Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
domingo, 18 de dezembro de 2011
Rússia: Inverno começa quente
PSTU - [Isaac Brodski] Moscou. Protestos contra fraudes nas eleições levam milhares às ruas. É preciso dizer: Fora Rússia Unida, Partido de oligarcas, banqueiros, malfeitores e ladrões! Essa pegou muita gente de surpresa. Depois de anos de estabilidade política, quando não existiam inclusive manifestações pelas mais elementares reivindicações econômicas, explodiu uma grande manifestação de conteúdo diretamente político. No dia 10 de dezembro, na Praça Bolotnaya, cerca de 40 mil pessoas se reuniram, além de outros 10 mil em São Petersburgo, 5 mil em Novosibirsk, e manifestações menores em cerca de 80 cidades. Todos protestavam contra a vergonhosa falsificação das eleições parlamentares para a Duma de Estado [Parlamento Russo], onde o partido Rússia Unida, do Primeiro Ministro Vladimir Putin e do Presidente Dmitri Medvedev, conquistou 49% dos votos e 53% das cadeiras da Duma. Diferentes analistas calculam que Rússia Unida teve seus votos aumentados em ate 15%. São centenas de denuncias, onde apuradores fecharam as urnas à noite com um determinado resultado, e no outro dia quando viram os resultados oficiais, os números eram completamente diferentes. E o problema não começou com essa grosseira falsificação. A eleição de conjunto foi uma farsa desde o começo. Como se diz na Rússia são eleições “em que qualquer um pode ganhar, desde que seja Putin”. É impossível legalizar um partido político sem acordo com o Kremlin. O partido governista Rússia Unida tem monopólio dos meios de comunicação, não há debates, nada. Contudo, a falsificação e o tom arrogante de Putin e Medvedev, no momento em que começaram a aparecer as denuncias e manifestações (a primeira manifestação foi realizada no Boulevard Tchistye Prudy no dia 5 de dezembro, dia seguinte as eleições), atiçaram ainda mais a indignação. Os manifestantes foram acusados de terem sido pagos pelos EUA. Assim como as declarações do presidente da Comissão Eleitoral, Tchurov de que “as fantasias depravadas desta gentinha que coloca nossa honestidade em dúvida não me interessam nem um pouco”. Foi a gota d’água que levou as pessoas, que por anos suportaram todo esse jogo sujo da política oficial russa, a romperem com a indiferença e aproximarem a distante Rússia, nem que seja só um pouco, daqueles países europeus já abalados pelas manifestações dos “indignados”. Putin nunca havia visto isso, sempre esteve acostumado a um grande apoio popular. O processo ainda está no início, mas jé é possível afirmar que com os acontecimentos da Praça Bolotnaya, o regime policial-mafioso das oligarquias do petróleo e gás de Putin começou a entrar numa fase de clara crise política. A manifestação não pode ser impedida nem pela repressão da OMON (polícia de choque), nem pela convocação no mesmo dia de um exame centralizado em todas as escolas do país para desmobilizar os professores e a juventude, nem pelas ridículas declarações do Médico-Chefe da Rússia, dizendo que “manifestações no inverno fazem mal a saúde”, nem pelo local extremamente isolado (numa ilha), reservado pelo governo para a manifestação. Com dezenas de milhares de pegadas na neve, o povo deixou bem claro o que ele pensa sobre o governo atual. As pessoas exigiram a anulação do resultado das eleições, a demissão de Tchurov, presidente da Comissão Eleitoral, liberdades democráticas e a realização de novas eleições. Os gritos de “Rússia sem Putin!” e “Liberdade!” estremeceram a praça. A desmoralização da polícia, do regime e dos burocratas fizeram com que pela primeira vez Putin fosse visto como um fraco, que teve que recorrer a uma vergonhosa falsificação para fazer de conta que mantém o apoio da população. Em um país que preza tanto aos “líderes fortes”, isso é uma derrota grande para Putin. Nestes dias de dezembro, terminaram os longos anos de silêncio, a gente perdeu o medo e chegou por sua vez agora a hora do regime ter medo. Nestes dias, pairando sobre o país, a juventude sentiu o espírito da Praça Tahrir, assim como a velha geração sentiu o espírito daquelas manifestações na URSS dos fins dos anos 80. A vitória oficial de Putin se voltou contra ele como sua 1ª grande derrota, que provavelmente, tenha aberto a etapa de declínio de seu regime. Independentemente da falsificação dos resultados, a perda de apoio do Governo Putin é um fato inegável, assim como a disposição de luta de pelo menos um setor da população. Mesmo levando em conta os resultados oficiais, o partido de Putin, Rússia Unida, perdeu muitos votos. Perdeu a maioria constitucional que lhe permitia modificar a Constituição. Mas manteve a maioria simples, o que lhe dá poder de aprovar leis mesmo votando sozinho. Ao mesmo tempo, diminuiu também a participação nas eleições. Segundo dados oficiais, 40% da população não foi votar, alguns analistas falam que não votou mais da metade da população. A maioria das pessoas ou não foi votar, ou votou “por qualquer partido menos Rússia Unida”. Esta tendência de protesto silencioso, que sempre existiu, hoje atingiu um patamar que já não é possível esconder. Os próprios resultados oficiais das eleições foram como um tapa na cara de Putin. Um processo que ainda esta em seus inícios Mas, apesar do grande golpe sofrido pelo regime, não se pode superestimar a situação. A geografia dos resultados eleitorais, assim como o caráter, distribuição geográfica e a composição das manifestações mostram que o processo está só em seu início. A manifestação por enquanto tocou fundamentalmente a classe media a juventude universitária e a intelectualidade das grandes cidades. A classe operária, por enquanto, está ausente do processo. Nas regiões mais agrárias e atrasadas, “Rússia Unida”, apesar de perder votos, recebeu um resultado superior ao de Moscou, São Petersburgo e outras grandes cidades, assim como as grandes manifestações se deram também somente nas grandes cidades. A manifestação central na Praça Bolotnaya estava composta fundamentalmente pela classe media e juventude. Por isso, deste primeiro sinal de mudança até o último prego no caixão do regime de Putin, ainda haverá que ocorrer um longo caminho de lutas. A ‘oposição’ Como estão dizendo os russos, “Putin é só metade do problema, a outra metade é a oposição”. O fato é que a oposição parlamentar é cúmplice direta da falsificação. Ha quatro partidos que conseguiram representação parlamentar. Além de Rússia Unida, governista, há o Partido Comunista da Federação Russa (PCFR), que tenta ser uma oposição “civilizada” e “construtiva”. Há também o partido Rússia Justa, criado pelo Kremlin como uma ala esquerda de Putin. Há ainda o Partido Liberal Democrático da Rússia (LDPR), da direita xenófoba e pró-governo. Estes partidos, apesar de criticarem a falsificação, estão contentíssimos com o aumento de votos que tiveram, aumentando seu numero de deputados, suas verbas parlamentares e seu poder de barganha com o governo. Especialmente cínica é a posição do PCFR, maior partido da oposição, que dobrou seus votos (chegou a quase 20%, segundo os resultados oficiais), e que tem uma grande responsabilidade neste momento ao ser o principal depositário dos votos da oposição anti-Putin. Diz seu líder Ziuganov que “as eleições foram ilegítimas tanto do ponto de vista moral como ético”. Mas isso não significa que venham a boicotar a nova Duma ou coisa do gênero. Muito pelo contrário. Diz Ziuganov que aproveitarão o aumento de sua bancada parlamentar para aumentar seu “poder de fiscalização” nas eleições presidenciais de março. Contentíssimo em dobrar seu número de deputados, o PCFR foi o grande ausente na manifestação da Praça Bolotnaya, não a convocando e enviando para lá somente representantes do segundo escalão do partido. A situação é distinta com os liberais russos, agentes diretos do imperialismo americano e europeu, dos quais o regime tirou seu espaço político legal e que por isso não se encontram representados no parlamento. Esses (ou seja, o imperialismo) têm algo a perder, mas tem também algo a ganhar. Por isso jogam com os protestos. Hoje o imperialismo, para dar continuidade a seus planos de colonização da Rússia e outros países politicamente influenciados por ela, necessita levar adiante negociações com Putin, que hoje monopoliza todo o espaço político do país. E Putin cobra caro pelos seus serviços prestados de implementar os planos do imperialismo. Eis a causa dos atritos entre eles. O ocidente gostaria de participar diretamente na política russa e, por isso, de tempos em tempos gera dificuldades políticas para Putin dentro do país através de seus agentes liberais (Nemtsov, do Movimento Solidariedade, Yavlinskiy, do Partido Yabloko, Kasparov, do Outra Rússia, etc), se aproveitando para isso da falsificação das eleições e da ausência de liberdades democráticas. E agora foram exatamente os liberais quem se tornaram os organizadores da manifestação da Praca Bolotnaya. Mas as pessoas foram a praça não “em defesa dos liberais”, mas em defesa das liberdades democráticas. Como brincou um dos oradores da manifestação, segundo o governo russo, Hillary Clinton haveria mandado mensagens por celular para cada pessoa presente na praça. O sentimento antiamericano na Rússia é muito forte. Além disso, aos liberais é muito difícil conquistar alguma confiança depois da catástrofe dos anos 90, quando foi destruído o parque industrial russo em nome da importação de produtos das multinacionais imperialistas. Foi exatamente essa política que gerou os oligarcas russos que tomaram para si a propriedade estatal, recursos naturais e outras riquezas do país. Foram os mesmos liberais que abriram as portas ao capital externo, que hoje controla praticamente todas as áreas da economia e envia bilhões de dólares de lucros para fora do país. Foram também eles que implementaram a “absoluta liberdade de mercado”, que levou a crise. Todos os liberais apoiaram o bombardeio ao parlamento por Ieltsin em 1993, o primeiro passo para o aumento da repressão em todo o país. Portanto, os liberais carregam total responsabilidade pela situação atual do país. Hoje eles criticam Putin, mas na prática propõem a mesma política de privatizações, cortes dos gastos sociais e submissão s ao capital internacional. São até mais radicais em seguir as receitas do FMI. Por isso mesmo não falam nem uma palavra sobre economia hoje, só sobre corrupção e fraude. Calam-se sobre todo o plano econômico de arrocho e privatizações de Putin. Por isso seus lemas são somente “Rússia sem Putin!” ou “Abaixo Rússia Unida, partido de malfeitores e ladrões!”. Eles mesmos tem medo das manifestações, que ameaçam o modelo econômico semicolonial do país, ja em sérias dificuldades, em especial nesse momento em que a situação se torna a cada dia mais explosiva. Falsificação a serviço dos interesses dos oligarcas A falsificação foi a gota d’água, mas o desgaste acumulado do governo vem de questões muito mais profundas. Sua origem está na aplicação dos planos de ajuste e de cortes exigidos pelo FMI e pelos próprios oligarcas russos para aumentarem seus lucros. Assim como nos demais países do mundo, o governo russo salvou seus banqueiros e oligarcas em crise com dinheiro público, endividando o Estado. Agora querem economizar à custa do povo. Em todos os países, em especial na Europa, os governos e os patrões estão aplicando reformas e ajustes brutais: privatizações, arrocho salarial, demissões – para impor aos trabalhadores um novo nível de exploração. Nos seus encontros internacionais, como o G20, os governos discutem e coordenam suas medidas contra os trabalhadores e os povos para salvar os patrões da crise que eles mesmos causaram. A Rússia e seu governo não são exceção. Ja vinham implementando a reforma da educação, chamada de “monetização da educação”, o nome em si ja dispensa explicações. Ao mesmo tempo, devido a inflação, as pessoas comuns vão ficando mais pobres. O governo Russo já aprovou uma série de leis que entrarão em vigor depois das eleições. Todas elas apertarão ainda mais os russos com as chamadas “medidas impopulares”. Putin cada vez mais entrega o país que dependente dos investimentos internacionais, nas mãos das multinacionais, que extraem uma montanha de lucros. Para reduzir os gastos sociais, ele segue a risca as orientações do FMI, do Banco Mundial e dos governos dos países dominantes. Já há um novo orçamento, com grandes cortes nas áreas sociais, ao mesmo tempo em que aumentou os gastos com a polícia, FSB (ex-KGB) e com o aparato repressivo em geral. Foi da necessidade de dar continuidade a estes planos que o governo se viu na necessidade de fraudar as eleições. A falsificação das eleições foi necessária a Putin para continuar com as reformas contra a maioria da população no interesse dos oligarcas russos e do capital estrangeiro. Putin queria mostrar que “está tudo em ordem”, que o povo segue confiando nele. Por isso, como sempre, falsificou as eleições para, fortalecido com o “apoio popular”, seguir adiante com suas medidas contra o povo. O tiro saiu pela culatra. Hoje o povo russo está sentindo tudo isso na carne. E se cansou da hipocrisia do governo. Como seguir adiante? É necessário ampliar os protestos pela anulação dos resultados das eleições. Todos os partidos da chamada “oposição” (em primeiro lugar, o PCFR) devem lutar pelos votos roubados de seus eleitores, ou seja, abertamente não reconhecer as eleições, boicotar a nova Duma e juntos convocar amplamente e organizar massivas manifestações de protestos unificadas, para conquistar a libertação de todos os que foram presos nas manifestações, anulação dos resultados das eleições e a demissão do presidente da Comissão Eleitoral, Tchurov. Qualquer outra posição significaria um acordo aberto ou disfarçado com a falsificação. Por protestos unificados de todos pela anulação dos resultados falsificados das eleições! É inaceitável a posição atual do PCFR de não participar ativamente e nem convocar as manifestações contra a fraude para assumir suas cadeiras na Duma! Com a autoridade de ser o maior depositário dos votos de oposição, uma simples declaração do PCFR se negando a reconhecer as eleições e boicotando a Duma falsificada colocaria todo o sistema numa crise de legitimidade sem precedentes. Além disso, se juntassem seu grande poder de mobilização (utilizado somente em campanhas eleitorais) aos 40 mil da Praça Bolotnaya, poderiam mudar definitivamente a situação política do país. Hoje muitos levantam a palavra de ordem de “eleições limpas”. Porém, diante das regras em vigor, quando não há liberdades políticas e, principalmente, quando “qualquer um pode vencer as eleições, desde que seja Putin”, falar de “eleições limpas” não tem nenhum sentido. Por uma real liberdade de expressão, de publicação, de manifestação, de reunião e de organização! Pela abolição da atual legislação de partidos e da legislação “antiterrorismo’ e ‘anti-extremismo’, dirigidas a eliminar a existência de opiniões diferentes! Não a repressão! Pela liberdade de organização e legalização de partidos alternativos! Pela liberdade de distribuição de informação e acesso dos distintos partidos e pontos de vista a televisão! Por uma ampla campanha de debates eleitorais pela TV! Na base destes direitos democráticos, é preciso realizar novas eleições no país! Abaixo as privatizações e a reforma da educação! Nacionalização, sem indenização, de todo o setor energético e de recursos naturais! Utilização dos recursos provenientes destes para promover uma nova onda de industrialização do país, e de renovação da infra-instrutora nacional, que absorva aos desempregados. Proibição da remessa de lucros ao exterior. Nacionalização e unificação do sistema financeiro nacional, para impedir a especulação, envio de remessas e corrupção. Fora oligarcas, banqueiros, malfeitores e ladrões! Por um governo operário e popular, que governe para a maioria e assuma um programa econômico de resgate dos trabalhadores, e não dos banqueiros e oligarcas. Fora Rússia Unida, Partido de oligarcas, banqueiros, malfeitores e ladrões! Para implementar todo esse programa, o principal problema dos trabalhadores russos continua sendo a ausência de organizações independentes e de uma direção política, o que retarda muito a entrada da classe trabalhadora em luta. Hoje nenhum dos partidos legais representa os interesses dos trabalhadores e do povo, tampouco quer defendê-los. O PCFR defende alguns pontos do programa acima, mas só nas campanhas eleitorais, pois nunca se dispuseram a mobilizar o povo por estas reivindicações. A classe trabalhadora não tem nem sindicatos independentes, nem partidos em que possam confiar, nem outras organizações de luta. Sem suas organizações próprias, os trabalhadores continuarão reféns de patrões e burocratas. Hoje aos trabalhadores e setores populares é necessário se organizar em grupos por local de trabalho, universidades, por local de moradia, entre amigos, coordenar-se entre si para resistir a política antipopular, repressiva e pró-oligarcas do regime Putin e de sua farsa eleitoral. Construir uma alternativa política de classe e socialista é uma necessidade urgente para a classe trabalhadora russa. |
Os Honoráveis Bandidos e o Holocausto Brasileiro
Levantamento histórico do período ditatorial deve ser efetivado sem mais demora
Por Cláudio Ribeiro na CAROS AMIGOS
Frase tantas vezes dita e repetida, o tempo que passa é o tempo que nos resta. O levantamento histórico e documentado do período ditatorial deve ser efetivado sem mais demora.
Se a anistia destina-se à pacificação de ânimos de pessoas atingidas em certo momento histórico por atos ilegais, perseguições, prisões arbitrárias, torturas generalizadas, assassinatos e desaparecimentos, hoje a luta contra a repetição de violências semelhantes e a busca da verdade e da justiça devem andar de mãos dadas.
A importância de esquecer impõe a necessidade de lembrar. Ninguém pode apagar o que não foi escrito, nem se esquece daquilo que não é lembrado. O esquecimento exige o confronto com o passado.
Por essa razão, a revisita à memória dos anos vividos sob a batuta dos tacões militares (e da concepção de segurança nacional ainda decantada em certos espaços institucionais e meios sociais) possibilita recordar e detectar seus fins e seus meios: A ditadura militar não foi implantada no Brasil (e nos demais países da América do Sul) para derrotar o comunismo ou comunistas. Como Hitler na Alemanha, que içou bandeiras contra judeus e comunistas, no Brasil a bandeira do anticomunismo foi erguida apenas para esconder o verdadeiro holocausto brasileiro, a implementação de uma política econômica de subtração de rendas (e riquezas) das classes trabalhadoras através do confisco salarial e da modernização conservadora do campo para transferi-las à elite patrimonialista brasileira.
Se a ditadura veio para isso, como é possível alguém dizer que ela acabou? A política econômica continua, e agora mais protegida, não mais pelos quartéis, mas pelo Banco Central.
Durante o governo Lula, as rendas da classe média foram em grande parte confiscadas para minimizar o sofrimento dos excluídos, mas não teve forças para por o dedo na ferida, o bolso dos ricos e poderosos.
A dívida pública brasileira beira o abismo dos 3 trilhões de reais e neste ano, com a taxa Selic, alçada aos fantásticos 12%, vai custar ao nosso povo algo no entorno dos 300 bilhões. Os juros afundarão a curto prazo todas as possibilidades de crescimento sustentável e aprofundarão as intoleráveis desigualdades em que naufragamos nossas esperanças.
O Erário está a serviço do banquete de banqueiros e rentistas. O controle de informações é tão brutal que, como povo, não sabemos sequer a origem da dívida pública, quem são os credores, se estamos pagando algo que devemos ou alguma coisa cujo pagamento já se multiplicou.
Enquanto não for desvendado o arquivo deste misterioso saque, não saberemos como enfrentá-lo, nem reconstruiremos um caminho de desenvolvimento nacional se não punirmos, e com rigor, esses honoráveis bandidos que assaltam nossos recursos públicos.
Enquanto não for desvendado o arquivo deste misterioso saque, não saberemos como enfrentá-lo, nem reconstruiremos um caminho de desenvolvimento nacional se não punirmos, e com rigor, esses honoráveis bandidos que assaltam nossos recursos públicos.
Não há dúvidas, a ditadura militar entregou a essa elite usurária todo o poder de comandar o Estado brasileiro e as burras nacionais. Além da concentração de rendas e riquezas, a essência doutrinária apregoada pela mídia abriu o coração do Brasil para o transplante das novas condições necessárias às transformações do capitalismo para colocar nossa sociedade sob o jugo dos interesses internacionais concentrados do grande capital, mais tarde regulamentados pelo Consenso de Washington.
Os fins impuseram os mecanismos e instrumentos de dominação (novas formas de colonização), demolindo-se, no limiar, os elementos culturais de raízes populares, desde a música e os cânticos, a literatura como um todo, até a degradação da qualidade dos bancos escolares e acadêmicos para impor uma nova escala de valores éticos (?) e morais (?), como a exacerbação do individualismo, a glorificação da competitividade econômica (para reerguer um dos pilares do regime nazista, o indivíduo produtivo), acarretando, como resultado pedagógico, o incentivo às disputas pessoais.
A perseguição feroz, sanguinária em vários exemplos (o caso Rubens Paiva é paradigmático), as prisões, torturas e assassinatos dos opositores (como se todos integrassem organizações comunistas), a imensa maioria dos quais discordava da barbárie cometida em subterrâneos policiais (como os saudosos Sobral Pinto, Alceu Amoroso Lima, Hélio Pelegrino, Frei Tito de Alencar e corajosos, como Cardeal Arns, fervorosos católicos, além de outros), deve ser investigada a fundo; todavia, isto não basta, porque a sádica brutalidade macarthista dos torturadores e seus mandantes serviu submissamente ao enriquecimento dessa elite ultrajante que tomou conta dos cofres da União.
Este quadro deu início e adubou a violência, a impunidade, a marginalização de amplas camadas da população atingidas pelo desemprego e pela brutal redução da remuneração do trabalho.
A censura e a mordaça (sobre o Judiciário inclusive) foram empregadas com todo vigor e, em alguns e raros casos, com prisões e cassações. O levantamento apurado de todos esses acontecimentos e a punição dos responsáveis (sem sanhas marcadas pela vingança ou revanchismo) são indispensáveis para estabelecimento de um alicerce sólido à construção de um Estado Democrático de Direito, onde as pessoas possam conviver com afeto e solidariedade e não, como hoje, com desconfianças recíprocas, um Estado, onde os crimes sejam punidos sem distinguir as classes sociais dos criminosos, onde os Poderes inerentes à Democracia ajam com absoluta transparência em benefício do Povo e não, de privilégios e privilegiados.
Países como a Argentina e o Uruguai, mergulhados em ditaduras brutais já vivem uma realidade menos violenta porque a História está sendo revista e escrita, os responsáveis, os cabeças e os torturadores mais doentios, punidos. Se os ladrões ainda continuam, quase todos, desfrutando dos bens saqueados.
Nós ainda não conseguimos a prestação de contas do passado recente e, por este motivo fundamental, a anistia com todas as suas repercussões deve ser examinada com os olhos presos nesse dever de contribuir para construir a sociedade programada principalmente pelo artigo 3º da Constituição Federal.
Quem barra a apuração desse violento período histórico? Apenas a cúpula das Forças Armadas? Ou, ao contrário, são os honoráveis bandidos brasileiros que se fartaram de enriquecer durante o regime exercido por militares a serviço dessa elite usurária?
A mais recente e triste decisão do Supremo Tribunal Federal não deve sufocar os que defendem um verdadeiro Estado Democrático de Direito. O Brasil e as razões que impuseram a tristeza daquele julgamento foram condenados pela Corte Interamericana de Justiça. A luta contra o velho regime ditatorial deve continuar, para que este País vença a violência e a impunidade que o assolam, sabendo que ambas são heranças do período de concentração de rendas e riquezas, dos ricos que empobrecem nossa nação escondidos no subsolo das sociedades ainda anônimas, comerciais, industriais, usurárias, nacionais e estrangeiras, que se valeram à farta de torturadores, fardados ou não, para saciar a infinita voracidade dos valores criados no entorno do Capital.
Apurar os crimes de prisões ilegais, sequestros, torturas, assassinatos e ocultação de cadáveres cometidos pelos governos militares contra integrantes da oposição democrática e popular e, com mais força ainda, investigar a vida daqueles que se enriqueceram ilicitamente às custas do sacrifico do povo e do Estado brasileiros.
Uma investigação rigorosa levará inevitavelmente à outra. Chega de violência. Chega de impunidade. Por uma auditoria real e transparente da dívida pública. Pela punição dos algozes da sociedade brasileira, dos torturadores e seus mandantes e dessa turba de assaltantes dos recursos públicos da Nação.
Cláudio Ribeiro é advogado
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sábado, 17 de dezembro de 2011
"Governo caiu na armadilha dos ruralistas de ameaçar piorar o texto"
Por Luiz Felipe Albuquerque
Da Página do MST
Da Página do MST
Nesta quarta-feira (9), o texto do Código Florestal passou pela Comissão de Ciência e Tecnologia e a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado, sob o relatório do senador Luiz Henrique (PMDB-SC).
Mesmo tendo mudado de casa - da Câmara dos Deputados para o Senado -, os pontos mais polêmicos continuam à tona, sem que houvesse, até o momento, mudanças significativas.
Em entrevista à página do MST, Luiz Zarref, da Via Campesina Brasil, analisa a discussão que está sendo travada no Senado Federal e quais devem ser o próximos passos.
Agora, o texto segue para a Comissão do Meio Ambiente, cujo relator é o senador Jorge Vianna (PT-AC). No entanto, para Zarref, essa batalha no Senado já está perdida. Basta apenas os compromissos que a presindenta Dilma assumiu em vetar todos os pontos que causariam mais desmatamento.
Confira a entrevista:
Qual sua avaliação em relação a discussão que foi e a que está sendo feita sobre o Código Florestal entre as duas casas – Câmara dos Deputados e o Senado Federal?
A votação está seguindo uma lógica já pré-estabelecida. Um tencionamente extremo - esticar a corda ao máximo na Câmara dos Deputados - e um discurso mais brando no Senado, mais diplomático para diminuir a tensão que teve na Câmara, diminuir esse tencionamento para com a sociedade.
Mas a lógica e a pauta são as mesmas, e os atendimentos à pauta também são os mesmos.
E o porquê desse roteiro já pré-estabelecido?
Porque é um roteiro ruralista. Essa é uma pauta ruralista. A análise da Via Campesina e do próprio Comitê, agora nas últimas duas semanas, é de que o governo abandonou o tema. Ele está preocupado com outras questões como royalties, orçamento, PPA, as questões da corrupção, e não está envolvido na questão do Código. Tanto é que não tem o alto escalão discutindo o tema, quem está coordenando a discussão são assessores do Ministério do Meio Ambiente – o que demonstra o baixo perfil que o governo está dando a essa discussão. Com isso, os ruralistas estão dando a linha que eles querem dar.
Nesse sentido, a tática dos ruralistas está funcionando. Já tinham planejado isso, de fazer um avanço muito forte, com um texto muito ruim na Câmara para caso se perdesse alguma coisa, que não fosse o essencial. E no Senado, o papel que o Luiz Henrique tem desempenhado é justamente esse: de diminuir a tensão, dizer que está conversando e ouvindo todo mundo. Mas na realidade está mantendo a essência do texto da Câmara.
Mas a lógica e a pauta são as mesmas, e os atendimentos à pauta também são os mesmos.
E o porquê desse roteiro já pré-estabelecido?
Porque é um roteiro ruralista. Essa é uma pauta ruralista. A análise da Via Campesina e do próprio Comitê, agora nas últimas duas semanas, é de que o governo abandonou o tema. Ele está preocupado com outras questões como royalties, orçamento, PPA, as questões da corrupção, e não está envolvido na questão do Código. Tanto é que não tem o alto escalão discutindo o tema, quem está coordenando a discussão são assessores do Ministério do Meio Ambiente – o que demonstra o baixo perfil que o governo está dando a essa discussão. Com isso, os ruralistas estão dando a linha que eles querem dar.
Nesse sentido, a tática dos ruralistas está funcionando. Já tinham planejado isso, de fazer um avanço muito forte, com um texto muito ruim na Câmara para caso se perdesse alguma coisa, que não fosse o essencial. E no Senado, o papel que o Luiz Henrique tem desempenhado é justamente esse: de diminuir a tensão, dizer que está conversando e ouvindo todo mundo. Mas na realidade está mantendo a essência do texto da Câmara.
E como está se dando essa discussão no Senado, especificamente?
São os mesmos conteúdos, as mesmas questões na essência: a anistia, não só de multas mas a anistia também da necessidade de recuperação de áreas; o não esclarecimento da questão da agricultura familiar, uma divisão e diferenciação clara; a permissão de plantio de espécies exóticas em áreas que deveriam ser de uso sustentável, permitindo o monocultivo de árvores; a data de área consolidada que continua 2008; e outras diversas questões que já estavam na Câmara e se mantêm no Senado.
Fala-se que no Senado houve uma mudança na estrutura do texto. O que isso significa?
É uma mudança estrutural no ponto de vista de estrutura, e não no ponto de vista de importância. O texto do Aldo Rebelo era um texto propositalmente confuso no ponto de vista legislativo. Por exemplo, o famoso artigo 8° do texto, trazia no mesmo artigo a definição do que é intervenção de atividade pública, intervenção de interesse social e intervenção de baixo impacto em área de preservação permanente. Essa é uma definição que já tem no Código Florestal atual. Mas dentro de alguns incisos ele colocava, por exemplo, a consolidação de toda atividade agrosilvopastoril.
Então, ao mesmo tempo em que ele englobava esses conceitos, colocava também a consolidação de todas as áreas: de soja e pecuária na beira do rio, por exemplo. E ainda acrescia a possibilidade de supressão de novas áreas de acordo com os estados.
No Senado se mexeu nisso. Agora, há um artigo que é específico em definição. O que é baixo impacto? Aí se elenca os elementos que são de baixo impacto. O que é interesse público? Se coloca o que é de interesse público. E assim por diante.
E no fim se coloca indisposições transitórias dizendo o que são regularizações. Então se pontua que “para área de preservação permanente será permitido para fins de recomposição considerar uma faixa de 15 metros”, por exemplo.
Antes, tudo isso estava no mesmo artigo. Era impossível a presidenta Dilma vetar o texto, porque se ela vetasse uma coisa – caso não quisesse a questão da anistia, por exemplo, e tivesse que recompor 30 metros da APP -, ela não teria como vetar, porque senão seria obrigada a vetar todo o artigo. Iria vetar o que é interesse social, o que é utilidade pública, o que é baixo impacto. Porque assim entra tudo. Entra mineração, agricultura familiar, etc.
Ou seja, tiveram essas mudanças: do que é conceito e o que é medida provisória, ou dispositivos transitórios, que é o termo jurídico.
Os ruralista não estão mais aceitando nem mesmo pontos que eram de seus interesses. Nos últimos dias, por exemplo, representantes desse setor declararam que não aceitam nem mesmo a recomposição das APPs em apenas 15 metros, assim como agora acham que a questão dos quatro módulos fiscais é muito pouco. O que significa o endurecimento desse setor mesmo com a situação mais favorável a seu lado?
Isso é manobra política dos ruralistas. Eles elevam o tom para manterem as conquistas que já tiveram. Isso é tática de negociação, se atira lá na frente para se pegar a metade. Na realidade, eles estão tencionando agora porque sabem que se não elevarem o tom, poderia ter uma ou outra modificação na Comissão do Meio Ambiente (CMA). Endurecem para dizer: o que é aceitável é isso e não dá para retroceder disso.
Vão começar a fazer uma série de pressões sobre questões que eles já tinham feito acordo para que este seja mantido de fato. Jogam dizendo que querem mais, mas na última hora, em vez do texto melhorar, ele se mantêm. Isso foi dito claramente pelos assessores do governo na Comissão de Agricultura: “não, não mexe. Não vamos tencionar porque eles já estão com raiva e querem piorar o texto. Se melhorarmos eles vão piorar. Então, vamos deixar do jeito que está porque é menos pior”.
O governo entrou nessa armadilha de não mexer porque os ruralistas estão ameaçando piorar e contam com maioria. Essa é a tática que o governo, lamentavelmente, está entrando. E a tática é ruralista: eles dão o tiro lá em cima para conseguir o texto que eles já têm na mão.
Nesta quarta (9), tivemos a votação em duas comissões, a de Ciência e Tecnologia e a de Agricultura e Reforma Agrária. Só uma, das 20 emendas, foi votada. Agora elas serão encaminhadas para a Comissão do Meio Ambiente (CMA)?
Eles vão ter que reapresentar as emendas com os senadores que estão na CMA. O que foi apresentado pelo senador que estava na Comissão de Agricultura e que não é da CMA, ele terá que se articular para que outro senador que é da CMA leve o que é de seu interesse para esta Comissão.
Só que isso também é mera tática de negociação. É só para elevar o tom e dizer: tem um monte de coisa que querem mudar no texto e se vocês começarem a mexer aí, nós vamos colocar pressão para mexer o texto do lado de cá, e assim o texto ficará pior para vocês. Ou seja, mantêm o texto do jeito que está. Isso é tática política, de negociação.
As 20 emendas serão discutidas com todas as outras emendas. Se forem apresentadas 150 emendas, serão discutidas junto com essas outras 20. Isso serve só para manobra política aqui no Congresso.
Dentre as Comissões, falta agora apenas a votação da CMA. Quais são as perspectivas?
A CMA deve votar no dia 22, e o texto deve ser votado no plenário do Senado e na Câmara na primeira, ou no máximo, na segunda semana de dezembro. No texto da CMA é possível que entre o texto da agricultura familiar, mas muito brandamente. E só. Na nossa análise não tem mais nada que irá mudar.
Avaliamos que no Senado a discussão já se encerrou. Não há mais a possibilidade de discutir. Fizemos propostas de mudanças, mas já foi. Temos que focar nossas forças para a Dilma vetar boa parte do texto. Só isso que nos resta. A única possibilidade que existe são os compromissos que a presidenta assumiu nas eleição e o compromisso que ela tem com a Rio+20 no ano que vem. No Senado não tem mais o que fazer. Agora, está na responsabilidade da presidenta Dilma.
São os mesmos conteúdos, as mesmas questões na essência: a anistia, não só de multas mas a anistia também da necessidade de recuperação de áreas; o não esclarecimento da questão da agricultura familiar, uma divisão e diferenciação clara; a permissão de plantio de espécies exóticas em áreas que deveriam ser de uso sustentável, permitindo o monocultivo de árvores; a data de área consolidada que continua 2008; e outras diversas questões que já estavam na Câmara e se mantêm no Senado.
Fala-se que no Senado houve uma mudança na estrutura do texto. O que isso significa?
É uma mudança estrutural no ponto de vista de estrutura, e não no ponto de vista de importância. O texto do Aldo Rebelo era um texto propositalmente confuso no ponto de vista legislativo. Por exemplo, o famoso artigo 8° do texto, trazia no mesmo artigo a definição do que é intervenção de atividade pública, intervenção de interesse social e intervenção de baixo impacto em área de preservação permanente. Essa é uma definição que já tem no Código Florestal atual. Mas dentro de alguns incisos ele colocava, por exemplo, a consolidação de toda atividade agrosilvopastoril.
Então, ao mesmo tempo em que ele englobava esses conceitos, colocava também a consolidação de todas as áreas: de soja e pecuária na beira do rio, por exemplo. E ainda acrescia a possibilidade de supressão de novas áreas de acordo com os estados.
No Senado se mexeu nisso. Agora, há um artigo que é específico em definição. O que é baixo impacto? Aí se elenca os elementos que são de baixo impacto. O que é interesse público? Se coloca o que é de interesse público. E assim por diante.
E no fim se coloca indisposições transitórias dizendo o que são regularizações. Então se pontua que “para área de preservação permanente será permitido para fins de recomposição considerar uma faixa de 15 metros”, por exemplo.
Antes, tudo isso estava no mesmo artigo. Era impossível a presidenta Dilma vetar o texto, porque se ela vetasse uma coisa – caso não quisesse a questão da anistia, por exemplo, e tivesse que recompor 30 metros da APP -, ela não teria como vetar, porque senão seria obrigada a vetar todo o artigo. Iria vetar o que é interesse social, o que é utilidade pública, o que é baixo impacto. Porque assim entra tudo. Entra mineração, agricultura familiar, etc.
Ou seja, tiveram essas mudanças: do que é conceito e o que é medida provisória, ou dispositivos transitórios, que é o termo jurídico.
Os ruralista não estão mais aceitando nem mesmo pontos que eram de seus interesses. Nos últimos dias, por exemplo, representantes desse setor declararam que não aceitam nem mesmo a recomposição das APPs em apenas 15 metros, assim como agora acham que a questão dos quatro módulos fiscais é muito pouco. O que significa o endurecimento desse setor mesmo com a situação mais favorável a seu lado?
Isso é manobra política dos ruralistas. Eles elevam o tom para manterem as conquistas que já tiveram. Isso é tática de negociação, se atira lá na frente para se pegar a metade. Na realidade, eles estão tencionando agora porque sabem que se não elevarem o tom, poderia ter uma ou outra modificação na Comissão do Meio Ambiente (CMA). Endurecem para dizer: o que é aceitável é isso e não dá para retroceder disso.
Vão começar a fazer uma série de pressões sobre questões que eles já tinham feito acordo para que este seja mantido de fato. Jogam dizendo que querem mais, mas na última hora, em vez do texto melhorar, ele se mantêm. Isso foi dito claramente pelos assessores do governo na Comissão de Agricultura: “não, não mexe. Não vamos tencionar porque eles já estão com raiva e querem piorar o texto. Se melhorarmos eles vão piorar. Então, vamos deixar do jeito que está porque é menos pior”.
O governo entrou nessa armadilha de não mexer porque os ruralistas estão ameaçando piorar e contam com maioria. Essa é a tática que o governo, lamentavelmente, está entrando. E a tática é ruralista: eles dão o tiro lá em cima para conseguir o texto que eles já têm na mão.
Nesta quarta (9), tivemos a votação em duas comissões, a de Ciência e Tecnologia e a de Agricultura e Reforma Agrária. Só uma, das 20 emendas, foi votada. Agora elas serão encaminhadas para a Comissão do Meio Ambiente (CMA)?
Eles vão ter que reapresentar as emendas com os senadores que estão na CMA. O que foi apresentado pelo senador que estava na Comissão de Agricultura e que não é da CMA, ele terá que se articular para que outro senador que é da CMA leve o que é de seu interesse para esta Comissão.
Só que isso também é mera tática de negociação. É só para elevar o tom e dizer: tem um monte de coisa que querem mudar no texto e se vocês começarem a mexer aí, nós vamos colocar pressão para mexer o texto do lado de cá, e assim o texto ficará pior para vocês. Ou seja, mantêm o texto do jeito que está. Isso é tática política, de negociação.
As 20 emendas serão discutidas com todas as outras emendas. Se forem apresentadas 150 emendas, serão discutidas junto com essas outras 20. Isso serve só para manobra política aqui no Congresso.
Dentre as Comissões, falta agora apenas a votação da CMA. Quais são as perspectivas?
A CMA deve votar no dia 22, e o texto deve ser votado no plenário do Senado e na Câmara na primeira, ou no máximo, na segunda semana de dezembro. No texto da CMA é possível que entre o texto da agricultura familiar, mas muito brandamente. E só. Na nossa análise não tem mais nada que irá mudar.
Avaliamos que no Senado a discussão já se encerrou. Não há mais a possibilidade de discutir. Fizemos propostas de mudanças, mas já foi. Temos que focar nossas forças para a Dilma vetar boa parte do texto. Só isso que nos resta. A única possibilidade que existe são os compromissos que a presidenta assumiu nas eleição e o compromisso que ela tem com a Rio+20 no ano que vem. No Senado não tem mais o que fazer. Agora, está na responsabilidade da presidenta Dilma.
"Em torno de Marx" de Leandro Konder
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sexta-feira, 16 de dezembro de 2011
O pesadelo da mídia
Saturno ( o sistema ) devora seus filhos
Georges Bourdoukan em seu blog
Está difícil realmente acompanhar o desespero da mídia.
Os palestinos não desistem de resistir aos inimigos da humanidade.
O presidente da Síria Bashar AL Assad (que os bagrinhos midiáticos denominam ditador) recusa-se a deixar o poder.
Arábia Saudita, a menina dos olhos da mídia e seu exemplo de democracia, está cortando cabeças de mulheres.
Os líbios continuam se defendendo contra os alienígenas que invadiram e ocupam seu pais.
O governo dos Estados Unidos está em fuga no Iraque.
E do Afeganistão.
A Itália muda de governo e nada muda.
A Inglaterra quer distância do Euro.
Sarkozi não sabe o que fazer para manter a mon amour em casa.
Os Estados Unidos não conseguem se livrar o Occupy Wall Street.
E horror dos horrores, o câncer de Lula regride.
O restante do pesadelo fica por conta de cada um.
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Foi oló: Christopher Hitchens (1949-2011), o maior polemista do nosso tempo
Idelber Avelar na REVISTA FÓRUM
Do trotsquismo no qual militou entre 1966 e 1976, Christopher Hitchens herdou – e nunca abandonou – o gosto pela polêmica, a total ausência de receio de ser minoria e o horror a qualquer tipo de discurso feito para agradar o senso comum dos fariseus. Mais ou menos como um músico de ouvidos bem treinados reconheceria o dedilhar de Jimi Hendrix ou Johnny Marr aos primeiros acordes, os leitores de Hitch identificaríamos qualquer frase sua imediatamente, mesmo que descontextualizada. Com adjetivação abundante mas nunca óbvia, orações subordinadas de um barroquismo que levava a vocação pragmática da língua inglesa aos seus limites, fechamentos devastadores para o adversário—e ele sempre tinha um adversário—, Hitch escrevia como ninguém. Ao contrário da grande maioria dos que escrevem como ninguém, ele também falava admiravelmente: era um orador potentíssimo, capaz de reduzir o oponente ao ridículo em questão de minutos. O debate protagonizado por ele e por Stephen Fry, em 2009, contra um arcebispo da Nigéria e uma deputada conservadora britânica, sobre se a Igreja Católica seria uma força “para o bem”, é um dos maiores espancamentos verbais de que se tem notícia. Foi o grande polemista do nosso tempo.
Os obituários falarão abundantemente do “giro” conservador de Hitch nos anos 2000, durante os quais ele adotou a cidadania estadunidense, apoiou a Guerra do Iraque, rompeu sua longa colaboração com o periódico progressista The Nation e desfez de forma escandalosa praticamente todas as amizades que havia formado na esquerda: Gore Vidal, Noam Chomsky, Tariq Ali, Edward Said e Alexander Cockburn, para ficar só nos mais famosos. Mas prefiro sublinhar aqui o que considero a grande lição de Hitch para o nosso tempo, particularmente importante no Brasil de hoje. Ele personificava como ninguém o compromisso ético nº 1 de qualquer intelectual público que se preze: a coragem de estar em minoria e a recusa a fazer qualquer concessão ao senso comum dominante. Nada exemplifica melhor essa característica sua que o livro sobre a Madre de Teresa de Calcutá, demolida por Hitch como uma exploradora da pobreza, fanática, fundamentalista e fraudulenta, segundo suas próprias palavras.
Palavras eram coisas que Hitch não economizava, e a sucessão de efes no artigo lincado não é gratuita. Hitch adorava aliterações. Uma das demolições retóricas mais divertidas, na longa lista que acumulou ao longo da vida, ocorreu quando um evangélico lhe perguntou: “se você estivesse numa cidade estrangeira, e um grupo de homens desconhecidos viesse na sua direção, você se sentiria mais ou menos seguro se soubesse que eles vêm de um encontro religioso?”. O evangélico, evidentemente, espera um “sim, mais”, como resposta. Hitch fulmina, devastador: posso lhe garantir com absoluta certeza que me sinto muito mais ameaçado se este for o caso, porque já passei por essa experiência. Para ficar só na letra B? Belfast, Belgrado, Belém, Bagdá, Bombaim e Beirute. Nocaute, fim da discussão.
Hitch chegou ao rol dos best-sellers com seu God is not Great, seguramente o melhor livro entre a abundante literatura do neo-ateísmo capitaneada por Richard Dawkins. As demolições de Bill Clinton e Henry Kissinger também adquiriram certa notoriedade. Mas sua grande obra, a meu modo de ver, é também a mais sucinta: Letters to a Young Contrarian [Cartas a um jovem contestador, na edição brasileira], breve volume de 141 páginas, deveria ser lido por qualquer um que se interesse pelo mundo das ideias, seja lá qual for sua tendência política ou especialização. Entre seus alunos da New School, em Nova York, em 2000, um deles lhe faz o desafio de estabelecer qual seria o rumo para um intelectual que passou pelos levantamentos revolucionários de 1968 e vive hoje na ressaca da financeirização completa do mundo. Ele aceita o desafio e toma inspiração nas Cartas a um Jovem Poeta, de Rainer Maria Rilke. Em 18 missivas inesquecíveis, ele repassa a ética, a estética e a política que deveriam orientar, segundo ele, o verdadeiro radical—palavra que, aliás, ele adorava e nunca abandonaria. As Cartas são um texto digno de George Orwell, herói intelectual a quem ele tampouco jamais renunciou.
Suas memórias, Hitch 22, mostram sem sombra de afetação o traço que o acompanhou durante toda a vida: ele não tinha medo de nada. Nunca escolheu o momento mais fácil para suas viagens: Portugal em 1975, Buenos Aires em 1977, Palestina em plena Intifada, Uganda no meio da guerra civil, Belfast no auge do horror, a lista é infindável. Foi uma daquelas grandes ironias da História que ele tenha morrido na cama, zombando até o final dos religiosos que rezavam por ele e aguardavam uma conversão que—sabíamos os seus leitores—jamais viria. Prefiro não guardar dele a memória de sua chegada ao Iraque junto com as tropas de ocupação estadunidenses. Muito melhor é cultivar a lembrança de um brevo papo em Parati, depois que ele fizera picadinho de Fernando Gabeira num debate. Ali eu lhe dizia, depois de me apresentar, que um dia encararia um debate com ele sobre a Guerra do Iraque e a política externa dos EUA para o Oriente Médio, pois eu achava inaceitável sua conversão a ela. A resposta foi puro Hitch: é só você marcar hora e local. O cabra não fugia da raia, e essa é a grande lição que deixa, para além de sua absurda erudição, seus dotes de polemista e sua legendária memória, a um mundo de novo assombrado pela mediocridade do consenso.
Descansa em paz, velho trotsko. O mundo amanheceu bem menos brilhante sem você.
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quinta-feira, 15 de dezembro de 2011
Esquerdas precisam superar indisponibilidade para reflexão
Quando estão no poder, as esquerdas não têm tempo para refletir sobre as transformações que ocorrem nas sociedades e quando o fazem é sempre por reação a qualquer acontecimento que perturbe o exercício do poder. A resposta é sempre defensiva. Quando não estão no poder, dividem-se internamente para definir quem vai ser o líder nas próximas eleições, e as reflexões e análises ficam vinculadas a esse objetivo.
Esta indisponibilidade para reflexão, se foi sempre perniciosa, é agora suicida. Por duas razões. A direita tem à sua disposição todos os intelectuais orgânicos do capital financeiro, das associações empresariais, das instituições multilaterais, dos think tanks, dos lobbistas, os quais lhe fornecem diariamente dados e interpretações que não são sempre faltos de rigor e sempre interpretam a realidade de modo a levar a água ao seu moinho. Pelo contrário, as esquerdas estão desprovidas de instrumentos de reflexão abertos aos não militantes e, internamente, a reflexão segue a linha estéril das facções.
Circula hoje no mundo uma imensidão de informações e análises que poderiam ter uma importância decisiva para repensar e refundar as esquerdas depois do duplo colapso da social-democracia e do socialismo real. O desequílibrio entre as esquerdas e a direita no que respeita ao conhecimento estratégico do mundo é hoje maior que nunca.
A segunda razão é que as novas mobilizações e militâncias políticas por causas historicamente pertencentes às esquerdas estão sendo feitas sem qualquer referência a elas (salvo talvez à tradição anarquista) e muitas vezes em oposição a elas. Isto não pode deixar de suscitar uma profunda reflexão. Essa reflexão está sendo feita? Tenho razões para crer que não e a prova está nas tentativas de cooptar, ensinar, minimizar, ignorar a nova militância.
Proponho algumas linhas de reflexão. A primeira diz respeito à polarização social que está a emergir das enormes desigualdades sociais. Vivemos um tempo que tem algumas semelhanças com o das revoluções democráticas que avassalaram a Europa em 1848. A polarização social era enorme porque o operariado (então uma classe jovem) dependia do trabalho para sobreviver mas (ao contrário dos pais e avós) o trabalho não dependia dele, dependia de quem o dava ou retirava a seu belprazer, o patrão; se trabalhasse, os salários eram tão baixos e a jornada tão longa que a saúde perigava e a família vivia sempre à beira da fome; se fosse despedido, não tinha qualquer suporte exceto o de alguma economia solidária ou do recurso ao crime. Não admira que, nessas revoluções, as duas bandeiras de luta tenham sido o direito ao trabalho e o direito a uma jornada de trabalho mais curta. 150 anos depois, a situação não é totalmente a mesma mas as bandeiras continuam a ser atuais.
E talvez o sejam hoje mais do que o eram há 30 anos. As revoluções foram sangrentas e falharam, mas os próprios governos conservadores que se seguiram tiveram de fazer concessões para que a questão social não descambasse em catástrofe. A que distância estamos nós da catástrofe? Por enquanto, a mobilização contra a escandalosa desigualdade social (semelhante à de 1848) é pacífica e tem um forte pendor moralista denunciador.
Não mete medo ao sistema financeiro-democrático. Quem pode garantir que assim continue? A direita está preparada para a resposta repressiva a qualquer alteração que se torne ameaçadora. Quais são os planos das esquerdas? Vão voltar a dividir-se como no passado, umas tomando a posição da repressão e outras, a da luta contra a repressão?
A segunda linha de reflexão tem igualmente muito a ver com as revoluções de 1848 e consiste em como voltar a conectar a democracia com as aspirações e as decisões dos cidadãos. Das palavras de ordem de 1848, sobressaíam liberalismo e democracia. Liberalismo significava governo republicano, separação ente estado e religião, liberdade de imprensa; democracia significava sufrágio “universal” para os homens. Neste domínio, muito se avançou nos últimos 150 anos. No entanto, as conquistas têm vindo a ser postas em causa nos últimos 30 anos e nos últimos tempos a democracia mais parece uma casa fechada ocupada por um grupo de extraterrestres que decide democraticamente pelos seus interesses e ditatorialmente pelos interesses das grandes maiorias. Um regime misto, uma democradura.
O movimento dos indignados e do occupy recusam a expropriação da democracia e optam por tomar decisões por consenso nas sua assembleias. São loucos ou são um sinal das exigências que vêm aí? As esquerdas já terão pensado que se não se sentirem confortáveis com formas de democracia de alta intensidade (no interior dos partidos e na república) esse será o sinal de que devem retirar-se ou refundar-se?
(*) Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).
quarta-feira, 14 de dezembro de 2011
Quem pode ser um bom professor
CARTA CAPITAL
Uma formação inicial sólida e, mais que isso, o acompanhamento a longo prazo das práticas docentes são a chave para a construção de uma educação de qualidade, defendem os pesquisadores Clare Kosnik e Clive Beck, da Universidade de Toronto (Canadá). Em São Paulo, para o seminário Inovação e Qualidade na Formação Inicial de Professores, promovido em novembro pelo Instituto Singularidades, os especialistas criticaram a valorização excessiva de desenvolvimento de novos currículos em detrimento de questões mais urgentes, como uma estratégia de recrutamento docente.
O casal, que é autor de uma série de títulos sobre a formação de educadores, defende que os aspirantes a docente fortaleçam seus conhecimentos em áreas mais essenciais dos anos iniciais do Ensino Básico e não percam o foco na pesquisa. Na avaliação dos especialistas em formação inicial de professores, avaliações e práticas como a de colocar uma placa com o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) na porta da escola não resultam em melhorias: “Nunca vamos conseguir fazer com que parem de achar que há uma resposta mágica nos resultados de uma prova”.
Carta Fundamental: Suas pesquisas focam a experiência canadense, mas que pontos podem ser globalizados e, especialmente, aplicados ao universo brasileiro?
Clare Kosnik: Acredito que nossos achados têm aplicação direta a qualquer lugar. Para começar, ao desenvolver os programas de educação de professores, é preciso pensar na pesquisa, que é a fundação para o que fazemos. Depois, temos de priorizar o que fazer no futuro dentro do contexto em que se está, independentemente de ser no Brasil, na Alemanha, na Austrália ou no Canadá. O que é importante no seu local? Você não pode fazer tudo, então deve saber o que é imprescindível para um professor em início de carreira.
Clive Beck: Creio que as pessoas estão colocando ênfase demais, aqui, no conhecimento que o professor tem das matérias, o que, é claro, é importante. Mas o educador pode aprender com o tempo. O importante é atrair profissionais que gostem de lecionar, que consigam ter empatia com as crianças, formar uma comunidade na sala e sejam bons em gerenciá-la. O quanto mais souberem do conteú-do, melhor, mas sugerir que não se pode ter boas escolas porque os aspirantes a professores não sabem o bastante é exagero.
CF: Que critérios utilizar, então, na hora de selecionar os aspirantes a educadores?
CB: Mesmo que não se tenha candidatos o suficiente, é preciso selecionar. Algumas pessoas não servem para a educação porque estão nela pelos motivos errados. Por exemplo, se falharam em tudo o mais (risos) ou não gostam de crianças, se não estão interessados em aprender…
CK: Você quer ter um plano claro em mente e quer educadores que gostam de aprender. Ainda mais com a tecnologia, eles devem constantemente se atualizar. Às vezes, o professor até tem uma formação deficitária, mas, se tiver sede por conhecimento, é ele que você quer. E ele vai aprender.
CF: Dentro desse raciocínio, a educação continuada, então, é importantíssima.
CK: É muito importante. Ela o mantém empolgado com o ensino. Se você não gosta de aprender, como quer que as crianças o façam? É preciso aprender o tempo todo: sobre si mesmo, sobre novas técnicas de ensino… Se o professor para de aprender, as crianças vão perceber. Porque ele vai ficar entediado e os alunos também vão.
CB: Acredito até que, por conta disso, muito do processo de implementar um sistema de educação continuada, aqui ou em qualquer lugar, deve ser organizado pelos próprios professores. Você até pode envolver especialistas de fora, mas se envolver a própria escola é muito mais interessante, e mais, dá poder aos educadores.
CF: Em seus artigos, aparece a necessidade de montar um currículo coerente e, durante sua apresentação, Clare defendeu que, em vez de atolar os estudantes de conteúdo, elencar os tópicos mais importantes e aprofundá-los, para que eles cheguem mais bem formados nas salas de aula. Quais os impactos disso?
CK: O que normalmente fazemos na formação de professores é pensar que temos tanto conteúdo a passar que temos de cobrir tudo. Mas o que descobrimos é que é tão superficial para os educadores que estão estudando que eles acabam não aprendendo muito. É melhor focar como ensinar a ler para que, no final, eles saibam como fazer isso muito bem. Talvez por fim haja outras coisas nas quais eles precisem se esforçar mais, mas esses são os tópicos que realmente precisam dominar como professores dos anos iniciais, então vamos fortalecê-los. Deixamos claro que não vamos falar tanto de outras questões para que eles tenham essas habilidades bem desenvolvidas e não se sintam tão desprotegidos quando começarem a dar aula.
CF: Há especialistas que defendem que a formação dos alunos nos primeiros anos do Ensino Básico é deficitária porque os professores são generalistas. Segundo eles, matérias como as ciências exatas deveriam ser ensinadas por especialistas. Que pensam disso?
CK: Há essa discussão, sim, dessa oposição entre especialistas e professores fraquinhos. Acho que os educadores estão num meio-termo. Porque você precisa de estratégias pedagógicas e também saber como desdobrar o conhecimento que adquiriu na universidade para crianças de cinco anos – e muitos matemáticos não sabem fazer isso! Se houver professores fracos em matemática, você tem de ensiná-los. Talvez uma das soluções seja colocar um professor que seja muito bom para ensinar as primeiras séries e dar tempo para um outro, que tenha mais deficiências, se fortalecer nessas áreas.
CB: São muitos os fatores envolvidos nas boas práticas de lecionar e um especialista não daria conta delas satisfatoriamente.
CK: Sim. Acredito que é preciso ter um professor para a maior parte das matérias nos anos iniciais, para que ele possa trabalhar o senso de comunidade, de grupo, fazer com que a criança sinta que pode se tornar um leitor, um escritor, mas há de se ter especialistas nas áreas de Artes. Descobrimos na pesquisa que os professores “de turma” não são tão bons nisso. A mensagem para os professores dos dois primeiros anos do Ensino Fundamental é aprender sobre a criança, descobrir o que ela pode fazer, o que está acontecendo em casa e construir pontes entre tudo isso. Com vários professores envolvidos, isso não vai acontecer.
CF: Isso é algo interessante, mas toca num problema delicado aqui no Brasil, onde são incontáveis os professores que passam o dia indo de escola em escola para dar aulas de modo a conseguir ganhar o suficiente. Como eles podem se dedicar aos alunos nesse nível, construir esse tipo de ponte, trabalhando nessa situação?
CK: Esse tipo de situação é terrível, mas o professor precisa fazer o melhor possível, aceitar que não é a situação ideal e esperar que, em algum nível, os governos façam algo para mudar esse cenário.
CB: O professor precisa conhecer o aluno, suas fraquezas, características do comportamento e o cenário doméstico. Esse conhecimento é necessário para ensinar bem. Os princípios básicos do nosso estudo aplicam-se também nessa situação. Há quem diga que esse é um problema do Ensino Médio, mas ainda assim é possível construir comunicação, permitir que os estudantes falem e dar a eles uma chance de criar diálogos. Mesmo que você dê aula em quatro escolas diferentes, pode aplicar esses princípios – será mais difícil, mas você pode. No momento em que chegar, pergunte aos alunos como estão, faça-os falar, construa um relacionamento com eles.
CF: Tendo em vista esses problemas específicos do País e os achados de suas pesquisas, como fazer para atrair mais jovens para a docência?
CB: Aqui no Brasil, fiquei com a impressão de que as pessoas são críticas demais com os professores. Devemos dar a eles mais crédito. É preciso haver mais informação sobre as satisfações que ser professor pode trazer.
CK: É preciso haver um recrutamento em larga escala. Sei que há um problema com os salários, mas é preciso celebrar os bons professores, oferecer incentivos para que os educadores fiquem e para que novos profissionais venham. Principalmente, temos de apoiar os diretores, que fazem diferença na vida de todos. É preciso ter uma grande estratégia, global. Os governos precisam fazer um esforço real com a comunidade, os professores em atividade, os sindicatos, para descobrir o que é necessário. Em vez de gastar tanto no desenvolvimento de currículos ou padrões, é preciso elencar as questões mais urgentes e, em minha opinião, trata-se da elaboração de uma estratégia de recrutamento. Além disso, uma questão delicada é que, muitas vezes, as experiências dos alunos nas escolas não foram boas e eles trazem consigo lembranças ruins dos professores.
CF: Como vocês avaliam os programas de bonificação como o que foi recentemente abandonado em Nova York e inspirou experiência similar no Brasil?
CK: Não funcionam. Se você tiver algum dinheiro, talvez o melhor a fazer seja colocá-lo em desenvolvimento profissional. Porque é muito difícil avaliar quem está fazendo um bom trabalho, especialmente quando se tem um educador numa escola pequena e outro numa boa. Como dizer que um é melhor que o outro? Eu digo que os efeitos colaterais disso não são bons.
CF: Que tipo de consequências são essas?
CK: O pior de tudo é que os professores começam a ensinar para as provas. Em vez de ter um bom currículo, tudo o que querem fazer é focar no que vai cair nos exames para que os alunos tenham boas notas e todo o resto fica de fora. E só se podem testar certas coisas: aproveitar a escola e aprender a gostar de ler não são coisas mensuráveis num teste. Isso estreita tanto o currículo que mais alunos acabam entediados. Eles podem até estar se saindo melhor nas provas, mas estão aprendendo menos.
CB: Às vezes não estão nem sequer conseguindo notas melhores. Só estamos distorcendo o currículo e impedindo o crescimento pessoal de todos.
CF: E quando notas de testes são colocadas nas portas das escolas, como acontece em algumas localidades com o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb)?
CK: Isso é péssimo. Nunca vamos conseguir fazer com que parem de achar que há uma resposta mágica nos resultados de uma prova. Isso não nos ajuda. Sabemos onde estão as boas escolas e onde estão as problemáticas, e o que temos de fazer é tentar ajudar cada uma a resolver suas próprias questões. Em vez de desperdiçar dinheiro em testes, vamos usá-lo para aprimorar as escolas. Os professores estão trabalhando duro, em condições adversas, às vezes as crianças não têm a melhor estrutura em casa, estão fazendo o melhor que podem, e chegam esses testes, tão artificiais, que vão parar nos jornais. Não vamos conseguir bons professores enquanto houver essas críticas constantes e exageradas aos educadores.
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