sexta-feira, 3 de maio de 2013

É preciso contar a verdadeira história da Palestina


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Palestina - Brasil de Fato- Deir Yassin, como acontecimento e como representação política, permanece como componente decisivo da luta palestina por liberdade, mas a história da qual o massacre faz parte continua a sujeitar-se ao preconceito – ou, mais especificamente, ao racismo – da academia e da mídia.

No início de abril os palestinos do mundo inteiro relembraram o massacre de Deir Yassin, ocorrido em 9 de abril de 1948. Na consciência palestina, o massacre, que tirou a vida de mais de 100 pessoas inocentes, representou a face cruel do sionismo – a base ideológica sobre a qual o Estado de Israel foi fundado. Ao longo dos anos, as lembranças aterradoras associadas a Deir Yassin transformaram-se em algo mais do que sua representação imediata como ato criminoso deliberado, com objetivos políticos, e sobreviveram como uma cicatriz permanente no centro de uma memória coletiva carregada de muitos massacres como o de Deir Yassin.
Deir Yassin, como acontecimento e como representação política, permanece como componente decisivo da luta palestina por liberdade, mas a história da qual o massacre faz parte continua a sujeitar-se ao preconceito – ou, mais especificamente, ao racismo – da academia e da mídia.
O massacre de Deir Yassin é amplamente aceito no pensamento israelense e ocidental porque os líderes sionistas da época desejavam destacá-lo como uma tática terrorista bem-sucedida para tirar centenas de milhares de palestinos das terras que lhes pertenciam. Entretanto, outros massacres cometidos pelas forças sionistas durante a Nakba (catástrofe) palestina passam ao largo do conhecimento israelense e ocidental sobre a Palestina e sua história encharcada de sangue, e isso porque esses massacres foram contados, em sua maioria, apenas pelos palestinos.
Trata-se de uma tragédia na qual nem a vítima obtém justiça nem sua vitimização é admitida por aquilo que foi e é. Muitos massacres cometidos contra palestinos estão ocultos porque, a menos que sejam reconhecidos por historiadores israelenses, para as audiências ocidentais é como se eles nunca tivessem acontecido.
Somente quando o jornalista israelense Amir Gilat decidiu publicar um artigo, alguns anos atrás, no jornal israelense Ma'ariv, citando a pesquisa de Theodore Katz, estudante de pós-graduação de Israel, foi que a mídia ocidental reconheceu, ou ao menos concordou em debater, o massacre de Tantura. Pouco lhes importou que descendentes e familiares das 240 vítimas dessa vila destroçada, assassinadas a sangue-frio pelas tropas da Brigada Alexandroni, nunca cessassem de relembrar seus entes queridos.
Ao longo dos 65 anos da conquista sionista da Palestina e do início do "problema dos refugiados palestinos" – que também pode ser lido como "genocídio" por quem ousa enfrentar as sensibilidades israelenses-ocidentais –, a história da Palestina vem sendo filtrada pelos mesmos mecanismos de décadas atrás. No entanto, é hora de o direito à narrativa verossímil, até agora reservado aos historiadores israelenses, ser assumidamente desafiado.
Quem cavar fundo o texto histórico palestino ficará admirado com a história verdadeira de seu povo, suas muitas tragédias e suas volumosas, fascinantes narrativas de uma civilização profundamente arraigada, insuperável em suas singularidade e continuidade históricas. A representação – ou falsificação – da narrativa palestina, porém, existe na academia, na mídia e até mesmo na imaginação popular ocidentais, tecida por um "conhecimento" cuidadosamente fabricado com o qual os narradores israelenses gentilmente decidiram revesti-la. Remova-se o vínculo israelense com a compreensão ocidental sobre tudo o que diz respeito à Palestina e ter-se-á um espaço vazio de textos desconexos que têm muito pouco de um discurso alternativo.
O caso de Deir Yassim foi largamente aceito como massacre porque historiadores israelenses como Benny Morris – um pesquisador razoavelmente honesto que permaneceu comprometido com o sionismo, a despeito da história macabra que ele mesmo descobriu – admitiram sua existência como fato histórico. "Famílias inteiras foram perfuradas por balas [...] homens, mulheres e crianças foram chacinados à medida que saíam de suas casas; indivíduos eram postos de lado e assassinados. A inteligência da Haganah relatou: 'Havia pilhas de mortos. Alguns dos detidos, levados a locais de encarceramento, incluindo mulheres e crianças, eram cruelmente assassinados por seus captores [...]".
Foram as milícias sionistas do Irgun, de Menachem Begin, e da Stern Gang, lideradas por Yitzhak Shamir, que receberam o crédito pela infâmia cometida naquele dia – e ambos os líderes foram generosamente recompensados pela atrocidade de seus atos. Anos depois, esses homens passaram da condição de criminosos procurados para a de primeiros-ministros.
O massacre de Tantura tem uma boa chance de deixar de ser mera ficção palestina e tornar-se história verdadeira porque um estudante israelense resolveu desafiar o discurso oficial de seu país, que insiste em retratar Israel como um oásis de democracia e de pureza histórica.
Numerosas vilas palestinas e seus habitantes, submetidos ao genocídio de 1948 (conhecido, nos círculos polidos, como "limpeza étnica"), não conseguiram fazer o corte histórico, como se continuassem a esperar que um historiador israelense validasse a afirmação de que esse genocídio realmente ocorreu.
Numa comunicação recente, o dr. Salman Abu Sitta, um dos principais historiadores palestinos da Nakba, disse: "A ironia é que aquilo que o suspeito Benny Morris e o respeitado Ilan Pappé escreveram é o que os palestinos vêm dizendo há mais de seis décadas. A mídia dominada pelo sionismo é surda e muda. Trata-se do orientalismo em sua pior forma". Sem dúvida.
Massacre de Tantura
O assunto, entretanto, é tão relevante hoje como era há 65 anos. Os descendentes dos que sobreviveram à Nakba e às subsequentes guerras e massacres são, em sua maioria, refugiados na própria Palestina ou em outros países do Oriente Médio e do mundo. Nem seus ancestrais receberam justiça, nem a geração atual obteve a restituição do que pertencia a seus ascendentes. De Deir Yassim a Tantura, de Ain Al Hilweh a Yarmouk e Jabalya, a escala de sofrimento é a mesma, e permanente.
Mas isso precisa mudar. Sem uma narrativa palestina autêntica, isenta de adulterações, nenhum entendimento verdadeiro da Palestina e de seu povo – até mesmo por aqueles considerados simpáticos à causa palestina – pode ser alcançado. Uma narrativa centrada em relatos que reflitam a história, a realidade e as aspirações da gente comum permitirá uma compreensão genuína da verdadeira dinâmica que move o conflito. Essa narrativa, que faz justiça a toda uma geração de palestinos, é poderosa o bastante para desafiar a parcialidade e a polarização atuais.
Deir Yassin deve ser tão relevante para o presente como essencial para revelar o passado. Não apenas existiram muitos massacres como Deir Yassin, de variadas formas, como Deir Yassim é o microcosmo de um drama muito maior, que continua acontecendo na Palestina. Se o Deir Yassin original, e outros massacres, forem desprezados, considerados anomalias históricas irrelevantes, então o presente permanecerá contaminado e incompreendido.
É tempo de os historiadores palestinos darem um passo adiante e reivindicarem o que é, essencialmente, a sua narrativa, desafiando os preconceitos da mídia e avançando, com coragem, além dos limites permitidos por Israel, desafiando também, portanto, o controle intelectual sobre o discurso palestino.
*Ramzy Baroud, palestino da diáspora, é colunista internacional e editor do site Palestine Chronicle (http://palestinechronicle.com). Seu mais recente livro é My Father Was a Freedom Fighter: Gaza's Untold History [Meu pai era um revolucionário: a história não contada de Gaza], publicado pela Pluto Press.

terça-feira, 30 de abril de 2013

Uma (bem-vinda) bomba sacode a área ambiental



Operação da PF colocará a prova argumentos dos defensores da flexibilização da legislação ambiental.

Marco Weissheimer


Ambientalistas não cansaram de denunciar nos últimos anos atropelos à legislação para acelerar a aprovação de obras e empreendimentos das mais variadas naturezas. Imaginava-se que a situação na gestão ambiental de Porto Alegre e do Estado estava cheia de problemas. Mas, se alguém dissesse que, numa determinada manha de segunda-feira, os secretários do Meio Ambiente da capital e do Estado seriam presos acusados de fraudar licenciamentos ambientais, provavelmente seria chamado de louco. Pois aconteceu. A notícia caiu como uma bomba na manhã desta segunda-feira chuvosa e cinzenta. Em uma ação conjunta com o Ministério Público Estadual, a Polícia Federal prendeu, na madrugada desta segunda (29), o secretário estadual do Meio Ambiente, Carlos Niedersberg, o secretário municipal do Meio Ambiente, Luiz Fernando Záchia, e o ex-secretário do Meio Ambiente, Berfran Rosado, entre outras pessoas (os nomes foram divulgados, inicialmente, pelo jornal Zero Hora, em sua edição on-line).
Em nota oficial, a Polícia Federal anunciou que deflagrou a Operação Concutare com o objetivo de reprimir crimes ambientais, crimes contra a administração pública e lavagem de dinheiro. A operação, diz ainda a PF, iniciou em junho de 2012 e identificou um “grupo criminoso formado por servidores públicos, consultores ambientais e empresários”. Os investigados atuariam na “obtenção e na expedição de concessões ilegais de licenças ambientais e autorizações minerais junto aos órgãos de controle ambiental”.
Ainda segundo a mesma nota, cerca de 150 policiais federais participam da operação para executar 29 mandados de busca e apreensão e 18 mandados de prisão temporária expedidos pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região. As ordens judiciais estão sendo cumpridas nos municípios de Porto Alegre, Taquara, Canoas, Pelotas, Caxias do Sul, Caçapava do Sul, Santa Cruz do Sul, São Luiz Gonzaga e também em Florianópolis. As investigações foram conduzidas pela Delegacia de Repressão a Crimes contra o Meio Ambiente e ao Patrimônio Histórico e pela Unidade de Desvios de Recursos Públicos da Polícia Federal no Rio Grande do Sul.
A operação foi batizada de Concutare, numa referência ao termo latino que significa concussão (segundo o Código Penal brasileiro: ato de exigir para si ou para outrem dinheiro ou vantagem em razão da função, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida. Os investigados, anunciou ainda a Polícia Federal, serão indiciados por “corrupção ativa e passiva, falsidade ideológica, crimes ambientais e lavagem de dinheiro, conforme a participação individual.”
As consequências políticas da Operação Concutare foram imediatas. De Tel Aviv, onde cumpre missão oficial, o governador do Estado, Tarso Genro, anunciou o afastamento de Carlos Niedersberg. O mesmo fez o prefeito de Porto Alegre, José Fortunati.
Operação Moeda Verde
A Operação Concutare lembra outra operação desencadeada pela Polícia Federal também na área ambiental. Em maio de 2007, a PF desencadeou em Florianópolis a Operação Moeda Verde, que teve como alvo um esquema de venda de leis e atos administrativos de conteúdo ambiental e urbanístico em favor da construção de grandes empreendimentos imobiliários na ilha de Santa Catarina. Naquela época, a Justiça Federal expediu 22 mandados de prisão temporária contra políticos, empresários e funcionários públicos de Florianópolis acusados de negociar licenças ambientais. A Operação Moeda Verde investigou a ocorrência de crimes contra a ordem tributária, falsificação de documentos, uso de documentos falsos, formação de quadrilha, corrupção e tráfico de influência.
O alvo inicial da Polícia Federal era um empreendimento em Jurerê Internacional, localizado no norte da ilha. A partir daí, as investigações conduziram os policiais para pelo menos outros três empreendimentos de grande porte construídos em áreas de marinha, mangues e restingas, o que é proibido pela legislação. Segundo a PF, todos tinham sido licenciados de forma irregular através de “vantagens devidas”, que incluíam o pagamento de valores em espécie, troca de favores entre órgãos públicos e uso de carros.
Seis anos depois, uma operação similar sacode agora a área ambiental no Rio Grande do Sul. Será uma ótima oportunidade não só de averiguar como anda a administração pública nesta área, mas também de conhecer quem são as empresas dispostas a corromper funcionários públicos para “agilizar” a concessão de licenciamentos ambientais. A explosão imobiliária nas grandes cidades brasileiras costuma ser marcada por uma falta de transparência quanto aos processos de licenciamento ambiental necessários para a autorização de obras. Em Porto Alegre, por exemplo, o aumento do número de condomínios de luxo na zona sul, em áreas próximas de morros (ou mesmo invadindo morros) e do Guaíba envolve a aprovação de muitas licenças ambientais. O mesmo se aplica à gestão ambiental nas áreas estadual e federal.
O que significa flexibilizar a legislação ambiental?
Será uma boa oportunidade também para testar os argumentos dos defensores da necessidade de flexibilizar a legislação ambiental e agilizar os processos de licenciamento. Debates recentes envolvendo mudanças no Código Florestal, liberação de transgênicos, de agrotóxicos e de grandes obras são marcados por uma lógica argumentativa que, espremida, revela-se impregnada de irracionalidade. Uma impregnação que se espraia por boa parte do espectro político, reunindo direita e esquerda em torno de muitas posições.
A argumentação utilizada por esses setores começa sempre afirmando, é claro, a importância de proteger o meio ambiente para, logo em seguida colocar um senão: não podemos ser radicais nesta questão, precisamos gerar renda e emprego, desenvolver o país, etc. e tal. É curioso e mesmo paradoxal que essa argumentação apele para um bom senso mítico que seria sempre o resultado de uma média matemática entre dois extremos. Você quer 2, ele quer 10, logo o bom senso nos diz para dar 6. Esse cálculo infantil pode funcionar para muitas coisas, mas certamente não serve para buscar respostas à destruição ambiental do planeta, que não cessa de aumentar.
É curioso também, mas não paradoxal neste caso, que a argumentação utilizada pelos defensores do “desenvolvimento” seja sempre a mesma, com algumas variações. Supostamente recoberta por um bom senso capaz de conciliar desenvolvimento com proteção do meio ambiente (combinação que até hoje tem sido usada para justificar toda sorte de crimes ambientais), essa argumentação, na verdade, é atravessada por falácias e por uma irracionalidade profunda, na medida em que, em última instância, volta-se contra o futuro da própria espécie humana.

sábado, 27 de abril de 2013

Filmografia completa de Charles Chaplin

créditos: cinearteum

Charles Spencer Chaplin nasceu em 16 de abril de 1889 em WalworthInglaterra. Faleceu no natal de 1977 em Vevey, Suíça. Foram 88 anos de vida, tendo boa parte sido dedicada ao cinema. Além de atuar era também diretor, produtor, roteirista, compositor, câmera, editor, etc. Sabia tudo de cinema. Foi um dos
fundadores da United Artists. O cinema de hoje deve muito a ele. Coletei informações com a filmografia completa do mestre. Algumas obras estão com link para assistir online.

1967 A Countess from Hong Kong - A Condessa de Hong Kong 

1957 A King in New York

1952 Limelight - Luzes da Ribalta





1928 The Circus - O Circo

1926 A Dama das Camélias – Camille


1923 A Woman of Paris: A Drama of Fate - Casamento ou Luxo

1923 The Pilgrim

1922 Pay Day

1922 Nice and Friendly




1919 Sunnyside



1918 The Bond

1918 Triple Trouble

1918 A Dog´s Life - Vida de Cachorro

1917 The Adventurer - O Aventureiro

1917 The Immigrant - O Imigrante


1917 Easy Street - Rua da Paz

1916 The Rink

1916 Behind the Screen - Carlitos no Estúdio


1916 The Count

1916 One A.M.

1916 The Vagabond - O Vagabundo


1916 The Floorwalker

1916 Police

1915 Burlesque on Carmen


1915 Shanghaied

1915 The Bank

1915 A Woman

1915 Work

1915 His Regeneration

1915 By the Sea

1915 The Tramp

1915 A Jitney Elopement

1915 In the Park

1915 The Champion

1915 A Night Out

1915 His New Job


1914 Getting Acquainted

1914 Tillie´s Punctured Romance - Carlitos O Inesquecível

1914 His Trysting Place

1914 His Musical Career

1914 Gentlemen of Nerve

1914 Dough and Dynamite

1914 Those Love Pangs


1914 The Rounders

1914 His New Profession

1914 The Masquerader

1914 Recreation

1914 The Face on the Bar Room Floor

1914 The Property Man

1914 Laughing Gas

1914 Mabel's Married Life

1914 Mabel's Busy Day

1914 The Knockout

1914 Her Friend the Bandit

1914 The Fatal Mallet

1914 A Busy Day

1914 Caught in the Rain

1914 Caught in a Cabaret

1914 Twenty Minutes of Love

1914 Mabel at the Wheel

1914 The Star Boarder

1914 Cruel, Cruel Love

1914 His Favorite Pastime

1914 Tango Tangles

1914 A Film Johnnie

1914 Between Showers

1914 A Thief Catcher

1914 Carlitos no Hotel


segunda-feira, 22 de abril de 2013

Louis Armstrong - First Class Jazz - 2006



First Class Jazz - 2006



01 - Louis Armstrong - Coal Cart Blues [02:57]
02 - Louis Armstrong With Gordon Jenkin's Orch [02:54]
03 - Louis Armstrong & The Allstars - New Orle [06:45]
04 - Louis Armstrong With Louis Jordan & His T [03:07]
05 - Louis Armstrong - When It's Sleepy Time D [03:16]
06 - Louis Armstrong - Introduction + Basin St [06:19]
07 - Louis Armstrong & Ella Fitzgerald - Moonl [03:44]
08 - Louis Armstrong - Introduction + Dear Old [04:21]
09 - Louis Armstrong - And the Angels Sing [02:55]
10 - Louis Armstrong & Ella Fitzgerald - I Won [04:47]
11 - Louis Armstrong & Ella Fitzgerald - Bess, [05:31]
12 - Louis Armstrong & Oscar Peterson - Blues [05:16]
13 - Louis Armstrong & Oscar Peterson - What's [02:43]
14 - Louis Armstrong - Shadrack [02:47]
15 - Duke Ellington & Louis Armstrong - Solitu [04:55]
16 - Duke Ellington & Louis Armstrong - It Don [03:58]
17 - Louis Armstrong - A Kiss to Build A Dream [04:35]




Filme Russo...



Filme “Eu caminho por Moscou”
“Está chovendo, uma moça descalça, segurando seus sapatos, caminha no meio da rua. Surge um rapaz de bicicleta e, lentamente, vai seguindo a garota. O rapaz segura um guarda-chuva sobre a moça, ela tenta se esquivar e ele continua a segui-la, sorrindo.” Foi dessa maneira tão despretensiosa que o roteirista Guennádi Chpalikov apresentou, pela primeira vez, sua ideia para o roteiro “Eu caminho por Moscou” para o diretor George Danelia.
No fim das contas, o passeio da moça com o ciclista transformou-se em uma digressão lírica e a história de um escritor iniciante que veio tentar a sorte na capital passou para o primeiro plano. Na ensolarada e barulhenta Moscou, as coisas não correm exatamente como o planejado para o siberiano Volodia. Ele não encontra ninguém no endereço fornecido por seus amigos siberianos, mas em compensação trava uma nova amizade com o rapaz que lhe indicou o caminho, o brincalhão Kolia. A amizade, porém, logo se transforma em uma pequena rivalidade: os dois rapazes acabam atraídos pela mesma garota. O encontro dos amigos com um escritor famoso não corresponde às expectativas, mas a noite não passará em branco: eles vão perseguir um ladrão, livrar-se de apuros na delegacia de polícia e salvar um casamento.
Realmente, o enredo é muito simples, tão simples que até levanta suspeitas, tendo em vista que se trata do “país das grandes realizações”. Como a maioria dos filmes “desprovidos de ideologia” produzidos na União Soviética, “Eu caminho por Moscou” tinha todas as chances de “permanecer na prateleira”. Ao ser examinado pela primeira vez pelo Comitê Governamental de Cinematografia (Goskino), ele não obteve aprovação. A comissão usou o pretexto de que a história era excessivamente primitiva para que pudesse ser classificada como drama e não era suficientemente engraçada para ser incluída na categoria de comédia. No entanto, graças aos avanços que ocorreram durante o degelo Khrushchev e ao gênero “comédia lírica”, conseguiu chegar às telonas.
Daí para frente, o destino do filme foi triunfante. A história simples de um ser humano encantou o público soviético, cansado das propagandas sobre a fraternidade dos povos e façanhas do trabalho. Até mesmo os críticos oficiais garantiram uma recepção calorosa. Afinal, a atmosfera é positiva – durante todo o filme, o soviético é um homem feliz. Se não bastasse, os espectadores puderam apreciar o fato de que a felicidade de Volodia não consistia em fazer a transposição de rios ou desbravar áreas para tornar a terra cultivável, mas andar na chuva, fazer amigos e se apaixonar, ou seja, simplesmente viver.  
Embora, a trama do filme gire em torno das reviravoltas entre os personagens, a cidade é claramente um dos protagonistas do filme. Moscou, com sua história rica e presente turbulento é um objeto de adoração da câmera. Na Praça Vermelha, os turistas desviam a sua atenção do guia turístico tedioso, espiam os transeuntes e ficam paralisados ao som dos carrilhões. No parque, concertos são realizados a céu aberto e pessoas se aglomeram diante do palco. Através das grades da ponte pode-se observar como os remadores navegam alegremente pelo rio Moscou. Esses esboços vívidos e pulsantes da vida da capital foram filmados por Vadim Yusov, que posteriormente trabalhou nos filmes de Andrêi Tarkovsky.
O filme abriu um período do cinema soviético que lembra a “new wave” europeia. Sendo que Danelia conseguiu (intuitivamente) apreender o estilo ocidental, já que devido à chamada “cortina de ferro” os filmes estrangeiros penetravam na União Soviética de forma bastante limitada. O trabalho com atores jovens, as filmagens sob iluminação natural e a opção por um enredo que traz uma história de vida simples, tudo isso transformou o filme “Eu caminho por Moscou” em referência para os diretores de cinema soviéticos daquela época, incluindo o então conhecido Marlen Huciev.

“Eu caminho por Moscou” está disponível no Youtube:  

Para colocar a legenda em português, basta selecionar “traduzir” no botão “legendas” e,  em seguida, escolher o idioma.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Reformas secretas na Coreia do Norte


Ilustração: Pototsky Dan
A discussão em torno da escalada da tensão na península coreana desviou a atenção de outros desdobramentos na Coreia do Norte, que, em circunstâncias diferentes, seriam provavelmente muito debatidos na mídia. No início de abril, houve uma importante reformulação na cúpula da liderança norte-coreana. Por mais previsíveis que sejam diversos aspectos dessa mudança, algumas das novas nomeações são notáveis e até mesmo surpreendentes.
No ano passado, o poder na Coreia do Norte sofreu uma drástica transferência dos militares para altos dirigentes do partido. A verdade é que retórica vazia sobre a chamada “primeira política militar” (Songun) da era Kim Jong-il continua, mas desde sua morte os militares passaram por um expurgo sem precedentes.
Dos quatro generais que caminharam junto ao carro fúnebre de Kim Jong-il em dezembro de 2011, três desapareceram repentinamente sem deixar rastros. O último foi dispensado de seu cargo militar e remanejado para um emprego civil insignificante. Um grande número de oficiais militares de primeiro escalão também foi demitido.
Outro evento significativo foi a aquisição de cargos militares por parte de burocratas civis. Exemplo disso é Ch’oe Ryong Hae, um oficial de longa data do partido que foi promovido a vice-marechal e ficou responsável pela doutrinação dos militares. Ex-secretário-chefe na província de Hwanghae, Ch’oe subiu ao posto de mais alto oficial militar na lista do partido em abril, muito acima de militares de carreira.
A maior surpresa, porém, foi a promoção (ou melhor, a nova promoção) de Pak Pong Ju, que foi renomeado premiê da Coreia do Norte. No início dos anos 2000, Pak foi considerado um burocrata de mente reformadora e é tido como um dos idealizadores das reformas econômicas de 2002 – até agora, a tentativa mais radical de reestruturar a economia anacrônica e moribunda da Coreia do Norte.
No período entre 2005 e 2007, houve uma reação contra “tendências reformistas” e Pak passou a ter problemas. Em 2007, ele perdeu o cargo de premiê e foi enviado ao interior do país para administrar uma fábrica de produtos químicos. No entanto, sob os auspícios de Kim Jong-un, ele retornou no início de abril e finalmente voltou para a posição que havia perdido exatamente há seis anos.
RAIO-X: Andrêi Lankov
Nascido em 1963, Lankov é um historiador especialista em Coreia. Escreveu seu doutorado sobre o início da Coreia moderna e publicou uma série de quatro livros em inglês sobre história coreana. Nos últimos anos, suas pesquisas tiverem como foco a história da Coreia do Norte, embora também seja conhecido por suas matérias jornalísticas sobre a história da Coreia em geral. Atualmente, Lankov é professor na Universidade Kookmin de Seul.
O que significa tudo isso? Seria precipitado dizer que a atual conjuntura indica que a Coreia do Norte está evoluindo para uma política econômica mais flexível – ou deveríamos dizer mais racional? Seja como for, essa interpretação parece cada vez mais válida. A remoção desses generais, a maioria dos quais têm a reputação de “linha dura”, abre caminho para algum tipo de mudança radical. Isto é, supondo que o governo de Kim Jong-un esteja disposto a seguir o perigoso caminho político de tentar emular a China. O retorno de Pak à função de premiê parece apontar nessa direção.
Frequentemente se afirma que as reformas econômicas da Coreia do Norte não são compatíveis com seus acessos histriônicos no cenário internacional, mas não é esse o caso. Para ter sucesso, os reformadores precisam encontrar uma forma de evitar o surgimento de uma oposição ativa e, nesse contexto, faz todo sentido agravar tensões internacionais ocasionalmente. Lembrar o público norte-coreano da constante presença da “ameaça externa” é uma boa maneira de garantir que a população se torne mais pacífica e faça menos reivindicações. Em outras palavras, alardear uma iminente ameaça de invasão estrangeira pode ser bom para a estabilidade interna.
Paralelamente, muitos observadores comentam que a entrada de capital estrangeiro pode ser vital para garantir a recuperação econômica da Coreia do Norte e o clima de tensão é prejudicial para os negócios. Porém, esse não é necessariamente o caso. O investimento da Coreia do Sul e dos Estados Unidos pode ser útil para o crescimento econômico, mas esses fundos são também perigosos, pois provavelmente viriam acompanhados por uma onda de informações sobre a prosperidade da Coreia do Sul. Na fase inicial de reformas, isso poderia se tornar um fator de desestabilização.
É muito cedo para dizer se veremos uma reforma com “características norte-coreanas”, na qual uma gradual evolução rumo à economia de mercado estaria mesclada a eventuais tensões. Por enquanto, o único indício é que a situação deve ser menos séria do que a habitualmente ostentada
.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

O Brasil que usa crianças como empregadas domésticas



A mudança constitucional que garantiu mais direitos às empregadas domésticas também teve o mérito de ampliar o debate sobre as mais de 250 mil crianças e adolescentes que realizam trabalhos domésticos em todo o país. A situação é relativamente aceita pela sociedade – das “meninas que são pegas para criar” no interior por famílias das capitais, passando pelas filhas das empregadas que vêm “acompanhar a mãe para não ficarem sozinhas em casa” até aquelas que são, de forma surreal, contratadas diretamente para tanto. “Meninas”, sim, pois quase 94% do total explorado são de garotas.
Isso sem contar que, não raro, a família manda o menino estudar e deixa a menina com os afazeres domésticos, conforme relatórios da Organização Internacional do Trabalho. Vemos tudo como normalidade. Para muita gente, o trabalho infantil liberta. Ainda mais quando ele é hereditário.
Posto, abaixo, a boa matéria de Igor Ojeda, da Repórter Brasil, sobre o trabalho infantil doméstico. Vale a pena ser lida.
Pequenas domésticas, violação invisível – por Igor Ojeda
Todos os dias, quando Cristina* acordava, o mundo ainda estava escuro. Era rotina: inclusive aos sábados e domingos, a garota de 12 anos levantava às quatro e meia da madrugada. Não dava tempo de ficar rolando na cama. Tinha de se aprontar logo e ir ao restaurante da tia ajudar com a arrumação. Só três horas depois, por volta das sete e meia da manhã, é que tomava banho para ir à escola.
Na hora do almoço, voltava ao restaurante, onde ficava até as quatro e meia da tarde limpando, ajudando no caixa, fazendo entrega. Mas seu expediente não terminava aí. Retornava à casa da tia e levava mais duas horas limpando, lavando, passando. Depois, jantava, fazia a lição de casa e ia para a cama. No dia seguinte, às quatro e meia, o despertador tocava…
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em setembro de 2011 haviam pouco mais de 250 mil crianças e adolescentes exercendo trabalhos domésticos por todo o Brasil: 67 mil na faixa 10 a 14 anos, 190 mil na faixa de 15 a 17 anos. Apesar de as trabalhadoras desse setor terem alcançado uma vitória histórica recentemente, com a entrada em vigor, no dia 3, da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que garante os mesmos direitos trabalhistas de outros segmentos, o trabalho infantil doméstico ainda carece de visibilidade: especialistas destacam que esse é um problema que, apesar de grave, permanece oculto.
O trabalho infantil doméstico é uma das atividades incluídas na Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil (Lista TIP) criada pelo decreto 6.481, assinado em junho de 2008 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva e baseado na Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Constam da relação 89 atividades, com suas descrições e consequências para a saúde de crianças e adolescentes que as desempenham. “Por ter sido incluído na Lista TIP, o trabalho doméstico não pode ser exercido por pessoas que não completaram 18 anos”, explica Isa Oliveira, secretária-executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI).
Mundo escuro – Com o mundo igual de escuro, Cristina acordava, e o martírio se repetia. Alguns meses antes, a pequena pernambucana morava com a mãe, o padrasto e a irmã de dois anos no bairro da Mangueira, no Recife – tinha mais quatro irmãos por parte de pai. Apenas estudava. A mãe, uma moça de seus trinta anos, era doméstica e sustentava as duas filhas com a ajuda do marido, que fazia coleta de sangue numa clínica na cidade.
Foi então que começou a ter problemas de coluna, o que a impediu de continuar trabalhando. Os gastos foram ficando cada vez mais apertados quando veio a “solução”: a irmã do pai de Cristina estava precisando de alguém para ajudá-la em casa e no restaurante. Mandou a filha com mala e tudo para o novo lar, não muito longe dali, também na Mangueira…
Isa Oliveira cita os dados do Censo 2010 para ilustrar a gravidade da situação. Em todo o Brasil, das estimadas 3,4 milhões de crianças e adolescentes trabalhando, 7,5% realizam serviços domésticos. A região Centro-Oeste é a de pior incidência em números proporcionais (9%), seguida das regiões Norte (8,5%), Nordeste (8%), Sudeste (7%) e Sul (6%). Ela chama a atenção, no entanto, para a evidente subnotificação de casos.
“Esses dados não expressam toda a dimensão do problema porque o Censo não coleta informações sobre os afazeres domésticos, ou seja, o trabalho infantil doméstico nas próprias casas das crianças. Há uma dificuldade em relação a esse registro, porque na maioria das vezes não é identificado como trabalho, e sim como ajuda. Como as pesquisas são por autodeclaração, muitas vezes o adulto informa que as crianças não trabalham, porque o conceito de trabalho está ligado à remuneração. Porém, no caso de trabalho infantil doméstico, isso não é determinante, não há essa relação direta”, esclarece a secretária-executiva do FNPETI.
Rotina – Cristina ia caminhando da casa da tia até o restaurante, no Jardim São Paulo, e do restaurante para a casa da tia. Andava também até a escola. Aos sábados, como não precisava estudar, trabalhava o dia todo, até as nove e meia da noite. Aos domingos, cumpria expediente até o meio-dia. Eram poucas as horas livres. Aproveitava para visitar a mãe, mas no mesmo dia à noite tinha de voltar. Afinal, na segunda-feira, às quatro e meia da madrugada… era hora de pegar no batente.
Por todo esse serviço, a menina recebia R$ 20 mensais. Não reclamava. A mãe tampouco, pois pensava que a irmã do pai de sua filha comprava tudo que ela precisava, como roupas novas. Cristina dava metade do que recebia à mãe, e ficava com a outra metade. Quando precisava de mais dinheiro, pedia ao pai. Para completar, a tia e o marido a tratavam mal diariamente. “Me xingavam de vagabunda porque eu não fazia o trabalho direito. Diziam que como estavam pagando, era para eu fazer direito”, conta. A pequena não aguentava mais…
De acordo com a Pnad 2011, do total das crianças e adolescentes no trabalho infantil doméstico no Brasil, 93,8% são meninas. Chama a atenção também o fato de a grande maioria destas serem negras. Tal perfil, no entanto, não surpreende se levadas em conta as características do trabalho doméstico no país, independentemente da idade de quem o exerce. Na realidade, especialistas apontam que grande parte das domésticas adultas começou a trabalhar antes dos 18 anos. Paulo Lago, do Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social (Cendhec), de Recife, explica que a desigualdade social e a miséria são as primeiras causas dessa situação. “A mãe prefere entregar a filha para trabalhar numa casa de família a vê-la morrer de fome.”
Isa Oliveira destaca que tais motivações estão ligadas a outros fatores, como o pouco acesso das crianças à educação de qualidade, principalmente nos pequenos municípios da área rural, e, também, a baixa escolarização dos integrantes adultos das famílias, que não percebem a educação dos filhos como direito e oportunidade. Além disso, há uma forte naturalização do trabalho infantil doméstico no país. “Existe uma espécie de camuflagem da exploração nesses casos. No Nordeste e no Norte, é muito comum crianças serem levadas do interior para casas de famílias nas capitais. A exploração do trabalho fica oculta sob o manto da proteção: ‘a menina veio estudar, tem casa, comida’ etc. É difícil até que a própria família e as crianças compreendam a situação de exploração”, diz Isa.
Violência - Um dia, o marido da tia, um policial, levantou a sandália para Cristina. Mas ela tinha perdido o medo. “Ele ia me bater, mas comecei a xingá-lo, dei um chute nele e fui embora”, lembra. Foi para a casa do avô. A menina continuou indo ao restaurante, mas uma semana depois não apareceu mais. A irmã do seu pai, furiosa, jogou todas suas roupas na rua. Não importava: depois de quase um ano, Cristina estava livre.
Ou quase. No novo lar, continuou a fazer os serviços de casa, para ajudar a esposa do avô. Mas lá a situação era melhor. Era tratada muito bem e recebia R$ 100 por semana. Acordava mais tarde e ia direto para a escola. Mesmo assim, quando voltava na hora do almoço, trabalhava bastante, pois não era “dispensada” antes de lavar a louça do jantar…
Durante o Seminário Internacional Infância e Comunicação, realizado entre 6 e 8 de março deste ano em Brasília (DF), Wanderlino Nogueira Neto, representante brasileiro do Comitê dos Direitos da Criança da ONU, afirmou que em relação ao Nordeste é possível falar até em escravidão nos casos de trabalho doméstico infantil, por causa das condições absurdas a que as crianças são submetidas.
“No Nordeste, infelizmente ainda é comum escravidão no trabalho doméstico, inclusive com castigos físicos”, disse ele, que foi procurador-geral de Justiça da Bahia. “A situação afeta até mesmo familiares. Estamos falando de escravidão mesmo e entre as vítimas estão crianças, incluindo irmãos e irmãs mais novas. É uma situação em que espancamentos são comuns.”
A presidenta da Federação Nacional das Empregadas Domésticas (Fenatrad), a baiana Creuza Maria de Oliveira, sabe bem disso, já que sentiu na pele tais violações desde que começou a trabalhar como doméstica, quando tinha apenas dez anos. “Eu fui vítima de espancamento, de assédio moral, abuso sexual, ato libidinoso… a gente sabe que isso acontece, que no Nordeste as crianças e adolescentes domésticas comem o resto da comida da casa, para não jogar no lixo.” Creuza frisa que as consequências do trabalho infantil doméstico são gravíssimas. A começar pela saúde de quem tem menos de 18 anos, que realizam um tipo de trabalho incompatível com o que seus corpos ainda em desenvolvimento suportam e lidam diariamente com produtos químicos utilizados na limpeza das casas. “Além disso, há o abuso sexual e o assédio moral. A autoestima das meninas fica destruída. Elas crescem com complexo de inferioridade”, alerta. Isa Oliveira, do FNPETI, lembra que a fadiga causada pelo trabalho e jornada exaustivos comprometem não apenas a frequência escolar como também o desenvolvimento cognitivo das crianças.
Educação e saúde - Quando estava na casa da tia, Cristina sempre chegava com sono à escola. Invariavelmente perdia as duas primeiras aulas. No fim do ano, ficou de recuperação em três matérias. Mesmo que tenha trabalhado como doméstica por um período curto se comparado com a média, sua saúde não foi poupada. Por trabalhar muito em pé, seja na residência da irmã do pai ou no restaurante, hoje ela sente fortes dores no joelho. “Cheguei a ir ao médico e ele disse que eu preciso operar.”
Cerca de dois meses depois de ir para a casa do avô, uma vizinha entregou a sua mãe um folheto do projeto “Do trabalho infantil à participação”, do Cendhec, que reúne crianças e adolescentes entre 13 e 16 anos, moradores de comunidades de baixa renda do Recife e com histórico de trabalho infantil, para um processo de formação cujo objetivo é inseri-los nos espaços de formulação de políticas públicas relacionadas aos direitos de meninos e meninas. Cristina preencheu o formulário, fez a inscrição e foi selecionada. Voltou para a casa da mãe e parou de trabalhar…
Paulo Lago, do Cendhec, ressalta um aspecto delicado do problema do trabalho infantil doméstico: muitas vezes, é a própria mãe que põe a filha mais velha para tomar conta dos filhos mais novos enquanto sai para trabalhar – isso quando não chamam afilhadas ou filhas de vizinhos. Por isso, ele defende que é papel do Estado não somente tirar as crianças das situações de trabalho infantil, mas também atuar pelo fortalecimento das famílias de baixa renda, como sua inserção em programas sociais e a construção de creches, para que os pais tenham onde deixar os filhos durante o dia. Creuza, da Fenatrad, destaca que, além das creches, é preciso pensar em escolas de tempo integral, onde crianças e adolescentes possam, além de estudar, realizar outras atividades, como esportes e cursos de línguas.
Outro grande obstáculo à luta contra o trabalho infantil doméstico, além da precariedade de políticas públicas preventivas, é a extrema dificuldade de fiscalização das situações de vulnerabilidade. “Esse tipo de violação acontece no interior do lar, que é inviolável segundo a Constituição. Por isso é importante que órgãos como Conselhos Tutelares, Ministério Público do Trabalho denunciem esses casos e busquem alternativas e maior divulgação do problema”, diz Isa Oliveira, do FNPETI, cuja campanha contra o trabalho infantil de junho deste ano terá como mote justamente o trabalho doméstico infantil.
Direitos – No projeto do Cendhec desde junho do ano passado, para onde vai todas as quartas-feiras, Cristina aprendeu, na teoria, as consequências do trabalho infantil. Participou de formações, por exemplo, sobre direitos de crianças e adolescentes, atuação dos Conselhos Tutelares e violência doméstica e sexual. Também esteve em oficinas sobre comunicação, para poder exercitar uma visão críticas sobre os meios de informação.
Aos 14 anos, a menina vê sua vida melhorar. A mãe, após um tratamento bem-sucedido, parou de sentir dores na coluna e voltou a trabalhar – faz serviços gerais em uma creche. Cristina não precisa mais ajudá-la. Hoje, a única obrigação é ir à escola.
* Nome alterado para preservar a identidade da entrevistada