terça-feira, 8 de julho de 2014

Os marxistas e a Questão Palestina: os desafios da esquerda - A Verdade » Um jornal dos trabalhadores na luta pelo socialismo



Os marxistas e a Questão Palestina: os desafios da esquerda








PalestLandA
Questão Palestina sempre despertou o interesse de intelectuais e
organizações de orientação marxista, pois a luta entre as potências
capitalistas europeias e o Império Turco-Otomano pelo controle desse
território ocorre num período de expansão do capital industrial e
financeiro para o chamado “Oriente Médio” e para a Ásia. Expansionismo,
militarismo e guerras de conquista são características típicas da fase
imperialista do capitalismo, que produz uma desigualdade entre as nações
e impõe uma desigual Divisão Internacional do Trabalho. Longe de
promover uma situação homogênea no campo das relações internacionais, o
processo de internacionalização do capital e do capitalismo tem como
resultado a produção de inúmeros conflitos regionais cujo centro da
disputa é a definição das fronteiras nacionais, o estabelecimento de
novas nações que atendam interesses de nacionalidades oprimidas ou a
luta pela independência e soberania. Portanto, diversas lutas nacionais,
nacionalistas, anticolonialistas e antiimperialistas se desenvolvem,
surgem e se multiplicam durante os séculos XIX e XX. E é nesse contexto
que a Palestina, por vários motivos, adquire importância estratégica
para os projetos políticos da classe dominante da Europa e do Mundo
Árabe.
A análise marxista da situação concreta
da Palestina sempre exigiu a combinação de alguns elementos
fundamentais: 1. Reconhecer que a libertação nacional aparece como
reivindicação prioritária nas lutas desse povo; 2. Realizar um esforço
para identificar os interesses de classe presentes no dia-a-dia do
intenso movimento da resistência nacional palestina; 3. Tentar
compreender quais são e como pensam e atuam as organizações marxistas e
de esquerda no interior do movimento da resistência nacional palestina,
suas ideias principais, seu programa, suas táticas, etc.
As origens do conflito atual: sionismo e imperialismo invadem a Palestina
A Palestina é um território de 27.000 km2
que se localiza entre o Egito, Líbano, Síria e Jordânia, tendo um vasto
litoral com saída para o Mar Mediterrâneo. Pelo sul da Palestina
chega-se ao Golfo de Ácaba, que levará qualquer navegante ao Mar
Vermelho, Golfo de Áden, Mar da Arábia, Golfo de Omã e Oceano Índico. Do
ponto de vista econômico, político e militar, sua localização é
estratégica. A Palestina fica no centro do mundo, na divisa entre a
África e a Ásia, e bem próxima da Europa. Por isso tal território sempre
foi alvo de invasões ao longo de sua história. A região também sempre
foi importante rota comercial terrestre e marítima. Durante o final do
século XIX a Palestina estava sob o domínio do Império Turco-Otomano. Na
Europa e na Rússia cresce o número e a força de grupos que perseguiam
os judeus (“pogroms”). Também nesse período surge um movimento
nacionalista judaico chamado Sionismo, que adota esse nome em referência
a uma colina de Jerusalém (Sion) onde havia sido construído o Templo de
Salomão.
Um dos fundadores do movimento sionista
foi Theodor Herzl (1869-1904). Herzl nasceu em Budapeste e estudou em
Viena, duas cidades importantes do então Império Austro-Húngaro. Vinha
de uma família de banqueiros, e elaborou sua concepção nacionalista
judaica num livro chamado O Estado Judeu, publicado em 1896. Em
1897, Herzl e outros adeptos do Sionismo se reúnem no I Congresso
Sionista, em Basiléia, na Suíça. A resolução final do Congresso falava
da criação de um “lar nacional para os judeus”, algo que já estava
presente no livro de Herzl, apontando a Argentina ou a Palestina como os
locais mais favoráveis para a realização de tal empreendimento. A
partir daí os sionistas correram o mundo para angariar recursos
financeiros e apoio político para sua proposta. Herzl e seus seguidores
vão estabelecer contatos com os governos da Inglaterra, da Alemanha, com
o Império Turco-Otomano, com banqueiros, industriais e comerciantes
judeus e não-judeus, visando fortalecer a ideia da necessidade de um
Estado Judeu. A comunidade judaica europeia se divide, e nem todos
apoiam a ideia sionista, mas esse movimento consegue o apoio da
burguesia judaica e de setores importantes da burguesia não-judaica
europeia. Em seu livro Herzl já afirmava sua preferência pela Palestina,
que chamava de “pátria histórica” dos judeus, e dizia que o Estado
Judeu seria “para a Europa, um pedaço de fortaleza contra a Ásia,
seríamos a sentinela avançada da civilização contra a barbárie” (O
Estado Judeu, 1998: p.66). Tal afirmação comprova o vínculo entre
sionismo e imperialismo, pois o objetivo de Herzl era obter o apoio das
potências imperialistas que dominavam o mundo, e em especial o Oriente
Médio, para que a Palestina fosse entregue à burguesia judaica, para que
a mesma transformasse esse território numa fortaleza militar contra o
avanço do nacionalismo árabe e de possíveis movimentos antiimperialistas
que cresciam no Oriente Médio do período pós-Primeira Guerra Mundial.
Segundo o intelectual marxista estadunidense Ralph Schoenman,
O que distingue o movimento sionista dos
demais movimentos coloniais é a relação entre os colonos e o povo a ser
conquistado. O movimento sionista tem como objetivo declarado não
somente explorar o povo palestino, mas também dispersá-lo e
expropriá-lo. A intenção era substituir a população nativa por uma nova
comunidade de colonos, expulsar os camponeses, os artesãos e a população
urbana da Palestina e substituí-los por uma força de trabalho
completamente formada por colonos (…) Ao negar a existência do povo
palestino, o sionismo pretendia criar o clima político para expulsá-lo não somente de sua terra, mas também da história (Schoenman, 2008; p. 47).
Com a derrota do Império Turco-Otomano na
Primeira Guerra Mundial (1914-1918), França e Inglaterra invadem o
Oriente Médio e dividem entre si a região, ficando a Palestina sob o
domínio britânico de 1918 a 1948. Nesse período o movimento sionista
está consolidado, e sua ambição de construir um “lar nacional para os
judeus” na Palestina ganha ainda mais apoio, devido ao massacre de
judeus pelos nazistas na Europa da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Criam-se, então, as condições favoráveis para a realização da profecia
que Herzl e seus seguidores elaboraram em 1897: criar o “Estado Judeu”
em cinqüenta anos. Durante vários séculos os judeus haviam passado por
um processo de assimilação, ou seja, haviam se integrado na comunidade
nacional de vários países. Trabalhavam, estudavam, participavam da vida
política, econômica, social e cultural de onde viviam, e muitos também
se envolviam nas lutas por justiça, democracia, igualdade e em defesa
dos trabalhadores contra a exploração do capital e do capitalismo. O
movimento Sionista divide a comunidade judaica e vai iniciar uma
propaganda em defesa de um nacionalismo burguês conservador e com um
conteúdo racista e antidemocrático. Basta ver a proposta de organização
política do Estado Judeu defendida por Herzl. Diz ele: “Considero a
monarquia democrática e a república aristocrática como as mais belas
instituições políticas (…) Sou amigo convencido das instituições
monárquicas porque elas tornam possível uma política permanente e
representam o interesse ligado a conservação do Estado de uma família
historicamente ilustre, nascida e educada para reinar (HERZL, 1998:
p.111 e 112)”. Sua posição elitista e antidemocrática considera “o
referendum como absurdo, pois, em política, não há questões simples que
possamos resolver por um sim ou por um não. Aliás, as massas são ainda piores do que os parlamentos
(grifo nosso) (…) Diante de um povo reunido, não podemos fazer nem
política exterior nem política interior (…) A política deve ser feita do
alto” (Idem, p.112).
Essa ideologia conservadora serviu de
base para a instauração do Estado de Israel. Para os marxistas,
compreender o conteúdo racista e conservador do sionismo é fundamental
para que possamos explicar a posição atual do governo de Israel em
relação ao povo palestino. Três ideias foram fundamentais para convencer
milhares de judeus a emigrar para a Palestina: 1) que a Palestina era
uma “terra sem povo” e os judeus eram um “povo sem terra”; 2) que a
Palestina é a “pátria histórica” dos judeus; 3) que os judeus são o
“povo eleito” por Deus. Essas ideias fizeram com que banqueiros e
grandes empresários judeus contribuíssem para a criação da Companhia
Judaica, empresa de colonização com o objetivo de comprar terras para
instalar colônias judaicas na Palestina. Durante os anos 20 e 30 do
século XX o crescimento dessas colônias deu início a uma série de
conflitos entre judeus sionistas e árabes-palestinos. Nos anos 40 o
movimento sionista começa a organizar grupos terroristas como o Irgun,
Stern e Haganah, que fazem ações armadas e atentados contra a população
árabe-palestina, com a intenção de intimidá-los através da violência,
fazer com que abandonem seus lares, suas propriedades e suas aldeias. O
Sionismo se organiza de três maneiras: 1) politicamente: através de
várias organizações nacionais e internacionais que visam buscar apoio
político de governos para seu projeto colonialista; 2) economicamente:
buscando recursos financeiros de empresários e banqueiros judeus e
não-judeus para a instalação de colônias na Palestina; 3) militarmente:
organizando grupos terroristas/paramilitares para espalhar o pânico
entre a população árabe-palestina, grupos que, depois de 1948, se
transformam nas Forças Armadas de Israel; 4) culturalmente: através da
difusão, pela indústria cultural, de ideias que buscam justificar a
dominação territorial da Palestina e o direito “histórico e sagrado dos
judeus” de ocupar aquela região[1].
Em 1947, como resultado de uma
articulação política internacional dirigida por representantes das
potências imperialistas (EUA, Inglaterra e França) e do sionismo
internacional, e com o apoio da União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas (URSS) e das recém criadas “repúblicas socialistas” do Leste
Europeu, a Organização das Nações Unidas (ONU) aprova a Partilha da
Palestina, que deveria criar naquela região dois Estados, um Judeu e um
Palestino. O Estado Judeu ficaria com 56,4% do território, o Estado
Palestino ficaria com 42,9%, e 0,7%, correspondente à cidade de
Jerusalém, seria administrado pela ONU, por ser local sagrado para
cristãos, judeus e muçulmanos. Além de receber a maior parte do
território palestino, o Estado Judeu ficou com as terras mais férteis.
No ano da partilha (1947), a população árabe-palestina era maioria
absoluta em 15 dos 16 subdistritos existentes. Somente em Jaffá a
maioria da população era formada por judeus. Eram 1.310.000 de
árabes-palestinos-muçulmanos e 630.000 judeus. Quem coordenou a votação
na Assembléia Geral da ONU foi o diplomata brasileiro Oswaldo Aranha,
ex-Ministro das Relações Exteriores. Orientado pelo governo brasileiro
para acompanhar o voto dos EUA, Aranha adiou por dois dias a votação,
para que o lobby sionista e estadunidense pudessem convencer outros
países sobre a necessidade da criação do Estado Judeu. No dia 29 de
novembro de 1947 a votação foi a seguinte: Favoráveis:
África do Sul, Austrália, Bélgica, Bolívia, Brasil, Bielo-Rússia,
Canadá, Costa Rica, Checoslováquia, Dinamarca, Equador, Estados Unidos,
Filipinas, França, Guatemala, Haiti, Holanda, Islândia, Libéria,
Luxemburgo, Nicarágua, Noruega, Nova Zelândia, Panamá, Paraguai, Peru,
Polônia, República Dominicana, Suécia, Ucrânia, União Soviética, Uruguai
e Venezuela. Contra: Afeganistão, Arábia Saudita, Cuba, Egito, Grécia, Iêmen, Índia, Irã, Iraque, Líbano, Paquistão, Síria e Turquia. Abstenções: Argentina, Chile, China, Colômbia, El Salvador, Etiópia, Honduras, Iugoslávia, México, Reino Unido. (GATTAZ, 2002, p. 94 e 95).
Em 14 de maio de 1948 os britânicos
deixam a Palestina e é fundado o Estado de Israel. Desde os primeiros
dias de sua existência, o governo sionista impediu a criação do Estado
Palestino, desrespeitando com isso a resolução 181 da ONU, que previa a
constituição de dois Estados. Tem início a Guerra da Palestina, onde de
um lado está o Exército Sionista-Colonialista de Israel e, de outro, a
população palestina, que desde esta época luta pela sua libertação, pela
criação de um Estado Laico e Democrático, onde possam viver em paz
judeus, cristãos e muçulmanos, onde seja garantido aos indivíduos o
direito de decidir e manifestar livremente suas posições políticas e/ou
religiosas. Portanto, desde 1948 o povo palestino vive uma tragédia:
foram expulsos de suas terras e de suas casas, e tiveram suas
propriedades roubadas ou destruídas pelo chamado Exército de Defesa de
Israel. Vilas e cidades palestinas vêm sendo constantemente destruídas
durante os 64 anos da Nakba (“A tragédia”). Milhares de pessoas seguiram
o caminho do exílio e os refugiados palestinos já chegam a 5 milhões.
E, ainda assim, milhares seguem resistindo dentro dos territórios
ocupados por Israel.
Em 1967, o expansionismo israelense se
intensifica. Novas colônias e assentamentos judeus-sionistas são criados
em Gaza, Cisjordânia e Jerusalém, agora tomada militarmente pelo
exército colonialista, em mais um desrespeito às resoluções da ONU sobre
a questão palestina. Além disso, Israel ocupa militarmente as Colinas
de Golan, que são da Síria, e a Península do Sinai, do Egito. A única
resolução da ONU que Israel respeitou até o momento foi a da sua própria
criação.
A Organização para a Libertação
da Palestina (OLP) enquanto principal instrumento da resistência: a
ofensiva contra o sionismo (1964/1988)
A resistência palestina já desenvolveu as
mais diversas formas de luta. Mas foi nos anos sessenta e setenta do
século XX que o movimento de libertação nacional palestino adquiriu
importância internacional, conquistando espaços junto a organismos
internacionais, governos e representações diplomáticas de vários países,
sendo apoiado pela maioria do bloco de países socialistas do Leste
Europeu (Alemanha Oriental, Polônia, Hungria, Bulgária, Tchecoslováquia,
Iugoslávia, Romênia), pela Albânia, pela China, pelo Vietnã, pela
Coréia do Norte, pela URSS, pelo Movimento dos Países Não-Alinhados[2],
pela Organização de Unidade Africana (OUA) e pela Liga Árabe[3]. Todo
esse apoio internacional à causa palestina produziu inúmeras resoluções
da ONU e condenações ao Estado de Israel, e gerou uma conjuntura
favorável para que a Organização para a Libertação da Palestina (OLP)
fosse convidada a falar na Assembléia Geral da ONU em 1974, quando
Yasser Arafat fez um discurso histórico para um plenário
majoritariamente a favor do cumprimento das várias resoluções sobre a
Questão Palestina. Arafat afirmava que
O mundo necessita de esforços tremendos
para que se realize as suas aspirações de paz, liberdade, justiça,
igualdade e desenvolvimento para que a sua luta seja vitoriosa contra o
colonialismo, imperialismo, neocolonialismo e racismo em todas as suas
formas, inclusive o sionismo(…) Nossa revolução é também para os judeus,
como seres humanos. Lutamos para que judeus, cristãos e muçulmanos
possam viver em igualdade, gozando os mesmos direitos e assumindo as
mesmas responsabilidades, livres da discriminação racial e religiosa (…)
Sou um rebelde e a liberdade é a minha causa. Bem sei que muitos dos
presentes aqui hoje se ergueram na mesma posição de resistência que
ocupo hoje e de onde devo lutar. Um dia vocês tiveram que converter
sonhos em realidade em sua luta. Portanto, agora vocês devem
compartilhar o meu sonho, o nosso sonho de um futuro de paz na terra
sagrada da Palestina (…) Apelo a todos vocês que permitam que o nosso
povo estabeleça soberania nacional independente sobre a sua própria
terra. Hoje eu venho portando um galho de oliveira e uma arma dos
lutadores pela liberdade. Não permitam que o galho de oliveira caia de
minha mão (…) (ARAFAT, 2007, p. 87, 105 e 107.)
            Em novembro de 1974 a
resolução da ONU 3237 convida a OLP para participar, na condição de
observadora, dos trabalhos e sessões da Assembléia Geral, se
transformando numa imensa vitória diplomática daquela que seria
reconhecida como a única e legítima representante do povo palestino.
Entre 1964 e 1988, a OLP conduziu o processo de mobilização
anti-colonialista e desencadeou uma incrível luta de libertação nacional
que deu esperanças para as massas populares de todo o mundo árabe.
Criada pela Liga Árabe, a OLP vai adquirindo autonomia/independência
deste organismo, até conquistar plenamente o direito de decidir sobre
muitas questões relacionadas à luta palestina sem consultar e/ou
concordar com as posições dos governos de países árabes. Essa maior
autonomia ampliou o apoio e garantiu mais legitimidade da OLP entre a
classe trabalhadora e as massas populares palestinas e árabes. Enquanto
uma frente de cerca de 10 partidos políticos (nacionalistas
laicos/nasseristas[4] e comunistas/socialistas), a OLP seguia como a
única e legítima representante do povo palestino.
A estrutura política e
organizativa da OLP: uma frente política formada por nacionalistas
laicos e marxistas/comunistas/socialistas
Nossa opção em dar um destaque à OLP se
justifica devido ao fato de que, apesar das contradições, conflitos e
problemas internos existentes desde sua origem, ela se tornou, sem
dúvida nenhuma, na única e legítima representante do povo palestino
durante o mais longo período de resistência política, popular e militar
contra a ocupação israelense. Entre 1964 e 1988 podemos afirmar com
bastante contundência que não havia no interior do povo palestino
nenhuma outra organização com tanto prestígio, influência e capacidade
de combate como foi a OLP[5]. Principalmente entre 1969 e 1988 foram
muitas as demonstrações de força deste importante instrumento político
da luta palestina que, se utilizando do direito legítimo à resistência
contra a ocupação de sua pátria por uma força militar estrangeira,
conquistou o apoio e a solidariedade de amplas camadas da população
mundial. Sem dúvida é a organização política mais antiga e mais
importante na história do movimento de libertação nacional palestino.
Desde sua criação um dos espaços
decisivos da OLP tem sido o Conselho Nacional Palestino (CNP), cuja
obrigação era a de se reunir pelo menos uma vez por ano para tratar dos
temas fundamentais da luta contra a ocupação israelense, fazer uma
reflexão sobre a conjuntura política nacional, regional e internacional,
e elaborar as orientações para as distintas organizações que fazem
parte do movimento de libertação nacional palestino. A composição do CNP
era dividida em quatro categorias: organizações político-militares,
organizações de massa/populares, representantes das comunidades
palestinas (nos países árabes e em outras partes do mundo, nos campos de
refugiados  – Jordânia, Estados do Golfo, Líbano, Síria, Arábia
Saudita, Egito -, tribos beduínas e delegados independentes) e Exército
Palestino de Libertação Nacional (EPLN). No início dos anos oitenta os
cerca de 430 membros do CNP representavam as seguintes organizações: 1. organizações político-militares (83 delegados – 19,3%): Al-Fatah
(Movimento de Libertação Nacional), Frente Popular para a Libertação da
Palestina (FPLP), Frente Democrática para a Libertação Palestina
(FDLP), Saika e Frente Árabe de Libertação (FAL); 2. organizações de massa/populares (112 delegados – 26%): associações, confederações e sindicatos de trabalhadores; 3. representantes das comunidades palestinas (191 delegados – 44,4%) e 4. Exército Palestino de Libertação Nacional (44 delegados – 10,3%) (MUSSALAM; 1987, p. 22 e 23).
Neste período de construção, fortalecimento e ofensiva da OLP as sessões aconteceram em: Jerusalém/Palestina (28 de maio de 1964):
foi a reunião de fundação da OLP, onde foram aprovadas a Carta Nacional
Palestina e a Carta de Princípios da OLP. Ahmed Chukeiry é indicado
pela Liga Árabe como presidente da OLP; Cairo/Egito (1965):
uma das principais discussões foi a necessidade de aproximação da OLP
com as demais organizações revolucionárias palestina, visando a
unificação da resistência; Gaza/Palestina (1966)
neste ano foi criado um Comitê para coordenar as ações das várias
organizações palestinas na luta contra o governo do Estado de Israel; Cairo/Egito (1968):
A guerra de junho de 1967, que resultou na ocupação israelense de Gaza,
Cisjordânia, Jerusalém, Colinas de Golan (da Síria) e Península do
Sinai (do Egito) e problemas internos na OLP impedem a realização da
sessão anual do CNP. No final de 1967 Ahmed Chukeiry renuncia à
presidência da OLP e é eleito Yasser Arafat. Na sessão de 1968 foi
aprovada a luta armada como meio de conquistar a libertação da
Palestina; Cairo/Egito (1969): Yasser Arafat reeleito por unanimidade presidente do CNP; Cairo/Egito (1970): reafirmação da necessidade da “luta popular armada”; Cairo/Egito (1971): neste ano ocorreram duas sessões, a 8ª. e a 9ª, e surge um intenso debate sobre as táticas da resistência armada; Cairo/Egito (1972):
10ª sessão, extraordinária, onde a luta do povo palestino é apresentada
como parte integrante da luta dos povos árabes pela sua independência e
libertação; Cairo/Egito (1973):
criação do Conselho Central do CNP, que acaba se tornando uma direção
política reduzida, composta por representantes das principais
organizações da OLP (na origem eram 20 membros, mas depois o número foi
ampliado para 70, com o objetivo de ter uma direção política mais
representativa das diversas forças); Cairo/Egito (1974): essa sessão foi tomada pela discussão sobre os impactos da Guerra Árabe-Israelense de outubro de 1973; Cairo/Egito (1977): aprovação de aproximação com movimentos e organizações progressistas, democráticas e antisionistas israelenses; Damasco/Síria (1979):
crítica dos acordos de Camp David, firmados entre Egito e Israel, sob a
mediação do governo dos EUA. O presidente Egípcio Anwar Sadat reconhece
o Estado de Israel, estabelece relações comerciais e diplomáticas e
inicia um processo de cooperação que vai gerar uma profunda crítica da
OLP a este acordo; Damasco/Síria (1981):
o CNP aprova a iniciativa da União das Repúblicas Socialistas Soviética
(URSS) de organizar uma Conferência Internacional Sobre a Questão
Palestina e os Conflitos no Oriente Médio, com participação de todas as
partes, inclusive a OLP. Já estava em gestação nessa época a proposta de
reconhecimento mútuo entre Estado de Israel e OLP (defendida pela
URSS), visando estabelecer uma negociação com base na criação de dois
Estados, como já previa o Plano de Partilha da ONU de 1947; Argel/Argélia (1983):
foi reafirmada a importância da luta armada e da unidade nacional
palestina, num momento onde a OLP acabava de sofrer uma dura derrota,
que foi a retirada de suas tropas do Líbano, após a invasão israelense
de 1982 e do massacre nos campos de refugiados de Sabra e Chatila; Amã/Jordânia (1984):
apesar da pressão e das ameaças da Síria contra a realização deste CNP,
estimulando inclusive o boicote de organizações político-militares da
OLP controladas e/ou bem relacionadas com seu governo, ocorre a 17ª.
sessão, com críticas à tentativa da Síria de dominar a OLP e colocá-la à
serviço de seus interesses particulares. O tema da negociação de paz
com a participação da ONU, partes envolvidas e OLP ganha força e entra
na pauta e é rejeitada qualquer proposta de paz que tente excluir a OLP
das negociações; Argel/Argélia (1987):
se consolida a unidade política entre as organizações da OLP em relação
aos pontos fundamentais da estratégia política adotada, e o Partido
Comunista Palestino (PCP), que mantinha relações muito próximas com a
URSS, se integra organicamente à OLP (SUWWAN, 1987, p. 09-12); Argel/Argélia (1988):
esta sessão do CNP foi decisiva na história da OLP, pois aprovou a
Declaração de Independência da Palestina (15 de novembro de 1988),
afirmando que o CNP “proclama o estabelecimento do Estado da Palestina
em nossa terra palestina, tendo por capital Jerusalém” e, ao mesmo
tempo, reconheceu o Estado de Israel, iniciou o debate sobre o abandono
da luta armada e iniciou negociações de paz com base na proposta de dois
Estados, ou seja, fazer cumprir a antes criticada Resolução 181 da ONU,
de 1947. O texto da Declaração e o reconhecimento do Estado de Israel
são duas decisões que expressam bem as contradições e conflitos internos
na OLP, pois enquanto o texto fala do “Estado da Palestina em nossa
terra palestina”, sem fazer referência direta ou explícita sobre quais
seriam as fronteiras desse Estado, induzindo o leitor a crer que seria
em toda a Palestina histórica, a posição de reconhecimento do Estado
Judeu empurra a OLP para uma situação única em sua história, onde os
princípios originais de luta pela retomada de todos os territórios
ocupados são deixados de lado e substituídos por um pragmatismo
orientado pela nova proposta de constituição do Estado Palestino nas
fronteiras antes de 1967, o que causa indignação e descontentamento
principalmente para os refugiados que perderam suas terras e casas entre
1948 e 1967.
Dentro desta frente estão os partidos da
esquerda palestina, como a Frente Democrática para a Libertação da
Palestina (FDLP), a Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP)
e o Partido do Povo Palestino (PPP), antigo Partido Comunista Palestino
(PCP). Mas o partido político que sempre ocupou o espaço de força
política hegemônica no interior da OLP foi o Al-Fatah[6] (ou
simplesmente Fatah), ou Movimento de Libertação Nacional, agrupamento
nacionalista laico sob a liderança de Yasser Arafat. Já o Hamas
(Movimento de Resistência Islâmica), que governa e que tem mais força
política na atualidade em Gaza, nunca fez parte da OLP. Criado em 1987
com apoio da burguesia árabe-islâmica, de governos do Oriente Médio e de
organizações como a Irmandade Muçulmana, o Hamas representa uma das
principais forças do nacionalismo islâmico, corrente política em franca
ascensão nos diversos países árabes. Além do apoio de setores
importantes da burguesia árabe-islâmica e governos como o do Irã, esse
partido político possui hoje uma base social muito forte entre
trabalhadores empregados, subempregados e desempregados dos territórios
palestinos de Gaza e Cisjordânia. Nos anos noventa do século XX surgem
outros atores no interior do movimento de libertação nacional palestino,
como a Jihad Islâmica, partido político que também está fora da OLP.
Além de partidos políticos e organizações político-militares, dentro e
fora da OLP os palestinos tem organizações de juventude, camponeses,
trabalhadores, operários, mulheres[7], entre outros. Nos últimos vinte e
quatro anos o movimento da resistência palestina tem priorizado a luta
de massas, a mobilização social enquanto principal forma de luta contra
as arbitrariedades e a violência praticada pelo governo do Estado de
Israel. Surgiram organizações de luta em defesa dos presos políticos, do
direito ao retorno dos refugiados, de luta contra o muro do Apartheid
construído por Israel ao longo de 700 quilômetros do território
palestino, de organização das campanhas pelo boicote e desinvestimento
contra Israel, etc.
A Questão Palestina e o fim da URSS e do Bloco Socialista: início de um período de defensiva
O fim da URSS e do chamado “Bloco
Socialista” tem um profundo impacto nas relações internacionais e no
movimento nacional de resistência palestina. A força da esquerda no
interior da OLP advinha também das relações e do apoio que esse setor
tinha com o “mundo socialista”, e da intervenção conjunta desses países
nos diversos organismos da ONU. Além disso, os palestinos tinham, até
1991, dois grandes aliados de sua causa no Conselho de Segurança da ONU:
URSS e China. As condições eram muito mais favoráveis para aqueles que
defendiam a imediata construção do Estado Palestino. Com o argumento de
que precisa adquirir maior credibilidade e dar mais uma demonstração de
que está disposta a fazer concessões em seu programa original se isso,
de fato, for contribuir para o avanço do processo de paz, a OLP altera
seu estatuto em 1988, e reconhece o direito do Estado de Israel existir,
ao lado de um Estado Palestino, conforme a Resolução 181, de 1947. Ou
seja, a OLP reconhece pela primeira vez a legitimidade do Plano de
Partilha da Palestina, antes apresentado pela organização como sendo um
instrumento da aliança do sionismo com o imperialismo para ampliar sua
influência e exercer a dominação territorial de uma parte estratégica do
Oriente Médio. Esta posição da OLP encontrou resistência entre os
próprios palestinos, mas as forças que se opuseram a tal mudança de
posição se encontravam em situação de minoria, e não conseguiram impedir
a vitória dessa proposta, que parte de Yasser Arafat e da direção
majoritária de seu partido, o Fatah. Mesmo dentro desse partido surgem
posições contrárias as de Arafat, o que prova que precisamos observar,
no estudo do caso palestino, as contradições e conflitos não só entre o
Estado de Israel e as organizações árabes-palestinas, mas também entre
as próprias organizações da resistência palestina.
Os “acordos de paz” firmados com Israel
em 1994 alimentam ilusões e ignoram a natureza
expansionista/imperialista deste Estado, que negocia e, ao mesmo tempo,
faz crescer o número de colônias judias nos territórios palestinos
ocupados em 1948 e 1967. Além disso, Israel aplica até hoje uma política
de assassinatos seletivos de lideranças políticas palestinas, e de
perseguição e prisão em massa. Um resultado dessa política de repressão
intensa e permanente são os 8 mil presos políticos palestinos, alguns
vivendo nos cárceres israelenses há pelo menos 20 anos. Desses 8 mil,
mais de 700 estão condenados a prisão perpétua. Entre 1993 e 2005,
apesar de inúmeras reuniões, conferências e acordos firmados entre a
Autoridade Nacional Palestina (ANP) e o governo do Estado de Israel, e
apesar das expectativas de uma paz duradoura apresentadas pelo
presidente palestino eleito em 1996 com 87% dos votos, Yasser Arafat, o
que se viu foi uma continuada violação dos direitos humanos e dos
direitos fundamentais do povo palestino, assim como a negação do direito
nacional à independência e à soberania, deixando ainda mais distante o
sonho do Estado Palestino Laico e Democrático. Os dois signatários dos
acordos de Oslo de 1993 morreram. Yitzhak Rabin, pelo lado israelense,
assassinado por fundamentalistas judeus-sionistas em 1995 e Yasser
Arafat, pelo lado palestino, morre em 2004 resultante de problemas de
saúde (mas surgem denúncias que afirmam ter sido conseqüência de
envenenamento gradativo). Esses acordos livraram os palestinos do
controle militar israelense em algumas cidades e vilarejos de Gaza e
Cisjordânia, criando para a população uma situação melhor do que a
anterior, com melhores condições para se desenvolver o comércio, a
indústria, a agricultura, educação, a saúde, a cultura e o esporte,
enfim, para que seja possível construir/reconstruir uma vida cotidiana
com um mínimo de dignidade, mas essa nova situação não resolve
plenamente grande parte dos problemas econômicos, sociais e políticos da
ampla maioria do povo palestino. Os resultados pífios dos acordos e o
não cumprimento da quase totalidade dos termos dos mesmos por Israel
levam a uma nova situação de impasse que coloca em xeque as posições da
direção da OLP e da agora chamada Autoridade Palestina (AP). O não
cumprimento de diversas cláusulas dos acordos, entre elas a suspensão da
construção de novos assentamentos judeus e da demolição de casas
palestinas ajudam a diminuir a credibilidade que parcela do povo
palestino depositava no Fatah, ainda mais com as constantes denúncias –
que muitas vezes são comprovadas – de corrupção de líderes e membros
desta organização.
É nessa conjuntura complexa que ganha
projeção como uma alternativa política o partido Hamas. A crise
política, ideológica e organizativa dificulta a ascensão da esquerda
palestina (FPLP, FDLP,PPP e outros) como força majoritária no movimento
de libertação nacional. As denúncias de corrupção e de enriquecimento de
muitos dos dirigentes demonstram um processo de degeneração em setores
importantes do Fatah. As eleições de 2006 contribuem para acirrar as
disputas internas no movimento da resistência palestina, com Hamas
vitorioso em Gaza e Fatah na Cisjordânia. A esquerda palestina tem
procurado convocar todas as forças progressistas, populares,
democráticas e socialistas a se unir num grande movimento nacional de
resistência para desencadear novamente uma ofensiva contra as medidas do
governo de Israel que visam a acelerar o processo de expropriação de
terras do povo palestino, mas parece que todo esse esforço ainda tem
sido insuficiente para alterar a correlação de forças dentro e fora da
OLP. Quando do ataque militar israelense a Gaza, entre dezembro de 2008 e
janeiro de 2009, essa ideia de unidade nacional das forças da
resistência palestina adquiriu grande importância, mas até agora parece
que existem muitos fatores que ainda impedem que tal proposta volte a
ser transformada em realidade. A impressão é que uma unidade política e
programática mínima, em torno de alguns pontos de consenso amplamente
discutidos com o povo palestino, seria fundamental para tentar se
desencadear uma nova ofensiva política, popular e de massas contra o
Estado de Israel. A ação unitária de forças como o Fatah, FPLP, FDLP,
PPP, Hamas, Jihad Islâmica e demais organizações e partidos políticos
palestinos poderia fazer ressurgir nas amplas massas populares do mundo
árabe – e no interior de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém – a esperança e a
disposição necessárias para uma nova retomada da ofensiva deste que é,
sem dúvida, um dos mais importantes movimentos de libertação nacional
deste início de século XXI. O que temos certeza para afirmar é que, por
mais justo, combativo, corajoso e coerente que seja um partido ou uma
organização da resistência palestina, de maneira isolada não terá
capacidade para impor nenhuma derrota contra o sionismo israelense.
Talvez essa unidade entre as três correntes políticas da resistência
nacional palestina (nacionalismo laico, nacionalismo islâmico e
socialistas/comunistas) possa construir uma frente
antisionista/antiimperialista que obrigue o Estado de Israel a sentar na
mesa de negociação numa outra correlação de forças, fazendo surgir daí
as condições mais favoráveis para se apresentar propostas mais ousadas
que as atuais, que privilegiam o debate de dois Estados, menosprezando a
experiência histórica dos últimos 64 anos que indica que o sionismo não
irá recuar um único milímetro em suas conquistas militares de 1948 e
1967. É possível perceber que sobre este tema existem pelo menos três
posições:
  1. Os que defendem a criação imediata de um Estado Palestino Laico e
    Democrático na chamada Palestina Histórica (em todo o território
    considerado Palestina antes do Plano de Partilha de 1947): nossa
    impressão é que tal opinião desconsidera a atual correlação de forças no
    interior do movimento nacional palestino e entre os palestinos e o
    Estado de Israel, fazendo de tal proposta mais um instrumento de
    agitação e propaganda do que uma possibilidade real no momento. É a
    defesa da estratégia, do objetivo principal a ser atingido sem a
    mediação das táticas, dos meios e caminhos que levarão até esse objetivo
    final. E os palestinos sabem que agitação e propaganda são
    insuficientes para fazer com que triunfem posições que possam levar a
    profundas transformações econômicas, sociais e políticas naquela região.
    Organizações nacionalistas islâmicas também defendem tal proposta, com a
    ressalva de que não se utilizam da expressão Estado Laico, mas
    simplesmente Estado Palestino.
  2. Os que defendem a posição de dois estados existindo um ao lado do
    outro, ou seja, o cumprimento do Plano de Partilha da Palestina
    elaborado pela ONU em 1947 (Resolução 181). Essa opinião defende que o
    Estado de Israel já se consolidou, e agora, portanto, é necessário
    construir o Estado Palestino. Tal posição abandona o programa original
    da OLP e os princípios que orientaram a resistência palestina de 1947 a
    1988. Entre 1993 e 2005 esta tem sido a proposta do Fatah e outras
    organizações palestinas. É o abandono da estratégia e da Carta de
    fundação da OLP que, segundo Arafat, tornou-se um documento sem
    validade, que ficou no passado, “caducou”;
  3. Os que defendem que é preciso acumular forças no atual período da
    luta nacional palestina. Para estes é necessário se organizar melhor
    para defender e fazer avançar as conquistas já obtidas como resultado
    das lutas e mobilizações sociais e populares, tentando fortalecer tudo
    aquilo que tem de positivo nos acordos firmados até agora, criticar e
    denunciar aquilo que não é de interesse do povo palestino e, ao mesmo
    tempo, tentar consolidar o controle palestino sobre todo o território de
    Gaza e da Cisjordânia. Nesse sentido seria importante intensificar as
    lutas: pela libertação dos presos políticos, pelo direito ao retorno dos
    refugiados, pela destruição do “Muro da Vergonha”, pelo cumprimento das
    Resoluções da ONU sobre a Questão Palestina, em especial sobre o
    estatuto de Jerusalém, pelo direito dos palestinos de resistir à
    ocupação militar israelense por todos os meios de que dispõem, para
    barrar as construções de novos assentamentos sionistas, para impedir as
    demolições de casas de palestinos, etc. Essa posição política procura
    fazer destas e outras lutas parte de um processo de acúmulo de forças
    que vai construindo no cotidiano as condições mais favoráveis para
    colocar o movimento nacional palestino na direção do rumo estratégico
    indicado: um Estado Palestino Laico e Democrático em toda a Palestina Histórica.
As contradições no interior na
resistência e das massas populares palestinas são tão intensas que é
possível identificar adeptos e simpatizantes das três posições dentro de
uma mesma organização política e social. Por exemplo: apesar da maioria
da direção política do Fatah e da OLP defender hoje a construção de um
Estado Palestino em Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental, aceitando a
ideia de dois Estados, é possível encontrar dirigentes desta
organização, assim como militantes e setores importantes de sua base
social defendendo a retomada de todo o território palestino, as terras
ocupadas em 1948, em 1967 e as que foram ocupadas após os Acordos de
Oslo (1993/1994). Mesmo dentro do Hamas, que historicamente defendeu a
posição de um único Estado Palestino, já existem lideranças anunciando o
reconhecimento do Estado de Israel e sugerindo uma adaptação e
aproximação com a posição majoritária no interior da OLP. É óbvio que a
intensificação da repressão israelense contra os palestinos nos últimos
anos tem criados condições mais favoráveis para a defesa da proposta de
continuar a luta pela construção de um Estado em toda a Palestina
histórica. Essa é a posição hegemônica, por exemplo, entre dirigentes,
militantes e simpatizantes da Frente Popular para a Libertação da
Palestina (FPLP), que nunca abandonou esta orientação estratégica. É bom
lembrar que para amplos setores das massas populares palestinas a
questão de um ou dois Estados é algo completamente secundário, um debate
que se concentra mais entre os dirigentes e intelectuais do que algo
presente no cotidiano popular, pois a situação objetiva empurra os
palestinos para dedicarem mais tempo às preocupações muito mais
concretas, como a luta contra a ocupação israelense em todas as suas
formas (econômica, política, social, cultural financeira, militar). Após
algumas viagens realizadas à Palestina, podemos concluir que as massas
estão distantes desse debate de um ou dois Estados, mas que, quando
esclarecidas sobre as propostas existentes, tendem a apoiar a construção
de um Estado da Palestina em toda a Palestina histórica, pois só assim
terão seus direitos plenamente restituídos, sejam os que vivem hoje na
pátria ocupada, sejam os que vivem na condição de refugiados.
Os marxistas na OLP e o desafio de combinar a luta pela libertação nacional com a luta pelo socialismo
As duas principais organizações da
esquerda revolucionária no interior da OLP e do movimento nacional de
resistência palestina são a Frente Popular para a Libertação da
Palestina (FPLP) e a Frente Democrática para a Libertação da Palestina
(FDLP). Não são as únicas, mas são, respectivamente, a segunda e a
terceira força na OLP. No comando da OLP, como já dissemos, está o
Fatah, desde 1968 até hoje. Caso o Hamas chegue a um acordo com o Fatah
para que ocorra seu ingresso na OLP (essa negociação já está em curso), a
esquerda revolucionária perderá essa posição, pois, possivelmente, o
partido nacionalista islâmico se tornaria a segunda força. A FPLP e a
FDLP merecem destaque devido a vários motivos: tem uma base social
organizada dentro e fora da Palestina, estão presentes em organizações
populares e de massas, possuem um vínculo concreto com as lutas da
classe trabalhadora palestina, procuram realizar um trabalho de formação
política e ideológica numa perspectiva marxista, tem se mantido como a
voz crítica no interior da OLP, impedindo muitas vezes que esta se
desviasse de seus objetivos originais (apesar das constantes derrotas
dessa esquerda nos últimos anos), tem estimulado e organizado setores
importantes da juventude palestina, estão presentes nas principais
lutas, campanhas e movimentos unitários, continuam realizando o trabalho
de solidariedade e organização com os refugiados, mantém contatos com
organizações não-sionistas/antisionistas da esquerda israelense, tem
procurado estabelecer contatos com movimentos e partidos de esquerda em
todo o mundo e optaram por realizar a resistência através de diversas
formas de luta, seja a participação político-eleitoral (com deputados
eleitos para o Conselho Legislativo Palestino – CLP), seja a luta de
massas (nos sindicatos e movimentos populares), a participação em
Organizações Não-Governamentais (de defesa dos direitos humanos, etc.) e
a organização da resistência militar, o que faz esses dois partidos
existirem ainda enquanto organizações político-militares (nome dado pela
OLP a esse tipo de agrupamento).
Apesar de todos os limites, equívocos ou
contradições que possam ser identificadas ao longo da construção dessas
duas organizações (e existem), é inegável a coragem e a ousadia de seus
militantes e dirigentes, e seu reconhecimento enquanto parte fundamental
da resistência palestina é hoje uma obrigação para quem pretende
analisar a situação do conflito numa perspectiva progressista,
democrática, popular e/ou revolucionária. Samir Amin afirma que “a luta
pelo socialismo na periferia do sistema imperialista não deve ser
estranha, e ainda menos oposta, à luta de libertação nacional. O fato
imperialista impõe a compreensão de transição para o socialismo como
resultante da fusão histórica dos objetivos de libertação social e de
libertação nacional” (AMIN, 1981: 153). Este tem sido um dos desafios
cotidianos da FPLP e da FDLP desde suas origens nos anos sessenta.
Apesar de Yasser Arafat sempre ter tido
um ótimo relacionamento com os governantes da Argélia, Cuba, China,
Coréia do Norte e URSS, que defendiam à sua maneira o socialismo
enquanto alternativa para os movimentos de libertação nacional, o chefe
da OLP sempre se proclamou antiimperialista e antisionista, líder de um
movimento cujo objetivo principal é a libertação da Palestina, sem nunca
se declarar socialista[8] (o que era verdade). Mas essa relação de
Arafat com os chamados “países socialistas”[9] criou condições
favoráveis para a aproximação com a esquerda palestina, que também
contribuiu para fortalecer o caráter antiimperialista da OLP. Enquanto o
líder do Fatah construía essas alianças em nível internacional a FPLP e
a FDLP iniciam o debate sobre sua integração ao Comando Palestino da
Luta Armada (CPLA), que ocorre entre os anos 1968 e 1969.  A esquerda
marxista se integra na OLP após a sua fundação (1964), e vai defender
posições políticas que priorizam os interesses dos operários, camponeses
e das massas populares da Palestina, pois o Fatah e outros agrupamentos
nacionalistas eram apontados como representantes dos mais diversos
setores da burguesia árabe-palestina (o que não significa que no
interior do Fatah não existam defensores do marxismo e de diversas
modalidades do socialismo, mas sempre foram uma minoria). Tanto a FPLP
quanto a FDLP sempre se apresentaram como organizações
político-militares autônomas em relação à burguesia árabe-palestina e
aos governos dos países árabes, que por muitas vezes tentaram controlar a
OLP e seus partidos[10]. A FPLP, por exemplo, sempre criticou a
burocratização da OLP, e os altos salários de dirigentes e oficiais do
Exército Palestino de Libertação Nacional (EPLN). No livro de Ricardo
Ciudad um dirigente da FPLP afirma que
El FPLP no desea la desaparición de la
OLP, aunque tiene muchos reproches que hacerle. Por ejemplo,
políticamente, lejos de ser una auténtica organización revolucionaria,
la OLP es simplesmente un aparato burocrático para proporcionar elevados
sueldos a una colección de ‘funcionários’. La OLP gasta más de 60% de
su presupuesto con fines que no tienen nada que ver con la lucha
revolucionaria. En el plano militar, la OLP parece dedicar sus
principales esfuerzos a la organización de un ejército clásico. Los
sueldos de sus ‘oficiales’ son fantásticos: con lo que gana solamente
uno de ellos, el FPLP puede mantener una base entera de sus comandos
(CIUDAD, 1970: 256).
            Desde o início a FPLP se
declarou marxista-leninista, buscando ter como referência as Revoluções e
as guerras populares em Cuba, na Argélia, no Vietnã e na China. Surgida
do interior do Movimento Nacionalista Árabe (MNA), que teve muita força
entre os anos de 1959 e 1964, este partido político da esquerda
palestina teve como um de seus fundadores e principais ideólogos o
médico George Habashe. Criada  em outubro de 1967, após um ano de vida
ocorrem inúmeras divisões internas, que levam ao surgimento de duas
outras organizações: a FPLP-Comando Geral (FPLP-CG), que rompe em 1968
sob o comando do ex-coronel do exército sírio Ahmed Jibril e a Frente
Democrática Popular para a Libertação da Palestina (FPDLP), que logo
depois muda o nome para FDLP, e tem como uma de suas principais
lideranças o marxista Nayef Hawatmeh (atual secretário-geral).
            A FPLP ficou muito conhecida
pelos sequestros de aviões como forma de divulgar a luta dos palestinos
no cenário internacional. Realizaram várias ações dessa natureza, com o
objetivo de divulgar a causa palestina e de exigir a libertação de
presos políticos. Em todas elas, nenhuma pessoa foi torturada ou
assassinada, essa era uma das  determinações da FPLP para seus membros:
fazer de tudo para evitar a morte de civis. Quem ficou conhecida nessas
operações foi Leila Khaled, uma das primeiras mulheres a se tornar parte
da direção política da revolução palestina. Continua até hoje sua
militância na FPLP e na União Geral de Mulheres Palestinas. A imagem da
guerrilheira sorrindo, com um lenço no pescoço (keffiah) e um fuzil nas
mãos pode ser vista ainda hoje em vários muros da Palestina ocupada.
Esta organização pagou um preço altíssimo pela sua coerência e defesa do
programa original da OLP. Foi contrária aos Acordos de Oslo, que foram
realizados sem um amplo debate no interior do povo palestino e da
própria OLP. Após a criação da Autoridade Palestina a FPLP[11] segue em
sua crítica sobre a forma e o conteúdo da chamada “negociação de paz”,
pois até agora não viu avanços que beneficiam de fato o povo palestino.
Mas não faz isso de maneira isolada, pois outras vozes surgem na
tentativa de apontar os erros e a tentativa de desmobilização
generalizada das massas palestinas diante dos chamados “Acordos de Paz”.
Uma dessas vozes dissonantes, críticas à direção da OLP e à Autoridade
Palestina foi o intelectual palestino Edward Said, que afirmava que
Foram os palestinos que cederam. É
verdade que conquistaram pequenos ganhos aqui e ali, mas basta olhar o
mapa de Gaza e da Cisjordânia, depois visitar aqueles lugares, ler os
acordos e ouvir os israelenses e norte-americanos para se ter uma boa
ideia do que aconteceu mediante compromissos, acordos desequilibrados e
revogação da plena autodeterminação palestina. Tudo isso ocorreu porque a
liderança palestina egoisticamente colocou seu próprio interesse, os
exagerados esquadrões de guardas de segurança, os monopólios comerciais,
a indecente persistência no poder, o despotismo ilegal, a ganância
antidemocrática e a crueldade acima do bem geral palestino. Até agora a
Autoridade foi conivente com Israel, para deixar a questão dos
refugiados no esquecimento (…) (SAID, 2003: 76)
            Said também elaborou duras
críticas ao líder Yasser Arafat, alegando que no final de sua vida
acabou se tornando no instrumento adequado para convencer o povo
palestino a realizar inúmeras concessões para atender os pedidos e
reivindicações dos governos de Israel e dos EUA. Dizia que o prestígio e
a história de Arafat eram fundamentais para garantir a legitimidade dos
acordos que estavam sendo firmados sem uma participação ativa e
democrática do povo palestino, principalmente dos refugiados, em
especial os refugiados de 1948 que, com os acordos, teriam que renunciar
à sua histórica luta pela retomada de suas terras, pois sua própria
liderança já tinha decidido por isto. Said chegou a afirmar que Arafat
É um mestre em corromper até mesmo os
melhores de seu povo; ele comprou ou ameaçou toda a oposição organizada
(há sempre indivíduos que não podem ser cooptados) e portanto a eliminou
como ameaça. O resto da população vive na incerteza e é desencorajada a
reagir. A Autoridade emprega em torno de cento e quarenta mil pessoas;
se multiplicarmos isso por cinco ou seis (o número de dependentes de
cada empregado), teremos perto de um milhão de pessoas que tem seu meio
de vida controlado por Arafat (Idem: 77).
Apesar dessa situação Said acredita que
“uma nova liderança provavelmente irá surgir entre os palestinos que
vivem em outros países (…) todos consideram a Autoridade sem real
legitimidade e são os que tem mais a ganhar com o direito ao retorno”
(Ibidem: 77). Já para Michael Warschawski, que foi membro da Organização
Socialista Israelense (MATZPEN), um agrupamento marxista que lutou
intensamente contra o sionismo e os governos de Israel, apesar das
concessões realizadas, Arafat tinha pré-estabelecido limites em sua
negociação com os israelenses. Ao contrário de Said, que comparava o
governo de Arafat com o governo Francês que aceitou a ocupação nazista
durante a Segunda Guerra Mundial (1939/1945), tornando-se assim um
colaborador na opressão de seu próprio povo, Warschawski acredita que
essa comparação é mais recomendável quando se trata do atual governo
palestino, que pode estar trilhando neste momento esse vergonhoso
caminho. Esses limites mantidos por Arafat, segundo ele, tinham como
referência o direito à autodeterminação, soberania e o direito ao
retorno dos refugiados. Mas com o atual presidente palestino Mahmoud
Abbas (Abu Mazen) ele sugere que esses limites desapareceram, pois para
aquele que substituiu Arafat “os Estados Unidos, e somente eles, decidem
o que é realista e realizável, e o movimento nacional palestino não tem
outra escolha a não ser aceitar o alinhamento com Washington”
(WARSCHAWSKI, 2010: 30 e 31).
            Também a FDLP, desde seu
nascimento em fevereiro de 1969, tem sido uma importante representante
do pensamento marxista no interior da resistência palestina. Nos anos
sessenta e setenta introduziram os militantes palestinos no estudo das
obras de Marx, Engels, Lenin, Mao Tsé-Tung, Giap, Che Guevara, formando
uma juventude crítica que além do desenvolvimento intelectual também
adquiria experiência militar nas fileiras desta organização. Afirmando a
incompetência da pequena-burguesia para levar até o fim a revolução
palestina, criticando a postura antidemocrática e reacionária dos
governos árabes e defendendo a necessidade de construção da unidade
palestina em torno de um programa comum mínimo, a FDLP torna-se parte da
vanguarda política que vai conduzir a OLP no caminho do fortalecimento
do movimento nacional de resistência contra Israel. Sobre a tendência da
burguesia dos países periféricos de conciliação com os interesses
imperialistas, Lenin afirmava que
A burguesia das nações oprimidas converte
constantemente as palavras de ordem de libertação nacional numa
mistificação dos operários: em política interna explora essas palavras
de ordem para firmar acordos reacionários com a burguesia das nações
dominantes (…) em política externa procura pactuar com uma das potências
imperialistas rivais para atingir suas finalidades de rapina (LENIN,
1988:147).
Em fevereiro deste ano a FDLP proclamava que
En el aniversario 43 de su gloriosa
fundación, el Frente Democrático para la Liberación de Palestina (FDLP)
renueva su compromiso de continuar la lucha en las filas del Movimiento
Nacional Palestino bajo la bandera de la OLP, único y legítimo
representante de nuestro pueblo, por el derecho al retorno, a la
autodeterminación y a la creación del estado independiente con total
soberanía, en la frontera del 4 de junio de 1967 y con Jerusalén
Oriental como capital. (FDLP, 2012).
            Esta e outras declarações
anteriores fazem questão de reafirmar a concordância com a resolução
aprovada pela direção da OLP sobre as fronteiras do futuro Estado
Palestino. Sendo assim, entre os partidos de orientação marxista que
hoje integram a OLP, somente a FPLP segue insistindo explicitamente que a
solução para a questão palestina é o retorno ao programa original da
organização, que estabelece como horizonte a ser alcançado um Estado da
Palestina Laico e Democrático, em toda a Palestina histórica, onde
possam viver cristãos, muçulmanos, judeus, ateus, etc, sem racismo, sem
colonialismo, sem imperialismo. A compreensão sobre os debates políticos
internos no movimento nacional da resistência palestina é sempre uma
tarefa muito difícil, pois a realidade cotidiana do conflito promove
mudanças significativas todos os dias, e muitos analistas são
surpreendidos por importantes acontecimentos – muitas vezes inesperados –
que nos obrigam a revisar constantemente aquilo que pensamos e
escrevemos sobre esta situação concreta. Acreditamos que conhecer
profundamente quem são, como se organizam e quais os principais desafios
dos marxistas e seus partidos/movimentos na Palestina seja uma das
tarefas fundamentais para que possamos fortalecer nossos laços de
solidariedade e nosso compromisso com esta causa legítima de um povo que
tem sabido manter sua dignidade e ousadia mesmo diante das mais
difíceis situações.
Marcelo Buzetto, militante do
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), é também professor de
sociologia do Centro Universitário da Fundação Santo André onde coordena
o Núcleo de Estudos Latino-americano.
—–
[1] Um livro interessante sobre a
influência do sionismo na cultura e nas ideias é “A indústria do
Holocausto – Reflexões sobre a exploração do sofrimento dos judeus”, do
intelectual de origem judaica Norman Finkelstein (Editora Record).
[2] O Movimento dos Países Não-Alinhados é
resultado da Conferência de Bandung, que ocorreu em 1955 na Indonésia. É
um agrupamento de países que se uniram para defender o respeito à
soberania, à autodeterminação das nações e a defesa de uma política
externa independente, sem se submeter às imposições da URSS ou dos EUA,
potências que disputavam o controle do mundo durante a Guerra Fria
(1945-1991). Se reunem em torno deste movimento aproximadamente 115
países dos diferentes continentes.
[3] Criada em 1945 no Cairo, Egito, a
Liga Árabe congrega 22 países, e tem se posicionado sempre
favoravelmente à criação de um Estado Palestino.
[4] O nasserismo é uma corrente política
que expressa as posições de um nacionalismo laico, inspirado no exemplo e
nas idéias de Gamal Abdel Nasser (1918-1970), que foi presidente do
Egito entre 1954 e 1970.
[5] Sobre a história da OLP neste período e as diversas organizações e posições políticas em seu interior, destacamos os livros Palestinos: os novos judeus (SALEM, 1977) e  OLP – Histoire et stratégies, vers l´État palestinien (GRESH, 1983).
[6] Um importante livro sobre a origem do Fatah é El-Fatah: os comandos árabes da Palestina (Alencastre, 1969).
[7] Destacamos a Union of Agricultural
Work Committees (UAWC), a Palestinian Progressive Youth Union (PPYU), a
Union of Palestinian Women Committees (UPWC), a Defence for Children
Internatinal – Palestine Section, a  ADDAMEER-Prisioners Support and
Human Rights Association, o Palestinian Centre for Human Rights, etc.
[8] Para uma melhor compreensão do
pensamento político de Arafat entre 1956 (fundação do Fatah) e 1969, e
sua posição sobre a FPLP e a FDLP nesse período recomendamos o livro
“Porque lutam os palestinos?” (ARAFAT, s/d).
[9] Por exemplo: segundo Kapeliouk
(2004:64 e 65) Yasser Arafat e Abu Jihad, ambos na condição de líderes
do Fatah, se encontraram, entre 1963 e 1965, com Houari Boumediene
(ministro argelino do governo de Ben Bellah), Che Guevara (Ministro de
Cuba), Enver Hoxha (secretário-geral do Partido do Trabalho-Albânia),
além de diversos membros dos governos da China, Vietnã e Coréia do
Norte.
[10] Como tentaram principalmente os governos da Líbia, da Jordânia, da Síria, do Iraque e da Arábia Saudita.
[11] Documentos, artigos e entrevistas com dirigentes da FPLP sobre a situação atual da luta palestina podem ser encontrados em http://pflp.ps/english/ .

O nebuloso cenário dos agrotóxicos no Brasil | Brasil de Fato

O nebuloso cenário dos agrotóxicos no Brasil




Divulgação
Apesar de o Brasil ser o maior consumidor de agrotóxicos do
mundo desde 2008, ainda são produzidas poucas pesquisas em relação às
implicações do uso de fertilizantes na agricultura, afirma pesquisador


07/07/2014
Por IHU-Online

“Ainda
há muita informação a ser gerada para que consigamos ter uma posição
mais assertiva sobre a condição do meio ambiente em relação à
contaminação por agrotóxicos no Brasil”, adverte o engenheiro agrônomo
Robson Barizon.

Apesar de o Brasil ser o maior consumidor de
agrotóxicos do mundo desde 2008, é preciso “gerar muito mais informação
para entender como está o cenário de uso de agrotóxicos no país”, diz
Robson Barizon, um dos autores do estudo “Panorama da contaminação
ambiental por agrotóxicos e nitrato de origem agrícola no Brasil:
cenário 1992/2011”, realizado pela Embrapa neste ano. Segundo ele, ainda
são produzidas poucas pesquisas em relação às implicações do uso de
fertilizantes na agricultura.

“A restrição orçamentária talvez
seja o principal ponto a ser desenvolvido, porque ainda não temos
programas de monitoramento, como seria o ideal. Todos os estados
deveriam ter um programa de monitoramento, considerando suas culturas e
as moléculas mais utilizadas na região, e a partir das conclusões dos
monitoramentos regionais/estaduais, deveriam ser tomadas as medidas para
mitigar os impactos levantados por esses monitoramentos”, pontua, em
entrevista por telefone à IHU On-Line.

Entre as preocupações
envolvendo o uso de agrotóxicos no país, Barizon chama a atenção para a
contaminação da água, “já que a falta de saneamento de esgoto é um
problema sério no Brasil. Esse esgoto tem níveis altos de nitrato, além
de outros problemas microbiológicos, e níveis altos de nitrogênio. Em
pontos próximos às áreas urbanas, é possível observar níveis maiores de
nitrogênio, mas em bacias hidrográficas, onde a influência maior é só da
área agrícola, os níveis de nitrogênio ainda são considerados baixos.
Tendo a agricultura como fonte de contaminação, ainda não constatamos um
problema que leve a ações maiores”. Entre as culturas que contaminam a
água, está a produção de arroz irrigado. “Pelo fato de o arroz irrigado
ser produzido com lâmina d’água, a qual retorna aos corpos d’água,
existe, sim, um risco maior de contaminação nessa cultura do que em
outras. Isso foi constatado em alguns estudos que nós levantamos. Então,
nesse sentido, há, sim, uma preocupação com a cultura do arroz e deve
ser dada mais atenção ao manejo desse produto”, adverte.

Robson
Barizon é graduado em Engenharia Agrônoma pela Universidade Federal do
Paraná – UFPR e doutor em Solos e Nutrição de Plantas pela Universidade
de São Paulo – USP. Atualmente é pesquisador da Embrapa Meio Ambiente de
São Paulo.

Confira a entrevista:

IHU On-Line –
Quais são as principais conclusões do estudo sobre contaminação por
agrotóxicos no Brasil, intitulado “Panorama da contaminação ambiental
por agrotóxicos e nitrato de origem agrícola no Brasil: cenário
1992/2011”? É possível dar um parecer sobre o uso de agrotóxico nas
regiões analisadas? Os níveis de uso de agrotóxicos são aceitáveis ou
ultrapassam o limite permitido?


Robson Barizon – A
principal conclusão a que chegamos com esse trabalho foi a de que ainda
há muita informação a ser gerada para que consigamos ter uma posição
mais assertiva sobre a condição do meio ambiente em relação à
contaminação por agrotóxicos no Brasil.

Pelos trabalhos que
conseguimos levantar [1], os níveis de resíduos ainda são considerados
aceitáveis e estão de acordo com os padrões internacionais
estabelecidos. De todo modo, não foi possível uma conclusão assertiva
sobre o panorama do uso de agrotóxicos no país, considerando a
quantidade restrita de trabalhos encontrados sobre o tema.

IHU On-Line – Quais são os avanços em relação à análise da toxicologia dos agrotóxicos?

Robson Barizon – A
ciência e os métodos estão avançando, inclusive a sensibilidade
analítica dos equipamentos está evoluindo com o tempo. Então, moléculas
que antes não eram detectadas passam a ser detectadas com métodos mais
modernos e com equipamentos mais sensíveis.

IHU On-Line –
Um dos objetivos do estudo foi identificar e avaliar o cenário de uso e
presença de agrotóxicos e fertilizantes nitrogenados no Brasil. Quais
são as principais constatações acerca desse ponto? Quais as ocorrências
de agrotóxicos e de nitrato nas cinco regiões brasileiras analisadas e
em quais culturas esse fertilizante é utilizado?


Robson Barizon –
Hoje a produção agrícola brasileira é quase que completamente pautada
pelo uso desse insumo. Nesse trabalho não foi abordada a intensidade de
uso de cada uma das culturas produzidas no Brasil, mas de forma geral
podemos dizer que os grãos utilizam agrotóxicos em uma intensidade
menor, e culturas com valor agregado maior, como hortaliças e espécies
frutíferas, usam agrotóxicos com uma intensidade maior.

Com
relação ao nitrato, os níveis encontrados em áreas agrícolas foram
baixos e não eram preocupantes. Talvez a preocupação maior seja
realmente com a fonte urbana de contaminação, que é o esgoto não
tratado. Então, no que se refere ao nitrato, há tensão com a fonte
urbana de contaminação, já que a falta de saneamento de esgoto é um
problema sério no Brasil.

IHU On-Line – Então o problema
não está na quantidade de nitrato utilizado nas culturas agrícolas, mas
na falta de tratamento da água?


Robson Barizon – Sim,
porque como os esgotos no Brasil têm um percentual de tratamento muito
baixo, uma parte do esgoto gerado é lançada diretamente nos rios. Esse
esgoto tem níveis altos de nitrato, além de outros problemas
microbiológicos, e níveis altos de nitrogênio. Em pontos próximos às
áreas urbanas, é possível observar níveis maiores de nitrogênio, mas em
bacias hidrográficas, onde a influência maior é da área agrícola, os
níveis de nitrogênio ainda são considerados baixos. Tendo a agricultura
como fonte de contaminação, ainda não constatamos um problema que leve a
ações maiores.

IHU On-Line – Quais são as principais
observações a serem feitas em relação ao uso de agrotóxicos na cultura
de arroz, por exemplo, no RS? Há risco de contaminação dos corpos d’água
que recebem a água da lavoura?


Robson Barizon – Pelo
fato de o arroz irrigado ser produzido com lâmina d’água, a qual
retorna aos corpos d’água, existe, sim, um risco maior de contaminação
nessa cultura do que em outras. Isso foi constatado em alguns estudos
que nós levantamos. Então, nesse sentido, há, sim, uma preocupação com a
cultura do arroz e deve ser dada mais atenção ao manejo desse produto.

IHU On-Line – É alto o índice de uso de agrotóxicos na produção de arroz?

Robson Barizon –
É alto, sim, o índice de uso de agrotóxico nessa cultura. Mas nós só
incluímos na pesquisa os trabalhos que encontramos, os quais já mostram
que existe um potencial de contaminação. Existem algumas iniciativas do
Estado do Rio Grande do Sul para acompanhar a situação, porque realmente
é necessário, uma vez que existe um uso intensivo de agrotóxicos na
produção de arroz e a água utilizada para a irrigação retorna aos rios,
aos corpos d’água.

IHU On-Line – O estudo aponta que na
região Nordeste o uso de agrotóxicos é intenso por conta da produção de
frutas para exportação. Quais são as frutas cultivadas a base de
agrotóxicos? Nesse caso há um controle do uso de agrotóxico por conta da
fiscalização do mercado externo?


Robson Barizon – A
produção de frutas lá é praticamente feita de forma irrigada e
basicamente é feita no Vale do Rio São Francisco. As principais culturas
ali cultivadas são mamão, uva de mesa e melão. Só que nesse caso os
níveis de agrotóxico são bastante controlados porque os países
importadores têm normas rígidas de controle. Então, pelo menos nessas
áreas existe um cuidado com o uso de agrotóxicos para que não
ultrapassem os limites aceitáveis no fruto, porque os países que
importam, geralmente países da Europa e do Hemisfério Norte, também
fazem o controle.

IHU On-Line – Alguns aquíferos já
apresentam indícios de contaminação por conta do uso de agrotóxicos? A
pesquisa menciona uma preocupação com os aquíferos de Serra Grande e
Poti-Piauí, no Piauí?


Robson Barizon – Nesse
caso nós levantamos a informação e o cuidado preventivo que deve
existir com esses aquíferos. Muitos aquíferos estão protegidos por uma
camada de rocha impermeável, que funciona como uma barreira, mas os de
Serra Grande e Poti-Piauí são aquíferos livres, ou seja, eles chegam até
a superfície do solo, então o potencial de contaminação deles é alto.
Porém, isso não quer dizer que eles já estejam contaminados. Nas áreas
desses aquíferos existe o uso de agrotóxicos, mas apenas o uso não
indica que haja contaminação, porque se podem selecionar moléculas —
essa é uma das formas de se evitar a contaminação — que tenham menor
solubilidade em água.

Existe uma variedade muito grande de
moléculas, de propriedades físico-químicas de moléculas. Se, nessas
situações, forem selecionadas moléculas que não sejam muito solúveis em
água, que não vão ser transportadas junto com a água, que vão ficar
retidas na superfície do solo, onde se precisa fazer o controle do
fungo, da planta daninha, do inseto, então o risco de contaminação é
bastante reduzido. Portanto, trata-se mais de um alerta para que sejam
tomadas medidas de prevenção em relação aos aquíferos. No Brasil ainda
não há indicativo de que qualquer aquífero esteja contaminado.

IHU
On-Line – Na região Centro-Oeste, chama a atenção na pesquisa a redução
entre 40 e 50% dos teores de matéria orgânica dos solos cultivados em
relação aos solos virgens. Quais as implicações do uso de agrotóxico
para o solo?


Robson Barizon – Principalmente
onde a vegetação natural era mata, com grande porte de biomassa, quando
foi feita a retirada dessa mata e foi introduzida a atividade agrícola,
os níveis de material orgânico diminuíram. Isso aconteceu no Rio Grande
do Sul, em Santa Catarina e no Paraná, quando se reduziu a Mata
Atlântica para a expansão da agricultura, ou seja, os níveis de carbono
foram reduzidos. Como um dos mecanismos de retenção dos agrotóxicos do
solo é a retenção pela matéria orgânica, se o nível de matéria orgânica é
reduzido, a retenção é menor.

O plantio direto, que foi adotado a
partir da década de 1990 e se expandiu no Brasil, vai no caminho
contrário; ele aumenta novamente os níveis de carbono. Então, medidas
como essa, utilizadas na agricultura onde houve decréscimo dos níveis de
matéria orgânica de carbono, possibilitam que se atinjam novamente os
níveis iniciais de matéria orgânica ou, pelo menos, que se elevem esses
níveis.

IHU On-Line – Como tem se dado o processo de
recolhimento das embalagens de agrotóxicos? Qual a situação do Brasil em
relação à logística reversa?


Robson Barizon – Esse
é um motivo de orgulho para o Brasil, porque o país é referência
mundial em logística reversa. Foi criado o Instituto para o
Desenvolvimento Social e Ecológico – Idese, o órgão responsável pela
organização e execução dessa atividade. O Brasil recolhe acima de 80,
90% das embalagens e é o líder mundial nesse quesito, ou seja, é o país
que consegue recolher o maior índice de embalagens de agrotóxicos que,
se ficarem na propriedade, no campo, têm um potencial alto de
contaminação tanto para o trabalhador quanto para o meio ambiente.

IHU
On-Line – Na pesquisa vocês mencionam que apesar de o uso de agrotóxico
ter crescido consideravelmente no país, ainda há pouca pesquisa sobre o
assunto. Quais as razões? E que tipo de estudo e monitoramento deveria
ser feito para se ter um panorama do uso de agrotóxicos no país?


Robson Barizon – Esse
é um processo lento e gradual. A legislação que trata da regulamentação
do uso de agrotóxicos no Brasil tem avançado, inclusive nos últimos 20
anos. Mas o acompanhamento acerca do uso de agrotóxicos exige
investimento, porque são análises caras. Então, a restrição orçamentária
talvez seja o principal ponto a ser desenvolvido, porque ainda não
temos programas de monitoramento, como seria o ideal.

Todos os
estados deveriam ter um programa de monitoramento, considerando suas
culturas e as moléculas mais utilizadas na região, e a partir das
conclusões dos monitoramentos regionais/estaduais, deveriam ser tomadas
as medidas para mitigar os impactos levantados por esses monitoramentos.

IHU On-Line – Qual é a alternativa aos agrotóxicos? É possível pensar no desenvolvimento agrícola sem o uso desses produtos?

Robson Barizon – Uma
agricultura sem o uso de agrotóxicos não é possível; seria uma
perspectiva utópica. Mas podemos avançar muito mais para reduzir o uso
desses produtos. Nesse sentido, deve-se trabalhar em duas frentes:
constatado o fato de que é preciso fazer uso dessa substância, então
temos de controlá-la e monitorá-la; além disso, podemos fazer o uso
racional dessas substâncias, utilizando-as somente quando for
necessário.

Temos muito a avançar, por exemplo, no controle
biológico, no uso de agentes biológicos para controlar outras pragas,
quer dizer, se usa um inseto para controlar outro inseto, se usa um
microrganismo para controlar outro inseto. Esse tipo de prática deveria
ser mais estudado e desenvolvido no Brasil. Em relação à tecnologia de
aplicação, é importante usar equipamentos com a regulagem correta para
aquela condição de uso, para que se evitem perdas para a atmosfera, para
que se evite a contaminação de áreas que não aquelas onde a lavoura
está instalada. Então, há uma série de práticas que podem reduzir a
quantidade de agrotóxico utilizada.

Hoje, o Brasil é o maior
consumidor de agrotóxicos do mundo, tomando o posto que antes era
ocupado pelos Estados Unidos, e a tendência é de alta. Então, todas
essas medidas poderiam reverter essa tendência de aumento de consumo e
trazer a agricultura brasileira para níveis mais sustentáveis.

NOTA

[1]
O estudo “Panorama da contaminação ambiental por agrotóxicos e nitrato
de origem agrícola no Brasil: cenário 1992/2011” foi realizado com base
na análise de pesquisas acadêmicas sobre o uso de agrotóxicos no período
de 1992 a 2011.

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Guilherme Boulos, do MTST: “A nossa cor é a cor vermelha” « Sul 21

Guilherme Boulos, do MTST: “A nossa cor é a cor vermelha”

Anna Beatriz Anjos e Igor Carvalho

Revista Fórum


Guilherme Boulos, coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto / Foto: Mídia NINJA
Guilherme Boulos, coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto / Foto: Mídia NINJA
Em entrevista exclusiva, coordenador
nacional do MTST ressalta que luta do movimento sempre foi por moradia e
nunca contra a Copa do Mundo, rechaça setor da mídia que “tentou
seduzir” o movimento e critica a tática black bloc: “Achamos que ela não
contribui para o acúmulo de forças e para o avanço das lutas
populares”.



Desde o último dia 3 de maio, quando
coordenou a ocupação de um terreno a quatro quilômetros da Arena
Corinthians, em Itaquera, zona leste de São Paulo, o Movimento dos
Trabalhadores Sem-Teto (MTST) se tornou peça importante dentro do
cenário político paulista. Chegou a ser alvo da atenção da presidenta
Dilma Rousseff (PT), que os recebeu para uma reunião sobre moradia.
Desde então, o movimento impressionou ao
colocar cerca de 20 mil pessoas nas ruas em suas manifestações. A luta
por moradia passou a ganhar destaque na mídia. Boa parte dessa imprensa
tentou de todas as formas classificar o MTST como “anti-Copa”.
“A mídia tentou seduzir o MTST. Ela viu no
MTST, pela capacidade de mobilização e organização, uma oportunidade de
repetir os aspectos negativos que junho de 2013 teve. E aí fazer isso em
ano eleitoral, a poucos meses da eleição, de modo a jogar uma pá de cal
na Dilma”, analisa Guilherme Boulos, coordenador nacional do movimento,
para quem não há dúvida sobre a tentativa da imprensa em politizar as
manifestações do grupo. “Na nossa avaliação, a mídia pretendeu
conscientemente utilizar o MTST para essa finalidade e não conseguiu,
porque o MTST se colocou de forma muito clara em relação ao seu
discurso, que não é o discurso de ‘não vai ter Copa’, expressando que o
nosso problema é outro.”
O MTST já atua em sete estados do país, mas
integra a Frente de Resistência Urbana, o que amplia essa presença para
outros estados. Ao todo, só em São Paulo, 20 mil famílias seguem o
movimento, de acordo com Boulos. Confira a entrevista a seguir.
Fórum – A atuação mais contundente do MTST tem sido em São Paulo. Por quê?
Guilherme Boulos – Eu
destacaria São Paulo e Brasília. É que São Paulo é uma caixa de
ressonância, o que acontece aqui é nacional. Brasília, apesar de ser a
capital do país, não é tanto caixa de ressonância. O MTST tem feito
ocupações enormes em Brasília, mobilizado muita gente, travado uma luta
dura contra o governo do Distrito Federal. Há uma atuação intensa do
MTST em Brasília, marcada por repressão dura do governo do Distrito
Federal. Ameaças de prisão, prisão, tentativa de homicídio de
dirigentes, o negócio é meio terrível por lá. Voltando aqui para São
Paulo, aqui é o lugar onde o MTST é mais antigo e mais articulado, onde o
movimento teve tempo e condições para construir um trabalho de base,
contínuo e intenso, de modo a acumular mais força social. Além do que,
São Paulo, por ser a grande metrópole do país, concentra as
contradições, o que tem de mais rico e de mais pobre no país também. São
Paulo tem alguns bolsões de miséria na sua região metropolitana,
enormes “cidades-favela” que criam as condições para uma atuação mais
intensa do MTST.
Fórum – Em entrevistas recentes, você disse que a capacidade
combativa e questionadora do capitalismo dos movimentos sociais está
muito aquém do que poderia ser. De que forma o MTST age diferente nesse
aspecto? Você poderia falar um pouco sobre a tática de acúmulo de
forças?



Boulos – O MTST não é um movimento de moradia, nós
não nos definimos como um movimento de moradia. Somos um movimento
territorial, que atua nas periferias urbanas, com muita referência do
que foi o movimento dos piqueteiros, na Argentina; os movimentos
comunitários, na Bolívia; vários movimentos que surgiram nos últimos 20
anos na América Latina e que são resultados do fato da segregação
territorial mais profunda nos grandes centros urbanos. Podemos fazer uma
analogia: do mesmo jeito que o capitalismo concentrou, no século XIX,
os trabalhadores na grande indústria e criou condições para o surgimento
do movimento operário, no século XX, o capitalismo concentrou os
trabalhadores nas periferias urbanas e criou condições para um movimento
territorial de novo tipo, que é o que tem surgido nos últimos anos. Por
isso – e é nesse sentido que não nos colocamos como movimento de
moradia, o MTST toma a pauta  da moradia como seu foco, seu centro, mas é
um movimento que tem uma proposta mais ampla de conquista de direitos
sociais, de reforma urbana e de construção de poder popular. Isso nós
expressamos na nossa prática. Não que outros não expressem; não achamos
que somos a única coisa que presta nos movimentos sociais brasileiros,
ao contrário. Há muitas experiências interessantes ocorrendo de
movimento urbano no Brasil. O MTST talvez seja aquela que conseguiu se
consolidar de forma mais unitária e com maior visibilidade. A nossa
crítica – e aí entra a tática de acúmulo de forças do movimento – vai no
seguinte sentido: nós temos a clareza de que os grandes problemas que a
maior parte da população trabalhadora vive não serão resolvidos nas
atuais relações sociais, econômicas e de poder político. É preciso ter
uma mudança estrutural na sociedade para construir uma vida digna. Nesse
sentido, a nossa luta não é pautada por um avanço determinado. Ontem [9 de julho],
nós conseguimos uma grande conquista – muito bem, o pessoal da Copa do
Povo vai ter moradia, fortaleceu o “Minha Casa, Minha Vida Entidades”,
conseguimos avanços até para a própria política habitacional no país.
Mas isso não basta, é um passo importante, mas isso é mais um passo no
acúmulo de forças. Nós temos que chegar ao momento – e é nisso que o
movimento acredita, e para isso que trabalha – em que a força do poder
popular vai poder lidar de igual para igual com a força do capital. Aí
nós vamos tratar conquistas em um outro nível. Só que não adianta ter
posições radicais sem ter condições para ter ações radicais, isso é
gigante com pé de barro. Não adianta ter ideias muito revolucionárias,
muito socialistas, se você não cria as condições na base, do ponto de
vista de força social, para que isso se efetive.


Fórum – E sem receio de admitir o socialismo?


Boulos – Não temos receio nenhum. O MTST é um
movimento que, na sua estratégia, entende que o capitalismo não vai
resolver o problema dos trabalhadores, e que é preciso uma nova forma de
sociedade, que nós não temos vergonha alguma de chamar de socialista.


Fórum – Qual a relação entre as pessoas que chegam ao movimento e a especulação imobiliária?


Boulos – Nos últimos três, quatro anos, esse efeito
se fez sentir de forma mais forte. Se formos pegar do ponto de vista dos
dados, é anterior, mas até o dado se fazer sentir na ponta, há um
tempo. A partir de 2007, 2008, ocorre um processo de recrudescimento da
especulação imobiliária no país. Não que isso não acontecesse antes, mas
há um recrudescimento. Isso tem a ver com os efeitos do crescimento
econômico lulista; o segundo mandato do Lula, a partir de 2006, 2007, é o
período de maior crescimento econômico em relação ao primeiro mandato. O
crescimento econômico brasileiro nos últimos anos foi centrado
essencialmente na construção civil. O nível de subsídio, de dinheiro –
seja subsídio ao crédito através BNDES -, que o governo federal deu para
a construção civil depois de 2009, ainda mais em uma política
anticíclica para reverter os efeitos da bolha dos Estados Unidos em
2008, foi uma coisa incrível. Esse setor cresceu muito. Se pegarmos os
níveis de crescimento do patrimônio da Odebrecht nos últimos dez anos, é
algo enorme. Camargo Correia, as grandes empreiteiras cresceram isso,
injetando recurso público, principalmente por meio do BNDES. Qual é o
resultado disso para chegarmos ao ponto da especulação? Essas
construtoras, também para somar, tomaram a opção, entre 2006 e 2007, de
abertura de capital na bolsa de valores. Abriu o capital, vendeu ação;
vendeu ação, fez caixa. O que elas fizeram com esse dinheiro? Compraram
terra nos grandes centros urbanos brasileiros. Se você tem a terra, tem o
controle da política urbana. Tinha demanda, porque tinha crédito mais
amplo pros trabalhadores, tinha mais gente demandando produto
habitacional – habitação como mercadoria. A partir dessa lógica do
endividamento, as construtoras foram produzindo para a chamada classe C
em regiões que antes eram periféricas – Campo Limpo, Itaquera, Pirituba.
Ou seja, regiões que não eram centrais, que não eram alvo do capital
imobiliário, passaram a ser. Alguns podem pensar: “poxa, que bom, vai
valorizar a periferia”. Porém, se esquecem de que boa parte dos
trabalhadores que vive na periferia mora de aluguel. Eu moro em Campo
Limpo. Lá, um aluguel, em 2006, de uma casa de dois cômodos era 300
reais. Hoje, um aluguel de dois cômodos no Campo Limpo, 8 anos depois,
não sai por menos do que 700 reais. O cara que morava de aluguel no
Campo Limpo já era, porque o salário dele não aumentou nessa proporção.
Ele foi pra Taboão da Serra, Itapecerica, Embu. A periferia da
periferia: é isso que se criou.



“Para nós, a Copa do Povo é um exemplo do que queremos continuar
construindo. Se um imbecil de um Reinaldo Azevedo ler esta entrevista,
ele vai escrever um artigo dizendo: ‘É, não falei, eles vão invadir
mais’. É isso. É exatamente isso. Estamos em lados opostos e é isso que
vamos fazer.”


Fórum – Estamos novamente em ano de eleições. Hoje, a atual
situação política do Brasil se deve muito a essas empreiteiras. A
Constituinte pela reforma política será uma bandeira do MTST? Se sim, em
que momento? 



Boulos – O MTST entende que uma reforma política é
um ponto básico. O debate da Constituinte, principalmente em relação ao
financiamento público de campanha, é um ponto elementar, basilar, não
digo para resolver os problemas, mas para, de algum modo, apresentar uma
inibição da apropriação do Estado pelo capital privado, para a
privatização do poder do Estado  – que é o que acontece hoje por meio do
financiamento privado das campanhas eleitorais. Para o MTST, isso é uma
bandeira. Não houve uma articulação adequada do MTST com os movimentos
que estão puxando isso por uma série de razões circunstanciais, mas o
MTST pretender levar essa bandeira adiante, antes do dia 1º de setembro.
Nossa ideia é: havendo um entendimento com as entidades que estão
construindo isso, queremos encampar o plebiscito e levar isso adiante.
Essa é uma bandeira essencial para nós.


Fórum – Como você pensa que o Estado deveria regular o preço dos alugueis?


Boulos – Queremos uma nova lei do inquilinato no
país. Mesmo com a diminuição do crescimento econômico, os alugueis
continuam aumentando muito. A “Ocupação Copa do Povo”, em Itaquera, é
emblemática, porque lá a especulação tem muito a ver com a Copa e com o
estádio. Todo mundo fala a mesma coisa. Parece que foi combinado, parece
que o MTST orientou em assembleia: “olha, falem isso”, mas não foi. Foi
o que aconteceu, um processo real. As pessoas vão dizer: “não consigo
mais pagar aluguel, eu pagava 300, estou pagando 600”. Essa é a situação
geral. O que nós entendemos como uma forma de se contrapor a isso – é
claro que essa medida não resolve todos os problemas nem vai acabar com a
especulação imobiliária no país -, é que se uma nova lei do inquilinato
é aprovada, nessa lei você estabelece um teto para reajuste de aluguel.
E diz o seguinte: nenhum contrato de aluguel pode ser reajustado acima
do índice anual de inflação. Isso, por mais que possa parecer uma coisa
estranha e até subversiva, comunista, não é nada disso; é só regulação
de mercado. Isso ocorre em outros países, se não me engano, no Uruguai
há uma lei dessa natureza, aqui mesmo na América Latina. Isso ocorreu no
Brasil em 1917; uma das bandeiras das greves de 17 era o controle do
valor dos alugueis no Rio de Janeiro e em São Paulo e foi vitoriosa.
Esse controle ocorreu durante toda a década de 20. Na década de 30,
Getúlio Vargas fez três decretos de inquilinato. Governo Dutra,
Juscelino, todos eles mantiveram leis de inquilinato. Quem acabou com
isso foram os militares, e aí se manteve. É uma questão de regular
mercado. Hoje o mercado imobiliário, que incide na vida de milhões de
pessoas por meio do preço do aluguel, faz o que quer, não tem nenhum
controle público, é a lei da oferta e procura. Isso é inconcebível. Por
isso, a proposta de uma lei nova lei de inquilinato.


Fórum – Qual foi a contribuição das
manifestações de junho e da Copa do Mundo para esse quadro que, depois
do anúncio de que serão construídas 2 mil habitações na ocupação Copa do
Povo e o programa Minha Casa Minha Vida será modificado, se tornou
vitorioso na trajetória do MTST?
Boulos – Junho de 2013 para
nós foi um grande marco, aliás para a luta social no Brasil. Talvez
muito mais pelo que significou do que pelo que foi. É claro que foi algo
muito importante; em nenhum momento podem ser tirados os méritos do
Movimento Passe Livre por ter protagonizado, criado uma luta, mobilizado
milhares de pessoas e ter sido vitorioso na sua pauta de
reivindicações. No entanto, junho, nós sabemos, depois tomou uma direção
– e à revelia do MPL, não por opção – muito preocupante, que foi
apropriada por setores conservadores, por uma classe média que está
descontente porque aeroporto virou rodoviária, pelo pessoal que defende
redução da maioridade penal. Em uma das manifestações, eu vi um rapaz
com um cartaz que dizia “redução da maioridade penal já”, “militares no
poder”. A maior parte dos trabalhadores mais pobres do país não foi às
ruas em junho, particularmente em São Paulo. No entanto, junho deixou um
significado muito importante para os trabalhadores de periferia. Depois
de 20 anos de estancamento e criminalização das lutas sociais, de um
ideário de que quem vai para a rua lutar é vagabundo e não tem o que
fazer, houve a ideia de que o povo, quando vai para a rua, é vitorioso. E
essa ideia incidiu, gerou impacto na consciência popular, de modo que,
se pegarmos a luta pela moradia, que foi talvez a que mais recebeu
destaque depois de junho, no segundo semestre de 2013, em São Paulo,
ocorreram mais de cem ocupações de terra, a maioria delas, espontânea.
Fórum – Nos atos do MTST, normalmente não há a presença dos
black blocs. Por quê? Os praticantes dessa tática já procuraram vocês,
houve alguma discordância? 



Boulos – Primeiro, em relação aos black blocs: com
todo o respeito que quem está na luta merece, somos críticos dessa
tática. Achamos que ela não contribui para o acúmulo de forças e para o
avanço das lutas populares. Quebrar um banco pode parecer muito radical,
mas é muito fácil. Quebrar uma vitrine de banco, podemos sair daqui e
quebrar. Isso não vai fazer do Santander ou do Bradesco mais pobres.
Isso pode resolver meu problema psicológico, mas não radicalizar as
lutas sociais. Vai isolar as lutas populares no país. Não concordamos
com essa tática e não a aceitamos nas nossas manifestações. Não
aceitamos que uma minoria queira impor ao MTST, um movimento organizado,
nas manifestações puxadas pelo MTST, formas de luta que tiram da sua
cartola sem discutir em nenhum espaço. Prezamos por definição coletiva.
Nesse sentido, deixamos isso claro para os black blocs e acho que eles
compreenderam e respeitaram, não é que não apareceram nas nossas
mobilizações.


Fórum – Você sente que parte da mídia tenta colocar no MTST um adesivo de anti-Copa do Mundo?
Boulos -  Claro. A mídia
tentou seduzir o MTST. Ela viu no MTST, pela capacidade de mobilização e
organização, uma oportunidade de repetir os aspectos negativos que
junho de 2013 teve. E aí fazer isso em ano eleitoral, a poucos meses da
eleição, de modo a jogar uma pá de cal na Dilma. Na nossa avaliação, a
mídia pretendeu conscientemente utilizar o MTST para essa finalidade. E
não conseguiu, porque o MTST se colocou de forma muito clara em relação
ao seu discurso, que não é o discurso de “não vai ter Copa”, expressando
que o nosso problema é outro. Esses efeitos perversos urbanos
decorrentes da Copa não são nem sequer essencialmente por conta dos
gastos públicos. Não que nós sejamos a favor dos 30 bilhões gastos na
Copa, ao contrário, somos contra; mas, cá entre nós, se a mídia tivesse
dedicado um décimo do tempo que dedicou a esses 30 bilhões para falar
dos 718 bilhões gastos só ano passado com o pagamento da dívida pública,
que é a verdadeira torneira do recurso público, as coisas seriam
outras. Trinta bilhões equivalem a quinze dias do pagamento da dívida
pública no Brasil. O cerne dos problemas da Copa são essas contradições
urbanas, a cronificação e avanço da especulação imobiliária, e por isso
construímos uma pauta nesse campo. Fomos muito claros em caracterizar a
posição do MTST como uma posição de classe, a nossa cor é a cor
vermelha, o nosso discurso é um discurso político, que tem lado. E isso,
de algum modo, afastou a mídia, tanto que, já nas últimas semanas, a
visibilidade que o MTST tem ganho é menor. A visibilidade que tivemos
quarta-feira passada [dia 4 de junho] ao botar 20 mil no
Itaquerão não foi nem um terço da visibilidade que tivemos duas semanas
antes ao botar 20 mil na Ponte Estaiada. Porque eles já haviam percebido
que ali não valia a pena apostar. O MTST não vai cumprir esse papel que
queriam que cumprisse, e começaram a tirar o pé do acelerador. Para nós
foi bom. Deixamos claro que não vamos trocar posição política por 15
minutos de fama. O MTST tem um lado político claro e contrário às
corporações da mídia privada, a quem os financia, e ao Estado
capitalista.
Fórum – O Judiciário parece que joga
contra os movimentos, embora o direito à moradia esteja garantido pela
Constituição. Como lidar com essa situação?
Boulos – É emblemático que
os poderes mais conservadores do país hoje – tão conservadores que
consideram de esquerda o governo do PT – são o judiciário e a mídia. São
os únicos, dos quatro, que não são eleitos. O Judiciário é meio que uma
capitania hereditária da grande burguesia, da oligarquia. Um poder que
vai passando de família em família, das elites urbanas tomando conta, se
tornando juízes, tomando o Ministério Público e levando para dentro
dessas instituições toda a sua visão de classe, preconceituosa e
atrasada. O Judiciário é isso, não tem nenhum controle público no
Brasil. É muito engraçado que quando se fala em controle público do
Judiciário é amordaçar, em relação à mídia, é censura. Agora, o
Executivo e o Legislativo têm controle público a cada quatro anos. E
deveria ser muito maior, deveria ser um controle público permanente, por
meio de mecanismos de exercício do poder popular, conselhos e tudo
mais. Mas, ainda que precário e dominado pelas grandes corporações como é
o sistema eleitoral hoje, há algum grau de controle. O Judiciário e a
mídia não têm nenhum, por isso são os poderes mais conservadores e
atrasados do país. O advogado pode ganhar uma causa, mas a estrutura
está toda carcomida.

Sobre os black blocs: “Quebrar um banco pode
parecer muito radical, mas é muito fácil. Quebrar uma vitrine de banco,
podemos sair daqui e quebrar. Isso não vai fazer do Santander ou do
Bradesco mais pobres. Isso pode resolver meu problema psicológico, mas
não radicalizar as lutas sociais.”


Fórum -  Em relação à Copa do Povo,
há quanto tempo o MTST monitorava aquele terreno e em que momento a
decisão de ocupá-lo foi tomada?
Boulos – Há muito tempo o
MTST tinha a intenção de atuar mais firmemente na zona leste, estávamos
mapeando o terreno, porque o movimento já havia sido demandado em
Itaquera, por conta do avanço brutal da especulação imobiliária.
Mapeamos alguns terrenos, fizemos o levantamento de todos e vimos que
aquele era interessante para pensar construção de moradia popular, por
uma série de razões específicas. O movimento começou a fazer reuniões
naquela região, levou reforço de ocupações de outros lugares, o que foi
escandaloso para alguns – “Denúncia: pessoas da Nova Palestina foram
ocupar”. Foram sim. Foram fortalecer a construção do movimento, e isso
foi muito importante. Essas pessoas não foram obrigadas a nada, foram
conscientemente. Não temos nenhum problema em dizer que pessoas de outra
ocupação foram se solidarizar e fortalecer uma outra ocupação até que
ela se consolidasse. A Copa do Povo nasceu desse processo. É claro que a
decisão de ocupar teve uma relação com o processo da Copa do Mundo, é
natural. Isso é inegável. Ocupar um terreno em Itaquera a um mês e pouco
da Copa não foi por acaso. Seria subestimar a inteligência das pessoas
se a gente negasse isso. Mas não foi também simplesmente uma ação
abstrata anti-Copa, foi resultado de um processo que a Copa ajudou a
produzir, que foi a especulação brutal em Itaquera.
Fórum – Qual é o papel do programa Minha Casa, Minha Vida no acesso à moradia? Você diz que ele enxuga gelo. Por quê? 
Boulos – Primeiro, tem a
discussão da ausência da política urbana. Essa especulação imobiliária
brutal produz novos sem-teto. Começo argumentando com um dado: o Minha
Casa, Minha Vida produziu dois milhões de moradias nos últimos cinco
anos, desde que o programa existe. O déficit habitacional brasileiro
nesse período aumentou. Como se justifica? Porque, por outro lado,
subterraneamente, há essa política da especulação imobiliária criando
novos sem-teto. Afinal, um dos critérios para definição do déficit
habitacional de sem-teto no país é o comprometimento de mais de 30% da
renda familiar com aluguel. Esse quesito aumentou brutalmente nos
últimos anos, aumentando o déficit, mesmo com a construção de novas
moradias. Por isso nós dizemos que enxuga gelo, é uma política
habitacional que está girando em falso. Agora, a questão é: ela está
girando em falso conscientemente. Não está resolvendo o déficit porque
seu objetivo nunca foi esse. O Minha Casa, Minha Vida foi criado em
2009, seis meses depois do estouro da bolha imobiliária nos Estados
Unidos, não para resolver o déficit habitacional, mas para dar liquidez
às grandes empresas do setor da construção, que estavam à beira da
falência, por conta de seus investimentos absurdos e irresponsáveis no
mercado financeiro. Essa mesma turma, que financia campanha eleitoral no
Brasil desde sempre, bateu na porta do Planalto e disse: “Presidente
Lula, nós financiamos sua campanha, agora precisamos de ajuda.” E, em
abril de 2009, o Lula lança um pacote de 39 bilhões de reais de
subsídio, sendo que, desse total, 38 bilhões foram para as empreiteiras,
500 milhões para habitação rural e 500 milhões para entidades. Foi uma
política de emergência, anticíclica, para injetar dinheiro público no
setor da construção civil, no setor imobiliário. O programa foi
concebido para isso e funciona dentro dessa lógica. Ele acaba, na
verdade, sendo parte da lógica de fortalecimento do setor imobiliário,
de especulação, de uma anti-política urbana no país. Por isso que temos
essa posição em relação ao Minha Casa, Minha Vida. Mas não queremos ser
injustos com o programa. É sempre importante dizer isso porque senão a
nossa crítica pode ser apropriada por uma visão ainda mais atrasada.
Essa turma da direita gosta quando a gente critica o Minha Casa, Minha
Vida, mas porque eles são contra o programa por aquilo que ele tem de
bom. Primeiro, é o fato de que, em 30 anos, desde o fim do BNH [Banco Nacional de Habitação]
na década de 80, não havia sido criada nenhuma política habitacional no
país. Nenhuma, só as Cohabs, que são políticas fragmentadas, não
federais. Segundo: o Minha Casa, Minha Vida incorporou uma reivindicação
histórica das lutas sociais por moradia no país, que é subsídio. Não se
resolve o problema habitacional dentro da lógica de mercado de
financiamento, porque moradia é uma mercadoria cara. 70% das famílias
que compõe o déficit habitacional no país ganham menos que três salários
mínimos de renda mensal. Quem está nessa situação, não tem como
comprovar condição de pagamento de um crédito imobiliário, então não
entra. Todos os programas habitacionais, inclusive o BNH, sempre foram
pensados por uma lógica de financiamento. O BNH era um banco. O Minha
Casa, Minha Vida não fugiu inteiramente disso, tanto que quem o opera é
um banco – a Caixa Econômica Federal. Mas, para a faixa 1, que é a de 0 a
3 salários, o programa deu uma quantidade considerável, que pode chegar
até 90%, de subsídio. Isso permitiu que ele atendesse uma parcela da
faixa que mais precisa. Essa, na nossa avaliação, é uma virtude do Minha
Casa, Minha Vida. Mas, no geral, é um programa vicioso.
Fórum – Você acredita que o precedente aberto para a Copa do
Povo possa ser expandido para outras ocupações, não só em São Paulo, mas
em todo o Brasil?



Boulos – A vitória de ontem [9 de junho, dia do anúncio de entendimento com o governo federal],
para nós, foi muito simbólica e emblemática. Depois de meses de intensa
mobilização do MTST, com uma pauta nacional definida, o grosso dessa
pauta foi atendido. Conseguimos algumas mudanças no Minha Casa, Minha
Vida para fortalecer aquela gota no oceano que é o Minha Casa, Minha
Vida Entidades, a gestão direta pelos trabalhadores, que produz
habitações com muito mais qualidade e maiores, porque você tira a
empreiteira. Um exemplo disso é o que estamos fazendo em Taboão da
Serra, na região metropolitana: com o mesmo dinheiro que os caras estão
construindo apartamentos de 39m², estamos fazendo 63m², com três
dormitórios. Conseguimos também medidas para fortalecer o Minha Casa,
Minha Vida, corrigir algumas de suas distorções, e, o que para nós é
muito importante, a criação de uma Comissão Federal de Prevenção de
Despejos Forçados. Será integrada pelos ministérios das Cidades e
Justiça, Secretaria-Geral da Presidência da República e Secretaria de
Direitos Humanos e vai monitorar e procurar intervir em casos de despejo
conflituoso, violento – buscar inibir novos Pinheirinhos, digamos
assim. Há também a vitória da Copa do Povo. A Copa do Povo, em
particular, é uma sinalização, e nós queremos tratar assim. O governo
morre de tratar assim, deve pensar: “Se a gente ceder para a Copa do
Povo, todo mundo vai querer ocupar.” Que bom. É isso que nós pensamos. É
importante que haja vitórias para que as pessoas percebam que a
organização e a luta popular trazem resultados. É uma forma de nos
contrapormos a essa institucionalidade conservadora que temos no Brasil
hoje. Para nós, a Copa do Povo é um exemplo do que queremos continuar
construindo. Se um imbecil de um Reinaldo Azevedo ler esta entrevista,
ele vai escrever um artigo dizendo: “É, não falei, eles vão invadir
mais”. É isso. É exatamente isso. Estamos em lados opostos e é isso que
vamos fazer. A Copa do Povo é um emblema para continuar e avançar.


Fórum – Você pensa, para o futuro, em uma carreira política atrelada a um projeto eleitoral?


Boulos – Eu já tenho uma carreira política.