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Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
Espanto! O trabalhador brasileiro não fez e não fará um minuto de silêncio e nem baterá panelas. Muitas campanhas vindo da própria elite brasileira, mais especificamente a paulista com campanha "da paz" e campanha "contra o governo" nunca tiveram um resultado avassalador ao longo prazo. O cidadão excluído cansou dos berros que nunca favoreceu a minoria oprimida.
Cansamos da sociedade abastada e hipócrita que é incapaz de se ver refletida no espelho para se identificar com a política atual, sem a dignidade de assumir que a corrupção, que tanto critica, sem mudar sua própria postura. Em sua origem são os mesmos que não reivindicam o direito do trabalhador para um bom atendimento no hospital público e a melhora dos salários dos médicos dos SUS, que recebem R$ 2,04 por consulta. Aqueles mesmos que não fazem frente para moralizar o ensino público de qualidade e o salário do professor. São sempre os mesmos que contratam guardas particulares e não fazem manifestação para melhorar as condições dos policiais.
O povo brasileiro, principalmente um terço que está na linha da pobreza, está cansado da elite econômica que só enxerga a corrupção dos políticos. E ao mesmo tempo é cega e complacente com empresários corruptores e sonegadores de impostos, que financiam a campanha desses mesmos corruptos. Agora, um grupo minoritário de classe abastada vem disparando e-mails ideológicos e confundindo isso com consciência política. O trabalhador rural urbano está cansado dessa elite que menospreza a luta da gente do campo e daqueles que vivem nos guetos dos aglomerados urbanos desse País. Estamos cansados de uma classe média que odeia a política pelo erro primário e de cristão que confunde seres humanos com anjos, o que é uma receita para a decepção, pois é óbvio que homens não são anjos e, portanto, precisamos de político e de partidos sérios que sejam fiscalizados pelo Poder Público e pela sociedade. Hoje as instituições políticas partidárias não atraem mais jovens compromissados com um futuro digno para o Brasil. O que vemos nos partidos é uma minoria que lá está por serem filhos de políticos ou estão atrás de cargos no governo. Portanto, as agremiações partidárias não são mais espaço para as reivindicações políticas. Não temos mais espaços públicos para escoar os pedidos da sociedade civil organizada.
O Brasil tem suas contradições (como qualquer país) e uma delas é ser uma força econômica com uma péssima distribuição de renda. Aqui, a noção de poder legal, dentro da concepção do teórico alemão Weber, é subversiva em relação ao desenvolvimento humano. Está na hora mesmo é de fazer um movimento para a mudança político-partidária e abrir espaços legais e constituídos para os cidadãos bem intencionados fazerem suas lutas e reivindicações. Hoje, o único movimento legítimo com espaço público amplo e organizado são as associações de homossexuais e suas passeatas, que aglomeram milhões de pessoas pelo direito dessas pessoas descriminadas.
Agora agüenta essa elite blindada e herdeira de nossa tradição autoritária; a má distribuição de renda que é um problema coletivo; a indústria dos carros blindados e dos condomínios murados, que é reflexão de uma solução individual (e individualista). Mas essa equação não fecha: não há soluções individuais para problemas coletivos. A Ordem dos Advogados do Brasil, Subsecção São Paulo, que tanto já lutou pelos Direitos Humanos e fez belíssimas campanhas contra Ditadura Militar e sempre foi a favor das populações minoritárias, se perde. Há anos não vemos a bandeira da OAB ser hasteada, com as cores vermelhas predominantes, em favor dos direitos.
Qualquer movimento é justo. Respeitamos a indignação dos "Cansei", porém não é possível ver nada de "cívico" nesse movimento. Se perguntarem qual é, afinal, a solução para todos os problemas de nosso País, a resposta é não sei. Sei apenas que não existe mágica. Só sei que fazer política em todos os níveis é preciso ter responsabilidade, ética e moralidade. Uma coisa é certa: sempre haverá pedras no meio do caminho. É difícil, no dia de hoje, bater panelas e fazer um minuto de silêncio. E lembrando que há exatos 20 anos morria Carlos Drummond. Em homenagem ao poeta, chutarei as pedras ao meio do caminho para achar uma trilha e, ao anoitecer, na calada da noite refletirei as palavras do poeta: "é a hora dos corvos, bicando em mim meu passado, meu futuro, meu degredo: desta hora, sim, tenho medo".
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Não cansei, enchi o saco! | | | |
Max Luiz Gimenes | |
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Após anos de corrupção e de uma política aeroportuária desleixada, não foi sem surpresa que o Brasil recebeu, na última semana de julho, o lançamento do “Movimento Cívico pelo Direito dos Brasileiros” – o famigerado “Cansei”. O movimento pretende-se “apartidário”, mas as circunstâncias acabam impedindo que essa inverdade se prolifere e a pergunta que não quer calar é: onde estavam os “cansados” em tempos de crise do governo FHC? Mas, ainda que esta pergunta quisesse ser calada, não encontraria resposta plausível. Dizem que a população está deixando o comodismo ou que é melhor revoltar-se tarde do que nunca o fazer. Lorota. As verdadeiras razões estão muito bem guardadas, talvez em cofres de bancos na Suíça.
Dirigido pela OAB-SP e com o apoio de vários setores a serviço da elite – como FIESP, FEBRABAN e outros –, o movimento ganhou força ao se aproveitar, de maneira oportunista, do caos aéreo que tem assolado o país. Até o mensalão foi tirado do baú conservador. (Hoje, certamente, o lulo-petismo se arrepende profundamente por não ter inventado um nome criativo para a sistemática corrupção tucana, pois “corrupção” e “roubalheira” são palavras muito genéricas.) Sem respeitar o sentimento dos envolvidos na tragédia, a direita “rebelde” aproveitou o acidente da TAM para realizar o marketing de seu movimento. Muitos, de maneira inocente, caíram nessa ladainha como se cai no golpe do bilhete premiado, e engrossaram as fileiras do “Cansei”.
Como era de se esperar, a reação do PT não demorou a acontecer. A Central Única dos Trabalhadores (CUT), que por muitos anos foi exemplo de luta e independência dos trabalhadores, transformou-se em guarda particular do presidente Lula e foi quem assumiu a missão de se contrapor ao “Cansei”, a fim de preservar a imagem do presidente e de seu governo. Para tanto, lançaram o “Cansamos”, que, sem dúvida, soa melhor devido ao companheirismo sugerido pelo verbo no plural. Mas esta melhora não vai além do marketing político.
Aliás, a “qualidade” da propaganda petista tem evoluído à medida que sua identidade política se perde; já a direita, que parece não aprender, peca também pelo individualismo do nome-fantasia de sua articulação. As bandeiras do “Cansamos”, é verdade também, possuem um rótulo mais humanitário. Evocam, por exemplo, o “cansaço” em relação aos trabalhos escravo e infantil. Mas, contra isso, palavras não bastam e o governo Lula já mostrou de que lado da trincheira está ao dar aos usineiros – que praticam o trabalho, no mínimo, semi-escravo – o status de “heróis”. O pior cego é aquele que não quer ver e, contra fatos, não há argumentos.
Para romper esta falsa polarização que tem ocorrido desde as últimas eleições é que surgiu a idéia de um movimento independente, o “Enchi o saco”. Não há eufemismo que atenue as injustiças que permeiam o Brasil. A intenção é mostrar que estamos cansados, sim, e faz tempo. Um dos nossos objetivos é desmascarar o debate vazio que tomou conta da pauta de discussões políticas na sociedade. Este é um chamado para que aqueles que, há anos, resistem bravamente não sejam ludibriados por nenhum dos lados desse debate inócuo.
Enchemos o saco da corrupção do governo Lula, assim como já estávamos cheios da improbidade tucana. Enchemos o saco da política neoliberal – iniciada por Collor, aprofundada por FHC e continuada por Lula –, que há anos tenta diminuir o papel social de um Estado que deveria controlar efetivamente o setor aéreo, sem deixar que empresas privadas arriscassem vidas a fim de garantir lucros cada vez maiores. Enchemos o saco da elite e da classe média aspirante à elite, que ignoram a miséria que está presente na vida de grande parte da população.
Estamos cansados, é verdade, mas não a ponto de deixar de ocupar universidades, realizar greves e paralisações, ir às ruas em passeatas ou manifestações por um mundo mais justo. Continuar na luta em CAs, DCEs, partidos políticos de luta, sindicatos combativos, entre outros movimentos sociais, é o que é preciso ser feito. O resto é conversa mole.
Max Luiz Gimenes participa do núcleo Vila Prudente de militância do Psol.
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Corações em greve | | | |
Maria Clara Lucchetti Bingemer | |
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Neta de médico, cansei de ver meu avô ser chamado no meio da noite e sair com maletinha e estetoscópio para atender doentes, às vezes em lugares afastados e considerados não muito seguros. Paraibano de temperamento impetuoso, seu rosto e sua voz se transformavam quando em contato com os pacientes. Brincava, sorria, animava. Mais: seus sentidos entravam em contato direto com a corporeidade adoecida do outro.
Examinava com as mãos, os ouvidos, os olhos. Não havia para ele outra prioridade naquele momento do que a necessidade daquele doente específico que apelava à sua ciência. A vida passou, meu avô morreu quando eu ainda era jovem e a vida me fez cruzar com vários médicos em meu caminho. Em quase todos encontrei a mesma disponibilidade, a mesma entrega, o mesmo amor pela profissão e pelos pacientes daquele paraibano que viera estudar medicina no Rio e se casara com uma carioca. E eu acreditei e dei fé que o juramento de Hipócrates que os médicos fazem quando se formam é mesmo para valer.
Ou melhor, acreditava nisso até tomar ciência, no último domingo, da morte de Elizangela Ferraz, jovem paraibana cardíaca, que necessitava de uma cirurgia urgente para ter esperança de viver. Acontece que os corações dos médicos paraibanos, todos conterrâneos de meu querido avô, não se encontravam disponíveis naquele momento. A categoria estava em greve, à espera de uma revisão da tabela do SUS.
A mãe e a irmã de Elizangela, desesperadas, tentavam de tudo e mais um pouco. Ofereceram-se, inclusive, para pagar o anestesista. A resposta era sempre implacável. “Estamos em greve. Há que ter paciência”. O coração combalido de Elizangela fazia esforços sobre-humanos para continuar batendo. E a greve seguia.
Domingo, o coração de Elizangela parou. Era uma morte anunciada. A lucidez dessa moça de 28 anos, que pressentia o que estava para lhe acontecer, a fez comentar poucos dias antes de morrer, em entrevista: “Não sei se estarei aqui amanhã. Estou dependendo dessa greve”. Com uma arritmia cardíaca, Elizangela morreu antes de chegar ao hospital. Não digo que a greve não seja justa. A tabela do SUS está defasada há dez anos. A categoria tem razão em protestar e usar o único instrumento de que dispõe para pressionar o governo. Tomara que a greve ajude a reflexão sobre o que sucede no Brasil com as profissões mais nobres e importantes: a de professor e a de médico. Com seus salários aviltados a um ponto insuportável, esses profissionais acabam deixando a profissão ou acumulando um sem número de empregos e prejudicando a qualidade de sua inestimável contribuição para o bem comum.
No entanto, para tudo há limites. Não há reivindicação justa que valha mais do que uma vida humana. Um doente não tem paciência. Tem urgência. E o coração de Elizangela tinha urgência de ser reconstruído e reparado por uma cirurgia que a medicina podia lhe dar. Se assim tivesse sido, ainda bateria até agora. Desatendido, extinguiu-se. Que a fragilidade do coração de Elizangela, vencido pela arritmia, possa comover os corações dos médicos do serviço público e ajudá-los a nunca mais fazer greve quando se trata de salvar uma vida. |
O livro dos mortos e desaparecidos | | | |
Frei Betto | |
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A obra resulta de cuidadoso trabalho da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, presidida pelo advogado Marco Antonio Rodrigues Barbosa. Editada pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da presidência da República, nesta gestão do ministro Paulo Vannuchi, é, com certeza, o mais importante documento histórico sobre os anos de chumbo, desde a publicação de “Brasil, Nunca Mais”, assinado por dom Paulo Evaristo Arns, hoje cardeal emérito de São Paulo, e o reverendo Jaime Wright. O que faz a diferença é que “Direito à Memória e à Verdade” é um documento oficial do governo e, portanto, sinaliza importante passo no reconhecimento do arbítrio prevalecente no regime militar e na abertura dos arquivos daquele período. Quis a sorte, resultante das oscilações conjunturais de nossa política, que o processo que culmina na publicação do livro tenha sido iniciado, em 1995, por Nelson Jobim, então ministro da Justiça do governo FHC. Hoje, Jobim é ministro da Defesa, autoridade máxima, à exceção do presidente da República, sobre as Forças Armadas que insistem em não abrir seus arquivos sobre a repressão. Há que sublinhar o mérito do governo FHC, bem como do ex-ministro José Gregori, ao reconhecer a responsabilidade do governo brasileiro frente à questão dos mortos e desaparecidos, bem como o empenho na indenização às vítimas e suas famílias. Nenhuma vítima da ditadura, por questão de bom senso humanitário, encara esta iniciativa do governo Lula pela ótica da vingança. Não se trata de vingança, e sim de justiça. Aprendi no cárcere que o ódio destrói primeiro quem odeia e não quem é odiado. A nação, entretanto, tem o direito de resgatar a sua memória e corrigir aberrações jurídicas como a “anistia recíproca” do governo Figueiredo. Inútil querer impedir que as famílias pranteiem seus mortos e clamem por seus entes queridos desaparecidos. E, a exemplo do Chile e da Argentina, o princípio elementar do Direito exige que crimes, sobretudo aqueles cometidos em nome do Estado, sejam investigados e seus responsáveis punidos, para que a impunidade não prevaleça sobre a lei nem se perpetue como tributo histórico. A memória brasileira tem sofrido tentativas de “apagão” quando os conjurados mineiros são qualificados de inconfidentes (que significa aqueles que não merecem confiança ou não são capazes de guardar confidências, leia-se dedos-duros) e em episódios históricos como a Guerra do Paraguai, o massacre de Canudos e tantas outras rebeliões que semearam a nossa independência e forjaram a nossa identidade. Não se pode admitir agora que um período trágico de nossa história como foi a ditadura militar fique relegado ao olvido com seus documentos tão desaparecidos quanto muitas de suas vítimas. É meritório que o governo Lula tenha revogado o caráter de “sigilo eterno” de documentos oficiais, conforme havia sido determinado pelo governo FHC, ao estabelecer prazo de trinta anos, prorrogáveis por mais 30, para que a sociedade tenha acesso a eles. Espera-se que também esse longo período venha a ser revogado, para que interpretações falseadas e/ou equivocadas de nossa história não adquiram nos livros didáticos e na opinião pública status de verdade. “Direito à Memória e à Verdade” soma-se ao crescente esforço de trazer à luz a realidade dos anos de chumbo. Aplausos para o cinema nacional que exibe nas telas o caráter deletério do regime militar em produções recentes: “Zuzu Angel”, “Hércules 51”, “Quando nossos pais saíram de férias”, “ Batismo de Sangue”, “Ato de Fé”, “Conspiração do Silêncio – Araguaia”, “Serra do Caparaó”, “Quase Dois Irmãos”, “Barra 68”, “Cabra-Cega” etc. A Secretaria Especial dos Direitos Humanos - cujo empenho no combate à exploração sexual de crianças e na defesa dos direitos de indocumentados e portadores de deficiência física mereceria amplo espaço na publicidade oficial - ostenta agora o mérito de fazer jus à memória nacional. Frei Betto é escritor, autor de “Batismo de Sangue” (Rocco), entre outros livros.
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