Politicamente a vitória
da Palestina é incontestável, com uma maioria absoluta dos votos (138
favoráveis, 9 contrários e 41 abstenções) que ajudam a apagar (ou ao
menos diminuir a lembrança) a recusa do Conselho de Segurança, em 2011,
de aprovar a entrada da Palestina na ONU
O
que se pode esperar agora do processo de paz entre Israel e Palestina
após esta ter sido finalmente reconhecida como Estado não-membro
(observador) da ONU, um status semelhante ao do Vaticano?
Politicamente
a vitória da Palestina é incontestável, com uma maioria absoluta dos
votos (138 favoráveis, 9 contrários e 41 abstenções) que ajudam a apagar
(ou ao menos diminuir a lembrança) a recusa do Conselho de Segurança,
em 2011, de aprovar a entrada da Palestina na ONU.
Aumenta a pressão internacional e, sem dúvida, ajuda a reclamação palestina sobre os territórios ocupados.
Se,
através de inúmeras resoluções, a ONU já reconheceu o direito dos
palestinos aos territórios que lhe forma usurpados ou estão sendo (como
Jerusalém Orienta, por exemplo), agora a coisa muda de figura. A ONU não
reconhece posse ou soberania sobre territórios conquistados por guerra,
invasão ou ocupação, mas o status indefinido da Palestina dificultava a
aplicação desta norma. Agora, não há mais desculpas e a ilegalidade das
ocupações é ainda mais flagrante.
Torna-se mais
difícil para Israel sustentar a ocupação anterior e futuras anexações do
território de um Estado, e não apenas de uma entidade política
indefinida. Agora Israel não ultrapassa barreiras criadas por si, mas
ultrapassa e desrespeita fronteiras definidas pela ONU e por um Estado
soberano.
A Palestina pode, ainda, recorrer ao
Tribunal Penal Internacional e outros fóruns internacionais e buscar uma
condenação de Israel contra seus inúmeros e repetidos crimes de guerra,
ainda que seus efeitos possam ser meramente cosméticos, em uma guerra
de propagandas isto conta bastante.
Outra vitória
palestina foi a de impor, ao mesmo tempo, duras derrotas a Israel e aos
EUA, do prêmio Nobel da paz Barack Obama. Exceto por Canadá e República
Tcheca, apenas os costumeiros protetorados estadunidenses ficaram ao
lado de Israel, demonstrando que, ao menos neste assunto, a influência
dos EUA é limitada ou que, talvez, tenha crescido a insatisfação pela
falta de soluções propostas pelos aliados de Israel.
A
abstenção do Reino Unido não foi uma surpresa, dada a proximidade deste
país com os EUA, nem o voto do Paraguai governado por golpista. Por
outro lado, a Espanha e seu voto favorável - pese a posição contrária
anterior de Mariano Rajoy - surpreende devido aos "problemas" domésticos
que enfrenta em termos de autodeterminação dos povos, um instrumento
muitas vezes esquecido ou sufocado à base da força por diversos Estados.
Foi
uma pequena vitória palestina na ONU, de efeitos práticos limitados,
especialmente no que concerne a recuperação de suas terras, o Direito de
Retorno e o bloqueio criminoso a Gaza.
Ainda assim, foi uma vitória
Mas
nem tudo é motivo para festa. As eleições em Israel se aproximam (menos
de dois meses) e as autoridades do país não escondem sua insatisfação
com a decisão da ONU - a qual consideram "unilateral" - e o resultado
das eleições pode ser diretamente influenciado, ampliando o poderio e os
discursos de extrema-direita e os anseios por extermínio.
A
minoria palestina com cidadania israelense pode vir a sofrer os
primeiros golpes e o bloqueio pode se tornar ainda mais criminoso. Gaza,
que já é o maior campo de concentração do mundo, tende a ver a situação
piorar caso o discurso de extrema-direita se fortaleça ainda mais e
prevaleça.
Mas o pior dos efeitos da decisão é político
Fecha-se
a porta para outras opções para a resolução do conflito. Acaba-se a via
do Estado único, laico, com poder compartilhado por uma via em que
teremos um Estado nuclear, governado por uma extrema-direita disposta a
todos os crimes de guerra para assegurar seu poder e movida pelo medo e
ódio, e um Estado palestino fraco, ocupado, sem exército ou
possibilidade de formar uma força digna desse nome e sem sequer fontes
de renda própria, dividido em dois e com imensas fraturas internas.
Esta
situação se perpetua já a longos anos e não dá mostras de se alterar. O
Hamas acabou por ceder e apoiar o reconhecimento na ONU, mas não por
vontade própria e sim pela situação de isolamento e enfraquecimento
interno (seu governo é mal avaliado em Gaza e um de seus maiores
parceiros, o sírio Assad, ameaça cair). Aceitar uma solução de dois
Estados equivale a reconhecer Israel enquanto Estado, algo que o Hamas
se recusa desde sua fundação.
O grande vencedor,
porém, é Mahmoud Abbas, que detém hoje o controle da ANP (Autoridade
Nacional Palestina) e sua facção, a Fatah, que vinha sofrendo diversos
golpes de grupos de esquerda, membros da OLP (Organização pela
Libertação da Palestina), em eleições locais e junto à população.
Os
EUA saem como grandes derrotados ao verem seu lobby pró-Israel não
resultar em convencimento junto aos demais Estados-membro da ONU e
também pelo esgarçamento de sua relação com Israel, que já vinha sendo
objeto de debates e desconfiança.
Enfim, entre
vitoriosos e derrotados, os Palestinos conseguiram sair de cabeça
erguida e derrotaram Israel e os EUA de forma incontestável. A
retaliação pode ser imensa e dolorosa, mas para muitos o esforço foi
válido. Resta agora aguardar os desdobramentos e torcer para que as
próximas eleições israelenses sejam um marco de mudança, ainda que isto
seja improvável. Na Palestina, a esperança é a de um entendimento entre
Hamas e Fatah e a possibilidade de um acordo entre as facções para
negociarem unidas o fim do bloqueio à Gaza e as futuras campanhas de
resistência e ações no âmbito internacional possíveis com a conquista de
um novo status.
Raphael Tsavkko Garcia é
bacharel em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP) e mestre em comunicação pela Faculdade
Cásper Líbero.
Blog do Tsavkko - The Angry Brazilian