A Igreja pagando pelos pecados
Carlos Pompe*
O mundo vai dando suas voltas e, vez por outra, algumas instituições sofrem com reviravoltas. É o que está acontecendo com a Igreja Católica Apostólica Romana, condenada nos Estados Unidos devido a alguns casos de abuso sexual de menores por seus pastores. Tão soberba, dias atrás, quando divulgou um documento afirmando ser a única representante de Cristo na Terra (aliás, Balzac já alertava sobre os beatos: “Sempre ter razão é um dos sentimentos que nessas almas despóticas substitui todos os demais”), agora veste as sandálias da humildade e, como Jesus, desafia: “Atire a primeira pedra quem nunca pecou”...
Tudo tem seu preço? A Igreja fez um acordo para pagar U$ 660 milhões como indenização por molestar crianças – na maioria das vezes, meninos – realizado por sacerdotes nos Estados Unidos. Flagrado em pecado, o Vaticano se manifestou através do porta-voz padre Federico Lombardi, que esqueceu o ensinamento cristão de não julgar para não ser julgado: “Como o problema dos abusos contra a infância e sua adequada tutela não se refere de jeito nenhum somente à Igreja, mas também a muitas outras instituições, é justo que estas também tomem as medidas necessárias”, afirmou. Seu colega Manuel Monteiro de Castro, núncio apostólico na Espanha, atacou os meios de comunicação (também lá foram flagrados padres pedófilos), acusando-os de serem cáusticos para com os escândalos sexuais protagonizados pelo clero.
Esses crimes se multiplicam pelo mundo afora. No Brasil, no ano passado, a Procuradoria do Estado de São Paulo pediu à Igreja indenização pelos crimes do padre Alfieri, que molestou 13 crianças, duas delas com apenas 5 e 6 anos. O sacerdote as colocava numa instituição de caridade que dirigia na região de Sorocaba. O padre filmou e escreveu num diário os crimes que cometeu.
É comum, quando um religioso é flagrado nesses casos, ele ser transferido pela alta cúpula de Igreja para outra região, evitando assim que seja punido pela lei e que a instituição fique exposta, podendo então continuar posando de mantenedora dos bons costumes e portadora oficial da ética e dos valores humanos mais sublimados. Quando a mera transferência do pervertido não acalma as ovelhas violadas e violentadas, a alta hierarquia apela para as indenizações. O atual caso da indenização pecuniária nos EUA envolve 113 criminosos, dos quais apenas 4 enfrentam os tribunais. Em 2004, a arquidiocese de Orange pagou 100 milhões de dólares para encerrar 90 processos; em 2005 a diocese de Oakland pagou 56 milhões de dólares para 56 vítimas; em 2006 a diocese de Convington pagou 84 milhões de dólares a 350 vítimas.
No caso das penas indenizatórias, pode-se dizer que a Igreja está pagando na mesma moeda punições que outrora prodigalizou em distribuir. Em 1517, o papa Leão X promulgou a Taxa Camarae, para vender indulgências. Determinava o segundo dos seus 35 artigos: "Se o eclesiástico, além do pecado de fornicação, quiser ser absolvido do pecado contra a natureza ou de bestialidade, deve pagar 219 libras e 15 soldos”. Talvez refletindo já na época uma preferência dos senhores que envergam batina e continuam sexualmente ativos, mandando aos diabos o voto de castidade, o artigo 2º anunciava um abatimento: “Mas se tiver apenas cometido pecado contra a natureza com crianças ou com animais e não com mulheres, pagará unicamente 131 libras e 15 soldos."
Mas, infelizmente, são pouquíssimos os depravados punidos. Quase nem sempre se realiza o ditado popular: aqui se faz, aqui se paga.
*Carlos Pompe, Jornalista e Curioso do mundo.