Introspectivamente, o repensar sobre os acontecimentos, bem como o apontamento de perspectivas, sempre foi um exercício valioso. Certamente, a releitura daquilo que foi interpretado ao calor do fato, até analisando suas conseqüências, para além do equilíbrio que proporciona o repouso, permite visualizar o que deixou de ser feito, o que talvez poderia ter sido feito de melhor forma e aquilo que involuntariamente trouxe resultados positivos ou negativos. Contudo, neste ano, antes do que fazer um balanço, parece-me importante pensar no futuro com otimismo. Digo isso porque, ao final, a qualquer momento, pode se dar a libertação de três pessoas privadas da sua liberdade em um cenário de guerra doloroso para os colombianos, e de maneira muito a contragosto do que esperava o governo de Álvaro Uribe. O fato abre novos caminhos para uma saída política negociada ao conflito social e armado nesse país, permite oxigenar o ar contaminado pela ingerência dos Estados Unidos na Colômbia, país que pretendem converter em ponta de lança para uma contra-ofensiva contra o movimento popular dos Estados vizinhos e os governos que empreendem, com grandes dificuldades, a trilha do desenvolvimento e da efetividade dos direitos sociais. Certamente hão de haver alguns que dirão que não há motivos para comemorar, pois continua a intervenção no Iraque; Guantánamo persiste, em que pese a rejeição universal contra os tratamentos degradantes e a violação das garantias processuais; e, ainda, as políticas neoliberais privatizadoras continuam a ser promovidas, enquanto na América Latina alguns governos continuam tímidos demais diante da possibilidade de enfrentar o capital e, em outros, a reação se organiza para lucrar politicamente, acima dos erros táticos, das inconsistências e sob o amparo dos dólares e do terrorismo norte-americanos. Se pensarmos na atual situação européia, para sair do nosso contexto imediato, observamos como esse mesmo neoliberalismo pretende acabar com o que resta do Estado Social. Em Portugal, o desemprego está acima dos 7,5%, enquanto na Espanha, na França e na Alemanha os direitos dos aposentados e trabalhadores são ameaçados constantemente. E poderíamos continuar a falar sobre dados e índices da Ásia ou África, onde, ao igual que nos outros continentes, o capital financeiro, hoje dominante, pretende que esqueçamos que existem valores éticos, morais e humanos e que concentremos a vida no dinheiro, na concorrência desleal e num individualismo vulgar. É, ademais, um capitalismo irresponsável com a preservação da vida no planeta e intolerante e discriminatório com as minorias étnicas e os setores mais desprotegidos. Agora bem, se esta é uma das caras da moeda, também podemos virar e ver a outra: afirmar, por exemplo, que os Estados Unidos fazia tempo que não enfrentavam uma contestação tão dura e difícil no concerto de países da área latino-americana; que o governo colombiano se desgasta; e que podemos sentir a vitalidade dos processos políticos renovadores e, ainda, reconhecer o peso das dificuldades diante da coragem de alguns povos de caminhar sem artifícios dos impérios. Parece-me inquestionável, nessa linha, que existe uma reação na luta dos trabalhadores europeus contra o cerceamento dos direitos sociais. Mas também podemos advertir que é inquestionável que, se não existir uma reflexão ou análise do estágio em que se encontra a luta de classes, se não se detectar quem é o inimigo fundamental e quais são os aliados táticos no dia a dia, não haverá condições de organização popular - haverá uma dispersão de forças e de esforços, e a possível unidade entre os diversos setores que podem agenciar as mudanças democráticas e as reformas econômicas e sociais não será possível, e a intensificação da luta será cada vez mais complicada. Conste, não pretendemos ser prognosticadores nem adivinhos. Longe também pretender fazer pose de arrogantes ou de mestres, com a última palavra sobre aquilo que deve ser ou não feito. Apenas, com toda humildade, achamos que, diante das dificuldades e dos desafios, em 2008, o convite pode ser resumido nas três palavras que, seguidas a risca, são elemento chave para o sucesso na ação política - e que, como todos sabem, não são palavras nossas, eu mesmo as aprendi de alguém que as pronunciou quando, há alguns anos, comecei a tentar fazer algo útil na vida: educare, organizare e agitare. Primeiro, educar-se, ler, escutar, tentar captar dos outros tudo aquilo que de bom nos podem transmitir; logo, organizar, com persistência e tolerância; e, finalmente, agitar, gritando, movimentando as forças conscientemente e com a dose de prudência e confiança que o momento exige, mas gritar, protestar, e, assim, tentar aumentar a consciência cidadã. No novo ano, há que prosseguir rodeando de solidariedade a Cuba socialista; há que aprofundar a democracia na Venezuela, na Bolívia, Nicarágua e Equador, democracia que, em nosso meio, tem um profundo conteúdo transformador; há que insistir na unidade com perspectiva revolucionária no Brasil, Argentina e Uruguai e continuar a abrir espaços em outros Estados, onde o contexto é mais difícil. Não há caminhos pré-fabricados, mas há que aprender dos processos em curso, de vitórias e derrotas. A glória não é de indivíduos ou de setores de opinião, é dos povos, porque são eles os que inventam, criam as inéditas formas de luta que permitem superar os problemas e sustentam qualquer mudança. E sobretudo há que continuar a sorrir, e a sorrir lutando e a lutar sorrindo por uma nova cultura, de paz, vida e justiça. Bom 2008 para todos! Pietro Lora Alarcón, advogado colombiano, é professor da PUC-SP. |