José Carlos Ruy*
Adolf Hitler e a
liderança nazista subestimavam os russos; que considerava como
“sub-humanos”, bárbaros, inferiores e indignos de continuar vivendo. Via
os territórios do leste da Europa, sobretudo as estepes férteis da
Ucrânia, como “um lebensraum (espaço vital), à prova de bloqueio" cuja
conquista levaria, depois da vitória, ingleses e norte-americanos a
negociar os termos da paz. Era ali que Hitler pretendia lançar as bases
do "Reich de mil anos", depois de abrir um vazio populacional com o
assassinato de ao menos 30 milhões de eslavos, cujo território seria
ocupado pela colonização étnica alemã.
Destruir a União Soviética e comunismo
Numa das
reuniões de planejamento da Operação Barbarossa (o código nazista para a
invasão da União Soviética, que ocorreria em junho daquele ano), em 30
de março de 1941, Hitler deixou claro o objetivo da guerra: destruir a
União Soviética e o comunismo.
O general Franz
Haider, que foi chefe do estado maior do exército nazista, anotou em
seu diário a declaração do dirigente nazista. Será a “luta de duas
visões de mundo”, disse Hitler numa “sentença aniquilatória contra o
bolchevismo”, que é a “mesma coisa que criminalidade antissocial”,
anotou Haider. “Comunismo, tremendo perigo para o futuro”, disse Hitler.
E ordenou o assassinato puro e simples dos comissários políticos do
Exército Vermelho e da intelectualidade comunista.
Hitler
acreditava que a invasão seria mais uma blitzkrieg - uma guerra
relâmpago a ser resolvida rapidamente. Em seus planos, tudo estaria
terminado antes do Natal de 1941, e do temível inverno russo. “Nós só
temos que chutar a porta da frente e todo o edifício ruirá”, disse em
outra ocasião, registrou o historiador Rupert Matthews. Hitler estava
convicto de que suas tropas seriam recebidas na URSS como “libertadoras”
contra o comunismo.
Era uma crença
generalizada também entre governos aliados, como o norte-americano ou o
inglês, de que os russos se levantariam contra o comunismo. Na véspera
da invasão, o serviço secreto britânico calculou que a União Soviética
estaria liquidada em oito ou dez semanas. Um funcionário do Departamento
de Estado dos EUA foi mais “pessimista” e previu na mesma ocasião que a
derrota soviética ocorreria entre um a três meses. (citados por
Domenico Losurdo).
Mesmo quando os
nazistas foram derrotados em Moscou, em janeiro de 1942, essa crença
não perdeu a força, como mostra a reação do governo inglês diante de um
telegrama enviado por um diplomata de Moscou para Londres. “Essa
ofensiva forçará os nazistas a um longo recuo”, dizia. “Uma nova
ofensiva alemã está prevista para a primavera, podendo fazer alguns
progressos limitados na Rússia, mas não logrará muito. Em seguida, os
russos pretendem dar o golpe de misericórdia no outono ou no inverno.
Não acredito que os russos parem nas fronteiras alemãs, mas que partam
para uma derrota da Alemanha de forma conclusiva e definitiva”. (citado
por Rupert Matthews). Seus chefes em Londres fizeram piada dessa
previsão que o tempo revelaria correta.
Invasão e assassinato em massa
A invasão da
União Soviética, que começou na madrugada de 22 de junho de 1941, foi a
maior e mais feroz ação bélica da história. A artilharia alemã abriu
fogo numa extensa frente de mais de 1.600 quilômetros, indo do Báltico
ao mar Negro. Foram mobilizados cerca de 4,5 milhões de soldados da
Wehrmacht com o apoio de 600.000 veículos e 750.000 cavalos, e cerca de
2.700 aeronaves (mais da metade do efetivo da força aérea alemã).
A passagem das
tropas era seguida pelos efetivos da SS, da Gestapo e dos “esquadrões
especiais” (na verdade esquadrões da morte) com ordens explícitas de
Hitler para agir de maneira brutal contra a população civil e executar
todos os funcionários comunistas, comissários do povo, “judeus em cargos
partidários ou estatais” e “outros elementos radicais (sabotadores,
propagandistas, atiradores de tocaias, assassinos, agitadores etc.)”,
anotou o historiador britânico Richard J. Evans em sua monumental
história do Terceiro Reich, recentemente publicada. Outro historiador
britânico, Rupert Matthews registrou a barbárie que ocorreu no rastro
das tropas invasoras. Cumprindo as ordens assassinas de Hitler, as
bestas humanas com uniforme nazista exterminaram, só em 1941, entre 300
mil e 500 mil pessoas nos territórios soviéticos ocupados.
Era demais até
mesmo para chefes militares da tradição prussiana, como o comandante
alemão Fedor von Bock. No inverno de 1941 ele reclamou a Hitler, por
escrito, sobre as ações bárbaras da SS, da Gestapo e de outras unidades
paramilitares contra a população civil em áreas conquistadas, com
execução em massa de judeus, estupros e assassinatos generalizados,
sendo lugar comum o uso de trabalho escravo em condições terríveis. Ele
reclamava, diz o historiador Rupert Matthews, sobretudo porque esta
bestialidade fortalecia a disposição dos russos para resistir,
fortalecendo os grupos guerrilheiros que logo se juntaram à ação do
Exército Vermelho.
Esse
comportamento bestial logo indispôs as tropas invasoras até mesmo com as
pessoas que se opunham ao comunismo, levando outro general alemão, Hans
Meier-Welcker, a registrar: “Se nossa gente fosse apenas um pouquinho
mais decente e cordata!”.
Os horrores
cometidos pelos alemães fortaleceram, de fato, entre soldados e cidadãos
soviéticos a disposição para acatar a mensagem patriótica difundida
através do rádio por Stálin convocando o povo para unir-se à guerrilha
para sabotar e combater, de todas as formas, o ocupante nazista naquela
que, com razão, é chamada pelos russos de Grande Guerra Pátria.
O ataque contra Stalingrado
A invasão da
União Soviética fora planejada para desdobrar-se em três frente: ao
norte, com o foco em Leningrado; no centro, com Moscou no alvo; e no
sul, onde o objetivo era Kiev. Mas a resistência soviética mostrou a
inviabilidade dessa invasão em três frentes, coisa que os generais
alemães perceberam já em agosto, menos de dois meses depois do início da
agressão. Eles propuseram a Hitler a escolha de um ponto onde colocar o
peso principal que, preferiam, seria Moscou. Mais uma vez o desprezo de
Hitler pelas tropas russas levou-o a subestimar seu poderio. Hitler
preferiu concentrar o ataque ao sul, contra Kiev, em busca dos recursos
econômicos das porções ocidentais da URSS, do Cáucaso e suas reservas de
petróleo.
Em seguida,
decidiu atacar Stalingrado, pelo valor simbólico e propagandístico (era a
cidade de Stalin) e estratégico (o domínio do Volga poderia abrir um
caminho por onde os invasores pretendiam chegar a Moscou).
Foi a origem da
maior e mais sangrenta das batalhas da 2ª Guerra Mundial, que começou
em 17 de julho de 1942. Os 250 mil soldados do 6º Exército (um das joias
da coroa nazista), sob o comando do então general Friedrich von Paulus,
alcançaram o Volga, ao norte de Stalingrado, em 23 de agosto de 1942.
Antes de sua chegada, a cidade foi arrasada pelos bombardeios da
Luftwaffe. A luta prosseguiu nos escombros da cidade, entre setembro de
1942 a janeiro de 1943. A batalha foi dura, e os soldados alemães -
treinados para a blitzkrieg com apoio de tanques - não estavam
preparados para a luta urbana, com os obstáculos representados pelos
escombros. Em Stalingrado cada pedaço de terreno foi disputado
literalmente palmo a palmo, casa a casa, numa batalha corpo a corpo.
A defesa
soviética foi intensa, e o grande contra-ataque para libertar
Stalingrado teve início em 19 de novembro de 1942, reunindo mais de um
milhão de soldados.
As tropas
soviéticas romperam as linhas inimigas a quase 160 km ao oeste da
cidade; a reação alemã inicial foi lenta, demorando a perceber que
estava em andamento uma manobra tradicional de envolvimento, que se
completou no dia 23. Os alemães ainda fizeram uma tentativa de ataque
pelo sul, em 12 de dezembro, repelida pelos soviéticos.
Sem
combustível, comida e munição, no Natal de 1942 o exército de Paulus
estava efetivamente condenado. Menos de um mês depois, em 22 de janeiro
de 1943, ele sugeriu a Hitler (que rejeitou) a rendição como única
maneira de salvar o que restava das tropas. Em 24 de janeiro de 1943
estava cercado nas ruinas de Stalingrado, sendo continuamente atacado
pela artilharia soviética.
Hitler ainda
tentou manter as aparências e, em 30 de janeiro de 1943 (no décimo
aniversário de sua escolha como Chanceler), fez uma solene proclamação
pelo rádio: "Daqui a mil anos, os alemães falarão sobre a Batalha de
Stalingrado com reverência e respeito, e se lembrarão que a despeito de
tudo, a vitória final da Alemanha foi ali decidida". Nesse dia, ele
promoveu Friedrich Von Paulus para o mais alto posto da hierarquia
militar alemã: marechal de campo, em uma evidente tentativa de induzi-lo
a preferir um suicídio “honroso” a cair prisioneiro dos soviéticos.
Em vão. No dia
seguinte, 31 de janeiro de 1943, o agora marechal de campo Friedrich von
Paulus comunicou aos soviéticos sua capitulação, que efetivou em 2 de
fevereiro de 1943.
No total, cerca
de 235 mil soldados alemães e aliados foram capturados; mais de 200 mil
foram mortos, diz Richard Evans. Entre os capturados estavam, além do
marechal Paulus, 24 generais e outros 2.500. Foram mortos cerca de 140
mil soldados da Wehrmacht e 200 mil do Exército Vermelho. Os soviéticos
tomaram do exército inimigo 60 mil veículos, 1,5 mil blindados, seis mil
canhões e dois mil aviões. Os próprios alemães reconheceram que, em
Stalingrado, perderam o correspondente a seis meses da produção de sua
indústria bélica.
Foi a primeira
vez na história que um marechal alemão era feito prisioneiro em combate,
e que dois exércitos alemães foram capturados (o 6º Exército de Paulus e
parte do 4º Exército Panzer, de tanques de guerra). Foram neutralizadas
mais de 20 divisões alemãs; em seis meses de combate, foram mortos mais
de 1,5 milhão de soldados invasores. Entre os russos, o número de
mortos foi semelhante.
Moscou, Leningrado, Stalingrado
O fracasso em
Stalingrado foi a confirmação de uma derrota alemã anunciada antes em
Moscou e no cerco a Leningrado. A primeira etapa da derrota alemã
ocorreu em Moscou onde, em 5 de dezembro de 1941. Era o início do
inverno e as tropas soviéticas e moradores expulsaram os invasores
nazistas que haviam chegado a 80 quilômetros da cidade. Naquele dia
começou a ruir o mito da invencibilidade nazista. Sob o comando do então
general Georgy Zhukov começou o contra-ataque que barrou a tentativa de
blitzkrieg e empurrou os alemães (congelados, famintos e exaustos) de
volta para o ponto de partida de seu ataque, a uns 250 quilômetros. A
consolidação da posição soviética em abril de 1942 afastou a ameaça
alemã contra a capital, reforçando a autoconfiança soviética em seus
soldados, nos equipamentos que produziam (entre eles os tanques T-34 e
os lança foguetes Katyusha), e na capacidade tática e vencer os
invasores nazistas. O dia 5 de dezembro é justamente comemorado na
Rússia como Dia da Glória Militar.
O outro passo
importante foi dado em Leningrado (cidade que Hitler havia prometido
varrer do mapa). O cerco alemão durou mais de dois anos, de 8 de
Setembro de 1941 a 27 de Janeiro de 1944, submetendo os moradores a
intensos bombardeios aéreos, à fome, a epidemias e males semelhantes. Os
moradores e os defensores não esmoreceram; em 18 de janeiro de 1943
conseguiram, pela primeira vez, romper o cerco, mas a luta ainda
demoraria cerca de um ano até a derrota completa do inimigo nazista, em
janeiro de 1944.
O desastre
diante de Moscou foi particularmente catastrófico, classificado pelo
general Franz Haider como “a maior crise em duas guerras mundiais”.
Fritz Told, ministro de Armamentos, concluiu por sua vez que a guerra
não podia ser vencida pois os recursos industriais britânicos,
americanos e soviéticos eram mais poderosos que os da Alemanha, e a
indústria soviética estava produzindo equipamento melhor em escala
maior, mais adaptado para o combate no rigor do inverno, registrou
Richard Evans.
Hitler subestimou a capacidade soviética
As perdas das
Forças Armadas alemãs após a invasão da União Soviética estiveram acima
de todos os cálculos nazistas. Nas ações anteriores, suas perdas foram
assimiláveis: em 1939 chegaram a 19 mil mortos; nas campanhas de 1940,
foram 83 mil - bastante sérias mas não insubstituíveis, comentou o
historiador Richard Evans. Com a invasão da União Soviética esse número
multiplicou-se. Somente em 1941 houve 357 mil soldados alemães dados
como mortos ou desaparecidos, mais de 300 mil deles na frente oriental
onde, a partir de 22 de junho de 1941 estavam engajadas pelo menos 2/3
das forças alemãs.
As grandes
perdas alemãs começaram já no início da invasão. Um mês depois de
atravessarem as fronteiras, o número de mortos, feridos e desaparecidos
alemães já passava de 213 mil e a desordem causada entre as fileiras
levou o Comando Supremo do Exército a ordenar, em 31 de julho, uma
parada no avanço, para reagrupamento. Isto é, cerca de 40 dias depois de
seu início, a invasão começava a perder ímpeto.
Isto é, logo no
início a liderança nazista teve que defrontar-se com as dificuldades
não previstas. Em 2 de julho de 1941, depois de dez dias do início da
invasão, Goebbels escreveu em seu diário: o combate é duro e obstinado, e
“não se pode, de modo algum, falar em passeata. O regime russo
mobilizou o povo”. Avaliação mantida em 24 de julho: “Não podemos nutrir
nenhuma dúvida sobre o fato de que o regime bolchevique, que existe há
quase um quarto de século, lançou marcas profundas no povo da União
Soviética”. E avançou: é preciso dizer ao povo alemão “que esta operação
é muito difícil, mas que podemos superá-la, e a superaremos”. Em 16 de
setembro, seu registro da situação reconhecia que “calculamos o
potencial dos bolcheviques de maneira completamente errada” (citado por
Domenico Losurdo).
Era uma
situação que os generais estavam vivendo na prática. Em 20 de julho de
1941 o general alemão Gotthard Heinrici, escreveu à esposa que “os
russos são muito fortes e lutam com desespero”. “Eles aparecem de súbito
por toda parte, atirando, caem sobre as colunas, carros individuais,
mensageiros, etc.” “Nossas perdas são consideráveis”.
Eram perdas com
as quais os “invencíveis” alemães não estavam acostumados; elas
chegaram a mais de 63 mil homens até o fim de julho; no dia 22 desse
mês, Heinrici reconhecia, em outra carta à esposa, que a disposição
russa para resistir não fora destruída e que o povo não queria depor os
líderes bolcheviques.
Haider, em 2 de
agosto, reconheceu os erros de avaliação: “está ficando cada vez mais
claro que subestimamos o colosso russo, que se preparou de modo
consciente para a guerra”. Em agosto ele avaliou que os alemães já
tinham perdido 10% de seus soldados, que foram mortos ou feridos pela
resistência até o final de julho. Em 15 de agosto ele anotou em seu
diário: “Em vista da fraqueza de nossas forças e dos espaços
infindáveis, podemos jamais alcançar o sucesso”.
Quando a
notícia da derrota em Stalingrado foi transmitida por rádio, em Berlim,
em 4 de fevereiro de 1943, Goebbels, registrou em seu diário: “As
notícias de Stalingrado tiveram um efeito de choque no povo alemão” (Der
Spiegel). Aparentemente era um sentimento geral. Um relatório do
Serviço de Segurança da SS registrou que algumas pessoas de fato viram
em Stalingrado “o começo do fim”, e dizia-se que nos gabinetes de
governo de Berlim havia “em certa medida uma nítida atmosfera de
desespero iminente” (citado por Richard Evans).
O mito do absolutismo soviético
A
historiografia ocidental alimenta um persistente mito sobre Stalingrado.
O Exército Vermelho e a polícia política soviética teriam imposto o
terror sobre seus próprios cidadãos e combatentes para obrigá-los a
combater os invasores. Em 1998, o historiador britânico Anthony Beevor
concluiu que o Exército Vermelho executou mais de 13 mil soldados
durante a batalha, acusados de covardia ou deserção; além disso, 50 mil
soviéticos teriam passado para o lado dos alemães.
Não é verdade.
Esse mito foi demolido por documentos agora revelados no livro The
Stalingrad Protocols, publicado em novembro de 2012, na Alemanha e na
Rússia, escrito pelo historiador alemão Jochen Hellbeck. Segundo os
documentos houve menos de 300 execuções, por covardia, entre os
soviéticos até outubro de 1942, três meses antes da derrota alemã. E,
naqueles meses cruciais, o número de filiados ao Partido Comunista na
cidade conflagrada aumentou, passando de 28.500 para 53.500 entre agosto
e outubro de 1942.
The Stalingrad
Protocols foi escrito com base em cartas e memórias de soldados
soviéticos. Hellbeck consultou mais de 10 mil documentos sobre o
Exército Vermelho existentes na Academia Soviética de Ciências, em
Moscou e sua conclusão é de que a luta contra as tropas hitleristas era
encarada pelos cidadãos soviéticos como uma causa libertadora. “Os
comissários soviéticos souberam captar o sentimento patriótico das
pessoas e mobilizar a população contra a agressão nazista”, diz ele,
derrubando mitos consolidados sobre os soviéticos. Desmente, por
exemplo, a alegação comum na historiografia liberal, de que civis
participaram daquela batalha devido ao medo do terror do regime
soviético. E retrata a história de pessoas que se envolveram de forma
voluntária na defesa de sua cidade e sua pátria.
O esforço do
governo para mobilizar o povo e defender as conquistas do regime surtiu
efeito. O objetivo da luta era claro para a população e para os
soldados. Ele fora apontado inúmeras vezes em transmissões de rádio onde
Stalin falava ao povo desde o início da invasão nazista. Em 23 de
fevereiro de 1942, por exemplo - data do 24º aniversário da entrada do
Exército Vermelho na Primeira Guerra Mundial - ele defendeu o direito de
autodefesa dos soviéticos. “A força do Exército Vermelho”, disse,
“reside sobretudo no fato de não travar uma guerra predatória
imperialista, mas uma guerra patriótica, uma guerra de libertação, uma
guerra justa.” “O Exército Vermelho, como qualquer exército de quaisquer
outros povos, tem o direito e a obrigação de aniquilar os
escravizadores de nossa Pátria”.
Nas
comemorações dos 70 anos da vitória em Stalingrado, a rádio Voz da
Rússia ouviu alguns sobreviventes daquela batalha cujo depoimento
confirma as conclusões do autor de The Stalingrad Protocols. Um exemplo é
o da veterana Taïssia Postnova que, hoje, tem 93 anos de idade; na
ocasião, era estudante de medicina e foi enviada para Stalingrado em
setembro de 1942 para trabalhar como enfermeira. Ela lembrou que os
nazistas "bombardearam continuamente de nove da manhã até às quatro
horas da tarde. Duas vezes nosso bunker foi completamente soterrado após
as explosões”. Viveu os horrores da guerra mas, disse, "não tínhamos
medo. Tínhamos apenas uma ideia em mente: vencer”, em defesa da Pátria e
do regime. “Muitas vezes aqueles que estavam à beira da morte diziam:
'eu morro pela Pátria, por Stalin’. Se não tivesse havido Stalin,
teríamos perdido a guerra", afirmou.
Isso confirma a
opinião de Jochen Hellbeck em entrevista à revista alemã Der Spiegel;
segundo ele, o Exército Vermelho era política e moralmente superior a
seu oponente nazista. “O Exército Vermelho era um exército político”,
disse.
Rendição incondicional
O impulso
soviético iniciado em Moscou e reforçado com a vitória em Stalingrado
cumpriu a previsão do diplomata inglês em Moscou, em 1942: o rolo
compressor do Exército Vermelho não se deteve nas fronteiras russas mas
só parou quando um soldado soviético do destacamento avançado do general
Ivan Koniev, em 2 de maio de 1945, hasteou a bandeira da foice e do
martelo no mastro principal do Reichstag, em Berlim, e a Alemanha foi
completamente derrotada na guerra. Cinco dias depois, em 8 de maio,
Hitler havia cometido suicídio e seus substitutos à frente da Alemanha
nazista, rendição incondicional, diante dos generais Ivan Susloparov,
soviético, Walter Bedell Smith, americano, e François Sevez, francês.
Muito antes
disso, ainda em 1943, a notícia da derrota em Stalingrado foi noticiada
através do rádio, em Berlim, no dia 3 de fevereiro, pelo general
Zeitzler, chefe do Alto Comando das Forças Armadas alemãs, ao som de
tambores abafados e da execução do segundo movimento da Quinta Sinfonia
de Beethoven. Esta foi mais uma vilania dos nazistas: Beethoven foi um
democrata que jamais teria concordado com a barbárie dirigida por Hitler
e seus asseclas. Basta lembrar que, em 1802 (cerca de 140 anos antes
dos eventos trágicos transmitidos pelo general Zeitzler) ele havia
dedicado a Terceira Sinfonia (Eroica) ao Napoleão, dirigente da
revolução francesa. Mas riscou a dedicatória dois anos depois, em 1804,
quando Napoleão se coroou imperador.
A poesia, agora, está nos jornais
A batalha de
Stalingrado ficou na história como um símbolo intenso da resistência
contra a opressão, o imperialismo e a ocupação estrangeira. Um poeta
brasileiro, Carlos Drummond de Andrade, registrou sua dimensão histórica
imorredoura. Hoje, “a poesia fugiu dos livros, agora está nos jornais”,
escreveu. “Os telegramas de Moscou repetem Homero. / Mas Homero é
velho. Os telegramas cantam um mundo novo”.
Mundo novo
defendido com muita coragem, sangue, sacrifício para enfrentar aqueles
que, há mais de 70 anos, armaram o até então maior exército jamais visto
para destruir a União Soviética e o comunismo.
*José Carlos Ruy é jornalista
Referências
Evans, Richard J. O Terceiro Reich em Guerra. São Paulo, Planeta, 2012
Losurdo, Domenico. Stalin - storia e critica di uma legenda nera. Roma, Carocci editore, 2008
Matthews,
Rupert. Segunda Guerra Mundial: Stalingrado. A resistência heroica que
destruiu o sonho de Hitler de dominar o mundo. São Paulo, M. Books do
Brasil, 2013
Internet
http://www.spiegel.de/international/zeitgeist/frank-interviews-with-red-army-soldiers-shed-new-light-on-stalingard-a-863229.html,
consultado em 03/02/2013.
http://newsbom.com/world/118575.html, consultado em 03/02/2013.
http://www.independent.ie/world-news/revealed-the-horrific-forgotten-secrets-of-stalingrad-3285052.html,
consultado em 03/02/2013.
http://m.g1.globo.com/mundo/noticia/2013/01/russia-de-putin-celebra-os-70-anos-da-vitoria-de-stalingrado.html,
consultado em 03/02/2013.
Fonte: Fundação Maurício Grabois