Piero Locatelli no CARTA CAPITAL
Prestes a disputar a eleição municipal em Campinas, o economista
Marcio Pochmann, presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada), nega a existência de uma nova classe média no Brasil em seu
novo livro A Nova Classe Média?, da Editora Boitempo.
Na obra, o economista defende a tese de que a mudança social dos
últimos oito anos não resultou na criação de uma nova classe média no
País. Segundo ele, os empregos gerados nos últimos anos criaram uma
classe trabalhadora consumista, individualista e despolitizada.
Esse movimento de ascensão da classe trabalhadora, segundo Pochmann, apresenta sinais de esgotamento, e agora o governo deve buscar outras maneiras de gerar emprego.
O economista deve sair em breve do Ipea, onde está desde 2007, para
concorrer à prefeitura de Campinas pelo PT. O livro será lançado no
próximo dia 29, durante debate na sede da PUC, em São Paulo.
CartaCapital: O senhor fala que há um despreparo das
instituições democráticas para canalizar os interesses da nova classe
trabalhadora. Por quê?
Marcio Pochmann: Estamos observando uma
despolitização nesta ascensão social no País. Ela vem envolvida nos
valores do mercado, e não poderia ser diferente. Foi assim nos anos 70.
Naquela época, havia uma ação mais direta das instituições, o que nós não estamos vendo hoje.
Há um despreparo das instituições para lidar com esse segmento que,
possivelmente, liderará o processo político brasileiro. De alguma forma,
esse segmento conduzirá a política brasileira. Seja pela direita, seja
pela esquerda.
Os sindicatos, associações de bairro e partidos políticos estão
observando esse avanço social que não se traduz em aumento das filiações
nos sindicatos, nas associações de bairros, nos partidos políticos.
Veja que cerca de 1 milhão de jovens ingressaram na universidade
através do Prouni. Isso é uma ascensão na universidade, mas se traduziu
na ampliação e reforço do movimento estudantil? A gente não observa
isso.
Acontece a mesma coisa em relação aos leitores. Houve um avanço de
mais de 40 milhões de leitores no Brasil, mas a ampliação da mídia
escrita não se traduziu nesse mesmo sentido.
CC: Há uma explicação para isso?
MP: As instituições democráticas não entenderam ainda o que tem sido
essa mobilidade social. Como nós temos pouco conhecimento, não temos
uma ação mais identificada. Os sindicatos acabam sendo mais defensores
do passado que protagonistas do futuro porque não conseguem criar um
diálogo com esse segmento. É um desafio evidente para todos nós.
CC: O senhor fala que a classe trabalhadora é consumista. Isso é necessariamente ruim?
MP: Não, é um movimento natural que ocorre quando
você não tem a politização, consegue um emprego e tem a elevação da sua
renda. Você entende como sendo resultado do seu esforço individual
quando, na verdade, nós sabemos que a geração e a elevação da renda
dependeram de um acordo político, de uma decisão política, de um
resultado eleitoral.
Portanto, o que eu quero chamar a atenção é que essa manifestação que se observa de forma mais clara é natural do ponto
de vista da individualidade de cada um. Mas se não vem acompanhada de
um processo de conscientização, essa ascensão pode ao mesmo tempo
retroagir ou ser encaminhada para uma visão de sociedade muito diferente
da que levou a uma ascensão social recente.
CC: Porque as pessoas identificam a ascensão como resultado do próprio esforço individual…
MP: Esse é o papel da politização, até porque você
percebe que as coisas foram feitas com esses segmentos. Eles são
favoráveis ao crescimento, ao emprego e assim por diante. Mas na questão
dos valores mais amplos da política, como pena de morte, eles
majoritariamente estão atrelados a visões muito ultrapassadas.
CC: A maior parte dos empregos gerados foi com rendimento
próximo a um salário mínimo. Como o governo pode gerar empregos com
melhor remuneração?
MP: Primeiro quero dizer que foi muito bom ter
gerado esses empregos acompanhados da formalização e do aumento do
salário mínimo, tendo em vista o estoque de desempregados que nós
tínhamos. Nos anos 2000 eram praticamente 12 milhões de pessoas
desempregadas. Se o Brasil não gerasse esse tipo de oportunidade, se
gerasse empregos de classe média, que exigem maior escolaridade, esse
segmento que ascendeu não teria ascendido. Mas esse movimento está
apresentando sinais de esgotamento. Porque a questão fundamental neste
momento é a ampliação dos investimentos para aumentar a capacidade
produtiva. E o aumento de investimento, novas fábricas, novos avanços da
produção vêm acompanhados de inovação tecnológica, maior exigência de
qualificação, maior demanda de trabalhadores com escolaridade, portanto
maiores salários e ocupações melhores.
CC: No livro, o senhor diz que as pessoas que acenderam
socialmente nos últimos anos não podem ser consideradas de uma nova
classe média. Por quê?
MP: Uma classe média tem ocupações diferentes dessas
que foram geradas. Se fossem vinculadas a bancários, professores ou
dirigentes de empresas, possivelmente nós poderíamos associar isso a
classe média, mas não foram essas ocupações que deram razão a essa
mobilidade social.
No caso brasileiro, parcelas significativas das ocupações não são
geradas pela indústria, mas sim por serviços. Por isso, entendemos que
são novos segmentos no interior da classe trabalhadora. A classe média
tradicionalmente tem uma estrutura muito diferente desses segmentos
novos que surgiram no Brasil. Ela tem mais gastos com educação e com
saúde. O peso da alimentação é muito menor do que o que se identifica
nesse segmento de renda de até 1,5 ou 2 salários mínimos mensais.
Ao mesmo tempo, a classe média poupa, não gasta tudo que ganha. Nela,
a elevação da renda não se traduz necessariamente na elevação do
consumo. Especialmente porque os bens que mais têm sido dinamizados no
país, como eletrodomésticos, são bens que a classe média já possui.
Então a classe média poupa. E isso é uma diferença que nós não
identificamos nos segmentos agora em ascensão.
A classe média tem ativos e patrimônio. São várias características
que infelizmente nós não conseguimos observar nesses segmentos que estão
ascendendo. E são segmentos que, ao nosso modo de ver, dizem respeito à
classe trabalhadora, tal como foi o padrão de expansão do Brasil nesses
últimos dez anos.
CC: Essas particularidades mudam, alguma forma o foco das políticas voltadas a essa parcela da população?
MP: Esse debate, de como se identifica essa ascensão
social no Brasil, tem implicações evidentes no posicionamento do Estado
brasileiro, das políticas públicas. Se nós identificarmos essa ascensão
como um movimento vinculado à classe média, certamente o papel do
Estado estaria ligado à difusão dos serviços privados, por intermédio de
subsídios, como através do Imposto de Renda, que subsidia gastos do
setor privado da classe média. Hoje é possível descontar despesas de
educação, saúde e previdência privada. São interesses diferentes da
classe trabalhadora, que são por bens públicos de interesse coletivo:
saúde pública, educação pública, transporte público.
CC: Quando o senhor deve sair do Ipea para se dedicar à campanha?
MP: Essa é uma resposta que eu não tenho condições
de dar. Até o 6 de julho, eu sei que tenho que sair inexoravelmente. O
dia que eu vou sair depende da presidenta, estou aguardando o
posicionamento dela.
CC: O senhor até hoje só tinha ocupado cargos técnicos e
agora está tentando a sua primeira eleição. Por que tomou a decisão de
ser candidato?
MP: Eu me considero um intelectual de perfil
engajado. Foi a partir de uma conversa com o próprio presidente Lula, em
que ele chamava atenção às mudanças que o Brasil estava passando no
começo desse século. As mudanças são muito diferentes daquela que o
Brasil estava passando nos anos 70, começo dos 80, quando o PT foi
criado. Hoje temos um ciclo de lideranças que foram forjadas num Brasil
que quase não existe mais. Existe uma necessidade de renovação do PT,
especialmente quando o partido está no auge ainda.
E tem também, outro lado. Em geral, a prefeitura existe como um cargo
com menor visibilidade quando se compara com o Executivo estadual e
nacional. No caso do Brasil, uma federação, o exercício de um mandato na
prefeitura é absolutamente fundamental. Quando se lança uma política
pública, se fala da experiência em determinada localidade, para saber se
dá certo, dá errado, de poder tornar um programa de abrangência
nacional. Temos uma oportunidade de testar experiências inovadoras no
ponto de vista da administração pública a partir da experiência local.
Campinas é uma cidade que permite essa oportunidade de iniciar um ciclo
de inovações em políticas públicas que são necessárias para o Brasil de
hoje.
CC: O senhor foi indicado pelo presidente Lula, a exemplo do
que aconteceu em São Paulo com o Fernando Haddad. Há setores do partido
que se incomodam com essas decisões tomadas com base no desejo do
ex-presidente.
MP: No meu caso, tive essa conversa com o presidente
Lula e depois comecei uma conversação longa com os militantes, com o PT
na cidade de Campinas e tanto assim que me submeti a uma prévia dentro
do PT com outro candidato. Foi a prévia com a maior participação na
cidade de Campinas e maior apoio a um candidato. Porque participei de um
processo interno democrático, aprendi muito, gostei.
CC: Tem falado com o ex-presidente?
MP: Eu estive com ele há duas semanas e conversamos
um pouco sobre esse período pós-prévia, organização da campanha. Ele
manifestou desejo de apoiar da melhor forma que puder.
CC: A presidenta Dilma já disse como será a presença dela na campanha?
MP: Eu ainda não tive essa oportunidade. Estou esperando o momento oportuno para conversar com ela.
CC: Quais partidos vão fazer parte da aliança?
MP: Também não há definição. A gente ainda começa a
ouvi-los, vai consultar vários partidos e fazer o balanço das
oportunidades para partidos. E tem tempo para a definição até julho, na
verdade.
CC: Campinas teve um prefeito cassado recentemente, Dr. Hélio (PDT). Haveria algum constrangimento em se aliar ao PDT?
MP: Não. Na verdade, eu imagino que a discussão
nesse âmbito da prefeitura se deu no passado, embora isso seja um
elemento a ser discutido. Se nós ficarmos discutindo o passado, não
teremos respostas para o futuro. Quero ser um candidato do futuro, ter
respostas para a sociedade. O passado serve só para a gente não
repeti-lo nem cometer os mesmo erros.