quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Para aonde vai a “Democracia Socialista”? Final

 


Andreas Maia no ESQUERDA MARXISTA
 
A DS, o Estado e a Revolução
 
Chegamos na última parte de nossa polêmica com a DS, a mais importante¸ dedicada ao Estado capitalista. A discussão sobre o papel do Estado capitalista sempre esteve presente na polêmica entre todos os defensores da estratégia reformista e os revolucionários marxistas. Os dirigentes da DS conhecem bem esta discussão, pois ela sempre esteve presente em todos os grandes debates ocorridos no movimento operário brasileiro, e em particular, dentro da luta interna no PT. Desde o 5º ENPT, em 1987, que consagrou o reformismo das Frentes Populares, até o recente 4º Congresso que ratificou a política do governo Dilma Roussef, o fio condutor de toda a discussão entre as tendências do partido, no fundo, estava a questão do papel do Estado.
Vejamos o que a DS diz hoje sobre o Estado:
“Uma tradição do socialismo democrático deve ser capaz de superar estes limites teóricos e históricos da social-democracia a partir da perspectiva de construção de um novo Estado, baseado no autogoverno e no planejamento democrático, que conduza a uma afirmação inédita dos direitos dos trabalhadores e a um planejamento púbico democrático, capaz de se projetar continentalmente e internacionalmente em torno de um programa de mudanças da ordem capitalista”. E continua:
“A construção de um Estado da Solidariedade, Feminista, Multiétnico, a partir dos valores do socialismo democrático, é possível e viável historicamente pela conquista do governo por parte de uma coalizão liderada por um partido do socialismo democrático por longo período em uma dinâmica crescente de revolução democrática e, pelo caráter semi-periférico do país que já construiu elementos públicos importantes de formação de um Estado do Bem-Estar social, apresentando um quadro crescente de formalização da mão-de-obra e de cobertura previdenciária. A possibilidade de que o Brasil viva um novo ciclo sustentado, inclusivo e distributivo, de crescimento significa exatamente a criação de uma massa crescente de excedentes que podem e devem ser reinvestidos em políticas sociais de caráter universalizante, conformando uma macro-economia dinâmica do setor público na área de bens e serviços fundamentais”.
Que Estado é esse da “Solidariedade, Feminista, Multiétnico” e do “Bem Estar Social”? Qual o caráter de classe deste Estado? Que coalizão é essa “liderada pelo partido do socialismo democrático” que vai construir esse novo Estado? A linguagem ambígua e rebuscada do texto serve para ocultar a verdadeira natureza da proposta. Um militante da DS para entender a política dos seus chefes vai ter que fazer uma enorme ginástica intelectual. Vamos tentar entender. A DS afirma em suas teses que não está na ordem do dia a abolição do capitalismo, pois “o país não tem cultura” para isso. Portanto estamos falando do Estado capitalista, mas isso eles não dizem. Falam do Estado da “Solidariedade, Feminista, Multiétnico”  que vai gerar o “Estado de Bem Estar Social”. Se nesta proposta consiste em preservar as relações de propriedade existentes, então a DS acabou de inventar o capitalismo de “Bem Estar Social” e um Estado burguês “solidário, feminista e multiétnico”, pois é disto que eles estão falando só que usam expressões sofisticadas e rebuscadas para deliberadamente  ocultar o fato de que o único poder que eles reconhecem é o poder da burguesia.
Isto é tão verdadeiro que a “coalizão liderada por um partido do socialismo democrático” que vai implementar “uma dinâmica crescente de revolução democrática” é a coalizão que existe, com a base aliada, com os partidos burgueses, com Sarney, Collor, Michel Temer e Sergio Cabral & Cia. Pois até agora são esses os aliados do PT no governo, e não os sindicatos, a CUT, as organizações populares. Pois do contrário, a DS deveria exigir que o PT rompa com os ministros capitalistas, com os partidos burgueses. Mas isso ela não faz. A resposta para esta atitude vem adiante:
“A possibilidade de que o Brasil viva um novo ciclo sustentado, inclusivo e distributivo, de crescimento significa exatamente a criação de uma massa crescente de excedentes que podem e devem ser reinvestidos em políticas sociais de caráter universalizante, conformando uma macro-economia dinâmica do setor público na área de bens e serviços fundamentais”.
Não podia ser mais claro. Trata-se aqui de expandir o capitalismo, o agro negócio, as commodities, o poder dos monopólios multinacionais, a especulação financeira, as privatizações, a devastação ambiental, o regime social de exploração da classe trabalhadora, e gerar com isso, quem sabe, um “excedente” para as compensações sociais. Ou seja, as migalhas que caem da mesa dos capitalistas, empresários e banqueiros e que vão desaparecer como fumaça na hora em que capitalismo entra em crise. E tudo isso em nome de uma república fictícia chamada de “Solidariedade Feminista Multiétnica” e de uma via para um socialismo a ser comemorada nos dias festas. Dessa forma, esse “novo Estado” refundado, com um caráter tão nobre e democrático, não passa do velho aparato burocrático militar do Estado capitalista, que se mascara na política oficial do “governo para todos”. A função dos reformistas no governo consiste em mascarar a natureza do Estado através das políticas de colaboração de classes, que no fundo, consistem em enganar a classe trabalhadora e sabotar a sua força reivindicativa.
Mas fazemos questão de desmascarar estes oportunistas mostrando o que o marxismo revolucionário entende pela natureza do Estado capitalista. Vamos retomar aqui alguns conceitos clássicos do marxismo.
O Estado é produto de contradições de classe inconciliáveis. Segundo o marxismo revolucionário, o Estado é um organismo de dominação de classe, um organismo de opressão de uma classe por outra; é a criação de uma “ordem” que legaliza e fortalece esta opressão diminuindo o conflito de classes.
Lênin deixa bem claro a natureza do estado que os reformistas fazem questão de ocultar:
“Mas perde-se de vista ou se oculta o seguinte fato: se o Estado nasce do fato de que as contradições de classe são inconciliáveis, se ele é um poder colocado acima da sociedade e que se torna cada vez mais estranho a ela, está claro que a libertação da classe oprimida é impossível, não sómente sem uma revolução violenta, mas também sem a supressão do aparelho do poder do Estado que foi criado pela classe dominante e no qual está materializado este caráter estranho.” (Lênin, O Estado e a Revolução).
Aí está de forma clara e cristalina o verdadeiro conceito marxista acerca do Estado burguês. Esse aparelho burocrático do Estado capitalista “cada vez mais estranho à sociedade” é um instrumento de dominação da burguesia sobre o proletariado e a todas as massas oprimidas. É um instrumento de opressão que pode e deve ser destruído por meio de uma revolução e não por reformas graduais como dizem os reformistas. O esqueleto do aparelho de estado burguês deve ser destruído osso por osso. Por se recusarem a romper com a burguesia, expulsando-a do poder, os reformistas podem ter o governo mas não o poder. É por isso que a política reformista sempre fracassa, não faz reforma alguma e aplica duramente todas as políticas preconizadas pela burguesia.
O Estado é um comitê para melhor gerir os negócios da burguesia. Os reformistas dentro da classe operária fazem de tudo para mistificar o papel do Estado, um “Estado para todos”, onde seria possível introduzir reformas sociais no sentido de melhorar as condições de vida da classe trabalhadora. Na realidade não conseguem. O Estado capitalista é um instrumento de dominação de classe e portanto tem como meta regular a economia capitalista favorecendo a expansão dos negócios da burguesia. Qualquer que seja a politica econômica adotada, o Estado capitalista não vai contra os interesses da classe dominante. Conforme vimos acima, quando o Estado faz o contrário, sob pressão das massas – que obriga os dirigentes operários reformistas a introduzirem medidas sociais que prejudicam os capitalistas – estes deixam de investir gerando uma crise econômica e política generalizada. Foi o que acontecu no Chile durante a Unidade Popular em 1973 e que agora acontece na Venezuela. Sabendo disso, os reformistas acabam fazendo o papel de facilitadores da economia capitalista ao invés de defenderem as reivindicações dos trabalhadores. É o que faz o PT nos governos Lula-Dilma. Governam para os capitalistas. Quer melhor exemplo disso qe o propagado PAC (Programa de Aceleração de Crescimento) cujo objetivo é aplicar no país a política do “quanto mais capitalismo melhor”? O problema é que a economia capitalista entra em crises periódicas, decorrentes do fato de que as forças produtivas da sociedade estão contidas dentro dos marcos estreitos da apropriação privada dos meios de produção e dentro dos limites dos Estados nacionais. A Grécia hoje é um bom exemplo disso onde a crise econômica deslocou os reformistas, o partido socialista, PASOK, que a despeito da maioria da população, insistiram em aplicar no país as medidas draconianas e anti-populares preconizadas pela Comunidade Européia. O que acontece hoje na Grécia é uma projeção do que pode acontecer com o PT no Brasil.
Reduzido a sua forma mais pura, o Estado é um destacamento de elementos armados para defesa da propriedade privada. Esta é uma das características do Estado burguês que conhecemos muito bem. Desde 1964 o Brasil foi governado por uma ditadura militar, por quase duas décadas, oriunda de um golpe que derrubou o governo reformista burguês de João Goulart que tinha perdido o controle sobre os movimentos de massa da classe operária. A ditadura militar criou as condições de uma brutal repressão sobre o proletariado e as suas organizações o que permitiu uma expansão dos negócios do capitalismo no Brasil durante um longo período, chamado na época de “milagre brasileiro”, tendo como base uma superexploração dos trabalhadores e uma integração crescente da economia brasileira com o capital estrangeiro. Mas a ditadura não resistiu ao impetuoso movimento operário grevista de massa que eclodiu a partir de 1978. O capitalismo gerou a sua própria negação. Hoje os reformistas esquecem este fato e alegam que agora as instituições militares e policiais do Estado são “democráticos”. Mas não são. Continuam, mesmo sob a fachada do “estado democrático”, a cumprirem o papel de destacamento armado da burguesia a serviço da preservação da propriedade privada. Na verdade, os reformistas do governo, é que são reféns deste aparato burocrático policial-militar que se eleva por cima da sociedade. Está aí para demonstrar esta verdade o acordo do governo Dilma com a cúpula das Forças Armadas para garantir a impunibilidade dos militares envolvidos com as torturas e assassinatos durante a ditadura. Está aí para demonstrar esta verdade os constantes assassinatos de trabalhadores no campo praticados por forças policais e para-policiais. Está aí para demonstrar também a brutal repressão policial sobre a ocupação do Pinheirinho, em São José dos Campos, para garantir a reintegração de posse de um terreno abandonado em favor de uma mega especulador da Bolsa, o sr. Naji Nahas, sem que o governo reformista nada pudesse fazer. A lista de exemplos é infinita mas destacamos que, até mesmo a nossa tendência, a Esquerda Marxista, vem sendo alvo de uma tentativa de criminalização por parte do “Estado de direito democrático” por estar a frente do movimento das fábricas ocupadas, que foram falidas e abandonadas pelos seus proprietários, defendendo as reivindicações dos operários, em defesa do emprego e do trabalho.
O velho Engels, em fins do século XIX, um pouco antes de morrer, escreveu uma introdução polêmica do livro de Marx, “As lutas de classes na França”. Nesta introdução Engles sublinhava a mudança que estava ocorrendo nas forças policais e militares dos Estados capitalistas que cada vez mais se profissionalizavam e que tornava inviável o assalto a cidadela capitalista por forças revolucionárias limitadas, Muitos enxergaram neste texto que o coração e a mente do velho tinham amolecido e que o velho companheiro de Marx tinha se transformado em um reformista vulgar. Mas pelo contrário, Engels reafirmava que o aparato policial militar da burguesia só poderia ser destruído, e é disto oque Engels falava, a não ser por uma grande e massiva ação da maioria do proletariado. Foi por esta razão que os guerrilheiros no Brasil foram massacrados e os operários do ABC paulista em 1978-79, ao estimularem uma onde de greves em escala nacional, conseguiram botar a ditadura abaixo.
O Estado capitalista é um aparato burocrático, que se eleva por cima da sociedade, com a finalidade de exercer a dominação de classe, ou seja, a ditadura da burguesia, mesmo sob a forma de uma “república democrática”. Aí está a verdadeira natureza do Estado burguês. Ele é uma ditadura da burguesia. Não importa a forma de governo – fascista, bonapartista ou república democrática – pois é a burguesia, como classe possuidora dos meios de produção, quem “dita” as leis. A ditadura da burguesia é uma ditadura de uma minoria sobre a grande maioria da população. Não adianta mistificar o papel do Estado como faz o PT ao dizer que existe “para todos”. Ou como quer fazer crer a DS em dizer que luta pela “refundação do Estado”. No fundo, defendem a ditadura da burguesia contra a maioria do povo brasileiro. Este é o sentido reacionário, em toda a linha, da política reformista da DS, que acompanha a política de colaboração de classes praticada pela direção do PT, em comum acordo com os governos Lula-Dilma.
Os marxistas revolucionários não defendem a “refundação” do Estado, Mesmo quando defendemos as reivindicações democráticas ou quando chamamos a convocação de uma Assembleia Constituinte, o fazemos, não em nome da defesa da república burguesa “democrática” (a ditadura velada da burguesia) mas sim em nome da defesa das reivindicações dos trabalhadores com o o claro objetivo de destruir, derrubar tijolo por tijolo, do edifício burocrático militar do poder de Estado da burguesia. Nós defendemos a formação de um governo dos trabalhadores como forma de governo de transição na direção da “abolição da ordem existente” (Marx).
Em outras palavras, a tarefa central de um governo dos trabalhadores consiste em não só atender as reivindicações dos trabalhadores da cidade e do campo, mas sobretudo em destruir o Estado burgues, seu aparato burocrático, suas instituições corruptas e o exercito e a polícia permanentes, substituindo por um Estado Comuna, uma República de Conselhos, constituída por delegados eleitos e revogáveis, onde a maioria da população, as grandes massas de trabalhadores possam “ditar” as leis. Este regime, de transição ao socialismo, um processo oque só pode ocorrer em escala internacional, nos chamamos de ditadura do proletariado. Este regime o proletariado “expulsa a burguesia do poder” (Gramsci), dita as leis e a política, governa para a maioria e garante as mais amplas liberdades democráticas, estabelecendo um governo muito mais democrático do que a mais democrática das repúblicas burguesas pode realizar historicamente.
 
Conclusão: A DS e a política dos três macaquinhos
 
Abordamos nas duas partes deste texto sobre a tendencia Democracia Socialista o seu curso regressivo, que passou da defesa da IV Internacional de 30 anos atrás para a posição reacionária de hoje, expressa no apoio ilimitado à política de colaboração de classes da direção do PT e na participação nos governos Lula-Dilma que aplicam descaradamente a política da burguesia e do grande capital. Denunciamos a farsa da “revolução democrática” como uma forma de “revolução permanente” tentando utilizar o legado de Trotsky e do programa da IV Internacional para justificar uma política completamente oportunista de defesa do Estado capitalista. Igualmente denunciamos a ursupação indevida do pensamente de Antonio Gramsci com o objetivo de, em nome de formar “blocos históricos para conquista da hegemonia”, legitimar a aliança do PT com os partidos burgueses. Mas esta política de duplicidade, de falar uma coisa e fazer outra começa a ter o seu prazo de validade vencido.
A crise economica internacional do sistema capitalista aperta a economia brasileira que por sua vez impele o governo Dilma a agir em benefício dos patrões e dos capitalistas, o que implica em criar as condições para aumentar a taxa de exploração da mais valia sobre o proletariado. Ataques contra as greves (como na greve dos servidores públicos federais), decretos para implementar os fura-greves, processos judiciais e criminalização dos movimentos populares. Ao mesmo tempo amplia os benefícios do dinheiro público para financiar o capital privado (investimentos do BNDES) em detrimento de investimentos sociais e promove uma nova escalada das privatizações. A fúria anti-operária e anti-popular do governo Dilma é uma evidencia de que no fim do maravilhoso arco-íris da economia brasileira, propagado pelo Palácio do Planalto, não existe nenhum pote de ouro. A crise do capitalismo é mundial mesmo que afetando os países de diferentes maneiras e ritmos. Assim como a exacerbação da luta de classes, decorrente do esgotamento do regime capitalista, é também um fenômeno mundial.
Nesse contexto, não há nada que o governo brasileiro possa fazar para viabilizar a paz social preconizada pela demagogia do reformismo “lulista” Para se credenciar perante o patronato o governo Dilma vai atacar cada vez mais forte o movimento operário organizado. O resultado vai ser a intensificação das lutas de classes. O que pode levar, pela primeira vez em trinta anos, a um deslocamento político do PT enquanto a principal representação da classe operária no Brasil.
A DS está selando o seu destino ao futuro incerto que ameaça o PT. Agarrada às instituições do Estado burguês como marisco na pedra, a DS aplica a política dos três macaquinhos: não vê, não escuta e não fala. Como seus dirigentes, Raul Pont, Juarez Guimarães, Arlete Sampaio e outros, vão explicar para seus militantes sindicais a política do governo, do qual fazem parte, de ataque contra a luta dos trabalhadores, como no caso da greve dos servidores federais? Como eles vão explicar o crescimento das privatizações (estradas e ferrovias por ex.) para os seus militantes se nas suas teses aprovadas em congresso dizem defender o contrário? Como a “ecológica” e “multietnica” DS vai se explicar diante da construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte e da recente instrução 303 promulgada pelo Advogado Geral da União que permite o governo construir em terras indígenas sem dar satisfação alguma? Como é que fica a “feminista” DS diante da posição do governo brasileiro contrário a introdução do direito ao aborto na resolução final da Rio+20?
Ao que tudo indica os seus dirigentes vão continuar se fingindo de mortos. Parecem aqueles soldados que desertaram da guerra e foram se esconder no meio do campo de batalha. Mas a base de militantes nem pode e nem deve aceitar esta política. As rupturas podem ocorrer mais cedo ou mais tarde, como aconteceu recentemente no Congresso da CUT com delegados da DS do nordeste. Todo militante sincero e honesto, que acredita na emancipação dos trabalhadores e na alternativa socialista deve ser perguntar: para onde está indo a DS?
O único caminho é a ruptura com a política da burguesia, é a defesa da ruptura do PT com a coligação com os partidos burgueses. O único caminho consiste na defesa de um governo de frente única de todas as organizações operárias constituindo um governo socialista dos trabalhadores que expulse a burguesia do poder e atenda as reivindicações das massas. Pois do contrário, significa acompanhar o trágico destino da DS, o de marchar em direção à lata de lixo da História.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Justiça arquiva processo e bar para público gay é liberado em Porto Alegre

 


Ramiro Furquim/Sul21
 
Rachel Duarte no SUL21
 
Uma luta de dois anos contra a discriminação a um estabelecimento para o lazer de homossexuais em Porto Alegre parece ter chegado ao fim nesta terça-feira (16). O bar Passefica, no bairro Cidade Baixa, foi absolvido de processo judicial movido pelo ex-síndico do prédio e acolhido pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul. Na ação, os argumentos eram de que o local ultrapassava os limites estabelecidos por lei municipal para funcionamento, além de suposto desrespeito a normas de civilidade e convivência. Devidamente adequada à Lei do Silêncio, a proprietária do bar provou que não estava irregular e acusou o autor da ação de motivação homofóbica.
O ingresso da ação ocorreu ainda em 2011, quando a empresária Jucele Azzolin passava por desentendimentos com o síndico Ricardo Han Brum sobre a utilização das mesas na calçada do bar. Segundo ele, os frequentadores cometiam excesso no barulho. “A Rua da República é um local tradicional da noite de Porto Alegre, onde já é uma cultura o uso de mesas na rua. Eu sou homossexual, meus clientes também. É um bar para o público LGBT e o que está por trás disso é preconceito e discriminação com o meu estabelecimento”, disse.
Depois de muitas audiências e ameaças do ex-síndico, além de notificações da Prefeitura de Porto Alegre, o Passefica hoje funciona com mesas na calçada da rua. Porém, além do ganho de causa para o uso do recuo da calçada, o bar sofria outras acusações, como exceder o horário de funcionamento dos bares da Cidade Baixa e causar mau cheiro no local. “Nós estamos sempre orientando os clientes quanto a estas normas e nunca tivemos problemas de desordem. Tenho testemunhas de moradores inclusive”, alegou Jucele.
Algumas testemunhas acompanharam a audiência pública desta terça (16) na 18º Vara Criminal do MP-RS, entre elas a cliente Graciela Carpio. “Eu presenciei uma batida da Brigada Militar, atendendo a pedido de algum denunciante, completamente abusiva e descabida. Ainda não era meia noite (horário de funcionamento dos bares da Cidade Baixa) e eles entraram dizendo que estava uma baderna. Só existiam oito pessoas no bar, que inclusive foram embora depois daquilo”, conta. Graciela optou em ficar no bar naquele dia e conversou com os policiais. “Eles disseram que realmente não havia nada errado e pediram desculpas. Ao saírem, no bar ao lado tinha uma festa muito agitada na calçada e eles não fizeram nada. Esta intervenção foi apenas no Passefica, que já é um local estigmatizado para as autoridades”, afirma.
Vereador Pedro Ruas acredita que caso Passefica inspira luta contra homofobia./Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
A tese da perseguição por motivação preconceituosa com o local LGBT também é acolhida pelos advogados de defesa da empresária. “Todas as adequações à lei foram feitas. Nenhum descumprimento foi verificado no período em que o processo vigorou. O fiscal do MP vistoriou e comprovou a normalidade do bar. Porque a insistência na ação? Preconceito”, fala o vereador Pedro Ruas (PSOL), um dos advogados da defesa do Passefica.
No histórico de ações que envolvem a motivação homofóbica justificada pela dona do bar estão também autuações da Secretaria Municipal de Indústria, Comércio e Serviço. Parte da ação, o ex-secretário Valter Nagelstein não compareceu à audiência. Dois funcionários da pasta o representaram.
“Estas medidas excessivas no regramento dos bares fazem parte de um antigo processo de ‘higienização da cidade’. Os locais que são considerados pontos de encontro de pessoas marginalizadas tem exigências muito mais rigorosas do que os demais. É um estímulo ao fechamento destes locais. As instituições, para não admitir que fecham bares, vão exigindo uma série de obstáculos para o seu funcionamento. Foi o que aconteceu com os bares do bairro Bom Fim que foram fechados para reforma de três meses e tem seis anos que não abriram mais”, recorda a companheira de Jucele, Karen D´Ávila.
O promotor da ação, Luciano Brasil, reconheceu a adequação do bar Passefica às exigências da lei e o esforço de Jucele em manter o bar em funcionamento. Ele fez questão de destacar que o órgão “é estranho ao histórico de perseguição ao bar”. “Não sabíamos do extrato que vinha por trás desta ação, por isso a acolhemos. Vimos que não há irregularidades, portanto, não teria razões para dar continuidade ao processo”, disse.
Audiência pública encerra processo contra bar Passefica./ Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Por sua vez, o síndico e autor da ação, Ricardo Brum, aceitou o acordo e pediu desculpas a qualquer inconveniente ou prejuízo causado ao bar. “Não queria que isto tivesse ido tão adiante. Mas a multa e os questionamentos judiciais atendem à necessidade de tranquilidade no local, que também é residencial. Eu não sou homofóbico. Convivia com as antigas inquilinas, que também eram homossexuais. Minha religião não permite discriminação”, falou, explicando que é espírita.
O juiz João Ricardo dos Santos Costa declarou arquivado o processo devido a constatação do MP-RS de o bar estar dentro das exigências legais e em concordância com a Lei do Silêncio que vigora em Porto Alegre. “Mas é importante nós reconhecermos a existência de preconceito na nossa sociedade. É algo velado que se evidencia nas relações comerciais e institucionais, mas existe. Não podemos negar. Enquanto existir preconceito, não existirá a plena democracia”, argumentou. Para o juiz, a atuação dos movimentos LGBT na visibilidade dos direitos homossexuais é fundamental para enfrentar problemas sociais. “É só assim que poderemos transformar a nossa sociedade”, disse.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Boas razões para a presidente Dilma não ter ido à SIP

 




O dirigente do Grupo Estado, Júlio César Mesquita, não escondeu sua frustração. Diante da cadeira vazia na cerimônia de abertura da 68ª Assembleia da Sociedade Interamericana de Imprensa, comparou a atitude da atual presidente a de seus antecessores, Ernesto Geisel e Fernando Collor, nos dois convescotes da agremiação anteriormente por aqui realizados.
A comparação pode ser estapafúrdia, mas o rancor tem sua razão de ser. As famílias que controlam os meios de comunicação na região, sem aliados importantes além dos Estados Unidos, ambicionavam aval implícito de Dilma Rousseff para sua ofensiva contra políticas de democratização e regulação levadas a cabo por diversos governos progressistas.
Apesar de sua administração manter intactos os privilégios dos monopólios de imprensa, a presidente pode ter sido eloquente ao dar silencioso bolo no evento dos marajás da informação. Como não foram tornados públicos os motivos dessa decisão, é natural que provoquem especulações. Uma abordagem possível remete à trajetória da associação. A SIP, afinal, congrega a fatia mais ativa e influente das elites continentais, com expressiva folha de serviços prestados às ditaduras.
Fundada nos EUA em 1946, a entidade teve papel fundamental durante a Guerra Fria. Empenhou-se com afinco a etiquetar como “antidemocráticos” os governos latino-americanos que não se alinhavam com a Casa Branca. Constituiu-se em peça decisiva do clima psicológico que antecedeu levantes militares no continente entre os anos 60 e 80.
Entre seus membros mais proeminentes, por exemplo, está o diário chileno El Mercurio, comprometido até a medula com a derrubada do presidente constitucional Salvador Allende, em 1973, e a ditadura do general Augusto Pinochet. Outros grupos filiados são os argentinos La Nación e El Clarín, apoiadores de primeira hora do sanguinário golpe de 1976.
              A lista é longa. O vetusto matutino da família Mesquita, O Estado de S.Paulo, também foi adepto estridente das fileiras anticonstitucionais, clamando e aplaudindo, em 1964, complô contra o presidente João Goulart. Mas não foi atitude solitária: outras empresas brasileiras de comunicação, igualmente inscritas na SIP, seguiram a mesma trilha.
Seus feitos, porém, não fazem parte apenas da história. Estes veículos, mais recentemente, apoiaram o golpe contra o presidente Hugo Chávez (2002), a derrocada do hondurenho Manuel Zelaya (2009) e o afastamento ilegal do paraguaio Fernando Lugo (2012). Funcionam, a bem da verdade, como uma aliança intercontinental do conservadorismo.
Às vésperas das eleições de 2010, em julho, o então presidente da SIP, Alejandro Aguirre, afirmou que Lula “não poderia ser chamado de democrata” e o incluiu entre os líderes que “se beneficiam de eleições livres para destruir as instituições democráticas”. Seu objetivo era evidente: como porta-voz dos barões da mídia, queria colaborar no esforço de guerra contra a condução de Dilma Rousseff, pelo sufrágio popular, ao Palácio do Planalto.
A SIP, no entanto, vai além de movimentos pontuais, ainda que constantes, para a desestabilização das experiências de esquerda. Trata-se de um laboratório para estratégias de terceirização política dos Estados nacionais, na qual as corporações privadas de imprensa ditam a agenda, articulam-se com esferas do poder público e se consolidam como partidos orgânicos da oligarquia.
Diante deste inventário de símbolos e realizações, fez bem a presidente ao se recusar a emprestar o prestígio de seu mandato e a honradez de sua biografia. Ainda mais em um momento no qual sócios nacionais da associação animam julgamento de exceção contra dirigentes históricos de seu partido e integrantes de proa do governo Lula.
Oxalá esse gesto possa dar início a uma batalha firme pela democratização da imprensa e a adoção de marco regulatório que rompa com o feudalismo midiático.
Breno Altman é diretor do site Opera Mundi e da revista Samuel

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

"Pode deixar que eu cuido disso": a infantilização do voto

A “despolitização” induz a maioria das pessoas a perceber as eleições como o único meio de fazer política. Essa contração foi acompanhada por um deslocamento: as eleições “acontecem” na TV e no rádio. Lá chegando, incorporaram-se a um dispositivo que, além do conteúdo conservador, transforma tudo em entretenimento
por Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida no LE MONDE BRASIL

Processos de infantilização das campanhas eleitorais sempre ocorrem nas democracias de massa. No esforço para capturar os votos da maioria em sociedades em que o poder político e econômico é detido por uma minoria, algum tipo de manipulação é imprescindível. Referindo-se ao século XIX, quando surgiram as primeiras democracias eleitorais, Eric Hobsbawm observou as afinidades entre a era da democratização e a hipocrisia política.1
Estudiosos sofisticados não apenas teorizaram como justificaram esse processo, considerando-o um componente positivo de qualquer democracia possível. Foi o caso de Joseph Schumpeter, em seu clássico Capitalismo, socialismo e democracia,2 publicado em 1942 e hoje mais influente do que nunca. Para esse autor austríaco exilado nos Estados Unidos, é teoricamente incorreto e politicamente arriscado levar a sério a etimologia de democracia (poder do povo). O povo jamais teve ou terá o poder, que sempre foi e será das elites. Nesse sentido, a democracia se define como um conjunto de procedimentos que asseguram a concorrência entre elites organizadas em empresas políticas, ou seja, partidos, que concorrem pela preferência do consumidor político, isto é, o eleitor. Este, como qualquer consumidor, não é um exemplo de racionalidade ao fazer sua escolha. Daí algumas condições para que a democracia prospere, como, por exemplo, um debate político que não coloque questões estruturais em pauta. E que o eleitor deixe o eleito em paz. A este, e não àquele, o mandato pertence.
Essa concepção dita procedimental da democracia, ao traçar uma forte analogia entre a política e o mercado (idealizando este último), contribui para legitimar a superficialização do debate político, o alijamento da maior parte da população de questões mais sérias e a forte presença dos profissionais em propaganda eleitoral. É provável que o fantasma de Schumpeter ronde as atuais eleições brasileiras, especialmente no “horário político” da TV e nas matérias publicadas pela grande imprensa. Até porque, como se trata de pleitos municipais, é mais fácil a disseminação da ideia de que basta um bom gerente para que os principais “problemas” estejam em boas mãos.
Não exageremos nas simplificações. Para além da manipulação – e para que esta funcione em maior ou menor grau –, existem fortes determinações estruturais. É o caso da construção altamente ideologizada de uma comunidade de indivíduos-cidadãos livres e iguais, inclusive quanto ao acesso à informação política, em sociedades marcadas por ferozes relações de exploração e dominação. Uma propaganda do TSE que apresenta o eleitor como “patrão” expressa, de modo enviesado e um tanto confuso, essa construção. Não ficaria mais próximo da vida como ela é apresentar a maioria dos eleitores como “não patrões”?
Essa maioria não patronal é o grande alvo do “horário político”. A ela se dirigem os candidatos travestidos de super-heróis, prometendo, a cada quatro anos, resolver os “problemas” de moradia, assistência médico-hospitalar, creche, esgoto, água tratada, emprego, habitação etc. Só não explicam a origem de seus superpoderes ungidos de espírito público e amor ao próximo, bem como por que, historicamente, tudo isso desaparece assim que se encerra a estação de caça aos votos.
Na vida real, os “patrões” não costumam rasgar dinheiro. Não gastam seu precioso tempo assistindo ao show dos horários eleitorais em que um promete mudar aeroportos ou erguer aerotrens; outro afirma com a maior seriedade que eliminará congestionamentos de trânsito aproximando locais de trabalho e de moradia (e vice-versa); um terceiro garante que nomeará um ministério do nível de ministros (grito socorro?) e que os serviços públicos funcionarão porque ele aparecerá onde não o esperam (Jânio vem aí?).
Nenhum se refere a um aspecto importantíssimo para a aplicação de políticas, inclusive no plano municipal: nessa situação de crise capitalista que se aprofunda e de forte comprometimento das contas nacionais com o pagamento da dívida pública a boa parte dos grandes “patrões” (bancos, fundos de pensão, grandes empresas industriais brasileiras e transnacionais), é quase nula a capacidade do Estado, em seus distintos níveis, de colocar em prática políticas sérias, especialmente sociais. Poupa-se o eleitor desse assunto enfadonho, até porque – reza o saudável senso comum – crise capitalista não é assunto de prefeito ou vereador. Melhor destacar que é amigo da presidenta e do governador; que é administrador experiente e competente; que, assim como foi o maior ministro de tal área, será o maior prefeito. E que, ao contrário do adversário, não é amigo do Maluf.
É claro que existem diferenças políticas entre as candidaturas relevantes, aí se incluindo partidos cuja competitividade eleitoral é ínfima. E, mesmo em seus melhores momentos, as disputas eleitorais filtram e refratam os principais interesses das forças sociais. Mas um importante aspecto comum em uma cidade altamente politizada como São Paulo consiste no peso extraordinário que adquire a interpelação do eleitorado como essencialmente passivo. Lutas populares, nem pensar. Basta o voto (claro que em mim!) para mudar o destino da maioria daqueles a quem a propaganda eleitoral se dirige. Um grande autor, em sua fase juvenil, fez uma crítica mordaz desse duplo mundo, o “celestial”, onde, apagadas as diferenças, todos viram “cidadãos”; e o “terreno”, onde o homem é o lobo do homem.3 Nas grandes metrópoles brasileiras, essa dupla vida nos incomoda quando deparamos com homens e mulheres pobres, expostos ao sol inclemente deste inverno surreal, segurando cartazes de candidatos com os quais não têm nenhuma afinidade político-eleitoral, até porque isso é o que menos importa. Para quem paga, é tirar partido de mão de obra sobrante e, portanto, barata. Para quem segura o rojão, também tanto faz ser placa de empreendimento imobiliário ou de qualquer “político”. Melhor do que “compro ouro”. Para todos nós que passamos de carro, por que se indignar? No melhor dos casos, cumpriremos nosso dever cívico, depositando o voto na urna, e esperamos – quem sabe até cobrando – que as “autoridades” resolvam a situação dessa gente com as quais (situação e gente) nada temos a ver.
Exatamente devido aos impactos que produz no sentido de desorganizar a ação coletiva e autônoma dos dominados – inclusive no que se refere à produção e circulação de informações –, esse processo de “despolitização” não é politicamente neutro. Ao contrário, contribui, em São Paulo ou em São Luís, para a reprodução de um dos padrões de dominação e exploração mais predatórios do planeta.
Também cabe evitar a ideia igualmente simplista de que o esforço de manipulação opera sobre um terreno vazio e passivo (um espécie de folha de papel em branco) e sempre obtém os mesmos resultados. No fundamental, o que está em jogo é, em cada conjuntura, a maior ou menor capacidade de intervenção popular na vida política.
Essa capacidade sofreu drástica redução nos últimos anos. Partidos antes combativos passaram por fortes mutações, ao longo das quais obliteraram seus espaços de participação (inclusive debates internos). Políticas sociais importantes para, em caráter emergencial, melhorar as condições de vida de populações que estavam em extrema miséria tampouco ampliaram aquela capacidade. Ao contrário, reforçaram a percepção de que o governante é um pai (ou uma mãe), com especial carinho para com os mais desprotegidos. E, como vimos, no plano nacional, sem tempo para negociar com a totalidade dos professores das universidades federais envolvidos numa ação coletiva (uma greve) durante mais de cem dias; e, no estadual/municipal, o bárbaro massacre dos moradores do Pinheirinho, em São José dos Campos (SP), também organizados na luta política por direitos constitucionais elementares. Enquanto isso, o especulador não tem do que se queixar, e um candidato “do bem” se vangloria de, quando secretário estadual da Educação, jamais ter deparado com uma greve de professores.
Sorte dos trabalhadores e trabalhadoras que não se metem em confusão, até porque esse processo de despolitização segue pari passucom o de judicialização da vida política. Mas por que nos preocuparmos? Afinal, a essência da maioria dos candidatos pode se resumir no refrão de um deles: passa o tempo todo pensando nos pobres.
Com essa drástica redução da capacidade de ação popular coletiva, não é mais necessário, como foi em 1989, que um importante dirigente industrial, Mário Amato, alerte que, caso determinado candidato vencesse, 800 mil empresários abandonariam o Brasil; ou, no pleito seguinte, outro peso pesado dos industriais advertisse que a eleição do mesmo candidato seria o equivalente a uma bomba de hidrogênio despencar sobre este país abençoado por Deus. Na campanha eleitoral de 2002, o marqueteiro-mor do mesmo candidato, ao coordenar importantes figuras políticas na feitura de uma propaganda televisiva, disse para todos erguerem a mão em forma de L. “A mão direita ou a esquerda?”, perguntou alguém. “Como quiser”, respondeu o pragmático guru, “quem for de direita, com a direita; quem for de esquerda, com a esquerda.”4 Não por mera coincidência, assinou-se a “Carta aos brasileiros”; apesar de algumas rusgas passageiras, houve forte apoio empresarial; e o partido concluiu sua passagem para a idade da razão.
Os impactos “despolitizadores” sobre os processos induzem a grande maioria das classes populares a perceber as eleições como o único meio legítimo de fazer política. Essa contração foi acompanhada por um deslocamento: as eleições “acontecem” principalmente na televisão e no rádio (as chamadas redes sociais ainda engatinham nesse processo). Lá chegando, incorporaram-se a um dispositivo que, além do conteúdo abertamente conservador, transforma tudo em entretenimento. Em outros termos, o centro da atividade eleitoral mais visível se transfere para meios de comunicação tremendamente oligopolizados e que reproduzem, na imensa maioria das transmissões, (novelas, noticiários, propagandas) processos de infantilização. Lutas pelo aprofundamento da participação política no Brasil requerem democratizar e diversificar os meios de comunicação.
Quando Schumpeter escreveu seu célebre livro sobre democracia, o desfecho da Segunda Guerra Mundial, fortemente articulada a uma crise do capitalismo, ainda estava incerto e restavam poucas democracias liberais no planeta. Em um livro schumpeteriano bem mais simplista, A terceira onda, Samuel Huntington se congratulava, em 1993, pelo espraiamento desse regime por grande parte do planeta.5 Todavia, no atual contexto de profunda crise capitalista, tendem a aumentar os desencontros entre esse regime e a participação popular. Se Schumpeter e tantos outros negam a possibilidade do poder do povo, diversos estudiosos, como Slavoj Žižek,ao abordar uma questão bem mais específica, recorrem a uma expressão cada vez mais em voga para nos referirmos a essa reviravolta sinistra: a democracia se volta contra os povos.6
Diante dos riscos de que o modelo schumpeteriano de democracia chegue ao seu esgotamento no bojo da atual crise, é urgente inventar novas e profundas formas de efetiva participação popular na política.
Resta saber se isso é possível sem reinventar a sociedade.

Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida
é professor do Departamento de Política da PUC-SP


Ilustração: Daniel Kondo


 
1  E. Hobsbawm, A era dos impérios, Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1988, p.130.
2  J. A. Schumpeter, Capitalismo, socialismo e democracia, Fundo de Cultura, Rio de Janeiro, 1961.
3  Karl Marx, A questão judaica,Boitempo, São Paulo, 2010.
4  A sequência aparece no documentário Entreatos,de João Moreira Salles.
5  Samuel Huntington,A terceira onda: a democratização no final do século XX, Ática, São Paulo, 1994.
6  Slavoj Žižek, “Democracy versus the people. A new account of Haiti’s recent history shows how the genuinely radical politics of Lavalas and its”, New Statesman, 14 ago. 2008.

Mídia: "Lula e Dilma deixam a desejar"

 



Por Nilton Viana, no jornal Brasil de Fato:

A secretária nacional de Comunicação da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e coordenadora geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Rosane Bertotti, acredita que a comunicação é um direito humano, e que, portanto, cabe ao Estado adotar políticas públicas para assegurar esse direito. Segundo ela, os grandes conglomerados de mídia têm posição cativa ao lado do capital, atuando como correia de transmissão da ideologia mais reacionária, de privatização, desmonte do Estado, arrocho salarial, retirada de direitos sociais e trabalhistas.

Em entrevista ao Brasil de Fato, Rosane Bertotti fala sobre a importância da mobilização “para garantir a diversidade e a pluralidade de vozes. “Se nós olharmos o tipo de enfrentamento que está sendo feito em alguns países ao nosso redor, infelizmente, é forçoso reconhecer que tanto o governo Lula quanto Dilma deixaram e deixam muito a desejar no quesito comunicacional.

Você participou, de 19 a 22 de setembro, em Quito, Equador, do Encontro Latino- Americano de Comunicação Popular e Bem Viver. Quais são avanços que na questão da comunicação que se podem destacar nos países da região?

Creio que o principal avanço é o da consciência sobre o papel da batalha de ideias e a crescente disposição política dos governos do campo democrático e popular, particularmente os da Argentina e do Equador, de fazer uma nova lei que aposte na democratização da comunicação para garantir a efetiva liberdade de expressão, sequestrada pela velha mídia. São passos muito significativos, como a complementaridade dos sistemas público, privado e estatal, que não teriam sido possíveis sem a atuação de entidades como a Associação Latino-Americana de Educação Radiofônica (Aler), que promoveu o encontro em Quito. Somando energia e experiência em torno de pontos comuns, com espírito amplo, de verdadeiras frentes, essas organizações populares conseguiram mobilizar a sociedade e respaldar ações mais ousadas de governos que não se submeteram às calúnias e chantagens dos grandes conglomerados.

No caso do Brasil, qual o embate a ser travado hoje pelos movimentos sociais nessa questão da comunicação?

Temos a convicção de que é preciso afirmar a necessidade de um regramento para o setor, enfrentando a disputa política e ideológica com a mídia comercial, que vê a comunicação como um negócio qualquer, que deve atender unicamente os donos do veículo e seus anunciantes. O mote da campanha do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) é “para expressar a liberdade, uma nova lei para um novo tempo”. Acreditamos que é necessário popularizar o tema, mostrando à população a necessidade de regulamentar os dispositivos da Constituição Cidadã, fundamentalmente o que combate a formação de monopólios e oligopólios, e o que garante a complementaridade dos sistemas. Sem isso não haverá sociedade democrática e uns poucos proprietários de concessões públicas continuarão ditando o que o povo deve ouvir, ver e ler. Para nós a comunicação é um direito humano e, portanto, cabe ao Estado adotar políticas públicas que o assegurem. Senão vira letra morta.

Na sua opinião, houve avanços, nos quase 10 anos de Lula e Dilma, em relação à democratização da comunicação?

A Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada no final do governo Lula, contribuiu para que o tema entrasse efetivamente na pauta, estimulando a formação dos Conselhos Estaduais de Comunicação, como conquistamos recentemente na Bahia e no Rio Grande do Sul. Infelizmente vários pontos apontados pela Confecom para a efetivação de mecanismos de controle social, participação popular e auditoria nos meios privados não andam devido a uma defensiva inexplicável do governo. Se nós olharmos o tipo de enfrentamento que está sendo feito em alguns países ao nosso redor, infelizmente, é forçoso reconhecer que tanto o governo Lula quanto Dilma deixaram e deixam muito a desejar no quesito comunicacional.

As verbas publicitárias ainda são investidas majoritariamente na mídia comercial. Qual é a avaliação do FNDC sobre a insistência nessa política?

É necessário mudar os critérios publicitários para que haja uma desconcentração que tem se demonstrado profundamente antidemocrática, ecoando a voz dos grandes conglomerados, os mesmos que atentam todos os dias contra a pluralidade e a diversidade. É preciso garantir principalidade dos recursos para a mídia pública e comunitária, para os blogueiros, para os jornais alternativos. Afinal, a mídia privada já conta com recursos abundantes das transnacionais, do sistema financeiro e das grandes empresas para defender seus interesses, para divulgar a pauta do capital. O governo precisa priorizar a sociedade, necessita democratizar a publicidade.

Qual é a avaliação do movimento pela democratização das comunicações em relação à Confecom, realizada em 2009; o que avançou de lá para cá?

A Confecom foi fruto da sociedade civil que garantiu a realização da conferência inclusive em condições adversas. Foi muito importante enquanto processo de mobilização, porém as propostas não saíram do papel. O então ministro Franklin Martins chegou a ensaiar um projeto, mas que ficou em alguma gaveta para o Paulo Bernardo, que resolveu deixar por lá. O que temos é a síntese dos 20 pontos dos movimento sociais. Na nossa opinião, respaldado pela Confecom, o governo deveria adotar medidas como a regulamentação dos artigos da Constituição Federal (220 a 224) que, entre outros avanços, impedem a propriedade cruzada dos meios e proíbem os monopólios; a garantia da inclusão digital com a aplicação dos recursos do Fundo para Universalização do Serviço de Telefonia (Fust) em programas de extensão da internet banda larga para todo o país, priorizando as regiões afastadas dos grandes centros e a população de baixa renda, a redução de 30% para 10% na participação do capital estrangeiro nas comunicações, a descriminalização das rádios comunitárias.

Como a CUT avalia o papel da mídia brasileira?

Os grandes conglomerados de mídia têm posição cativa ao lado do capital, atuando como correia de transmissão da ideologia mais reacionária, de privatização, desmonte do Estado, arrocho salarial, retirada de direitos sociais e trabalhistas. São emissoras de rádio e televisão, jornais, revistas e portais de internet que atuam de forma coordenada para distorcer os fatos, criminalizar e invisibilizar os movimentos populares, a luta dos trabalhadores, das mulheres, negros e indígenas. É uma conduta irresponsável e ditatorial.

O STF está julgando o chamado “mensalão”. Como você avalia a cobertura da mídia brasileira nesse caso?

Infelizmente os que se arvoram grandes defensores da liberdade de imprensa são hoje instrumentos que em vez de informar, divulgam as suas opiniões. São meios de manipulação e desinformação em massa. O fato é que a mídia não só divulgou interpretações dos fatos, mas já julgou e condenou. Onde está a imparcialidade tão propalada? Cadê a liberdade de expressão, o respeito à verdade dos fatos ou o direito ao contraditório?

A esquerda brasileira, ao seu ver, está avançando nessa luta pela democratização da comunicação?

Creio que o amplo espectro da esquerda tem avançado no sentido de ter meios próprios, de construir e articular redes, como os blogueiros progressistas. A articulação dos vários movimentos com a luta do FNDC tem potencializado esta caminhada, mas há muito ainda por fazer. Do ponto de vista da CUT, por exemplo, temos ampliado os investimentos no nosso Portal do Mundo do Trabalho (www.cut.org.br), na estruturação de sites das nossas estaduais e Ramos, no aprimoramento da nossa rádio e tv web. Acredito que é um processo em que estamos amadurecendo conjuntamente, com uma consciência e um compromisso crescente de que necessitamos lutar para que todos tenham voz, para que não haja mais mordaças como as impostas pela velha mídia.

Quais são as principais lutas que o movimento pretende travar nos próximos meses?

Acho que precisamos mobilizar para retomar o projeto original do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), em que a Telebrás tem um papel chave como empresa pública de articular e incentivar a construção de uma sólida base material para a universalização dos serviços. Não será se submetendo aos interesses das grandes empresas de telecomunicação, despejando rios de recursos públicos e abrindo mão de impostos que vamos conseguir colocar o país num novo patamar neste setor estratégico para o desenvolvimento nacional, para o avanço da educação, da ciência, da tecnologia. O que temos hoje é uma internet lenta e cara, altamente excludente. É hora de virar esta página.

Porto Alegre 2012: A derrota política da esquerda e o novo consenso liberal

 


Por Paulo Marques no SUL21
 
O resultado eleitoral em Porto Alegre, com a reeleição do atual prefeito José Fortunati(PDT) no primeiro turno, com 65% dos votos, e a pífia votação do candidato petista com menos de 10% dos votos, representa bem mais do que as explicações simplistas de aprovação de um boa gestão e a derrocada inexorável do PT em particular e da esquerda em geral. O problema fundamental que não está sendo discutido é muito mais profundo, consiste no que eu denomino de “consenso liberal” que vem se consolidando na cidade.

É, como diria Gramsci, na disputa de uma “visão de mundo”, que se dá a luta central pela  “hegemonia política- cultural”. Segundo o marxista italiano  a relação de dominação se consolida  a partir de dois elementos a coerção e o consenso, sendo que na medida em que este último fator se fortalece  a coerção é utilizada somente em casos excepcionais. Ou seja, a maior vitória do dominante é conquistar o  “coração e mente”  do dominado. Nesse sentido, a hegemonia de um determinado pensamento no campo simbólico-cultural é fundamental  para a manutenção do poder.
Só a partir da reflexão sobre esta questão chave é possível analisar a dimensão real do resultado de domingo passado e os desafios que se impõe para a esquerda na cidade que outrora já foi referência para pensar um outro mundo possível.
José Fortunati e sua coligação formada pelo PDT, PMDB, PTB, DEM, PP e outros nanicos( também incluo o PRBS, partido da RBS, FARSUL e o grande capital)  representam claramente um campo liberal-conservador que havia  sofrido  um importante revés nos 16 anos de governos do PT em Porto Alegre, que chegou ao ápice com a vitória de Olívio Dutra no Estado(1999-2002).
Todavia, esse campo vêm retomando o espaço perdido ao construir, nos quase dez anos de gestão na prefeitura, uma nova “hegemonia cultural”, ou novo “consenso” no que tange ao papel do poder público e sua relação com o capital. Nessa perspectiva está presente os pressupostos da dinâmica liberal do prefeito e legislador limitado ao papel de “gestor” dos interesses do capital, e que  se consolida como a principal característica  dessa hegemonia/ consenso.
No caso de Porto Alegre, esse processo de construção de um “consenso liberal” se deu não só pela ação dos partidos e setores desse campo. Outro fator  que contribuiu fortemente para essa nova hegemonia foram as transformações que se deram no Partido dos Trabalhadores; primeiro em âmbito  nacional e depois local. Se,  no Rio Grande do Sul,  e em particular na cidade de Porto Alegre,  o PT se destacava pelo  caráter de esquerda, diferenciando-se  do partido nos  outros Estados, nos últimos anos isso mudou. Os setores mais à esquerda do partido sofreram sucessivas derrotas internas que  levou a inevitável perda de hegemonia no  partido para os setores mais alinhados com um ideário social democrata em consonância com o perfil da direção nacional.
A consequência desse processo foi que a  identidade  do partido como organização programática mais à esquerda, que levou o PT a manter-se por mais de uma década a frente da prefeitura, foi paulatinamente substituída pela lógica cada vez mais pragmática da  “ampliação do arco de alianças” com partidos liberais, que o governador Tarso Genro denomina de “centro democrático”. O paradigma dessa opção é a “base aliada” do governo federal onde cabem  os partidos liberais que compõe aliança vitoriosa de Fortunati (PMDB, PP, PTB) com exceção do DEM e PSDB(este  compôs o governo Fortunati até o ano passado).  Mas isso significa que o PT se transformou em um “partido liberal”?? Minha resposta é não, eu diria que o PT hoje se consolida como o representante da social-democracia no Brasil. O que significa claramente o afastamento de uma perspectiva anti-capitalista.
Mas onde estaria a contribuição do PT para o o novo “consenso” liberal? Vejo que está fundamentalmente no campo simbólico. Seja nas  políticas de Parceria Público Privada do governo Federal( aeroportos, ferrovias etc..) seja no discurso de “concertação” , de “não-conflito”, como se a sociedade capitalista não fosse, em essência uma sociedade de antagonismos. A total aceitação das regras do jogo liberal por parte do PT,  é o que nos permite compreender a ausência de posição sobre questões como a relação do Estado e dos partidos com o capital privado.
Não há, portanto, ao contrário do que alguns querem crer,  uma “falência da política”, o que temos é o predomínio  de uma determinada política, a clássica política liberal, que se transformou em  “consenso”.  E por outro lado,  uma derrota simbólica-cultural dos princípios da esquerda como o valor do que é público, coletivo, e deve ser socializado. Se até bem pouco tempo  era possível falar de uma  Porto Alegre da “radicalização da democracia”, da “cultura” democrática e participativa do Orçamento Participativo, o que vemos hoje é a incorporação desta experiência à lógica do sistema, baseada no clientelismo e na mercantilização da ação política. Uma lógica “gerencial” no qual as diferenças ideológicas, que existem, são tratadas como problema e os “consensos” são exaltados como virtude.
Outro elemento não menos significativo desse “consenso”, é o  vínculo direto da política com o mercado, onde as empresas privadas são a principal fonte financiadora das campanhas eleitorais. Essa é a outra face da mesma lógica liberal da política como “negócio”, como parte da estratégia que deve assegurar o bom funcionamento do mercado. Uma olhada rápida sobre quem foram os vereadores mais votados e quem os financiou é sintomático dessa realidade.
Nessa perspectiva liberal,  não há mais espaço para a defesa do “público”,  na medida em que a ampliação dos espaços públicos significam a diminuição da acumulação privada de capital ela está fora da “realidade”. Por isso é tão necessário para o “consenso liberal” a ampliação das  privatizações,  mesmo que revestidas de “parcerias” e da construção de discursos, na esfera ideológica e simbólica,  de que o privado é eficiente e o público é inviável. Está aí nesse constructo ideológico a aceitação, como “consenso”, de que a saúde, o transporte, a cultura, a educação, as praças, as escolas,a limpeza urbana,  para que funcionem bem,  devem estar sob controle privado.
A privatização dos espaços públicos em Porto Alegre (Auditório Araújo Viana, Largo Glênio Peres, Feiras Modelo, Parque da redenção sentre outros), as mudanças no Plano Diretor da Cidade para atender os interesses das grandes corporações imobiliárias,  políticas de “higienização do centro” são algumas das medidas que cumprem este objetivo de construir uma “visão de mundo” , um “consenso” sobre o lugar do  público e do privado na sociedade.
Quem combate o  “consenso liberal”? 
Quando as contradições inerentes ao sistema capitalista, como o aprofundamento da desigualdade social, da violência do deficit democrático do sistema representativo não encontram espaços para expressarem-se nos partidos,  ocorre um fenômeno que começa a ser comum nas chamadas “democracias consolidadas” que é a  auto-organização de setores da sociedade descontentes com a “naturalização” do sistema e aceitação geral do “consenso liberal” por quase todos os partidos.
A partir das  redes sociais, percebem que a mediação dos partidos se torna,  não só inútil (na medida que prevalece  o “consenso” sobre determinadas questões ) mas ultrapassada (com a comunicação imediata das redes sociais é possível discutir e debater qualquer tema sem a intermediação de um “representante eleito” ou do dirigente partidário). Dessa forma a crise dos partidos, principalmente da esquerda, é um reflexo destes dois contextos: a) a falência de um modelo de organização vertical e elitista, ultrapassado por novas formas de fazer/participar/atuar nas questões de interesse coletivo e b) a impossibilidade de realizar um debate e um enfrentamento anti-sistêmico para além da lógica do capital.
Assim temos uma  descrença e esvaziamento da militância jovem nos partidos e a ampliação de  iniciativas de auto-organização social que utilizam as redes sociais para articular e organizar ações e protestos. No último período podemos destacar a emergência do cicloativismo na cidade, com o movimento Massa Crítica, que luta por uma outra lógica de mobilidade urbana que supere o carrocentrismo, símbolo maior da cultura capitalista  e o movimento resistência cultural que protesta contra a política reprssiva e privatista da prefeitura para a área cultural. Uma das características marcantes da maioria dos integrantes destas mobilizações é a desvinculação de qualquer partido político. O que aparece como um problema para os partidos é, na verdade,  a consequência dessa  crise da atual forma de “fazer política”,  considerada por muitos como insuficiente.
A mais emblemática das últimas  manifestações deu-se no centro de Porto Alegre a dois dias das eleições. Organizada via facebook, por ativistas da cultura,  reuniram mais de 400 manifestantes em frente a prefeitura para protestar contra a privatização dos espaços públicos. Forçavam um debate que esteve ausente das campanhas eleitorais.
O protesto terminou de forma violenta com a repressão da Polícia Militar contra os manifestantes e a destruição do boneco gigante da Coca-Cola colocado no Largo Glênio Peres, atualmente este espaço público é gestionado pela empresa de refrigerantes.
Vale destacar ainda  que a  postura assumida por dois partidos identificados como representantes da  esquerda socialista( PSOL e PSTU) não conseguem, ainda,  ocupar o espaço de representantes desse ativismo anti-sistêmico. O discurso moralista, “anti-corrupção” que caracterizou a campanha do PSOL nessa eleição,  está muito aquém de uma perspectiva de novo projeto alternativo à altura dos desafios de enfrentamento à hegemonia liberal que nos referimos. Quanto ao PSTU sua retórica classista não consegue avançar para além de sua pequena base de funcionários públicos.
Dado este cenário, marcado de um lado pelas escolhas ideológicas do PT e de outro,  por uma esquerda socialista ainda presa a dogmas e ortodoxias do passado, ouso afirmar que a possibilidade de reconstruir uma hegemonia política-cultural de esquerda na cidade de Porto Alegre passa por uma  nova geração de ativistas anti-sistema,  que em suas mais diversas formas de organização política (associações, grupos, coletivos, etc.) enfrentarão, nas ruas, o “consenso” do capital.
Paulo Marques é doutor em Sociologia e professor universitário

domingo, 14 de outubro de 2012

NOTA OFICIAL DA ABGLT SOBRE AS DECLARAÇÕES DO GOVERNADOR CID GOMES

DO BLOG ABGLT

A Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) – é uma entidade de abrangência nacional que atualmente congrega 257 organizações congêneres e tem como objetivo a defesa e promoção da cidadania desses segmentos da população. A ABGLT também é atuante internacionalmente e tem status consultivo junto ao Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas.

Desde sua fundação em 1995, além de atuar na promoção e defesa dos direitos humanos, a ABGLT tem atuado em parceria com o Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, no enfrentamento da epidemia do HIV/aids e das DST – Doenças Sexualmente Transmissíveis.

As DST representam um grave problema para a saúde pública no Brasil e no mundo inteiro e não devem ser objeto de comentários mal intencionados feitos por autoridade pública para se referir a rivais políticos, ou a qualquer ser humano.

O trocadilho feito pelo governador do Ceará, Cid Gomes, e veiculado na imprensa esta semana em relação à tendência Democracia Socialista (DS) do Partido dos Trabalhadores, substituindo a sigla DS por DST e atribuindo esta condição à prefeita de Fortaleza, Luizianne Lins e ao candidato a sucessão, Elmano Freitos, por serem dessa tendência, não foi digno da maior autoridade pública do estado do Ceará e se constitui em um péssimo exemplo para a população. Tratar as DSTs como uma piada é desrespeitoso e fundamentalmente irresponsável. O estigma associado às DSTs já dificulta a contenção da epidemia, fazendo com que as pessoas não procurem diagnóstico e tratamento nos serviços de saúde. O infeliz comentário do governador serviu para referendar o estigma e agravar este quadro, além de insultar levianamente outro partido político e as pessoas que o integram.

Não queremos ser o ombudsman do politicamente correto. Não queremos menos do que o direito à igualdade. Queremos o respeito às pessoas, independente de quem sejam. As eleições devem se pautar pela cidadania, no campo das ideias e não abaixo da cintura.

14 de outubro de 2012

Toni Reis
Presidente
ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais   

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

O golpe imaginário de Ayres Britto

 



Por Paulo Moreira Leite, na coluna Vamos combinar: via BLOG DO MIRO
Confesso que ainda estou chocado com o voto de Ayres Britto, ao condenar oito réus do mensalão, ontem.

O ministro disse:

“[O objetivo do esquema era] um projeto de poder quadrienalmente quadruplicado. Projeto de poder de continuísmo seco, raso. Golpe, portanto”.

Denunciar golpes de Estado em curso é um dever de quem tem compromissos com a democracia.

Denunciar golpes de Estado imaginários é um recurso frequente quando se pretende promover uma ruptura institucional.

O caso mais recente envolveu Manoel Zelaya, o presidente de Honduras. Em 2009 ele foi arrancado da cama e, ainda de pijama, conduzido de avião para um país vizinho.

Acusava-se Zelaya de querer dar um golpe para mudar a Constituição e permanecer no poder. Uma denúncia tão fajuta que – graças ao Wikileaks – ficamos sabendo que até a embaixada dos EUA definiu a queda de Zelaya como golpe. Mais tarde, ao reavaliar o que mais convinha a seus interesses de potência, a Casa Branca mudou de lado e encontrou argumentos para justificar a nova postura, fazendo a clássica conta de chegar para arrumar fatos e os argumentos.

Em 31 de março de 64, tivemos um golpe de Estado de verdade, que jogou o país em 21 anos de ditadura.

O golpe foi preparado pela denúncia permanente de um golpe imaginário, que seria preparado por João Goulart para transformar o país numa “república sindicalista.” Basta reconstituir os passos da conspiração civil-militar para reconhecer: o toque de prontidão do golpismo consistia em denunciar projetos anti democráticos de Jango.

Considerando antecedentes conhecidos, o voto de Ayres Britto é preocupante porque fora da realidade.

Vamos afirmar: não há e nunca houve um projeto de golpe no governo Lula. Nem de revolução. Nem de continuísmo chavista. Nem de alteração institucional que pudesse ampliar seus poderes de alguma maneira.

Lula poderia ter ido as ruas pedir o terceiro mandato. Não foi e não deixou que fossem. Voltou para São Bernardo mas, com uma história maior do que qualquer outro político brasileiro, não o deixam em paz. Essa é a verdade. Temos um ex grande demais para o papel. Isso porque o PT quer extrair dele o que puder de prestígio e popularidade. A oposição quer o contrário. Sabe que sua herança é um obstáculo imenso aos planos de retorno ao poder.

Ouvido pelo site Consultor Jurídico, o professor Celso Bandeira de Mello, um dos principais advogados brasileiros, deu uma entrevista sobre o mensalão, ainda no começo do processo:

ConJur: Como o senhor vê o processo do mensalão?

Celso Antônio Bandeira de Mello: Para ser bem sincero, eu nem sei se o mensalão existe. Porque houve evidentemente um conluio da imprensa para tentar derrubar o presidente Lula na época. Portanto, é possível que o mensalão seja em parte uma criação da imprensa. Eu não estou dizendo que é, mas não posso excluir que não seja.


Bandeira de Mello é amigo e conselheiro de Lula. Foi ele quem indicou Ayres Britto para o Supremo. A nomeação de Brito – e de Joaquim Barbosa, de Cesar Pelluzzo – ocorreu na mesma época em que Marcos Valério e Delúbio Soares andavam pelo Brasil para, segundo o presidente do Supremo, arrumar dinheiro para o “continuísmo seco, raso.”

Os partidos políticos podem ter, legitimamente, projetos duradouros de poder. É inevitável, porque poucas ideias boas podem ser feitas em quatro anos.

Os tucanos de Sérgio Motta queriam ficar 25 anos. Ficaram oito. Lula e Dilma, somados, já garantiram uma permanência de 12.

Tanto num caso, como em outro, tivemos eleições livres, sob o mais amplo regime de liberdades de nossa história.

Para quem gosta de exemplos de fora, convém lembrar que até há pouco o padrão, na França, eram governos de 14 anos – em dois mandatos de sete. Nos Estados Unidos, Franklin Roosevelt foi eleito para quatro mandatos consecutivos, iniciando um período em que os democratas passaram 20 anos seguidos na Casa Branca. Os democratas de Bill Clinton poderiam ter ficado 12 anos. Mas a Suprema Corte, com maioria republicana, aproveitou uma denúncia de fraude na Flórida para dar posse a George W. Bush, decisão ruinosa que daria origem a uma tragédia de impacto internacional, como todos sabemos.

O ministro me desculpe mas eu acho que, para falar do mensalão como parte de projeto de “continuísmo seco, raso,” é preciso considerar o Brasil uma grande aldeia de Gabriel Garcia Márquez. Em vez da quinta ou sexta economia do mundo, jornais, emissoras de TV, bancos poderosos, um empresariado dinâmico, trabalhadores organizados e 100 milhões de eleitores, teríamos de coronéis bigodudos com panças imensas, latifúndios a perder de vista, cidadãos dependentes, morenas lindas e apaixonadas, capangas de cartucheira.

No mundo de Garcia Marquez, não há democracia, nem conflito de ideias. Não há desenvolvimento, apenas estagnação, tédio e miséria. Naquelas aldeias do interior remoto da Colômbia, homens e mulheres famintos vivem às voltas de um poder único e autoritário. Esmolam favores, promoções, presentes, pois ninguém tem força, autonomia e muito menos coragem para resolver a própria vida. Desde a infância, todos os cidadãos são ensinados a cortejar o poder, bajular. É seu modo de vida. Como recompensa, recebem esmolas.

No mensalão de Macondo, seria assim.

Será esta uma visão adequada do Brasil?

Em 1954, no processo que levou ao suicídio de Getúlio Vargas, também se falou em golpe.

Com apoio de uma imprensa radicalizada, em campanhas moralistas e denuncias – muitas vezes sem prova – contra o governo, dizia-se que Vargas pretendia permanecer no posto, num golpe continuísta, com apoio do ”movimento de massas.”

Era por isso, dizia-se, que queria aumentar o salario mínimo em 100%. Embora o mínimo tivesse sido congelado desde 1946, por pressão conservadora sobre o governo Eurico Dutra, a proposta de reajuste era exibida como parte de um plano continuísta para agradar aos pobres – numa versão que parece ter lançado os fundamentos para as campanhas sistemáticas contra o Bolsa-Família, 50 anos depois.

Embora falasse em mercado interno, desenvolvimento industrial e até tivesse criado a Petrobrás, é claro que Vargas queria apenas, em aliança com o argentino Juan Domingo Perón (o Hugo Chávez da época?), estabelecer uma comunhão sindicalista na América do Sul e transformar todo mundo em escravo do peleguismo, não é assim? E agora você, leitor, vai ficar surpreso. Um dos grandes conspiradores contra Getúlio Vargas, especialista em denunciar golpes imaginários, foi parar no Supremo. Chegou a presidente, teve direito a um livro luxuoso com uma antologia de suas sentenças.

Estou falando de Aliomar Baleeiro, jurista que entrou no tribunal em 1965, indicado por Castelo Branco, o primeiro presidente do ciclo militar, e aposentou-se em 1975, o ano em que o jornalista Vladimir Herzog foi morto sob tortura pelo porão da ditadura.

Baleeiro deixou bons momentos em sua passagem pelo Supremo. Defendeu várias vezes o retorno ao Estado de Direito.

Chegou a dar um voto a favor de frades dominicanos que faziam parte do círculo de Carlos Marighella, principal líder da luta armada no Brasil.

A ditadura queria condenar os frades. Baleeiro votou a favor deles.

Tudo isso é muito digno mas não vamos perder a o fio da história que nos ajuda a ter noção das coisas e aprender com elas.

Em várias oportunidades, o ministro que faria a defesa do Estado de Direito contribuiu para derrotá-lo.

O ministro chegou ao STF com uma longa folha de serviços anti democráticos.

Em 1954, ele era deputado da UDN, aquele partido que reunia a fina flor de um conservadorismo bom de patrimônio e ruim de votos.

Um dos oradores mais empenhados no combate a Getúlio Vargas , Baleeiro foi a tribuna da Câmara para pedir um “golpe preventivo”. ( Pode-se conferir em “Era Vargas — Desenvolvimentismo, Economia e Sociedade,” página 411, UNESP editora.)

Os adversários de Vargas tentaram a via legal, o impeachment. Tiveram uma derrota clamorosa, como diziam os locutores esportivos de vinte anos atrás: 136 a 35.

Armou-se, então, uma conspiração militar. Alimentada pelo atentado contra Carlos Lacerda, que envolvia pessoas do círculo de Vargas, abriu-se uma pressão que acabaria emparedando o presidente, levado ao suicídio.

Baleeiro permaneceu na UDN e conspirou contra a campanha de JK, contra a posse de JK e contra o governo JK. Sempre com apoio nos jornais, foi um campeão de denúncias. Era aquilo que, mais uma vez com ajuda da mídia, muitos brasileiros pensavam que era o Demóstenes Torres – antes que a verdade do amigo Cachoeira viesse a tona.

Baleeiro estava lá, firme, no golpe que derrubou Jango para combater a subversão e a …corrupção.

Foi logo aproveitado pelo amigo Castelo Branco para integrar o STF. Já havia denuncia de tortura e de assassinatos naqueles anos. Mortos que não foram registrados, feridos que ficaram sem nome. Não foram apurados, apesar do caráter supremo das togas negras.

Entre 1971 e 1973, Baleeiro ocupava a presidência do STF. Nestes dois anos, o porão do regime militar matou 70 pessoas.

Nenhum caso foi investigado nem punido, como se sabe. Nem na época, quando as circunstâncias eram mais difíceis. Nem quarenta anos depois, quando pareciam mais fáceis.

Em 1973, José Dirceu, que pertenceu a mesma organização que Marighella, vivia clandestinamente no Brasil. Morou em Cuba mas retornou para seguir na luta contra o regime militar. Infiltrado no grupo, o inimigo atirou primeiro e todos morreram. Menos Dirceu. Os ossos de muitos levaram anos para serem identificados. Nunca soubemos quem deu a ordem.

Não se apontou, como no mensalão, para quem tinha o domínio do fato para a tortura, as execuções.

Um dos principais líderes do Congresso da UNE, entidade que o regime considerava ilegal, Dirceu foi preso em 1968 e saiu da prisão no ano seguinte. Não foi obra da Justiça, infelizmente, embora estivesse detido pela tentativa de reorganizar uma entidade que desde os anos 30 era reconhecida pelos universitários como sua voz política.

(Figurões da ditadura, como o pernambucano Marco Maciel, que depois seria vice presidente de FHC, Paulo Egydio Martins, governador de São Paulo no tempo de Geisel, tinham sido dirigentes da UNE, antes de Dirceu).

A Justiça era tão fraca , naquele período, que Dirceu só foi solto como resultado do sequestro do embaixador Charles Elbrick, trocado por um grupo de presos políticos. Mas imagine.

Foi preciso que um bando de militantes armados, em sua maioria garotos enlouquecidos com Che Guevara, cometesse uma ação desse tipo para que pessoas presas arbitrariamente, sem julgamento, pudessem recuperar a liberdade. Que país era aquele, não? Que Justiça, hein?

Preso no Congresso da UNE, também, Genoíno foi solto e ingressou na guerrilha do Araguaia.

Apanhado e torturado em 1972, Genoíno conseguiu esconder a verdadeira identidade durante dois meses. Estava em Brasília quando a polícia descobriu quem ele era. Foi levado de volta a região da guerrilha e torturado em praça pública, como exemplo.

Ontem a noite, José Dirceu e José Genoíno foram condenados por 8 votos a 2 e 9 votos a 1.

Foi no final da sessão que Ayres Britto falou em “projeto de poder de continuísmo seco, raso. Golpe, portanto”.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Prefeitura quer anular dispositivo do Plano Diretor Cicloviário de Porto Alegre

 


Plano Cicloviário foi aprovado em julho de 2009 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
 
Samir Oliveira no SUL21
 
A prefeitura de Porto Alegre quer anular na Justiça um dispositivo do Plano Diretor Cicloviário Integrado (PDCI) da cidade, aprovado em 2009 pela Câmara Municipal. Trata-se do segundo inciso do artigo 32 da lei complementar 626/09, que determina que 20% do valor total de multas arrecadadas pela EPTC deve ser investido na construção de ciclovias e em campanhas que promovam a educação no trânsito – focadas na convivência entre ciclistas e motoristas.
Histórico do caso
O PDCI foi uma iniciativa do próprio Poder Executivo, mas a emenda que determinou o investimento de 20% do que é arrecadado das multas em ciclovias foi de autoria do vereador Beto Moesch (PP). Apesar de não constar no projeto original enviado à Câmara, essa emenda foi sancionada pelo então prefeito José Fogaça (PMDB) em 2009.
Mas, desde então, a lei nunca foi cumprida, já que a EPTC sequer tem aplicado 10% do que arrecada com multas na construção de ciclovias. Por conta disso, no dia 6 de janeiro deste ano o Laboratório de Políticas Públicas e Sociais (Lappus) ingressou com uma representação no Ministério Público para cobrar o cumprimento da lei.
O caso está com a Promotoria de Justiça de Habitação e Defesa da Ordem Urbanística, sob os cuidados do promotor Luciano Brasil. No início do ano, ele requisitou à EPTC as informações referentes aos investimentos da verba arrecadada com as multas.
Pelos dados fornecidos, pode-se constatar que o Plano Diretor Cicloviário não vinha sendo cumprido. Desde julho de 2009, quando a lei entrou em vigor, até o final deste mesmo ano, a EPTC arrecadou R$ 3,6 milhões em multas e aplicou somente R$ 206,5 mil no que determina a lei, o que representa 5,71% do total.
Trecho da denúncia do Ministério Público utiliza informações fornecidas pela EPTC | Imagem: MP-RS
Em todo o ano de 2010, dos R$ 24,3 milhões arrecadados, R$ 2,1 milhões foram investidos em ciclovias ou campanhas educativas. O valor representa 8,71% do total, quando a lei diz que deveriam ser aplicados 20%.
Em 2011, dos R$ 26,3 milhões arrecadados com multas de trânsito, somente R$ 2,3 milhões foram aplicados conforme determina a o Plano Diretor Cicloviário – 8,98% do valor total.
Com esses dados em mãos, o promotor Luciano Brasil sugeriu que a EPTC criasse um fundo fixo para onde iriam os recursos das multas, o que facilitaria a aplicação de 20% desse montante para a construção de ciclovias. Como a empresa ignorou a sugestão, o promotor ingressou com uma ação civil-pública para obrigar o município a cumprir esse dispositivo do Plano Diretor Cicloviário.
Tramitação do processo
Porto Alegre recebeu Fórum Mundial da Bicicleta em fevereiro deste ano | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
O Ministério Público pediu, em caráter liminar, que a Justiça obrigasse a prefeitura a aplicar 20% do valor arrecadado em multas na construção de ciclovias, mas obteve derrota em primeira instância. Com isso, o promotor recorreu ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS).
Quando o processo chegou no TJ, a EPTC resolveu, então, alegar que esse dispositivo do Plano Diretor Cicloviário é inconstitucional. De acordo com a empresa, essa determinação não pode ser cumprida, pois seria necessário ter previsão orçamentária para fazer esses investimentos – algo que somente o prefeito pode determinar.
A alegação pegou o promotor e os cicloativistas de surpresa, já que não esperavam que a prefeitura fosse querer anular um dispositivo de uma lei que ela mesma sancionou. “Até então não houve nenhum tipo de reclamação da prefeitura em relação a essa lei”, estranha o promotor Luciano Brasil.
Ele entende que o dispositivo em discussão não é inconstitucional. “A verba proveniente da arrecadação de multas da EPTC não possui caráter orçamentário, pois não há previsão no orçamento para isso. É uma receita derivada do poder de sanção da empresa, não tem como estimar quanto será arrecadado”, argumenta o promotor.
Diretor do Lappus, integrante da Massa Crítica e vereador eleito de Porto Alegre, Marcelo Sgarbossa (PT) avalia que há um retrocesso na agenda cicloviária da cidade. “A prefeitura nunca cumpriu a lei e agora encontrou uma justificativa juridicamente questionável para não aplicá-la. Como é que a arrecadação de multas pode ser considerada uma verba prevista em orçamento?”, questiona.
Para ele, a administração municipal se favoreceu politicamente com a aprovação da lei – ganhando, à época, a simpatia dos ciclistas. “A prefeitura utilizou essa lei como forma de capital político para mostrar que tinha compromisso com a mobilidade urbana por meio de bicicletas. Agora, promovem um retrocesso bárbaro”, critica.
A ação que poderá declarar a inconstitucionalidade da medida está com o desembargador Armínio José da Rosa, que é o relator do processo, e será julgada pelo pleno do Tribunal de Justiça.
Em janeiro, prefeitura prometia cumprir a lei e não falava em inconstitucionalidade
Cezar Busatto havia garantido que o Plano Cicloviário seria cumprido | Foto: Ricardo Stricher/PMPA
O Sul21 acompanhou o início da ação do Ministério Público junto à prefeitura para que fosse cumprido o Plano Diretor Cicloviário. Em uma matéria publicada no dia 6 de janeiro deste ano, dois integrantes do primeiro escalão da prefeitura garantiram que a lei seria cumprida e não manifestaram inconformidades com a medida.
O secretário de Governança, Cezar Busatto (PMDB), disse que a lei seria aplicada em 2012. “Após diversas reuniões entre os órgãos envolvidos e o fechamento do relatório de arrecadação de valores de multas de 2011, nós já avisamos aos ciclistas que a partir deste ano ela será cumprida”, assegurou o peemedebista na época, em entrevista ao Sul21.
Na mesma matéria, o diretor-presidente da EPTC, Vanderlei Cappellari, reconheceu que os valores não aplicados desde 2009 não seriam recuperados, mas assumiu o compromisso de passar a cumprir a determinação do Plano Diretor Cicloviário em 2012. “Infelizmente, não temos como recuperar a verba da arrecadação de multas de 2009 e 2010, pois já fizemos investimentos em outras áreas. Agora temos que olhar pra frente e utilizar o valor arrecadado em 2011 em campanhas educativas e de incentivo a utilização da bicicleta como meio de transporte”, disse.
A opção de declarar parte da lei inconstitucional revoltou os ciclistas porto-alegrenses que acompanhavam as discussões do tema com a prefeitura. Ciclista há 20 anos, a professora de Antropologia Maria de Nazareth Agra Hassen diz que os ciclistas estão revoltados com a decisão da administração municipal.
“É óbvio que há uma intenção de se livrar da obrigação de aplicar 20% do que é arrecadado em multas na construção de ciclovias. É uma situação constrangedora para a prefeitura, já que nas reuniões o Busatto e o Cappellari afirmavam uma coisa e depois, sem conversar com as pessoas, entraram com essa ação”, critica.
Lucas Barroso/PMPA
Vanderlei Cappellari também tinha dito que a lei seria aplicada | Foto: Lucas Barroso/PMPA
Ela assegura que “os ciclistas se sentem muito enganados“. “A prefeitura cria uma aparente ideia de democracia e de discussão com os interessados, mas essa participação é falsa, porque, encerrada a reunião e apaziguados os ânimos, a prefeitura faz o que bem entende, à revelia do compromisso estabelecido com as partes”, condena.
Procurado pela reportagem, o secretário Cezar Busatto disse que não está acompanhando esse assunto e que, como é algo que diz respeito à área jurídica do governo, não teria condições de comentar.
Também procurada pela reportagem, a EPTC não quis se manifestar sobre o caso, alegando que o processo ainda corre na Justiça. A assessoria de comunicação da empresa enviou um e-mail com informações sobre a construção de ciclovias na cidade.
Confira a íntegra da nota enviada pela EPTC
PLANO DIRETOR CICLOVIÁRIO PREVE 495KM DE CICLOVIAS EM POA
• Ciclovia da Restinga – 4,6km de extensão. Ciclovia da Restinga = são 3 km na Avenida João Antônio da Silveira, entre as avenidas Edgar Pires de Castro e Ignês Fagundes. Outros 500 metros conduzirão até as proximidades do Parque Industrial, e 1,1km na Nilo Wulff, entre a Avenida João Antônio da Silveira e o terminal de ônibus.
• Ciclovia da Diário de Notícias – Ao longo da av. Diário de Notícias, entre Wenceslau Escobar e Chuí. 2,1km de extensão.
• Ciclovia de Ipanema – Inicia na Cel. Marcos com Dea Cofal, segue pela Dea Cofal e avenida Guaíba, encerrando na Osvaldo Cruz. 1,25 km de extensão.
• Ciclofaixa da Icaraí – 1,7km, entre as avenidas Chuí e Wenceslau Escobar, no sentido bairro-Centro, localizada ao lado direito da pista, junto ao meio-fio e segregada por tachões.
Próximas Ciclovias
Ipiranga – previsão de 9,4km, entre a Edvaldo e a Antônio de Carvalho (contrapartida Zaffari e Praia de Belas). Primeiro trecho concluído (cerca de 414m), entre a Érico Verissimo e Azenha), restante em fase de construção.
Aeroporto-Sertório (integrada na Dona Alzira) – previsão de 12km (investimento público) ciclovia circundando a área do Aeroporto pela avenida dos Estados, Severo Dullius, Dona Alzira e Sertório (iniciando na estação de metrô Farrapos, segue pela Sertório, Assis Brasil e encerra na Franciso Silveira Bittencourt).
Com a conclusão da duplicação da Edvaldo Pereira Paiva (Beira-Rio), obra preparatória para a Copa do Mundo que inclui uma ciclovia de 6,35km de extensão, haverá integração dos espaços exclusivos para os ciclistas das avenidas Ipiranga, Edvaldo Pereira Paiva, Padre Cacique (1 quilômetro a ser implantado) e Diário de Notícias (2,1 quilômetros já existentes), resultando em 17,4 quilômetros de ciclovias integradas.
Voluntários da Pátria – obra de duplicação da via, contará com ciclovia de 3,5km, entre a rua da Conceição e Av. Sertório.
Loureiro da Silva – 1,2 km de extensão, interligando a José do Patrocínio e Vasco Alves.
José do Patrocinio – 880 metros de extensão, ligando as avenidas Loureiro da Silva e Venâncio Aires.