segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Luciana Genro: “PSOL não pode cair na lógica de ganhar eleições a qualquer custo”


 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Ex-deputada estadual e federal, Luciana Genro é pré-candidata do PSOL à Presidência da República | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Samir Oliveira e Iuri Müller *no SUL21
Depois de sucessivos mandatos como deputada estadual e federal, e impedida pela lei eleitoral de concorrer a cargo legislativo no ano que vem, Luciana Genro prepara-se para tentar a Presidência da República pelo PSOL. O congresso nacional do partido, marcado para dezembro, pode referendar o nome de Luciana como candidata da sigla ao Planalto – ainda que outros nomes, como o senador Randolfe Rodrigues (AP) e o deputado federal Chico Alencar (RJ), possam também disputar essa indicação.
Em conversa com o Sul21, Luciana Genro defendeu sua pré-candidatura como uma reafirmação da disposição do PSOL em fazer política sem comprometer-se com métodos que descaracterizem o ideário da sigla. “Vou até o final nessa disputa”, acentuou, citando também pontos que considera fundamentais na eventualidade do PSOL chegar ao poder – o principal deles, a convocação de uma assembleia popular constituinte. “A partir dessa assembleia constituinte, rediscutiríamos as formas de representação e as formas como as instituições do país se organizam”, explica a pré-candidata.
Na entrevista, Luciana Genro tratou também dos protestos que tomaram conta do Brasil no mês de junho – manifestações que, segundo ela, demonstraram que o PT não mais dialoga com movimentos sociais – e da necessidade de incorporar as indignações expressas nas ruas dentro da construção de uma nova concepção de atividade política. Além disso, falou sobre a saída de Heloísa Helena do PSOL e de sua própria situação política – como seu pai, Tarso Genro, é governador do RS, ela foi impedida de concorrer a vereadora de Porto Alegre nas eleições do ano passado. O que, mesmo impedindo seu retorno às atividades parlamentares enquanto o pai for governador, ela garante não lamentar de todo. “Ficar sem mandato me permitiu participar dos movimentos e das atividades partidárias em uma outra posição”, diz ela.
Sul21 – Como foi a indicação da tua pré-candidatura à presidência pelo PSOL?
Luciana –
 O PSOL vive um processo de debate político muito rico. Em dezembro teremos o nosso quarto congresso, que acontece em um momento muito positivo da conjuntura política do país, principalmente depois das jornadas de junho. A nosso ver – e essa é uma avaliação bastante homogênea no PSOL –, as manifestações de junho mudaram de forma bastante consistente a conjuntura política e as perspectivas da política no Brasil. O levante de junho, como temos chamado, acabou fortalecendo dentro do PSOL a ideia de que precisamos ser um partido que se diferencie do conjunto de partidos colocados na política nacional. Isso já era uma definição desde a fundação. Quando decidimos fundar o PSOL, foi porque não aceitávamos a lógica da política tradicional, de fazer promessas na campanha e depois as enterrar em nome do pragmatismo e da governabilidade. Por isso eu, o Babá, a Heloísa Helena e o João Fontes fomos expulsos do PT há dez anos. O mote foi a reforma da previdência, que foi comprada com o mensalão.
 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
“Randolfe defende política desconectada da necessidade do PSOL ser um partido sem resquício de pragmatismo e alianças”, aponta Luciana Genro | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Sul21 – Teu nome ainda precisa passar por votação no congresso do partido?
Luciana -
 O congresso acontece nesse caldeirão político, em dezembro, e o meu nome foi apresentado. São três correntes dentro do PSOL que estão defendendo meu nome. Dentro do partido, existe um grupo chamado Bloco de Esquerda, que se contrapõe à ala que é dirigida pelo presidente Ivan Valente – e que tem nas suas fileiras, como possível candidato à presidência, o senador Randolfe Rodrigues. Primeiro, haviam lançado o Randolfe como candidato a presidente pelo PSOL. Então o Bloco de Esquerda, inconformado, se organizou e algumas correntes dentro do Bloco apresentaram o meu nome. É este o debate político que estamos construindo. Mas o Randolfe mudou de ideia, não se sabe bem se vai ser ele o candidato a presidente do outro grupo.
Sul21 – Qual a diferença política entre esses dois grupos?
Luciana -
 O Randolfe e o grupo que ele representa defendem uma linha política que, na nossa opinião, está desconectada da necessidade de o PSOL ser um partido fora da ordem, de abandonar qualquer resquício de pragmatismo e de alianças, particularmente – mas não só isso -, para ganhar eleições. No Amapá, onde o Randolfe tem sua base, o PSOL ganhou a eleição para prefeitura da capital, Macapá, o que foi uma vitória importante. Mas ganhou em um esquema político que não ajuda no processo de construção do partido enquanto alternativa de esquerda que realmente renega as formas tradicionais de fazer política. Lá, o PSOL chegou a ter o apoio do DEM no segundo turno e fez alianças com partidos da base do governo Dilma. Tudo isso está gerando um debate político que é muito bom para o partido, porque ajuda a desenvolver as caracterizações, avaliações e o próprio pensamento da militância.
“A principal preocupação é que o PSOL não reproduza a lógica de ganhar eleições a qualquer custo. Política vai muito além de postos institucionais”

Sul21 – Como tu avalias as mudanças pelas quais o partido passou agora com a conquista das prefeituras de Macapá e de Itaocara (Rio de Janeiro)? Quais as diferenças nesses dois processos?
Luciana –
 É difícil fazer uma comparação justa, porque são prefeituras bem diferentes. Uma é capital e a outra é uma cidade bastante pequena. Mas algumas questões de método são interessantes de se comparar. Por exemplo, a forma como foram escolhidos os secretários. Em Itaocara, cujo prefeito integra uma das correntes da esquerda do PSOL – a corrente do Babá, a CST – o secretariado foi escolhido com a participação da comunidade e do funcionalismo público. Houve um debate muito mais sobre as qualificações técnicas e políticas das pessoas do que indicações partidárias. Há um processo de mobilização muito positivo na cidade, que, inclusive já havia conquistado o passe livre para estudantes antes mesmo do levante de junho. Já em Macapá, temos indícios de participações de pessoas indicadas por filiados de partidos da direita.
Sul21 – A eleição de 2012 intensificou o debate sobre alianças e pragmatismo eleitoral no PSOL?
Luciana –
 A principal preocupação é que o PSOL não reproduza a lógica de ganhar eleições a qualquer custo. É óbvio que ter parlamentares é uma coisa muito importante para o partido, assim como ganhar prefeituras. Mas a política vai muito além de postos institucionais. As ruas mostraram, em junho, que amplas parcelas da população não se sentem representadas nas instituições tradicionais da política. O PSOL tem que revolucionar a política. Isso significa que temos que disputar, sim, processos eleitorais. No Rio de Janeiro, chegamos a quase 30% dos votos para prefeitura da capital. Lá, fazemos uma política que é institucional e, ao mesmo tempo, anti-regime. Uma política que enfrenta as formas tradicionais de fazer política, que tem uma figura pública que é o Marcelo Freixo. O PSOL tem o desafio de andar no fio da navalha, de conseguir ao mesmo tempo ter uma participação na política institucional, mas não se render aos métodos tradicionais da política.
 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Candidato a governo do RS pelo PSOL ainda está em aberto: “é possível que seja o Roberto Robaina”, diz Luciana | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Sul21 – Falava-se que o Chico Alencar poderia ser um nome de consenso para representar o PSOL na disputa presidencial.
Luciana – 
Ele poderia ter sido, mas não é mais. Quando foi lançado o Randolfe e lançado o meu nome, em consequência, houve uma movimentação de um setor do próprio Bloco de Esquerda para que o Chico fosse candidato. O grupo que tinha me lançado disse que se o Chico topasse, dentro de uma linha política acordada por todos, seria consenso. Só que, a partir dali, o Chico fez uma movimentação política totalmente de alinhamento com a corrente do Ivan. Então já não há mais a possibilidade de consenso. Vou na disputa até o final. Eu só abriria mão da disputa para o Marcelo Freixo. Antes de lançar meu nome, procuramos ele, conversamos. Mas ele não pode ser candidato a presidente porque não pode ficar sem mandato, já que é uma pessoa perseguida pelas milícias, justamente porque mexeu no coração da corrupção política do Rio de Janeiro.
Sul21 – Como o partido está se preparando para as eleições do ano que vem em nível estadual?
Luciana –
 Teremos candidato a governador, ainda não sabemos quem será. É possível que seja o Roberto Robaina, mas isso ainda está em debate. Nossa meta mínima é a eleição de um deputado estadual, mas temos expectativa de poder ir além. Ainda não se sabe como exatamente essa insatisfação com a política tradicional vai refletir no processo eleitoral e em que medida o PSOL vai conseguir se credenciar enquanto um partido que está fora da ordem tradicional da política. Acredito que temos chances de crescer. Uma parte significativa dessa juventude já tem relações com o PSOL ou se organiza no Juntos, que é um movimento de juventude independente, mas onde muitos militantes do PSOL atuam. Temos a expectativa de atrair um setor importante dessa juventude que se mobilizou e está em busca de uma alternativa política.
“O modelo uruguaio é limitado, ataca somente um dos pontos das drogas, que é a maconha. Mas deixa de fora a cocaína. Esse debate tem que se abrir”

Sul21 – E qual é a tua plataforma política na disputa interna pela indicação à presidência pelo PSOL?
Luciana –
 A primeira questão é que o Brasil necessitaria de uma assembleia popular constituinte para reorganizar o conjunto das instituições do país. A eleição para essa assembleia já teria que ser feita sob novas regras, sem a interferência do capital privado; com a possibilidade de candidaturas avulsas, para que as pessoas que não se sentem representadas por partidos possam concorrer; com tempos de televisão minimamente igualitários para todos. Teria que ser um processo eleitoral que não fosse marcado pela venda de candidatos como produtos, mas sim pelo debate político real. A partir dessa assembleia constituinte, rediscutiríamos as formas de representação e as formas como as instituições do país se organizam, além de medidas de democracia direta, onde o povo pudesse interferir nas decisões que são fundamentais do país, como a questão da dívida pública.
Sul21 – De que forma o tema da dívida pública pode ser tratado?
Luciana –
 Hoje, mais de 30% do orçamento do país é destinado a pagar a dívida pública, sendo que a maior parte desse dinheiro vai para aumentar os lucros dos bancos, que estão lucrando muito nos últimos anos. Os bancos lucraram mais no governo Lula e Dilma do que no governo do Fernando Henrique. É uma questão que deveria ser discutida em um plebiscito: é justo que falte dinheiro para se investir em moradia, transporte, passe livre, por exemplo?
 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
“Hoje, mais de 30% do orçamento do país é destinado a pagar a dívida pública, sendo que a maior parte desse dinheiro vai para aumentar os lucros dos bancos” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Sul21 – Que outros temas poderiam ser abordados na candidatura?
Luciana – 
Um tema que me sensibiliza muito, até porque sou advogada e estou me especializando na área penal, é a questão da descriminalização das drogas. O modelo uruguaio é limitado, ataca somente um dos pontos das drogas, que é a maconha. Mas deixa de fora a cocaína, que também é importante. Esse debate tem que se abrir. Também poderia ser objeto de um plebiscito com um debate político muito bem feito, para que se trate o problema da droga como uma questão de saúde pública, principalmente em drogas como a cocaína, que são de periculosidade elevada. Acho uma grande hipocrisia que a maconha seja tratada como uma droga proibida, já que tem nível de periculosidade igual ou inferior ao álcool e ao cigarro. Deveria ser uma droga lícita e deveriam ser alertados os perigos, da mesma forma que se alega do cigarro e do álcool.
Sul21 – No Uruguai, o controle estatal sobre a maconha veio com a justificativa de que acabaria com o tráfico.
Luciana – 
Grande parte da tragédia que a gente vive no sistema prisional está relacionadas com a ilegalidade das drogas. A maioria do dinheiro público gasto com segurança é dirigido ao combate ao tráfico. Isso já se demonstrou uma política falida. No mundo inteiro essas políticas estão sendo rediscutidas e o Brasil está atrasado nesse aspecto. É preciso que os problemas de saúde pública e de segurança sejam tratados de outra maneira, a partir da descriminalização. Mas essa é uma posição minha, que vai ter que ser discutida com o partido. A partir de eu ser escolhida como candidata, quero pautar esse debate com o partido e ver de que forma se pode fazer essa abordagem.
“Os problemas que foram colocados pelos movimentos de junho não foram resolvidos em absoluto. A tendência é que se retome essa pauta”

Sul21 – Em relação às manifestações, como tu avalias a resposta do poder público?
Luciana –
 A reação do poder público demonstrou que o conceito marxista e leninista sobre o Estado é mais atual do que nunca: de que o Estado é, em última instância o braço armado da burguesia para garantir seus interesses. O tratamento do Estado, em primeiro lugar, foi policialesco. Isso vale para todo o Brasil. Alguns governos reagiram com mais violência, outros com menos, mas a violência foi generalizada. As medidas concretas para responder aos problemas que foram colocados foram totalmente insuficientes. E as medidas mais “radicais” propostas pela presidente acabaram sendo engavetadas por ela própria, como seria a proposta de uma constituinte exclusiva para discutir a reforma política – que era insuficiente, mas era uma medida positiva. Os problemas que foram colocados pelos movimentos de junho não foram resolvidos em absoluto. A tendência é que se retome essa pauta. Talvez não com a mesma força e magnitude que aconteceu em junho, que foi um fenômeno político muito especial, que não se repete com tanta facilidade. Mas, com certeza – e isso já estamos vendo agora – se abriram as comportas para que as exigências sejam pautadas de forma mais constante. As lutas que vêm surgindo desde aquele momento não pararam mais. E acho que não vão parar.
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É necessário, segundo pré-candidata, organizar indignação de protestos de junho de forma a constituir novas lideranças e movimentos | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Sul21 – É possível intensificar os movimentos que desaguaram em junho?
Luciana -
 A tendência é que se possa avançar, tanto em termos de conquistas como também em termos de organização. A grande necessidade que se tem a partir do que aconteceu em junho é organizar a indignação. O PSOL é parte desse processo de tentar ajudar a organizar essa indignação, mas é claro que não é algo que passa só pelo PSOL. Desde que o PT ganhou a presidência da República, houve uma cooptação das lideranças dos movimentos sociais, e, portanto, um refluxo das lutas. Junho foi uma “revolução” porque mostrou que o PT já não controla mais os movimentos como conseguiu nos últimos dez anos. Isso possibilita que surjam novas lideranças e novos movimentos, ou que os movimentos que já existem ganhem novos contornos e deixem de se enjaular pelo governo.
Sul21 – O mês de junho foi de contestações ao governo quase diárias. Também exigiu respostas dos partidos em vários setores. Na tua opinião é uma oportunidade para que o PT tente se reinventar?
Luciana 
– O PT não consegue mais se reinventar, porque já não tem mais oxigênio interno para se renovar. O ponto de corte foi a nossa expulsão. Foi a mensagem clara de que não havia espaço dentro do PT para quem não se alinhasse com as necessidades do governo. Quem ficou no PT – e eu não digo os eleitores, mas os dirigentes – aceitou essa lógica de submissão dos interesses do povo às necessidades do governo. O PT tem oxigênio eleitoral, e é possível que a Dilma ganhe novamente as eleições. Mas, enquanto um partido de transformação, o PT está morto. Pode ser um partido de eleições, de governos que são instrumentos para aplicação das medidas necessárias para a reprodução do capitalismo. Não vai além disso.
Sul21 – Tu falaste que as manifestações demonstram que exige uma base social que contesta o sistema e a política tradicional. Mas algumas análises dizem que, em alguns momentos, as manifestações tiveram grande presença da direita e de uma classe média que acaba reproduzindo anseios apolíticos. Tu tens essa avaliação ou acreditas que as manifestações são a expressão de uma massa que reflete mais o pensamento da esquerda?
Luciana –
 Não acho que seja uma massa que reflete o pensamento da esquerda. Mas acho que essa história do “golpe” foi uma invenção do PT para tentar desacreditar o movimento e tentar explicar sua própria impotência diante de um movimento que o transbordou completamente. As pessoas que acreditavam no PT ou as que ainda viam na política uma forma de transformação se desiludiram. Viram o PT – que era um partido que se construiu contestando a corrupção e a submissão do país aos interesses do capital – chegar ao poder e fazer exatamente aquilo que contestou a sua existência inteira. Então essas pessoas chegam à conclusão de que política é tudo igual, partido é tudo igual e nenhum serve para nada. O apoliticismo foi alimentado pelo próprio PT.
 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Luciana Genro não identificou discursos de direita em protestos: “o que houve foi uma repulsa aos partidos, inclusive os do campo de esquerda que tentavam se impor” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Outro aspecto, gente de direita existe no Brasil, sempre existiu e sempre vai existir. Isso faz parte do espectro político de qualquer sociedade. Acho até que nas manifestações isso apareceu de forma muito tímida, porque se a gente for analisar todas as reivindicações que surgiram nos cartazes feitos pela população, não tinha nenhuma consigna de direita, tipo “militares voltem”, ou contra o aborto, no campo dos “costumes”, digamos assim, ou “fora os homossexuais”. O que teve de fato foi uma repulsa aos partidos, que atingiu inclusive os partidos de esquerda que tentavam se impor. O PSOL muito pouco, porque a nossa linha foi não aparecer enquanto partido. Nós fomos, e eu participei, inclusive tomei bomba de gás lacrimogêneo da Brigada Militar aqui em Porto Alegre, e participei em São Paulo também. E fui como indivíduo, fui muito bem recebida pelas pessoas que me reconheceram. O PSTU tentou se impor como partido, com bandeiras, e teve até confronto físico.
Claro, teve setores da direita que se aproveitaram desse sentimento anti-partido. Mas a maioria das pessoas (com esse sentimento) não eram necessariamente da direita, mas pessoas que não queriam que os partidos políticos se apropriassem de um movimento que não era organizado pelos partidos.
“Heloísa Helena foi fundamental no processo de construção do PSOL. Mas ela faz política muito mais com o fígado do que com o cérebro. Então ela acabou numa rota de colisão com Ivan Valente”

Sul21 – Em uma década de existência, o quão heterogêneo é o PSOL hoje?
Luciana –
 O PSOL é menos heterogêneo do que era o PT em sua fundação, embora seja heterogêneo. Não acho que isso necessariamente seja ruim. É positivo que se tenha diferenças políticas e debates políticos. Mas o PSOL tem uma maioria – e acredito que isso vá se demonstrar no nosso congresso em dezembro – que aprendeu com o processo da expulsão do PT. Ou, melhor dizendo: aprendeu com o processo da falência do PT. Acho que alguns setores, que hoje identifico nessa coalizão em torno do Randolfe, não tiraram todas as conclusões necessárias. Não é casual que eles tenham ingressado depois no partido. Embora haja grupos que vieram depois e que tiraram as conclusões e hoje estão no Bloco de Esquerda. Mas esse setor do Randolfe e do Ivan Valente não tirou todas as conclusões necessárias do processo do PT. Isso não nos impossibilita uma convivência partidária, mas nos impõe uma disputa política. Disputar os rumos do partido com esse setor é fundamental para que possamos fazer do PSOL uma alternativa que seja viável politicamente e, ao mesmo tempo, não repita os erros cometidos pelo PT.
Sul21 – Como tu avalias a saída da Heloísa Helena do partido? Ao que tudo indica ela estaria indo para a Rede.
Luciana –
 É uma perda para nós, caso se concretize. É uma perda muito triste, para mim, em particular, que tenho uma relação de amizade com ela. Ela foi fundamental no processo de construção do PSOL. Mas a Heloísa Helena tem uma característica de fazer política muito mais com o fígado do que com o cérebro. Então ela acabou numa rota de colisão com esse grupo encabeçado pelo Ivan Valente desde aquele momento da escolha do Plínio como candidato à presidência. E desde então ela não conseguiu mais se reinserir com o partido. Isso acabou se combinando com uma relação de amizade e de identidade que ela tem com a Marina (Silva), então ela decidiu ajudar a Marina na construção da Rede. Se o partido conseguir a legalidade, é bem provável que ela vá mesmo para a Rede.
 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Eleita pela primeira vez com 23 anos, Luciana acredita que distância dos parlamentos permitiu voltar a fazer política a partir de uma posição de militância | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Sul21 – Como foram esses anos sem mandato político e a questão jurídica? Já se encerrou esse processo?
Luciana –
 Se encerrou no TSE e eu perdi no TSE também. Eu acho que fui vítima de uma injustiça, porque se houvesse alguma equidade no sentido aristotélico da palavra, que é observar o caso concreto e fazer justiça no caso concreto, o meu caso teria tido um tratamento diferente. Eu não acho que essa lei em si seja necessariamente ruim e que devesse ser derrubada, acho que o meu caso concreto tinha que ser visto com outros olhos. Infelizmente a nossa justiça ainda é muito positivista, no sentido de olhar a letra fria da lei e não cotejar a lei com a vida real. Mas para mim foi uma experiência até positiva ficar sem mandato, porque tive a oportunidade de estar mais próxima da cidade de Porto Alegre, e ao mesmo tempo tenho ido bastante para São Paulo, fazer política lá. Tive a oportunidade de terminar meus estudos em Direito, estou terminando uma pós-graduação e pretendo fazer um mestrado. Ficar sem mandato me permitiu participar dos movimentos e das atividades partidárias desde uma posição mais de militante do que de parlamentar.
Sul21 – Te dedicaste também a estruturar o Emancipa, certo?
Luciana –
 Exatamente. Esse foi um processo que me satisfez muito. Agora passei para o Marco Viana a diretoria do Emancipa, é uma OSCIP, conseguiu aprovar neste último vestibular mais de 60 alunos da UFRGS, e isso foi muito gratificante. A gente recebe muito o feedback dos jovens que participaram. Para mim é uma nova experiência, porque eu fiquei 16 anos como parlamentar, eu fui eleita com 23 anos pela primeira vez. Então eu já estava um pouco esgotada nesse papel, foi positivo para mim poder continuar fazendo política desde uma outra posição.
* colaborou Igor Natusch

sábado, 31 de agosto de 2013

Marx, Lênin, Gramsci e a imprensa

Marx, Lênin, Gramsci e a imprensa

Por Altamiro Borges

Diante do poder alcançado pela mídia hegemônica e das ilusões ainda existentes sobre seu papel, revisitar as idéias de intelectuais marxistas sobre o tema é da maior importância e causam surpresa por sua enorme atualidade. Marx, Lênin e Gramsci, entre outros pensadores revolucionários, sempre destacaram o papel dos meios de comunicação. Exatamente por entenderem a importância da luta de idéias, do fator subjetivo na transformação da sociedade, fizeram questão de desmascarar o que chamavam, sem meias palavras, de “imprensa burguesa” e de realçar a necessidade da construção de veículos alternativos dos trabalhadores. 

Estes dois elementos, a denúncia do caráter de classe da imprensa capitalista e a defesa dos instrumentos próprios dos explorados, são as marcas principais destes intelectuais marxistas. Marx, Lênin e Gramsci dedicaram enorme energia ao trabalho jornalístico, escrevendo centenas de artigos e ajudando a construir vários jornais democráticos e proletários. Foram jornalistas de mão-cheia, produzindo textos que entraram para a história. Sempre estiveram sintonizados com o seu tempo, pulsando a evolução da luta de classes; nunca se descuidaram da forma, da linguagem, para melhor difundir os seus conteúdos revolucionários.

Defesa da liberdade de expressão 

Vítimas da violenta perseguição das classes dominantes, os revolucionários nunca toleraram a censura dos opressores e foram os maiores defensores da verdadeira liberdade de expressão. A própria ampliação da democracia foi decorrência das lutas dos trabalhadores, já que nunca interessou à reacionária burguesia. Mas os revolucionários nunca confundiram esta exigência democrática com a proclamada “liberdade de imprensa”, tão alardeada pela burguesia que controla os meios de produção e usa todos os recursos, legais e ilegais, ardilosos e cruéis, para castrar a própria democracia e o avanço das lutas emancipadoras. 

Numa fase ainda embrionária do movimento operário-socialista, Karl Marx logo se envolveu na atividade jornalística. Após concluir seu doutorado em filosofia, em 1841, ele pretendia seguir a carreira acadêmica e ingressar na Universidade de Bonn, mas a brutal repressão do governo prussiano inviabilizou tal projeto e o jovem filósofo alemão manteve seu sustento através do jornalismo. Em 1842, ingressou na equipe do jornal Gazeta Renana e virou o seu redator-chefe. Sob sua direção, este periódico democrático triplicou o número de assinantes e ganhou prestígio, mas durou poucos meses e foi fechado pela ditadura prussiana. 

Sem ilusões na imprensa burguesa 

Na seqüência, entre 1848/49, passou a escrever no jornal Nova Gazeta Renana, que se transformou numa trincheira de resistência ao regime autoritário. Em menos de dois anos, Marx escreveu mais de 500 textos e tornou-se um articulista de sucesso. O combate ao código de censura do governo prussiano resultou na proibição do jornal. Marx ainda escreveu para o Die Press e o New York Tribune sobre política, economia e história. “Era um jornalismo que revelava a minuciosa leitura de Marx, seu alto grau de informação não apenas sobre os fatos e conflitos, como também sobre os atores individuais e a própria imprensa”, relata José Onofre, na apresentação do livro recém-lançado “Karl Marx e a liberdade de imprensa”. 

Em sua defesa da liberdade de expressão, ele nunca vacilou na denúncia da ditadura burguesa. Para ele, o jornal deveria ser uma arma de combate à opressão e à exploração e não um veículo neutro. “A função da imprensa é ser o cão-de-guarda, o denunciador incansável dos opressores, o olho onipresente e a boca onipresente do espírito do povo que guarda com ciúme sua liberdade”. Em outro texto, afirma: “O dever da imprensa é tomar a palavra em favor dos oprimidos a sua volta. O primeiro dever da imprensa é minar todas as bases do sistema político existente”. Por estas idéias libertárias, ele foi processado e perseguido. 

Poder do capital sobre a imprensa 

Outro que nunca se iludiu foi Vladimir Lênin. Atuando num período da ascensão revolucionária, ele foi ainda mais duro no combate aos jornais burgueses. Num texto intitulado “a liberdade de imprensa do capitalismo”, ele desnuda esta falácia. “A ‘liberdade de imprensa’ é também uma das principais palavras de ordem da ‘democracia pura’. Os operários sabem e os socialistas de todos os países reconheceram-no milhares de vezes que esta liberdade é um engano enquanto as melhores impressoras e os estoques de papel forem açambarcados pelos capitalistas, e enquanto subsistir o poder do capital sobre a imprensa”. 

“Com vista a conquistar a igualdade efetiva e a verdadeira democracia para os trabalhadores, é preciso começar por privar o capital da possibilidade de alugar escritores, de comprar editoriais e de subornar jornais, mas para isso é necessário destruir o jugo do capital... Os capitalistas chamam sempre ‘liberdade’ à liberdade para os ricos de manterem seus lucros e liberdade para os operários de morrerem à fome. Os capitalistas denominam de liberdade de imprensa a liberdade de suborno da imprensa pelos ricos, a liberdade de usar a riqueza para forjar e falsear a chamada opinião pública”. Nada mais atual! 

Numa outra fase histórica, em que o setor da comunicação ainda não era um poderoso ramo da economia, Lênin chegou a se contrapor à participação dos comunistas na imprensa burguesa. “Poder-se-á admitir que colaborem nos jornais burgueses? Não. A semelhante colaboração se opõe tanto as razões teóricas como a linha política e a prática da social-democracia... Dir-nos-ão que não há regra sem exceção. O que é indiscutível. Não se pode condenar o camarada que, vivendo no exílio, escreve num jornal qualquer. É por vezes difícil criticar um social-democrata que, para ganhar a vida, colabora numa seção secundária de um jornal burguês”. Mas, para ele, tais casos deveriam ser encarados como exceção e com princípios. 

“Boicote, boicote, boicote” 

Para encerrar este bloco, que evidencia que os marxistas nunca nutriram ilusões sobre o caráter de classe da imprensa burguesa e nem se embasbacaram com o seu poder de sedução, vale reproduzir uma longa citação de Antonio Gramsci, o revolucionário italiano de padeceu onze anos nos cárceres. No texto “Os jornais e os operários”, escrito em 1916, ele faz uma conclamação aos trabalhadores que bem poderia servir para uma campanha contra a revista Veja e outros veículos da mídia brasileira na atualidade: 

Para ele, a assinatura de jornal burguês “é uma escolha cheia de insídias e de perigos que deveria ser feita com consciência, com critério e depois de amadurecida reflexão. Antes de mais, o operário deve negar decididamente qualquer solidariedade com o jornal burguês. Deveria recordar-se sempre, sempre, sempre, que o jornal burguês (qualquer que seja sua cor) é um instrumento de luta movido por idéias e interesses que estão em contraste com os seus. Tudo o que se publica é constantemente influenciado por uma idéia: servir à classe dominante, o que se traduz sem dúvida num fato: combater a classe trabalhadora. E, de fato, da primeira à última linha, o jornal burguês sente e revela esta preocupação”. 

“Todos os dias, pois, sucede a este mesmo operário a possibilidade de poder constatar pessoalmente que os jornais burgueses apresentam os fatos, mesmo os mais simples, de modo a favorecer a classe burguesa e a política burguesa em prejuízo da política e da classe operária. Rebenta uma greve! Para o jornal burguês os operários nunca têm razão. Há uma manifestação! Os manifestantes, apenas porque são operários, são sempre tumultuosos e malfeitores. E não falemos daqueles casos em que o jornal burguês ou cala, ou deturpa, ou falsifica para enganar, iludir e manter na ignorância o público trabalhador. Apesar disso, a aquiescência culposa do operário em relação ao jornal burguês é sem limites”. 

“É preciso reagir contra ela e despertar o operário para a exata avaliação da realidade. É preciso dizer e repetir que a moeda atirada distraidamente é um projétil oferecido ao jornal burguês que o lançará depois, no momento oportuno, contra a massa operária. Se os operários se persuadirem desta elementar verdade, aprenderiam a boicotar a imprensa burguesa, em bloco e com a mesma disciplina com que a burguesia boicota os jornais operários, isto é, a imprensa socialista. Não contribuam com dinheiro para a imprensa burguesa que vos é adversária: eis qual deve ser o nosso grito de guerra neste momento, caracterizado pela campanha de assinatura de todos os jornais burgueses: Boicotem, boicotem, boicotem!”. 

Construtores da imprensa revolucionária 

Exatamente por não nutrirem ilusões na imprensa burguesa, Marx, Lênin e Gramsci sempre investiram na construção de instrumentos próprios das forças contrárias à lógica do capital. Segundo o biógrafo David Riazanov, “a Nova Gazeta Renana tratava de todas as questões importantes, de sorte que o jornal pode ser considerado um modelo de periódico revolucionário. Nenhum outro periódico russo nem europeu chegou à altura da Nova Gazeta... Seus artigos não perderam nada de sua atualidade, de seu ardor revolucionário, de sua agudeza na análise dos acontecimentos. Ao lê-los, sobretudo os de Marx, acreditamos assistir à história da revolução alemã e da revolução francesa, tão vivo é o estilo, como profundo é o sentido”. 

Já Lênin, que viveu numa fase de efervescência revolucionária, dedicou boa parte das suas energias para construção de jornais socialistas – dos mais diferentes tipos, sempre sintonizados com a evolução da luta de classes. Iskra, Vperiod, Pravda, Proletari, Rabotchaia Pravda, Nievskaia Svesdá, entre outros jornais organizados e dirigidos por ele, servirão para agregar as forças de esquerda, fazer agitação nas fábricas, aprofundar os debates ideológicos e construir o partido. Na sua mais célebre definição, Lênin sintetizou: 

“O jornal não é apenas um propagandista coletivo e um agitador coletivo. Ele é, também, um organizador coletivo. Neste último sentido, ele pode ser comparado com os andaimes que são levantados ao redor de um edifício em construção, que assinala os contornos, facilitam as relações entre os diferentes pedreiros, ajudam-lhes a distribuírem tarefas e a observar os resultados gerais alcançados pelo trabalho organizado”. A reacionária burguesia russa logo entendeu o perigo representado por estes jornais, tanto que os reprimiu ferozmente. No caso do Pravda, de um total de 270 edições, 110 foram objeto de ações judiciais e os seus redatores foram condenados a um total de 472 anos de prisão. Mas isto não abrandou o seu vigor! 

Atualidade das noções marxistas 

No caso de Gramsci, o longo período de cárcere dificultou a sua atividade jornalística e castrou seu desejo de organizar a imprensa operária. Antes da prisão, ele editou vários jornais de fábrica e empenhou-se na difusão do Ordine Nuovo. Na sua rica elaboração sobre o papel dos intelectuais e a luta pela hegemonia, ele chega a afirmar que, em momentos de crise, o jornal pode funcionar como partido político, ajudando a desnudar a ideologia dominante e a construir a ação contra-hegemônica do proletariado. Para ele, o momento da desconstrução do velho é, ao mesmo tempo, o da construção do novo. 

As contribuições de Gramsci servem para desmistificar o papel da mídia hoje, mantendo impressionante atualidade. Para ele, a imprensa burguesa é um “aparelho privado de hegemonia”, capaz de disputar os rumos da sociedade por meio de uma verdadeira guerra de posições em todas as “trincheiras ideológicas”. Através da imprensa privada e mercantil, que objetiva o lucro e que faz da notícia uma mera mercadoria, a burguesia tenta se aparentar como representante da esfera pública. Além disso, em momentos de crise da ideologia dominante e de fratura dos partidos burgueses, a imprensa se apresenta como “o partido do capital”, que organiza e amalgama os interesses das várias frações de classe da burguesia.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

CORPORAÇÃO DAS DOENÇAS...

Indústria farmacêutica expande diagnósticos e inventa novas doenças

publicado em 29 de agosto de 2013 no VIOMUNDO


Lucro até o osso
por Heloisa Villela, de Nova York, especial para o Viomundo

– Existe um número muito maior de pessoas saudáveis do que de pessoas doentes no mundo e é importante, para a indústria farmacêutica, fazer com que as pessoas que são totalmente saudáveis pensem que são doentes. Existem muitas maneiras de se fazer isso. Uma delas é mudar o padrão do que se caracteriza como doença. Outra é criar novas doenças.
Parece teoria conspiratória. Mas a declaração da médica e professora Adriane Fugh-Berman é baseada em anos de pesquisa a respeito das práticas da indústria farmacêutica e da facilidade com que ela manipula os médicos, usados não apenas para vender remédios, mas também para promover doenças. No momento, ela está pesquisando algo que descobriu faz pouco tempo. Representantes de fabricantes de material cirúrgico muitas vezes são vistos dentro de salas de operação “ajudando” os cirurgiões. “Que relacionamento é esse?”, quer saber a pesquisadora.
Adriane Fugh-Berman é formada pela escola de medicina da Universidade Georgetown com especialização em medicina familiar. Militou em uma organização voltada à saúde da mulher e ouviu muitos desaforos de médicos, há duas décadas, quando reclamava que não existiam estudos comprovando a necessidade de tratamentos hormonais para mulheres na menopausa. Existia, isso sim, risco — como mais tarde ficou comprovado. O tratamento hormonal aumentou em muito os casos de câncer de mama e a prática mudou. Antes disso, ela ouviu muitas críticas em conferências e seminários médicos.
Quando embarcou no estudo e no programa de educação a respeito da relação dos médicos com a indústria farmacêutica, ela esperava uma reação ainda pior. Professora adjunta do Departamento de Farmacologia e Fisiologia da Georgetown, ela recebeu uma verba para estruturar o programa voltado para a educação dos médicos e para expor as práticas de marketing da indústria, os métodos que ela emprega para influenciar a prescrição de medicamentos. Tarefa espinhosa.
Filha de um casal ativo nos anos sessenta, nos protestos contra a guerra do Vietnã, a médica e professora Adriane Fugh-Berman abraçou a oportunidade e criou um blog bem sucedido, com informações e denúncias de gente que trabalhou na indústria farmacêutica e aprendeu as técnicas empregadas para conquistar e influenciar os médicos. Nos últimos dez anos, ela viu resultados do trabalho nos Estados Unidos. Mas alerta que a indústria farmacêutica vê o Brasil, a China e a Índia como os principais mercados para a expansão da venda de remédios.
Fugh-Berman escreveu vários artigos mostrando que a indústria seleciona profissionais ainda em formação, nos chamados Cursos de Educação Continuada (CME). Vendedores bem preparados identificam possíveis formadores de opinião nos centros médicos das universidades: médicos, enfermeiros e assistentes. Eles são paparicados.
Recebem presentes, atenção, são convidados para jantar. Depois de uma checagem, são escolhidos os que poderão falar em nome da indústria e servir aos propósitos mercadológicos. Enquanto falam o que a indústria quer ouvir e divulgam, no setor, a visão das empresas, continuam recebendo todos os privilégios. Assim, as farmacêuticas vão comprando acesso aos profissionais que podem prescrever e promover remédios.

Viomundo – Como, quando e por que você lançou o blog Pharmedout, da Universidade Georgetown, do qual é diretora?
AFB – Originalmente, fomos financiados com dinheiro de uma punição. A Warner Lambert, que era uma subsidiária da Pfizer, foi processada pelos 50 estados americanos mais o Distrito de Columbia por causa da propaganda de um composto que aqui nos EUA se chama Gabapentin.
É um remédio para convulsões, para epilepsia, que estava sendo vendido e promovido como sendo um remédio para depressão e bipolaridade, dor muscular, tudo…
Houve um acordo na justiça a respeito da propaganda ilegal desse remédio. [Nota do Viomundo: Em 2004, a Pfizer foi obrigada a pagar US$ 430 milhões pela propaganda fraudulenta do remédio, vendido com o nome de Neurontin].
Os procuradores estaduais decidiram usar parte do [dinheiro do] acordo para financiar esforços de educação de médicos e do público a respeito das propagandas da indústria farmacêutica. Acho que eles financiaram 26 centros médicos universitários para criar modelos educativos.
Nós recebemos financiamento por dois anos e tivemos melhores resultados do que os outros projetos e somos o único projeto que continua sobrevivendo. Ao menos dos que não existiam antes disso. Existem uns dois que já funcionavam antes.
Eu venho de um ativismo na área de saúde. Trabalhei com um grupo chamado Rede de Saúde da Mulher que não recebe dinheiro algum da indústria e já tinha experiência com essa história de tentar promover mudança social sem ter orçamento…
Produzimos vídeos com gente que trabalhou na indústria, escrevemos análises de artigos acadêmicos, divulgamos material educacional na internet e não recebemos mais dinheiro desde 2008.
Viomundo – Como estão sobrevivendo?
AFB – Estamos sobrevivendo de doações individuais e organizamos uma conferência todo ano. Pedimos algum dinheiro para a escola e cobramos uma taxa de inscrição, apesar de deixarmos todo mundo que não tem dinheiro entrar de graça porque tem muitos estudantes e eles não pagam nada, por exemplo.
Levantamos um pouquinho de dinheiro com a conferência e algumas doações da escola. Por exemplo, a verba para estudar a relação entre cirurgiões e representantes dos fabricantes de material cirúrgico que ficam dentro da sala de operações ajudando os cirurgiões e ninguém sabe nada a respeito dessas relações e como começaram.
Ganhamos um dinheiro do departamento de filosofia da Georgetown para essa pesquisa. Mas a maior parte da nossa verba vem de contribuições individuais. Temos apenas um funcionário remunerado. Eu não ganho nada do projeto e temos voluntários. Quando o dinheiro acabou, em 2008, ninguém saiu. Todo mundo ficou no projeto. E continuaram fazendo trabalho voluntário nos últimos cinco anos.
Viomundo – Em um de seus artigos você  diz que a indústria farmacêutica promove doenças e não apenas a venda de remédios. Você pode explicar e dar exemplos do que está  falando?
AFB – Existe um número maior de pessoas saudáveis do que de pessoas doentes no mundo e é importante para a indústria fazer com que as pessoas que são totalmente saudáveis pensem que são doentes. Existem muitas maneiras de se fazer isso.
Uma delas é mudar o padrão do que caracteriza uma doença. Essa é uma área muito vasta e interessante. O padrão para diagnóstico de pressão alta e diabetes e colesterol alto caiu ao longo dos anos.
Viomundo – Para incluir mais gente nessas categorias de doentes?
AFB – Exatamente. Quando eu estava na escola de medicina, uma pressão de 12 por 8 era considerada perfeita. Era o alvo. E agora é considerada pré-hipertensão.
Viomundo – Como aconteceu essa mudança?
AFB – Existem comitês que fazem as recomendações para essas mudanças e eles estão cheios de gente que recebe dinheiro das grandes empresas farmacêuticas.
Por exemplo, o Programa Nacional de Educação sobre o Colesterol é supostamente independente e assessora o governo a respeito da maneira de administrar o colesterol.
O comitê que decidiu reduzir as metas tinha uma única pessoa com menos de três conflitos de interesse com os fabricantes de remédios de colesterol. Não sei nem se era zero, mas menos de três!
Obviamente, qualquer pessoa tomando decisões a respeito de remédios para um hospital ou um país não deve ter nenhum conflito de interesse com nenhum fabricante de remédios.
Outra forma de fazer com que pessoas saudáveis pensem que são doentes é expandir a categoria da doença ou até mesmo criar doenças.
Por exemplo, restless leg syndrome (síndrome da perna que não para). É uma doença real, neurológica, raríssima.
Mas foi redefinida de forma que se você está agitado durante a noite, pode ser diagnosticado com essa doença.
Outro exemplo é a doença da ansiedade social. É bom notar que a psiquiatria é a profissão mais suscetível a diagnósticos questionáveis porque todos os diagnósticos são subjetivos.
Dependem muito da cultura e não existe nenhuma prova, nenhum exame para comprovar a existência da doença. Por isso é um alvo.
Uma das categorias que talvez tenha sido criada é essa doença da ansiedade social que antes chamávamos de vergonha.
Outra que foi criada é osteopenia, ou baixa massa óssea, que agora é considerada precursora da osteoporose e a osteoporose é apenas um fator de risco. Não é uma doença, é uma indicação de risco para quedas e fratura de ossos.
Então a osteoporose é um fator de risco para um fator de risco de uma doença. E a osteopenia é um fator de risco para um fator de risco para um fator de risco.

Nicotina para sempre, mas não no cigarro
Viomundo – E eu aposto que existe um remédio para isso…
AFB – Claro. E os remédios mais usados podem aumentar o risco de fraturas se forem tomados por mais de cinco anos!
O Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) também seria um exemplo de algo que provavelmente existe, mas agora qualquer criança que não se comporta na sala de aula é diagnosticada com TDAH e medicada.
Outra coisa que foi inventada é TDAH em adultos. Antes só existia em crianças. Agora também existe em adultos e assim podem continuar tomando remédios o resto da vida.
Existe também um esforço para classificar o vício em nicotina como uma doença porque as empresas que vendem produtos para ajudar a parar de fumar… as empresas de seguro de saúde só cobrem os gastos com esses produtos por dois meses porque eles devem te ajudar a parar de fumar. Depois de dois meses você parou de fumar e pronto.
Mas existe um movimento das empresas que fabricam esses produtos para classificar esse vício como uma doença para que os seguros cubram o custo do uso desses produtos pelo resto da vida.
Assim, eles tentam provar para os fumantes que eles não podem parar e que é melhor substituir o cigarro por um desses produtos. Talvez seja melhor mesmo usar um substituto da nicotina do que fumar, mas quem está tomando essa decisão são as empresas farmacêuticas que usam formadores de opinião na comunidade médica. E essas decisões não são baseadas em Ciência.
São tomadas apenas porque empresas biomédicas poderosas garantem que as opiniões que são favoráveis a elas calem as opiniões contrárias.
Metads das pessoas que consegue eliminar o cigarro com sucesso simplesmente param de fumar. E a indústria farmacêutica odeia isso. Quer fazer com que as pessoas acreditem que necessitam da ajuda dela. E que não podem parar sozinhas ou talvez não possam nunca parar.
É um recado horrível não somente para os consumidores, mas para os profissionais de saúde dizer: “Seus pacientes não conseguem parar de fumar”. Porque isso é o que você tenta primeiro. Se isso não funcionar, então você usa um substituto. Mas alguns desses produtos também têm efeitos adversos.
Viomundo – Você diria que no fim do dia o dinheiro é a causa de todos esses problemas? A ganância? 
AFB – Acho que o mais importante é separar a indústria farmacêutica da educação, da regulamentação e das decisões a respeito de que remédios e tratamentos devem ser cobertos.
Não se pode permitir que a indústria se envolva com a educação, que influencie a regulamentação e participe dos comitês que decidem que remédios são cobertos.
Eles podem apresentar argumentos e, se tiverem informações, podem apresentar para o comitê. Mas as pessoas que participam desses comitês não podem ter conflitos de interesse.
E uma das armadilhas é o seguinte conceito: “Eu não tenho conflito de interesses com essas empresas em particular”. Se estou avaliando um remédio, talvez eu tenha uma relação com a empresa B, mas estamos avaliando um produto da empresa A. Então não é um conflito de interesse.
Isso é uma tremenda armadilha por vários motivos. Um deles é que promover um remédio é muito mais do que divulgar os benefícios daquela droga. Pode ser também divulgar informações negativas a respeito de outros remédios. Divulgar informações negativas a respeito de dietas e exercícios. E não está mencionando o remédio da empresa com a qual tem relações.
O que muita gente não sabe e é muito importante é que a promoção de um remédio às vezes começa dez anos antes dele chegar ao mercado. Essa droga pode nem ter sido testada em humanos ainda, mas a empresa já está tentando plantar a semente na cabeça dos médicos de que a doença é um grande problema, que não é brincadeira.
“TDAH destrói vidas. Síndrome da ansiedade social destrói vidas. É uma epidemia trágica. Muito mais séria e abrangente do que você pensa”.
Isso começa anos antes. Pessoas são pagas para falar sobre isso. Quando a droga chega ao mercado você diz “graças a Deus surgiu um remédio para essa doença incurável da qual ouço falar há anos!”.
Viomundo – Por que a população em geral e os médicos, em particular, caem nessa armadilha tão facilmente e com tanta frequência?
AFB – Olha, é mais difícil enganar a população do que os médicos. É muito fácil enganar os médicos. Por vários motivos. Ao menos nos EUA, os médicos, em geral, vêm das classes mais altas da sociedade. Nunca venderam nada. Não têm vendedores na família. Não têm familiaridade com técnica de vendas.
Às vezes conversamos com estudantes que têm vendedores na família e eles identificam claramente as técnicas de vendas. Os médicos não reconhecem. Não apenas vêm das classes mais altas, mas também são ingênuos.
Aparentemente, nos Estados Unidos, e não sei se isso se aplica também ao Brasil, os médicos são mais suscetíveis a golpes financeiros. Eles são inteligentes. São muito bons nas provas de múltipla escolha. Mas não têm esperteza. São crédulos. Para mim foi muito interessante descobrir isso.
Viomundo – Isso não é apenas uma maneira de desculpá-los facilmente? Eles não deveriam ter mais responsabilidade sobre o que estão fazendo?
AFB – Mas eles não são expostos… Ok, nós fazemos uma apresentação chamada “Porque o almoço é importante” e trabalhamos nela com muito cuidado. Usamos psicologia social para ajudar os médicos a perceber esses truques. Uma das coisas que fizemos na apresentação foi, numa das primeiras vezes que a testamos, espalhei pessoas na plateia para anotar os comentários que os médicos faziam. Pegamos os comentários mais comuns e transformamos em slides. Depois usamos esses slides com outras plateias e teve um efeito impressionante.
Um deles, por exemplo, dizia: “Você está errado, os representantes das indústrias farmacêuticas são meus amigos!” ou “eu sou muito inteligente para ser comprado por uma fatia de pizza e você está sugerindo isso!”
Pusemos esses comentários nos slides e depois explicamos porque estavam errados. Os médicos ficaram chocados. Realmente chocados! Porque mostramos o que estavam pensando. Foi muito eficaz.
As pessoas saíram das nossas apresentações jurando que jamais receberiam um representante da indústria novamente. Nunca iriam a um jantar pago pela indústria novamente. Ninguém gosta de ser enganado e quando você descobre que está sendo enganado você fica com raiva. E eles não estavam com raiva de nós e sim dos fabricantes de remédios.
A grande maioria dos médicos quer fazer o melhor para seus pacientes. Existem alguns que fazem qualquer coisa por dinheiro. Mas eles são a minoria. A maioria quer fazer o melhor para os pacientes. Mas eles não se dão conta de que as fontes das informações que recebem são contaminadas, que estão sendo manipulados pela indústria de diversas maneiras.
Que a indústria controla a informação sobre remédios apresentados em encontros médicos, em publicações médicas, em toda fonte de informação da qual eles dependem. E não gostam quando descobrem isso.
Viomundo – Como é possível mudar tudo isso se a indústria controla a pesquisa e o desenvolvimento de novos remédios, os testes em humanos, tem um dos maiores lobbies no Congresso e assim controla as leis escritas a respeito dela. Como escapar dessa situação?
AFB – Acho que é preciso promover mudanças em várias frentes. Algumas coisas mudaram um bocado, nos EUA, nos últimos cinco a dez anos. Ainda existe muito a fazer, mas acho que boa parte é expor os problemas.
Trabalhos como o da ProPublica divulgando na internet os pagamentos para médicos, de forma simples e acessível. A divulgação obrigatória [do que os médicos recebem da indústria] é importante. Mas não é suficiente.
Algumas mudanças tem que vir da profissão médica mesmo. Ela tem que recusar a relação com a indústria em nível individual ou no nível das sociedades médicas que aceitam dinheiro da indústria. As sociedades médicas têm que parar de receber dinheiro.
Os médicos têm que recusar presentes e temos que tirar todas as pessoas que tenham qualquer conflito de interesse com a indústria farmacêutica dos órgãos decisórios sobre riscos e benefícios de remédios.
Tem que haver reformas legislativas também. Você mencionou a pesquisa, que é muito importante. Nos EUA, há 30 anos, o Instituto Nacional de Saúde financiava 70% de todas as pesquisas biomédicas. Agora, é a indústria que financia 70% das pesquisas biomédicas. Isso é um problema.
Precisamos de mais financiamento do governo. Testes financiados pelo governo às vezes descobrem que remédios antigos são melhores do que os novos. A indústria nunca vai financiar esse tipo de estudo. A indústria financia vários estudos e só publica aqueles dos quais gosta, o que faz sentido de um ponto de vista de negócios.

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Viomundo – Sim. Mas não faz o menor sentido para a minha saúde.
AFB – Exato. Existe um movimento internacional para obrigar as empresas a divulgarem as informações de testes em humanos. Se não publicarem, têm que disponibilizar os dados para que outros pesquisadores possam publicá-los, o que é ótimo!
Isso vem do ativismo da comunidade da saúde. Mas algo tem que ser feito pela comunidade médica. Quando vamos à comunidade médica com nossas apresentações, quando explicamos a eles, em geral reagem bem.
Eles vão eliminar essas relações se acharem que são ruins para os pacientes. Então, parte da solução é a educação e também divulgação obrigatória, exposição, legislação, regulamentação… são várias frentes.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Medicina cubana...


'Não há dengue em Cuba'

A médica cubana Ceramides Almora Carbonell, 42 anos, falava emocionada da recepção calorosa dos brasileiros, quando concedeu entrevista à Carta Maior nos corredores da Fiocruz, em Brasília, onde médicos brasileiros e estrangeiros que irão atuar no Programa Mais Médicos participam de um curso de formação. Na entrevista à Carta Maior, ela fala sobre sua experiência como médica e sobre a situação da saúde em seu país. Por Najla Passos.

Brasília - A médica cubana Ceramides Almora Carbonell, 42 anos, ainda falava emocionada da recepção calorosa dos brasileiros, quando a encontrei nos corredores da Fiocruz, em Brasília, onde médicos brasileiros e estrangeiros que irão atuar no Programa Mais Médicos participam de um curso de formação. Ela nasceu em Guane, um pequeno município de 35 mil habitantes na província de Pinar del Rio, famosa pela produção dos charutos cubanos. Aos 5 anos, mudou-se para a capital, onde cursou o estudo básico e médio. Com 17 anos de prática médica e experiências internacionais em Honduras e Bolívia, está divorciada há dois anos e não possui filhos. Decidi iniciar por aí nossa entrevista.

- É mais fácil deixar seu país quando não se tem marido e filhos?, questionei.

“Não tenho marido e filhos, mas tenho família: pai, mãe, irmão. Mas mesmo meus colegas que têm filhos, não temem deixá-los porque sabem que, em Cuba, eles serão muito bem assistidos, terão acesso gratuito à educação e saúde de qualidade. Além disso, os colegas médicos que permanecem na ilha criam uma espécie de rede de solidariedade para atender as famílias dos que estão fora. Nossos companheiros policlínicos visitam nossas famílias e cuidam para que sejam assistida nas suas necessidades. Eles ligam para meus pais, visitam minha casa e, assim, posso viajar tranquila”, explicou. 

- Seus pais também são médicos?

“Não. Eles são professores, já aposentados".

- E seu irmão, é médico?

“Não, eletricista. Sou a única médica da família”.

- E como você decidiu fazer medicina?

"Em Cuba, as escolas promovem ciclos de interesse que vão combinando as coisas que você gosta desde pequena. Por exemplo, vão bombeiros, professores, esportistas e vários outros profissionais, dentre eles os médicos. Isso para formar, desde pequeno, conhecimento sobre todas as áreas. Eu sempre gostei sempre da medicina. No ensino médio, participei do ciclo de interesse de cirurgia experimental e, depois, ainda participei do ciclo de medicina geral e integrada, ainda em Pinar Del Rio. Depois passei pela faculdade de medicina, seis anos de muito estudo. Era um período muito duro. Mas consegui nota máxima em todas as disciplinas. Em seguida, prestei os dois anos de serviço social obrigatório em Guane".

- Você voltou a sua cidade natal para clinicar?

"Sim, é uma cidade muito pequena, mas gosto muito de trabalhar lá".

- Não fez nenhuma especialização?

"Depois do serviço social, fiz três anos de especialização em medicina geral e integrada, como todos os médicos cubanos que vieram para o Brasil. Seria o equivalente, aqui no Brasil, a medicina familiar, que ensina ver a pessoa no seu conjunto. Fiz a especialização em dois níveis. Sou mestre em Procedimento e a Diagnósticos Primários de Atenção à Saúde".

- E como você aprendeu o português?

Meu pai morou na Guiné Bissau por um ano e se apaixonou pelo idioma. Ele me ensinava desde que eu era bem pequena. 

- Você disse que, em Cuba, os estudantes escolhem fazer medicina por vocação. No Brasil, os cursos de medicina são os mais caros, nas universidades particulares, e os mais concorridos, nas universidades públicas e, com isso, acaba que praticamente só os mais ricos, que têm como pagar uma educação de maior qualidade, conseguem acesso a eles.

"Em Cuba, a oportunidade é a mesma para todos os cubanos. Primeiro, não há classes sociais diferentes. Todos somos iguais. Não há discriminações por sexo ou raça. Sou mulher, sou mulata, mas estou aqui como todos os outros companheiros da brigada."

- Os brasileiros têm muita dificuldade em entender como vocês podem vir para cá sem receber o mesmo salário pago aos demais profissionais que integram o programa, como vocês aceitam que parte dos seus salários seja retida pelo governo. Como você vê isso?

"Eu conheço essa polêmica capitalista. É que vocês não entendem que nós não trabalhamos por dinheiro, mas por solidariedade, humanismo. O comandante Fidel Castro, nosso líder nacional e também latino-americano e mundial, tem uma frase que diz que “ser internacionalista é saldar nossa própria dívida com a humanidade”. E nós carregamos esse conceito em nosso coração. Desde pequenos, já aprendemos sobre internacionalismo, solidariedade, honradez, bondade, profissionalismo. Eu acho até que o povo cubano não poderia viver sem esses conceitos, que estão na base da sua cultura. Como diz nossa ministra da Saúde, temos um recurso muito grande, que é nosso próprio conhecimento e o amor do nosso povo por outros povos irmãos".

- Você falou que já esteve em outras missões internacionais...

"Sim, trabalhei por dois anos na Bolívia, em Potosí, o departamento mais pobre do país. Um lugar cheio de riquezas, mas onde o povo é muito pobre.
Também atuei em Três Cruzes, uma aldeia muito pequena e pobre. Lá, eu tive o prazer de trabalhar muito e conseguir inaugurar um hospital. Em Honduras, trabalhei em Nova Esperança, em municípios muito pobres.

- E, nesses locais, vocês tinham acesso a equipamentos, infraestrutura e tecnologia para atender adequadamente os pacientes? 

"Não. Nós trabalhávamos com o método clínico. Nós examinávamos os pacientes. Tocávamos as pessoas, conversávamos com os doentes. A falta de tecnologia não é problema para mim e nem para a brigada cubana, que trabalha muito com este método. E é com isso que esperamos melhorar muito a saúde do seu povo. Muitos países não têm dinheiro para pagar a tecnologia avançada. Sei usar um ultrassom, mas pratico muito o método clínico". 

- Outra crítica das entidades médicas brasileiros é que, em Cuba, por conta do longo embargo econômico, o acesso à tecnologia é muito restrito, o que provoca uma defasagem na formação dos médicos e os impossibilita de atuar adequadamente no Brasil. Você concorda com isso?

"Cuba é um país pobre e bloqueado, mas nossos indicadores de saúde são excelentes. E isso não tem a ver com muita tecnologia. Estamos entre os cinco países com menor índice de mortalidade infantil: menos de 4,5 por mil nascidos vivos. Isso é graças ao nosso esforço, porque estudamos muito, investimos em pesquisas, praticamos muito o método clínico, e isso faz a diferença. Também temos uma vigilância epidemiológica muito boa, fundamental para todos. E a saúde cubana é multissetorial: até a população participa. A dengue, por exemplo, é uma doença transmissível. Se o governo não educa sua população, todos morremos. 

- Há dengue em Cuba?

"Não, não há. Eu citei a dengue porque é uma doença comum no Brasil. Já atendi muitos pacientes com dengue, mas em Honduras. Não em Cuba, que temos uma vigilância epidemiológica forte. E nem na Bolívia, porque atuei no altiplano, onde é muito frio".

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

A institucionalidade participativa


A institucionalidade participativa
por Francele Cocco
As mobilizações das últimas semanas evidenciaram as aspirações da população pela ampliação da democracia no Brasil. Para debater as institucionalidades participativas existentes, entrevistamos Anna Luiza Salles Souto, socióloga e membro do Instituto Pólis, e Rosangela Dias Oliveira da Paz, assistente social e professora da PUC/SP, que acabam de coordenar uma pesquisa sobre o tema
DIPLOMATIQUE – O que se construiu no Brasil como mecanismos de participação? Isso foi uma conquista?
ROSANGELA – Temos de entender que as instâncias de participação são uma conquista dentro do processo de construção democrática. A construção desses espaços deu-se nos anos 1990, respondendo a uma demanda por democratização das relações entre o Estado e a sociedade civil.
ANNA LUIZA– Essa demanda remonta aos anos 1970, vem do movimento dos sanitaristas, os conselhos de saúde foram a fonte inspiradora de outros conselhos. Foi um movimento que foi se formando, que foi experimentando a participação nessas instâncias, até chegar a 1988, quando havia força política para escrever isso na Constituição.
DIPLOMATIQUE – Que mecanismos de participação existem?
ROSANGELA – Basicamente nós temos nos mecanismos de participação os conselhos e as conferências; há outros instrumentos de democracia direta, mas eles têm outra natureza. Os conselhos de políticas públicas têm um papel muito mais de controle social, de fiscalização e de deliberação da política. Já as conferências são um processo que amplia significativamente a participação dos cidadãos. Hoje há mais de setenta conselhos nacionais instalados, que vão se reproduzir na esfera estadual e na esfera municipal. Na pesquisa que Pólis e Inescrealizaram, chegamos a levantar 71 conselhos e 74 conferências no período de 2003 a 2010.
DIPLOMATIQUE – O que esses conselhos fazem? Eles decidem alguma coisa?
ROSANGELA – Esse estudo olhou para todos os conselhos nacionais e para as conferências nacionais. Os conselhos são muito distintos, em sua maioria são deliberativos, 38 têm caráter deliberativo e 24 são consultivos, mas nem por isso há uma alta incidência na política.
ANNA LUIZA – Esses conselhos no plano nacional são predominantemente masculinos, e nos conselhos locais há uma presença significativa das mulheres. Quanto mais se sobe na hierarquia do poder, na estrutura federativa, mais eles vão se masculinizando, ainda que a presença de mulheres nos conselhos nacionais seja maior do que no Parlamento.
Ser deliberativo não é suficiente. Os conselhos que conseguiram incidir na agenda governamental ou na agenda pública são os que têm atores com uma força política grande. A capacidade de incidência depende de quem está lá e também do lugar que essa questão ocupa no projeto do governo.
ROSANGELA – Essas instâncias de participação começaram a representar a possibilidade de um compartilhamento de projetos entre governo e sociedade civil. Nesse diálogo, nesse compartilhamento de projetos, a disputa está presente, mas há mais escuta governamental − esse é um dado que aparece nos anos 2000 diferentemente do que era nos anos 1990.
DIPLOMATIQUE – O que é compartilhamento de projetos?
ROSANGELA – Por exemplo, o Sistema Único de Assistência Social [Suas] não é um projeto de governo, é um projeto de Estado, e no Suas se começa a criar consenso em torno de algumas propostas que são governamentais ou que eram da sociedade civil e passaram a ser governamentais.
No caso do Sistema Único de Saúde, há uma disputa muito grande quanto à terceirização dos serviços, às privatizações etc., mas a defesa do sistema único de saúde público cria um compartilhamento de projeto, e nesse sentido se reforçam e se fortalecem posições nessa disputa.
ANNA LUIZA – Houve um adensamento, uma proliferação de instâncias de participação durante o governo Lula. Conselhos foram criados, outros reativados, conferências foram feitas pela primeira vez sobre temáticas como a da juventude, mas há áreas blindadas.
DIPLOMATIQUE – O que é uma área blindada?
ANNA LUIZA – Por exemplo, Minas e Energia. Não existe Conselho de Minas e Energia. Isso para não falar das questões relacionadas à área econômica, às questões estratégicas. Existem conselhos para todas as áreas de políticas sociais, mas existem áreas em que nunca se aventou a criação de conselhos: são as áreas estratégicas, a área econômica.
Os grandes projetos correm por fora. Não é à toa, por exemplo, que dá problema com os índios lá em Belo Monte, porque existe uma instância de debate, de negociação, de explicitação dos distintos interesses presentes na sociedade em torno daquela questão.
DIPLOMATIQUE – E com o Conselho das Cidades? O programa Minha Casa, Minha Vida sai da Casa Civil. Como você vê isso?
ANNA LUIZA – Esse é o caso emblemático. Não é só o Minha Casa, Minha Vida; o PAC inteiro corre por fora. Fica a pergunta: o que é efetivamente discutido dentro do Conselho? O que passa pelo Conselho e o que não passa? O que passa, passa como? E o que não passa, por que não passa? Ainda que exista hoje uma explosão de estudos sobre participação, há as famosas perguntas que não querem calar e que ninguém respondeu ainda.
DIPLOMATIQUE – Rosangela, o que você diz sobre a existência de um sistema de participação e decisões que passam por fora?
ROSANGELA – Existe de fato um núcleo duro do projeto de governo que não interessa abrir ao debate e à participação. São os interesses econômicos, sim, e acho que o PAC [Programa de Aceleração do Crescimento] e o Minha Casa, Minha Vida são exemplos disso. Mas há áreas em que o governo é permeável à participação, que influi sobre o desenho das políticas. Isso foi possível na área da juventude, na igualdade racial, na assistência social e em muitas outras. Se olharmos para as áreas setoriais, a participação estruturou sistemas de política pública nas três esferas. E isso é muito significativo.
Esse sistema participativo dialoga com setores organizados da sociedade. Para você participar, tem de ser organizado numa instituição ou num movimento. É difícil você ver o sistema participativo aberto a uma participação mais informal para o cidadão.
Há um distanciamento dessas instâncias do que acontece nas cidades, no cotidiano das pessoas que pegam ônibus, que ficam horas em filas, que pagam suas despesas. As instâncias de participação não respondem ao cotidiano imediato das pessoas; a participação é para o sujeito politicamente organizado e para as entidades de representação de segmentos. Essa é a divisão que foi feita lá no final dos anos 1980.
ANNA LUIZA – É necessário mexer no desenho da representação, tornar essas instâncias mais representativas da diversidade de atores que estão na sociedade. As instâncias de participação são uma aposta política; a democracia participativa é para ampliar as vozes na arena pública e de fato ampliou, mas ampliou e cristalizou, e aí eu acho que precisa de oxigenação.
DIPLOMATIQUE – Como seria isso?
ANNA LUIZA – Por exemplo, as representações são por segmentos, que estão delineados e não se mexe nisso. Mudam-se os representantes, mas não se muda a representação do segmento. Com isso se excluem novos atores e novas agendas. Acho que é necessária uma coisa mais aberta à diversidade.
ROSANGELA – Outro exemplo é no segmento dos trabalhadores. Para você ir a um conselho nacional tem de ser de uma central sindical, de uma federação ou de um órgão equivalente. Qualquer outra forma de organização dos trabalhadores não é reconhecida no sistema participativo. Os conselhos teriam de prever a possibilidade de que uma assembleia de trabalhadores muito mais horizontal pudesse indicar seu representante.
ANNA LUIZA – É um engessamento. E por que não uma renovação permanente, para que outros interesses, com outras agendas, possam ser colocados para dentro dessas institucionalidades? Por que são sempre os mesmos interesses ali representados?
ROSANGELA – Uma organização deve representar uma ideia, um projeto e um grupo. Com a cristalização da representação, a gente começa a perder a ideia de volta para a base. Cadê a base? Cadê os fóruns da sociedade civil, cadê os movimentos sociais organizados? Há nesse processo um distanciamento e uma perda na representação.
O que está colocado para algumas representações é a defesa do seu projeto, da sua organização, da sua igreja, do seu partido. Então elas vão estar presentes nos vários conselhos. É possível mapear uma estratégia política de um setor da sociedade que quer estar presente onde acha que é fundamental estar.
ANNA LUIZA – Precisaria de estudos que aprofundassem melhor essa questão: que desenho é esse? Por que algumas demandas são mais legítimas do que outras? A representação deve ser rotativa; é preciso haver vários olhares oxigenando a agenda do país.
DIPLOMATIQUE – Você falou que esse processo participativo estruturou políticas, estruturou a participação ou estruturou as políticas?
ROSANGELA – Acho que os dois. Eu falo da experiência do Conselho de Assistência Socialporque eu fui conselheira, representando a Abong e o Pólis. Estruturou a participação de uma área muito despolitizada, cujos atores foram convocados a participar. Mas estruturou também a política, no sentido de que todas as mudanças na política tiveram de passar pelo Conselho e foram deliberadas por ele.
DIPLOMATIQUE – A política brasileira mudou muito a partir das conferências? Que sugestões e encaminhamentos foram dados aos organismos de governo? Como sabemos o que mudou?
ROSANGELA – Esse é um dos temas de estudo para aprofundarmos. A pesquisa apontou que as conferências desse período, 2003 a 2010, aprovaram 14 mil propostas, algumas delas que se sobrepõem, algumas que se contradizem. Em certos casos, como em relação ao aborto, há deliberações contraditórias, e não sabemos como foram tratadas, se foram tratadas. Quantas dessas 14 mil propostas se tornaram política pública, tiveram uma efetividade ou impactaram a política?
ANNA LUIZA – Eu acho que existem pontos positivos. No campo da juventude, a prioridade da 1ª Conferência Nacional de Juventude era a luta contra o genocídio da juventude negra; passados quatro ou cinco anos, isso se transformou numa prioridade de governo, que é o Plano Juventude Viva.
ROSANGELA – Um bom exemplo é o do Consea: a cada dois anos faz uma conferência de monitoramento do que foi deliberado e só depois de dois anos há uma nova conferência para novas deliberações. Essa é uma indicação interessante para outras áreas e para o Sistema Nacional de Participação que está em discussão no governo federal.
DIPLOMATIQUE – As conferências apresentam pleitos e o governo escolhe? É uma escuta, que eles chamam de escuta forte, ou um processo deliberativo? Como se encaminha isso?
ANNA LUIZA– É uma escuta, mas existem atores que berram mais alto e se fazem escutar. Não é que simplesmente o governo escolhe, também há a correlação de forças, ou isso já estava na agenda do governo e, portanto, a conferência reforça e legitima a proposição governamental.
ROSANGELA– O governo também vota nas conferências, ele também está presente, então parte dessas propostas deliberadas é legitimação de propostas governamentais que já estão em curso.
ANNA LUIZA– Eu volto à questão da necessária oxigenação dos segmentos que estão presentes. Quem convoca as conferências? Se forem sempre os mesmos segmentos, temos aí um problema, porque você muda as pessoas, mas não muda os segmentos que estão representados e suas demandas.
Somente em 18% dos conselhos mapeados no nosso estudo há a eleição para a escolha de representantes. Em 29% deles a indicação foi por ministro ou órgão ao qual o conselho se vincula, e em 31% dos conselhos seus integrantes são representantes de organizações mencionadas em atos normativos.
DIPLOMATIQUE – Nós temos de fato então uma representação da sociedade nesses conselhos?
ANNA LUIZA – Temos de parte da sociedade.
DIPLOMATIQUE– Quem ficou de fora?
ANNA LUIZA– Quem tinha menos capacidade de organização no momento da criação dessas institucionalidades, eu não sei se teve modificação no desenho das representações nesses 25 anos. O desafio é a gente ousar experimentar mudanças. Enfim, acho que as manifestações de rua, de junho, nos desafiam a pensar isso.
ROSANGELA – Alguns setores organizados não tiveram força para garantir sua representação, e alguns setores deliberadamente disseram não para esses espaços. O movimento de moradia é um exemplo interessante, que combina as duas coisas, não saiu da rua, não saiu das ocupações dos prédios e vai para conselhos das cidades, mesmo não sendo deliberativos, com toda a crítica que fazem a ele.
DIPLOMATIQUE – Nesses conselhos estão incluídos os empresários também, ou não?
ANNA LUIZA – Em alguns casos estão. Mas que empresários? As grandes corporações não estão certamente, pois seus espaços de interlocução são outros.
DIPLOMATIQUE – Nós tivemos em junho aqui no Brasil mais de 2 milhões de pessoas nas ruas, cerca de quatrocentas cidades tiveram manifestações. Com essa mobilização toda, esses conselhos foram superados?
ANNA LUIZA – No nosso estudo buscamos também discutir as utopias em torno da democracia participativa. Foram feitas várias entrevistas e, ao falarem sobre as utopias que mobilizaram e seguem mobilizando diversos atores políticos, os entrevistados acabaram fazendo uma avaliação das estruturas participativas no Brasil e uma autoavaliação sobre sua aposta política nas instâncias de participação. Nessa autoavaliação, eles dizem: ocupamo-nos demais com as institucionalidades e nos esquecemos das ruas. Uns falavam que a questão da utopia passava pelo resgate das ruas; outros, pelo resgate da educação popular; outros falavam ainda no necessário adensamento das institucionalidades, enfim, mas o “nos esquecemos da rua” foi bastante significativo.
As manifestações de rua resgatam e fortalecem a utopia da democracia participativa. As institucionalidades devem ter a sabedoria e a ousadia de se repensar − acho que esse é o desafio, repensar isso, sobretudo a sociedade civil, tensionar para que essa democracia participativa tenha cacife ou capital social, que é a mobilização.
DIPLOMATIQUE – Rosangela, eu entendi que a Anna Luiza disse que a participação nas ruas é o que está dando a verdadeira energia renovadora para a democracia brasileira. Isso quer dizer que os conselhos já foram, ficaram para trás?
ROSANGELA – Não, os conselhos hoje têm de ser revistos. Eles vão passar por um teste importante este ano. O impacto das manifestações nos conselhos é significativo, pois eles vão ser questionados: como funcionam, como é a representação, como é feita a eleição, como se publica o que é feito nesses conselhos, o que é discutido, o que não sai de dentro dos conselhos... É uma pauta imensa, uma agenda para discussão muito grande, mas me parece que os conselhos hoje têm a oportunidade de se renovar, senão eles vão perder o bonde.
O que está colocada é a combinação da democracia direta com a democracia representativa, é o tema da reforma política, é a democracia participativa e as instâncias, porque um pedacinho da democracia participativa são as instâncias de participação; elas têm de ser revistas no seu modo de funcionamento, na sua representação, na sua deliberação, na sua efetividade, no seu diálogo com a sociedade.
DIPLOMATIQUE– Mas não há nenhum sinal de que o governo esteja promovendo isso. Ele está organizando um monte de conferências para o semestre que vem sem absolutamente mudar qualquer coisa nos seus procedimentos. Isso é um sinal promissor?
ANNA LUIZA – As próximas conferências serão um termômetro: as ruas vão conseguir ocupar as conferências, “invadi-las” com seus temas? Para além de querer mais saúde, mais e melhores políticas públicas, as ruas estão falando: nós queremos participar.

Francele Cocco
Historiadora e editora web do Le Monde Diplomatique Brasil


Ilustração: Daniel Kondo