a mídia criou um tribunal de exceção para julgar e condenar publicamente Orlando Silva. Num primeiro momento, a presidente Dilma Rousseff resistiu à investida da mídia, mas não suportou a pressão e cedeu à chantagem midiática.
Ao se curvar, mais uma vez, aos interesses dos grandes conglomerados de comunicação e se pautar pela efemeridade das pesquisas de opinião, a presidente Dilma cria um perigoso precedente para a democracia brasileira e uma arapuca para o seu governo.
No primeiro caso, porque qualquer pessoa pública passa a ter o ônus da prova de sua inocência, violando um princípio Constitucional, e pode ser fuzilada no paredão da sanha reacionária. No segundo, porque a mídia e a elite conservadora que ela representa se sentem fortes para continuar a investida contra o seu governo. Já há, inclusive, os que apontam os próximos alvos. Engana-se a presidente se ela acredita que adotando uma postura subserviente à mídia ela estará fora do alcance dos seus fuzis.
Nessa guerra midiática, a estratégia da mídia e das elites é desmoralizar os partidos que compõe a base do governo e seu primeiro escalão com o objetivo de enfraquecer a presidente, que pode ser o próximo alvo.
Este episódio só fortalece a necessidade de o Brasil discutir urgentemente um marco regulatório para as comunicações. A mídia ataca os que defendem a regulação porque tem o monopólio da capacidade de gerar escândalos – mesmo que a partir de fatos que não os justifiquem – ou de abafá-los, quando lhes interessa. O país não pode mais ser refém das vontades políticas das poucas famílias que controlam 80% do conteúdo dos meios de comunicação. Só por meio da regulação é possível garantir a liberdade de expressão para todos, ampliar o pluralismo e a diversidade da comunicação brasileira.
segunda-feira, 31 de outubro de 2011
Lula e os porões da política
Créditos: eduguim
Ontem, assistimos, mais uma vez, ao espetáculo deprimente que é a política sendo feita sem pudor, sem tergiversações. A repercussão da doença de Lula na mídia revela que essa atividade se baseia, hoje, em absoluta falta de decência e de lealdade nos embates entre os que deveriam terçar idéias para melhorar a vida das pessoas.
Na busca por causar o maior abatimento moral possível ao adversário, vale tudo. Principalmente chocá-lo com ausência de um traço de humanidade em seus adversários e, assim, deixá-lo assustado ao imaginar a que ponto chegariam para destruí-lo.
Nos últimos dias, dois casos se encadearam em demonstrações análogas, ainda que em níveis extremamente desiguais, de como, não raro, a política passa até pelo ato supremo de tirar a vida de um adversário da forma mais selvagem que se possa conceber.
Um desses casos reside nos detalhes sobre como Muamar Kadafi, ex-ditador da Líbia, foi assassinado por seus adversários… políticos. O outro caso, de nível de virulência infinitamente menor, mas igualmente assustador, foi ver a forma como a mídia tratou a doença de Lula.
Melhor não entrar nos detalhes sobre o assassinato de Kadafi, pois ainda visualizo a imagem mental que se me formou ao saber das sevícias que sofreu antes de colocarem fim ao seu suplício. Sobre Lula, a mídia o acusou de supostamente ter se causado o mal que o acomete, e comemorou a possibilidade de a doença ter êxito onde seus adversários “humanos” falharam.
A política, como a conhecemos, não requer capacidade, honestidade, talento ou boas intenções; requer capacidade de ser canalha ao impensável, de trair sem culpa, de não ter piedade ou comedimento algum na busca por atingir o oponente. Para vencer o adversário, vale tudo. Principalmente cinismo, muito cinismo.
É uma atividade para profissionais com “couro duro”. Nesse aspecto, somente alguém que saiu de uma região miserável, que passou fome e privações de toda sorte, que sofreu humilhações que arrasariam moralmente qualquer pessoa pode suportar a deslealdade da política em suas manifestações menos contidas.
Enganam-se, porém, os que julgam que um tumorzinho conterá alguém que, apesar de tudo pelo que passou, fez do Brasil a terra de promessas mil que jamais sonhamos que se tornaria. A selvageria dos adversários é antiga, conhecida e previsível. Lula, portanto, só precisa se precaver contra a traição, que se confunde com a política.
Por fim, resta, apenas, uma dúvida: será que esses 80% dos brasileiros que pesquisas recentes mostraram que devotam carinho extremado a Lula estão gostando de ver a mídia comemorar a sua doença?
—-
Conheçam melhor, abaixo, quem é a comentarista da CBN que atribuiu a doença de Lula ao “alcoolismo”
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domingo, 30 de outubro de 2011
Em cúpula no Paraguai, países ibero-americanos defendem desenvolvimento com justiça social
Por Agência Brasil
Brasília – A Declaração de Assunção, adotada pela Cúpula Ibero-Americana, que terminou ontem (29) na capital paraguaia, fez um forte apelo para a mudança do papel do Estado como um instrumento de “promoção do desenvolvimento sustentável com justiça social inclusiva e com vista a alcançar a boa vida”.
A declaração, aprovada pelos representantes dos 22 países que integram o grupo – os da América Latina, além da Espanha, de Portugal e Andorra – enfatizou a necessidade de encontrar uma reformulação do Estado para garantir o bem comum.
O texto ressalta que “a transformação do Estado é um processo contínuo e constante que afeta as estruturas públicas nas relações entre governo e cidadãos, adequando o seu conteúdo para a condução de melhoria contínua e gestão dos assuntos públicos, para promover o desenvolvimento sustentável com justiça social, inclusiva e com vista a alcançar a boa vida”.
O comunicado acrescenta que, para desenvolver as capacidades nacionais a fim de erradicar a pobreza, é importante “promover o desenvolvimento sustentável e o equitativo crescimento econômico e o desenvolvimento sustentável como um objetivo central da cooperação para o desenvolvimento”.
Os países ibero-americanos reiteraram “os princípios e valores do acervo político, econômico e social da Conferência Ibero-Americana, convencidos da necessidade de reforçar os Estados para desempenhar o seu papel de direito na condução da estratégia de desenvolvimento global, em defesa da democracia e da governabilidade, de promover a igualdade, a justiça social e garantir e ampliar os direitos dos cidadãos”.
Os signatários da declaração reconheceram o contexto “de crise econômica e financeira que afeta vários países do mundo, com profundos ajustes e reajustes que colocam pressão sobre as instituições de todos os níveis”.
No documento, os países também ressaltam que “a participação do cidadão é um componente essencial da gestão democrática e de tomada de decisão no desenvolvimento sustentável”. Reconhecem ainda que “as políticas fiscais podem contribuir significativamente para a melhorar a distribuição, aumentar a cobertura e melhorar a qualidade e acesso aos serviços públicos”.
Entre os acordos fechados durante a cúpula estão a decisão de promover a cooperação entre as administrações públicas dos países ibero-americanos, em busca da integração regional e da criação de oportunidades e canais “para a transferência e o intercâmbio de conhecimentos e experiência em processos, projetos e programas bem-sucedidos”.
O texto também lista acordos sobre questões como o apoio a “redes regionais de governo eletrônico” e promoção de “mudanças progressivas na estruturas fiscais para consolidar um sistema de coleta mais eficiente”. A declaração destaca ainda a necessidade de se “criar condições para uma maior igualdade nos níveis de bem-estar, enfatizando o papel do governo na erradicação da pobreza e redução da desigualdade por meio do investimento social sustentado”.
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Dostoiévski: um gênio ainda atual aos 190 anos de nascimento
Milton Ribeiro no SUL21
Há um período de nossa adolescência ou logo após, quando somos ou não universitários com algum tempo tempo livre — como diria Kafka, com mais energia do que necessidade de produzir –, em que usamos nosso tempo lendo clássicos. Neste período, procuramos ler os maiores ícones e, dentre estes, estará inevitavelmente Dostoiévski. E ele costuma ser uma experiência inesquecível. Como literatura e visão de mundo, é algo arrebatador. Se a aventura de lê-lo jovem nos causa profundas marcas, também tolhe-nos, pela inexperiência, a análise das razões de tal assombro.
Fiódor Mikhailovich Dostoiévski (Moscou, 30 de Outubro de 1821 — São Petersburgo, 28 de Janeiro de 1881) foi um escritor russo, considerado um dos maiores romancistas e um dos mais inovadores artistas de todos os tempos.
Fiódor foi o segundo dos sete filhos nascidos do casamento entre o médico Mikhail Dostoiévski e Maria Fedorovna. A mãe do escritor morreu quando ele ainda era muito jovem, de tuberculose, e o pai foi provavelmente assassinado pelos próprios servos, que o consideravam autoritário. Alguns biógrafos afirmam que o assassinato do pai causou a primeira crise epilética em Dostoievski, fato considerado controverso por seus atuais estudiosos.
A obra dostoievskiana explora a autodestruição, a humilhação e aspectos ético-religiosos, além de analisar os estados patológicos que levam ao suicídio, à loucura e ao homicídio. A literatura moderna e várias escolas da teologia e psicologia foram influenciadas por suas ideias. Por exemplo, seu último romance, Os Irmãos Karamazovi, foi considerado por Sigmund Freud como o melhor romance até então escrito e uma grande influência.
Há um outro clássico russo — Problemas da Poética de Dostoiévski, de Mikhail Bakhtin — ,que investiga os procedimentos ficcionais do escritor russo e aquilo que neles há de original. Em um dos capítulos, A Ideia em Dostoievski, é analisado o motivo do assombro e sedução que um escritor nascido há quase dois séculos ainda exerce sobre seus leitores.
Antes de chegar a Dostoiévski, Bakhtin nos fala de Sócrates e sobre a natureza dialógica da idéia. Segundo o grego, o habitat natural das idéias é o diálogo. A idéia internalizada é algo inútil e morto; porém, se a mera divulgação de uma idéia já a altera pelas limitações da linguagem e de quem a expressa, imaginem as transformações que nela ocorrem quando em choque com outras. O diálogo socrático influenciou tanto Dostoievski que ele direcionou sua arte no sentido de tornar-se principalmente um regente de personagens, retirando de seu texto a voz onisciente (que tudo sabe) do autor. Seu objetivo era o de deixar suas criaturas livres e de colocar-se à altura delas, nunca acima. Para fazer isto, o escritor tinha de converter seu pensamento numa arena na qual as diversas vozes do romance lutavam, sofriam, amavam, decidiam e se debatiam, sempre com sua própria lógica interna e verossimilhança — mas sem a aparente mediação do autor. Com esta disposição, Dostoiévski coloca-se como um criador de biografias pessoais e de situações que falam simbolicamente por si mesmas; mas que, pronto isto, deixa seus personagens livres, agindo e opinando de forma independente, enquanto anota o que dizem. Não é simples.
A tal projeto artístico, a esta quase insanidade de tornar sua obra uma arena, temos que acrescentar o fato de que Dostoiévski dá razão a todos e a ninguém, pois NUNCA EMITE JULGAMENTOS DEFINITIVOS. O escritor-voz-da-razão, o que elabora belas teses e aforismos infalíveis foi misturado a seus personagens. Dostoiévski não é divino nem definitivo.
A partir de Crime e Castigo – isto significa eliminar apenas as obras da juventude – só se conhecem as ideias de cada personagem, não a opinião do autor sobre elas. E muito menos se saberá quem o representa dentre os personagens. Ele não nos deixa pistas, pois permanece distante. Some-se a isto uma imensa capacidade de observação, um talento artístico ímpar e o fato de ser um manancial de preocupações éticas muito a frente de seu tempo, e estaremos no caminho de entender porque Dostoiévski é tão apaixonante.
Esta é uma pergunta provocativa não somente porque coloca frente a frente dois monstros do romance russo do século XIX, mas também porque compara dois projetos literários muitíssimo bem sucedidos e distintos. Não chega a ser lógica uma comparação entre seres humanos e romancistas tão diferentes entre si — seja nas posturas, seja nas vivências de cada um — , porém, ao mesmo tempo sabemos que nada é mais lógico do que comparar dois contemporâneos importantíssimos, como hoje fazemos com Saramago e Lobo Antunes, por exemplo. Aqui a armadilha que devemos evitar é o elogio de um para desvalorizar o outro. Eram ambos autores de grandes painéis. Seus romances eram tudo: psicológicos, sociais, filosóficos, picarescos, metafísicos (no caso de Dostoiévski) e tão grandes que empurraram as fronteiras dos gêneros para poderem se acomodar dentro delas.
Tolstói talvez seja o maior de todos os narradores clássicos — por que mesmo não recebeu o Nobel se faleceu em 1910? Seus romances são perfeitos, têm ritmo, excelente prosa, envolvem. Se fossemos obrigados a compará-lo com alguém, seria com Turguênev ou com certa parte da obra de Tchékhov. E aqui voltamos às questões de foco narrativo. Tolstói era o típico narrador onisciente que, apesar de detalhista, não era capaz de abandonar sua posição aristocrática, o senso comum da época e o certo e errado da concepção cristã do mundo. Já Dostoiévski, quando comparado a Tolstói, parece um alucinado. O narrador de Dostoiévski localiza-se sob a pele dos personagens, saltando de um para outro, deixando-se reger de tal forma por suas lógicas (ou loucuras) que faz sumir o narrador-julgador.
Tolstói, é claro, chamava os romances de Dostoiévski de mal-acabados. O acabamento era fundamental para clássicos como ele e Thomas Mann, por exemplo. Tolstói não tinha razão ao chamar os romances de Dostoiévski de mal-acabados. Eram muito diferentes. Pois livros como Crime e Castigo e O Idiota — sôfregos, nervosos e tão viscerais — , sob o filtro de Tolstói se transformariam em outra coisa. Quem pensa em acabamento quando quer descobrir quem matou o velho Fiódor? E quem criticaria o acabamento absolutamente impecável da Parábola do Grande Inquisidor — apenas para me referir a dois temas de Os Irmãos Karamázovi? Ora, Dostoiévski não estava preocupado com o acabamento porque as regras vigentes da beleza literária o atrapalhavam; porém, quando precisou, fez uso delas brilhantemente. Na verdade, uma das últimas preocupações que temos ao ler Dostoiévski é com o acabamento. Os personagens de Tolstói sofrem com dignidade, os de Dostô berram e se escabelam. Não obstante, o horror metafísico que cresce de O Idiota não fica nada a dever ao de Ivan Illich.
Enquanto Guerra e Paz é um panorama, Os Irmãos Karamázovi aponta para o fim de uma era, como Dostoiévski já mostrara em Os Demônios. Tolstói é um burguês, Dostoiévski pensa um apocalipse ético e moral. São muito diferentes. E muito bons.
As gerações passadas leram Dostoiévski nas Obras Completas do autor russo da Editora José Olympio. Hoje sabemos que não era nada completa. Eram livros bonitos, vermelhos, de capa dura, o que havia de melhor. Os tradutores eram Rachel de Queiróz, Ledo Ivo, Brito Broca, etc. Todos os livros vinham com esplêndidos prefácios de gente como Otto Maria Carpeaux e Wilson Martins. Minha geração engoliu aqueles livros como se fossem o melhor Dostoiévski possível. Não eram. O que tinham de bom eram os prefácios…
Nos anos 80, começaram a aparacer novas traduções, totalmente diferentes. A explicação era incrível. As traduções antigas, aquelas da José Olympio, eram feitas a partir de outras traduções, francesas, do início do século XX. Os tradutores franceses daquela época não eram nada respeitosos, açucaravam expressões, situações e até criavam frases facilitadoras. Ou seja, eles adaptavam os autores ao gosto francês, aparavam as arestas, retiravam espinhos, deixavam-no… mais bonitos…
Porém, nos anos 90, a Editora 34 montou um time de tradutores para retraduzir todo Dostoiévski. Antes, aqui e ali, já aparecera o verdadeiro autor: havia as traduções de Boris Schnaiderman dos grandes russos; nos anos 80, Moacir Werneck traduziu O Jogador e O Eterno Marido direto do russo. O resultado foi um autor muito mais direto e sem firulas. Muito melhor, limpo e impactante, certamente. Mas a revelação do verdadeiro e completo Dostoiévski veio nos anos 90 com Paulo Bezerra na Editora 34. Digo com a maior tranquilidade que quem leu O Idiota e Crime e Castigo nas traduções antigas, leu outros livros. Dizem meus olhos e minha mente que estes romanções só foram verdadeiramente traduzidos há pouco. As novas versões estão certamente bem mais próximas de Dostoiévski, por mais que Brito Broca tenha feito milagres com sua versão francesa de Crime e Castigo.
Então, indicamos a coleção da 34 ou outras traduções diretas. Para este humilde leitor, O Idiota só se tornou uma obra-prima após a leitura da tradução de Bezerra. A tradução da José Olympio tem todos os méritos associados ao pioneirismo e às parcas possibilidades dos anos 50, mas vão me desculpar, os dois Idiotas têm pouco a ver um com outro. Toda a transcedência e o valor altamente filosófico da obra perdeu-se na passagem para o francês ou para o português.
Dostoiévski não é nada, mas nada romântico. É um escritor bem mais duro do que fazem crer as antigas traduções. Porém, se não houver dinheiro e o leitor do Sul21 encontrar uma das antigas traduções que têm reaparecido ainda hoje a preços módicos, compre do mesmo jeito. Um mau Dostoiévski é superior a quase tudo que haverá em torno.
O que ler? Ora, tudo o que foi escrito após Crime e Castigo, incluindo este, com destaque para Os Irmãos Karamazóvi, Os Demônios, O Idiota, O Jogador e O Eterno Marido.. São todos volumes de mais de 500 páginas, mas é puro tempo ganho.
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Protocolos dos Sábios de Sião, aqui, não!
Por Katarina Peixoto – Carta Maior
Tem gente querendo reprisar a farsa dos Protocolos dos Sábios de Sião na política brasileira. Pouco importa que haja emprego e que as crianças pobres do Recife não expilam lombrigas pela boca nos sinais de trânsito. A farsa está na invenção de um inimigo bestial a ser revelado e denunciado como responsável por uma suposta onda gigantesca de corrupção.
“Há uma grande conspiração em curso no Brasil. Trata-se da conspiração do PT e da esquerda em geral para assaltar o bolso das famílias, para imporem um modo politicamente correto de pensar, para censurarem o machismo, a homofobia, o sexismo e o nosso direito de andar armados. Essa gente quer assaltar os cofres públicos para nos fazer pagar impostos, com os quais eles só fazem roubar e enriquecer, enquanto eu me sinto vilipendiado e cada vez mais envergonhado. Nunca houve tanta corrupção neste país, nunca. É aquela coisa do pobre que jamais teve algo e que agora se lambuza, minha avó já dizia. Aqui, comediante é levado a sério, só porque é fascista, homofóbico, machista e age contra a lei, enquanto os políticos, ah, os políticos, esses seguem sem ser levados a sério. Por isso eu gosto mesmo é do Bolsonaro, inclusive. Ele vem sendo vítima do festival de autoritarismo e corrupção que assolam este país. Esses petralhas que estão mais preocupados em atacar a liberdade de imprensa do que em governar o país. Sim, porque o país só vai bem graças a Fernando Henrique, que não fosse ele, esses petralhas iam ver. O PT não faz nada que preste e só rouba o nosso dinheiro. O filho de Lula é milionário, Dilma sabe e acoberta Orlando Silva, aquele moleque safado que está podre de rico, caiu porque é culpado, óbvio”.
“Outro dia um jornal muito importante disse no seu editorial que o país precisava de uma limpeza ética! Eu concordo! Cresce no país a consciência de que chega de tudo isso que aí está! E ainda querem mais imposto para a saúde, e fraudam até provas de ensino médio, que são de alta importância para os nossos filhos! Como eles terão certeza de que entrarão por seus próprios méritos na Universidade? Não basta ter direitos negados pelas vagas dadas de presente – às nossas custas – a quem se diz negro (como se houvesse racismo no Brasil, ora essa!), aos desqualificados das escolas públicas e, pasmem, para indígenas. Chega! Está na hora da nossa marcha, da marcha pela dignidade, contra essa gente que quer mandar em nós, que quer controlar o nosso modo de pensar, que pretende ganhar dinheiro às minhas custas e fazer demagogia com os impostos que eu e minha família e você paga!”
Diariamente a Carta Maior recebe comentários de leitores que compartilham o balaio de enunciados contraditórios acima. Essa babilônia de crenças incompatíveis, que não sobrevivem a um inquérito minimamente lógico a respeito da relação entre uma e outra reina na mídia e, até aqui, parece apavorar setores poderosos do governo. Trata-se de uma onda de depravação consciente e deliberada, que convida a barbárie para uma grande orgia semântica, voltada para criar uma farsa. Não porque é contra o PT ou o governo ou a esquerda. A farsa está na invenção de um inimigo a ser revelado e denunciado como responsável pelas ameaças e fragilidades que o poder vem enfrentando. Mas que poder? O da mídia, o do tal do PIG, o da CIA e do FMI? E que fragilidades?
O Protocolo dos Sábios de Sião é uma farsa criada por um serviçal do Czar Nikolai II para tentar, sem sucesso, enfrentar as ameaças ao seu poder. Essa farsa, da virada do século XIX para o XX, denuncia a existência de um grupo de judeus que se reúnem e deliberam como controlar o mundo. Eles traçam planos e estabelecem metas para a empreitada. O texto é tão autêntico que todo judeu denega a sua veracidade, revelando, assim, a sua força, dizem as sumidades de todo tipo que acreditam nessa mentira.
O modelo desse embuste é muito simples e imbecilizante: ele mobiliza o medo do lobo mau que habita as memórias infantis apontando um inimigo ao mesmo tempo genérico e específico que introduz, contamina e assegura a permanência de todo o mal na floresta, quer dizer, na sociedade. Na Rússia czarista, eram os judeus. Depois, no nazismo, eram os judeus comunistas, porque, como se sabe, a Revolução de 17 foi coisa de judeu, segundo nos disse Hitler, o sábio. Já na década de 30, quando as trevas do stalinismo assaltaram o Partido Comunista, os Protocolos foram recuperados, porque ali estariam claros os planos trostskistas – portanto judeus – para atacar o guia dos povos.
Quando os delinquentes argentinos que agora estão sendo condenados (finalmente) deram o golpe de estado em 1976, com a missão de exterminar a esquerda, usaram essa bíblia de oligofrenia e irracionalidade para levarem a cabo o extermínio de aproximadamente 30 mil pessoas. Talvez fosse o caso dizer que, no caso da Argentina dos anos Videla-Massera – com o auxílio de refugiados nazi –, da Alemanha nazista e da barbárie stalisnista os tais sábios de Sião tenham aumentado um pouco o número. Porque somando esse horrores se chega na casa dos milhões de “sábios”. Mas não é o caso dizer, quando se respeita a verdade e a razão que viabiliza o seu acesso.
A Política e a inocência são e devem ser inimigas desde a gestação. Disso obviamente não se segue que a Política seja coisa de bandidos; só as pedras são inocentes, disse Hegel, dessa vez com razão: disso se segue que a defesa da inocência é a defesa de uma quimera, não apenas do reino que seria próprio às coisas do poder, mas do da razão. A origem da reclamação de inocência e pureza no mundo está na crônica mítica do pecado original, a primeira corrupção que teve sua CPI vendida pelo governo de Deus, no caso em tela.
Até hoje há gente séria da teologia que debate se Adão levou a serpente a sério por curiosidade intelectual ou por desejo. A primeira vertente de interpretação defenderia que o livre arbítrio dos homens deriva da sua racionalidade; a segunda vertente, que deriva do seu desejo. Mas a coisa mais importante é que a liberdade dos homens, na qual, aliás, veio a se fundar a Política, não deriva nem pode derivar da inocência. Já na sua origem, a liberdade tem a ver com as condicionalidades da contingência.
É claro que não é por isso que o Ministro x ou y cai ou não; por isso se torna evidente, apenas, que a gritaria por inocência não é nem pode ser inocente: ou tem alguma racionalidade, ou tem um desejo incontrolável. Em ambos os casos, é o poder, e não a inocência e a pureza de intenções, que organiza a sua inteligibilidade.
Essas observações também vigoram quanto ao PT e aos seus aliados, em tempo. Não são poucos os que se lembram dos anos 90, no Brasil. Mas eu lembro como se fosse ontem do quanto me indignava com o PT, com o PCdoB e com muitos outros da oposição ao governo Fernando Henrique e Paulo Renato, no MEC de então, naqueles anos tristes. Enquanto a Vale do Rio Doce era entregue à iniciativa privada com financiamento do BNDES, enquanto a CSN e as companhias de energia elétrica eram entregues, enquanto bancos públicos estatais eram praticamente doados, enquanto tudo isso acontecia com o discurso de que era para se qualificar o Estado e este, no período em que o dinheiro das supostas vendas de patrimônio público deveriam estar entrando nos seus cofres, definhava, com os banheiros nas universidades fedendo e os professores doutores ganhando salários ridículos, o que fazia a esquerda, em geral?
Denunciava a corrupção e berrava por CPIs, no Congresso. Eram poucos os que, à esquerda, investigavam e buscavam, amiúde, diagnosticar a destruição que estava em curso no país e que apontavam as dificuldades que viriam pela frente, não apenas para um eventual governo do PT, mas para o país mesmo – este que não se resume ao bolso e ao imaginário classe média cuja vida é do tamanho do sábado com uísque e os amigos, para reclamar do que a revistinha semanal declara.
No início dos anos 2000 e no começo da primeira gestão de Lula na presidência ficou claro que essa tática tinha sido inconsequente: a destruição do Estado, o definhamento da República e o sequestro de seu financiamento pela política parasitária do sistema financeiro causaram uma gigantesca confusão em muitos que, como eu, tinham apostado na interdição do horror que assolou o país nos anos 90. A confusão não acabou, mesmo que muito daquele horror tenha sido revertido, pelo menos quanto ao futuro ou às gerações posteriores às dos beneficiários do Bolsa Família, quanto ao futuro da pesquisa, da Universidade, da ciência, do financiamento público-estatal por meio dos bancos públicos do Estado, do PAC, do Minha Casa, Minha Vida, da redução das desigualdades, enfim, de tudo isso que se tornou o Brasil, dos últimos 6 anos para cá, ao menos.
E qual é a inconsequência, mesmo? É trazer a farsa dos Protocolos dos Sábios de Sião para a cena Política. A inconsequência, que emergiu na mais regressiva e violenta campanha eleitoral da jovem democracia brasileira, em 2010, é convidar o adão de antes da maçã para juiz das coisas do poder. Pouco importa que ditadura alguma leve a sério a pesquisa e a universidade, como se leva a sério no Brasil, hoje. Não interessa à imbecilidade que não entendeu o que aconteceu há quinze anos, saber o que realmente aconteceu no Ministério dos Esportes hoje ou no do Planejamento, em 1995. Pouco importa que haja emprego e que as crianças pobres do Recife não expilam lombrigas pela boca nos sinais de trânsito. Nada importa que a abundância tenha se tornado regra até para a classe média, mesmo que nos cartões de crédito. Não se preocupam com o valor, sobretudo nas próprias vidas, do automóvel, desde que se angustiem com os impostos a pagar. Desde que os Sábios de Sião sejam os culpados.
É desnecessário e inútil dizer o quanto esse convite à orgia semântica dos Protocolos dos Sábios de Sião é depravado e perigoso. É desnecessário porque na mídia das oito famílias abundam declarações com documentos e atas das reuniões dos Sábios que conspiram para prejudicar as pessoas de bem deste país. E é inútil porque parte do PT aceitou esse convidado indecente, o adão de antes da maçã, para juiz da Política. Então, não é útil, aqui, lembrar que não adianta denunciar a mídia das 8 famílias, nem lembrar que houve, sim (mesmo que seja verdade), um gigantesco e brutal saque do erário no processo de privatização. Não se combate a criação de monstros com uma briga de arquibancada. Na melhor das hipóteses, a briga contra o tal do PIG enche o saco de quem pensa e quer saber o que diabos está acontecendo, até mesmo quando não se tem mais muita esperança de que se vai, afinal, ter alguma ideia do que realmente ocorreu com aquela licitação ou com aquela fraude declarada numa manchete daquele panfleto com papel jornal.
A história dos Protocolos dos Sábios de Sião não parece nem próxima do fim, mas isso não implica que o seu uso seja ou deva ser triunfante. Porque a única vitória dessa irracionalidade é a destruição e o empobrecimento, a morte e a barbárie. No início dos anos 2000, o Rio Grande do Sul foi sequestrado pelos profetas que denunciavam uma grande conspiração petista para destruir a propriedade, os valores das famílias de bem e as mentes das criancinhas. O que aconteceu aqui não se compara à tragédia argentina nem ao horror alemão e nem mesmo ao stalinismo, obviamente.
Mas é um bom exemplo de um estado que, “livre dos Sábios de Sião”, empobreceu, destruiu suas escolas, sucateou os serviços públicos, empobreceu no campo e dilacerou-se nas cidades, com o aumento da violência e do tráfico. É um exemplo de emburrecimento midiático, de estupidez cultural, de indigência literária, de depauperamento geral.
Não dá para dizer quem é o Nikolau II da vez, no Brasil. Quem está exatamente frágil e quem se sente ameaçado, porque a confusão não é pouca e porque o governo não parece estar contribuindo muito para elucidar o estado do que é racional e do que não pode sê-lo. Mas dá para dizer, e se deve dizer, que essa imbecilidade dos balaios de crenças contraditórias e incompatíveis deve ser combatida.
Aqui, na Carta Maior, essa farsa não tem vez.
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