Este artigo tem por objetivo analisar a cena política onde o belicismo
se consolidou como ação de longo impacto, tentando responder
à prolongada crise econômica, caracterizada no texto como
manifestação da crise sistêmica do capital. Colocamos em
discussão as condições políticas criadas pelo
capital para, através da guerra e da violência, efetivar um novo
ciclo. Esse cenário político não está desarticulado
da conjuntura social e da luta de classes. O projeto conservador, e sua forma
política, se debate no mundo, e no Brasil, contra a estratégia
anti-sistêmica, que procura movimentar as lutas sociais, o operador
político e os trabalhadores na perspectiva de impedir o projeto
político do capital.
A crise do capital e a aventura neocolonial
Analisar o belicismo enquanto instrumento político no
pós-guerra fria passa, necessariamente, pelo entendimento da crise do
capital e da forma gerencial de se fazer política, dentro e fora do
ambiente do Estado Nação.
O grave e profundo processo de crise econômica exige uma análise
que nos permita visualizar, que essa onda atual manifesta uma
rotação que é caracterizada pela dimensão da crise
sistêmica do capitalismo. Neste momento, em que o excedente de capital
não encontra possibilidades de investimento para se valorizar, cria uma
inércia, pela incapacidade de recomposição do capital. A
crise veio para ficar, gerando um movimento que é de
especulação e ajuste. Hoje, um dos pontos da crise é a
questão do erário público (tesouro nacional) que
está com dificuldade para remunerar o capital, ou seja, os diversos
Estados nacionais não se encontram em condições de pagar
os juros e as diversas obrigações alocadas e
"contratadas", em situações já denunciadas,
para os bancos, não cumprindo assim o papel de remunerador sem limites
do capital no seu processo de agiotagem exacerbada e na tentativa de se
revalorizar. Portanto, como foi percebido até mesmo por Weber, "De
qualquer forma, porém, o capitalismo na organização
capitalista permanente e racional, equivale à procura do lucro, de um
lucro sempre renovado, da 'rentabilidade'. Só pode ser assim"
(2000, p. 04).
A crise não se manifesta apenas no cenário
estadunidense. É uma crise sistêmica e suas
complicações estão sendo disseminadas por todo o mundo,
mesmo que num primeiro momento, tenha aparecido na Grécia (elo fraco da
corrente) e em outros países mais fracos da cadeia capitalista, a
exemplo da Irlanda, Portugal, Itália, Espanha e outros. Ela
espalhará seus tentáculos pelo globo. O Estado nacional como
operador dos intereses das suas burguesias, realiza ações no
sentido da transferência da crise. Os EUA tentam transferir os sintomas
da crise para a Europa. E, no velho continente, a Alemanha empurra a crise para
a periferia do próprio continente (Grécia, etc).
Os títulos gregos estão nas mãos de bancos
privados, em especial dos bancos de França e da Alemanha. Esses
países tem pressionado o Banco Central Europeu para realizar uma
política fiscal de grande impacto, na tentativa de implementar na
Grécia, e depois nos outros países que se tornarem o
furacão da vez, o laboratório de onde retirarão
experimentos para enquadrar os demais. A tentativa do Banco Central Europeu,
pressionado pela política conservadora da Alemanha, é no sentido
que esses países aviltados pela crise, massacrem as suas
populações com políticas monetaristas recessivas, para que
possam efetuar os pagamentos aos bancos privados, cujo interesse principal
é o de não comprometer os balanços dos bancos da zona do
Euro.
O euro, como novo padrão-ouro
[1]
, reedita os problemas de gestão capitalista desse intrincado sistema
econômico em outras bases. Mesmo assim, sob a perspectiva da teoria
econômica dominante, e, fundamentalmente, do capital com
acumulação em escala global, a manutenção da moeda
forte e da taxa de câmbio fixa está acima da gestão das
economias domésticas. O reflexo, na esfera da política, já
se manifesta por toda a União Européia, mas principalmente nos
elos fracos do sistema, na Grécia, na Espanha, em Portugal e na
Itália, ali onde o novo padrão-ouro traz apenas as desvantagens
(MANZANO, 2011, 113).
Essa situação de crise, caracterizada pela economia
política burguesa, como uma particularidade da dívida
pública, tem algumas especificidades que foram estudadas por Alexander
Sack
[2]
, que encontrou em suas pesquisas duas formas de manipulação da
dívida: a primeira é de natureza odiosa
[3]
. O que seria essa caracterização? Para Sack, seria uma conduta
de governos que executariam políticas centradas em ações
autoritárias, que comprometem o fundo público, e esse
dispêndio do tesouro não está pautado no interesse
público, mas numa relação subalterna com os bancos
privados. A outra característica, é construída numa
situação de dívida ilegítima, quando os Estados
favorecem diretamente o capital, através de contratos com
benefícios especiais, cujo eixo central está envolvido numa baixa
tributação, e que ainda são reforçadas por medidas
de evasão fiscal, que comprometem o fundo público. Demonstrando,
assim, que o Estado é o conflito de classe institucionalizado, pois o
"Estado burguês, títere do capital estrangeiro, da
dominação imperialista é permanentemente ditatorial,
qualquer que seja a coloração de sua legitimidade"
(FERNANDES, 2009, p. 18).
Para alguns estudiosos dessa questão, em especial François
Chesnais
[4]
, a resposta seria um grande movimento pela auditoria da dívida. E ele
cita como exemplo, a auditoria que foi feita na dívida do Equador:
Até o momento , o único exemplo da auditoria é a que foi
realizada no Equador, em 2007. Resultou de uma decisão governamental. O
presidente Rafael Correa queria conhecer as condições em que teve
origem a dívida do país. A auditoria permitiu ao governo decidir
suspender o reembolso da dívida, constituída de títulos da
dívida a vencer, alguns em 2012, outros em 2030. Com isso, forçou
os banqueiros detentores de títulos, sobretudo norte-americanos, a
negociar (CHESNAIS, 2011, 14).
Essa ação fez
com que diminuisse o estoque da dívida e possibilitou uma nova
relação do Estado, agora soberano, com os seus credores.
Permitindo assim, após a auditoria, uma maior capacidade de investimento
social através do fundo público.
François Chesnais (2011) tem defendido, no limite, uma
ação que demandaria a tomada dos bancos, tendo como elemento
central para essa medida, a percepção dos movimentos sociais e
organizações políticas sobre a conduta
irresponsável desses agentes (Bancos) no mercado de crédito, e
que esses deveriam passar, interpretando Chesnais, a ser administrado pelo
Estado, quando afirma que,
A vulnerabilidade do sistema financeiro europeu, mas também mundial,
torna possível uma nova crise. A falência de setores inteiros do
sistema bancários não está excluída. Em
países em que o pagamento da dívida tiver sido questionado pelo
movimento social, pelos trabalhadores e os jovens interessados de diversas
maneiras nas questões "políticas" estarão
preparados para isso, pelo menos um pouco (CHESNAIS, 2011, 17).
Diante desse cenário em aberto, correndo o risco do
acirramento das contradições de classe, a burguesia belicista,
operando de acordo com os interesses das suas frações
hegemônicas no bloco do poder (POULANTZAS, 1971), utiliza o momento de
crise como instrumento ideológico, para impor um conjunto de medidas
que expropria dos trabalhadores a capacidade de manter a
reprodução da sua existência. No entanto,
De outro lado, os ritmos do desenvolvimento e a vitalidade do capital se
refletem nos ritmos do desenvolvimento e na vitalidade da classe trabalhadora.
Seria paradoxal que uma 'burguesia fraca' tivesse como oponente, na cena
histórica, um 'proletariado forte', pois a coalescência e o vigor
da classe trabalhadora repousa, literalmente, no grau de desenvolvimento da
produção capitalista como um todo (FERNANDES, 2009, 13).
Os interesses da burguesia, avançando no seu projeto de
barbárie, via o belicismo, como síntese para um novo ciclo,
demanda à sociedade, e em particular aos Parlamentos dos Estados
nacionais, uma saída que requer aprovação de leis que
consolidem a contrarrevolução, pois, são leis de
exceção, autoritárias e predatórias que
avançam sobre os direitos da população e dos
trabalhadores. E o aporte político da burguesia é a
efetivação de um esmagador ajuste fiscal, que retiraria pela
força do bloco hegemônico no poder, os recursos públicos do
orçamento que são de interesse da população, para
remunerar a necessidade de acumulação do capital.
Em uma certa etapa de seu desenvolvimento, as forças produtivas
materiais da sociedade entram em contradição com as
relações de produção existentes ou, o que nada mais
é do que a sua expressão jurídica, com as
relações de propriedade dentro das quais aquelas até
então se tinham movido. De formas de desenvolvimento das forças
produtivas essas relações se transformam em seus grilhões.
Sobrevém então uma época de revolução social
(MARX, 1982, 25).
Essa ação vem acompanhada de uma intensa propaganda
política, que diuturnamente responsabiliza o Estado pela crise, por
não conseguir fazer o "dever de casa" no controle dos seus
gastos.
Consideramos que existe uma contrarrevolução em curso,
que é sempre articulada como resposta da burguesia à esses
momentos de crise. A burguesia, como afirmou o sociólogo Florestan
Fernandes (2006), tem na contrarrevolução um instrumento de uso
permanente para manter os interesses e os privilégios de classe. Levando
ao limite das privações os trabalhadores, esgarçando o
tecido social, se utilizando do seu instrumento ideológico, que é
a globalização, para perpetuar a miséria. Essa é a
prática, pois a globalização neocolonial tem a fome
tatuada no seu DNA, como princípio de gestação da
miséria e da subalternidade dos povos.
O subalterno estrutural, hoje, é o trabalhador moderno que ainda sofre a
influência ideológica de quem está em cima. Como sabemos, a
ideologia é o processo de constituição dos
indivíduos como sujeitos. E esse sujeito surgirá no espaço
das lutas sociais, pois ele é historicizado. Cabe aos trabalhadores,
portanto, movimentarem-se para destruir a ordem do capital, agindo para
"instabizá-la", dando "o primeiro passo para
levá-la à derrocada, o ponto de partida da
revolução dos oprimidos nas áreas às quais o
capitalismo nasceu, cresceu e atingiu sua maturidade vinculando o capital a
várias formas mascaradas de colonialismo" (FERNANDES, 2009, p.19).
O capitalismo é uma "jaula de ferro" (WEBER, 2000),
onde a burguesia naturalizou o mercado e aprisionou os trabalhadores. Criando
um mundo sem perspectiva, gerando a perda da liberdade humana através da
alienação, do fetiche e da coisificação do homem.
É o culto ao dinheiro, é o tempo do mammonismo
[5]
que está engendrando uma outra possibilidade de
"civilização".
Além disso, a saída arquitetada pela burguesia,
levará ao desemprego, à informalidade no mercado de trabalho, ao
rebaixamento das pautas dos trabalhadores em luta, ao recuo do Estado, à
precarização e intensificação do trabalho. No
conjunto da população, mediado pelo contexto da cidadania, essa
contrarrevolução burguesa poderá causar uma disputa
intercamadas sociais, pautada na construção de uma
sociófobia que contribuirá para o surgimento da xenofobia (vide a
relação dos brasileiros com os bolivianos na periferia de
São Paulo). Essa sociófobia se caracteriza pelo constante medo da
luta coletiva, pela reivindicação de uma segurança com
caráter patrimonial, pelo receio do pobre (que é sempre visto
como uma ameaça) e por ações reacionárias que
fazem surgir, com esse caldo de cultura, o racismo, a reliogiosidade
pragmática e o individualismo exarcebado.
O quadro societal que está sendo construído pela
hegemonia conservadora, tem na crise sistêmica e na ideologia da
globalização, uma manifestação concreta que
está em formação um novo colonialismo, como um instrumento
infra e superestrutural da ação da burguesia para construir um
novo ciclo do capital, que em caso de sucesso, levará a espécie
humana para as trevas da barbárie.
Deve-se enfatizar bem: a crise em nossos dias não é
compreensível sem que seja referida à ampla estrutura social
global. Isso significa que, a fim de esclarecer a sua natureza persistente e
cada vez mais profunda em todo o mundo hoje, devemos focar a
atenção na crise do sistema do capital em sua totalidade. Pois o
que ora experimentamos é uma crise estrutural que tudo abrange
(MÉSZÁROS, 2011, 55).
Ordem política do belicismo estrutural
Na dimensão política da crise se constituiu um
"novo" comando, pautado pela ordem armada do capital, que é
cada dia mais violento. Essa articulação passou por uma
reformulação no sentido de unificar o bloco de forças que
tem na defesa do neoliberalismo, a sua agenda constante. Essa síntese
política e ideológica sacralizou, numa inflexão à
direita, um conjunto de forças que antes tinha pequenas
divergências de método, mas que agora unificaram-se na
perspectiva de um padrão de disputa que encontra fundamentos na
americanização da política. Portanto, temos um projeto do
bloco conservador que é operado na esfera política e na sociedade
civil, por uma política e dois partidos, com todo o seu arcabouço
montado a partir de uma estrutura de coalização política e
nos aparerelhos de hegemonia.
Uma política e dois partidos, mas também, uma direita e
dois partidos. Esse projeto originário do sistema eleitoral
estadunidense, com o acirramento da luta de classes, a burguesia agiu para
torná-lo perene em amplos espaços da cena política
mundial, como forma de dominação sem risco através de
eleições "seguras". Passamos a ter esse modelo na
política alemã, isso tem ocorrido na França, na Espanha,
em Portugal, Canadá, India, Chile, México, Itália,
Paquistão, Austrália, e está consolidado na Inglaterra. A
partir da primeira década do século XXI, o Brasil iniciou a sua
adesão a esse modelo, com a indiferenciação, a grosso
modo, das políticas entre o PT
[6]
e o PSDB
[7]
na gestão do Estado, e no comando dos interesses de classe, de
frações hegemônicas da burguesia que foram defendidos em um
primeiro momento pelo PSDB com o seu neoliberalismo ortodoxo, mas, que agora
são defendidos e estimulados pelo PT, com a política de
"neodesenvolvimentismo do capitalismo neoliberal" (Boito, 2011).
Essa americanização da política tem, no modelo
estadunidense, uma "forma enfim encontrada" para permitir à
"disputa" eleitoral manter intacto o aparato ideológico
conservador, realizando o ciclo jurídico da "democracia"
burguesa, do qual sairá vencedor o partido republicano ou o partido
democrata, mas principalmente a burguesia, que apenas realiza a disputa entre
as suas frações, para saber quem será hegemônico no
bloco que controlará o poder (POULANTZAS, 1971).
Essa ação política é, em primeira
instância, produto da capitulação da social-democracia
européia, que capitulou ao projeto conservador, como expressão do
rebaixamento da pauta política levando essa concepção
ideológica à vários governos dos Estados Europeus. A
social democracia chegou ao limite da sua perspectiva, bateu no teto, e agora
está na sargeta, tamanha foi a sua conversão à
lógica do capital. Por falta de um projeto alternativo, de cunho
desenvolvimentista e centrado no papel do Estado, se conformou em ser o
resignado operador das políticas da burguesia monopolista e do
imperialista. Pois o Estado é "todo o complexo de atividades
práticas e teóricas com as quais a classe dirigente não
só justifica e mantém não só seu domínio,
mas consegue obter o consentimento ativo dos governados" (GRAMSCI, 2000,
p. 331).
Temos nesse projeto a geração concreta de um modelo
para realizar a política institucional, com sua prática em
várias partes do mundo. Centrada em dois partidos que são fortes,
que têm uma formulação política pouco diferenciada,
uma mesma relação ideológica com o mercado, poucas
diferenciações na forma de agir, com repercussões
particulares no Parlamento e na metodologia de implementar as políticas
de governo. Mas, no concreto e real da vida em sociedade, na sua natureza
ideológica e do ponto de vista da política, sempre, uma
política e dois partidos. Mas, também, uma direita e dois
partidos como instrumento estrutural da política belicista.
Na dimensão da geopolítica internacional, a leitura da
crise nos permite entender, com ampla visibilidade, a queda do
predomínio dos Estados Unidos, apesar do seu aparato bélico.
Não só pela percepção de um projeto que está
em processo de esgotamento, mas também por uma tumultuada forma de fazer
política no cenário internacional. Somada à
saturação do seu modelo de desenvolvimento, os EUA precisam
construir cotidianamente conflitos bélicos para reafirmar a ideologia
nacional e manter seu complexo militar em funcionamento.
Essa ação dos falcões estadunidenses, nome
autointitulado pela direita fascista no aparato do governo Bush (2001-2009),
tem criado guerras pelo mundo afora. Guerra contra os povos em luta; guerras
por interesses econômicos; guerra para criar mercados para a grande
burguesia monopolista; guerras como alavancagem eleitoral para aqueles que
estão no poder pleiteando a sua continuidade; guerras para lucrar com a
reconstrução; guerras para exterminar a possibilidade de encontro
da classe operária com a sua humanidade.
Na política internacional, os abutres que adotam uma política
especializada no morticínio têm forçado a
federalização da ONU, ou seja, a ONU tem servido de forma
particular aos interesses elementares de frações regionais
(governos nacionais) da burguesia mundial. Essa perspectiva de comando
partilhado, tem demonstrado o loteamento das ações desse
organismo internacional de "mediação de conflitos
políticos", a partir de novos interesses do imperialismo para
manter o predomínio de classe da burguesia, e avançar com suas
garras sobre outras nações, a exemplo da França no norte
da África.
A particularização dessa política de
federalização tem permitido uma conduta imperialista com a total
leniência da ONU
[8]
. A nova partilha, realizada entre os membros do Conselho de Segurança,
permitem que eles avancem como aves de rapina sobre os diversos povos em luta,
e sobre os seus ricos territórios.
A presença do Brasil nesse cenário de
federalização de organismos internacionais, tem como meta a
criação de uma tensão que consolide a abertura de mercados
para a sua burguesia associada, com interesse na perspectiva de se colocar como
alternativa de mediação para os conflitos interregionais. No
entanto, não como aliado dos povos em luta, mas sim como um dos
braços que age no campo do imperialismo
[9]
. Todavia, a vertente diferenciada do Brasil nos conflitos em curso, deve ser
interpretada a partir da lógica de negócios que norteia a
diplomacia brasileira, desde o período da ditadura militar. O Brasil
gerenciado pelo atual consórcio, notório braço da social
democracia tardia
[10]
, e sua coalizão, desejam a inserção da "burguesia
interna" na nova perspectiva de dominação mundial.
O Brasil potência é um aviltado projeto de
consórcio com o imperialismo federalizado, a serviço da
burguesia, que no plano interno permitiu a uma camada (parcela de classe)
identificada como aristocracia operária e, ao sindicalismo dos fundos de
pensão, a gerência do Estado. Portanto (...) "os estratos
radicais da burguesia e da pequena burguesia se compõem com a
ordem" (FERNANDES, 2009, p. 19), com os últimos dois governos (Lula
e Dilma) executando a contrarrevolução permanente, tão
necessária para a dominação da hegemonia conservadora. Por
outro lado, esse projeto abriu brechas significativas para integrar de forma
passiva e cooptada, sob o comando da "burguesia interna", segmentos
populares: "baixa classe média"; populações que
transitam entre os baixos salários e o desemprego; e uma parcela do
campesinato.
A revolução passiva, que é para Gramsci (1992) um
critério de interpretação histórica, serve, nesse
caso, para que possamos analisar a realidade brasileira.
Ainda a respeito do conceito de "revolução passiva" ou
"revolução-restauração (...) devemos notar que
é preciso colocar com exatidão o problema que, em algumas
tendências historiográficas, é chamado de
relações entre condições objetivas e
condições subjetivas do acontecimento histórico. Parece
evidente que as chamadas condições subjetivas não podem
faltar nunca quando existem as condições objetivas, pois se trata
de simples distinção de caráter didático: portanto,
é sobre a medida das forças subjetivas e de sua intensidade que
pode haver discussão, daí a relação
dialética entre as forças subjetivas constratantes (GRAMSCI,
1992, 89-90).
Desde a última década estamos vivendo, no Brasil, uma
"revolução passiva" permanente, que se transformou em
contrarrevolução preventiva (restauração
conservadora), esse procedimento operou algumas concessões aos de baixo
e executou o transformismo (GRAMSCI, 2002) na esquerda brasileira para
aperfeiçoar a impotência dos impotentes. Podemos entender como
transformismo a "absorção gradual mas continua, e obtida com
métodos de variada eficácia, dos elementos ativos surgidos dos
grupos aliados e mesmo dos adversários e que pareciam
irreconciliavelmente inimigos" (GRAMSCI, 2002, p. 63).
Ainda podemos caracterizar esse conceito teórico, no sentido de analisar
a política desenvolvida por determinados blocos no poder, que com a sua
ação nos permite perceber o processo no qual se constrói,
também, a dominação de classe.
Por "revolução passiva" deve entender-se que o processo
de desenvolvimento histórico está protagonizado pelas classes
dominantes que conseguem neutralizar as classes subordinadas mediante uma
política de oportunas concessões reformistas. Trata-se de uma
situação na qual forças conservadoras hegemônicas
conseguem desagregar seus antagonistas, incorporando a seu projeto
político parte da antítese, ainda que bem controlada (PRAT, 1984,
54).
À guisa de concluir
A cena política protagonizada pela burguesia monopolista mundial
construiu um consórcio ramificado no Estado Nação e nos
organismos multilaterais para possibilitar, via a institucionalidade, ou
através da guerra, o caminho para um novo ciclo do capital. No entanto,
essa perspectiva da burguesia tem encontrado a resistência das lutas
anti-sistêmicas e dos movimentos sociais, em variadas
manifestações; bem como o resurgir de uma nova necessidade
histórica, que é a luta pautada pela presença do operador
político, enquanto organizador coletivo, para agir como vanguarda dos
trabalhadores no processo em curso da luta de classes. Pois, "É
por isso que a humanidade só se propõe as tarefas que pode
resolver" (MARX, 1982, p. 26).
Bibliografia