Por que o mundo árabe – falemos terrivelmente claramente – é tão atrasado? Por que tantos ditadores, tão ralos direitos humanos, tanta 'segurança' e tortura, tantos analfabetos?
Por que esse mundo destroçado, tão rico em petróleo, tem, em tempos de computador, tantos milhões de analfabetos, mal nutridos, além de tantos corruptos? Sim, eu sei da história do colonialismo ocidental, as conspirações sinistras do Ocidente, o argumento árabe de que não se depõem xeiques e reis e autocratas, além de imans e emires, quando "o inimigo está à porta". Há verdade nisso, mas não suficiente verdade.
O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP) aí está com mais um relatório, o quinto – feito por analistas e especialistas árabes, observem bem –, que denuncia o espantoso estado de atraso em que vive parte significativa do Oriente Médio. Fala da "fragilidade das estruturas políticas, sociais, econômicas e ambientais da Região (...), da vulnerabilidade à intervenção do exterior". Mas será que a desertificação explicaria o analfabetismo – maior entre as mulheres –, ou o Estado árabe o qual, o relatório admite, muitas vezes "é mais ameaça à segurança humana, do que instrumento para prover segurança"?
Rami Khouri, jornalista árabe, escreveu muito claramente, semana passada: "Como enfrentar as causas ocultas de nossa mediocridade e implantar mudanças reais ancoradas em cidadania sólida, economia produtiva e Estado estável continua a ser o enigma que continua a desafiar três gerações de árabes". O PIB real per capita na Região – um dos indicadores que mais chocaram Khouri – cresceu apenas 6,4% entre 1980 e 2004. Apenas 0,5% ao ano, taxa menor que a de 198 dos 217 países analisados no CIA World Factbook em 2008. Isso, para uma população árabe – 150 milhões em 1980 –, que chegará a 400 milhões em 2015.
Vejo, eu mesmo, quase tudo isso. A primeira vez em que estive no Oriente Médio, em 1976, já havia gente demais. As ruas malcheirosas, tão cheias que mal se pode andar nelas, do Cairo, já estavam sempre cheias, dia e noite, com quase um milhão de sem-tetos, muitos dos quais viviam nos grandes cemitérios otomanos. As casas árabes são imaculadamente limpas, mas as ruas são imundas, muitas vezes repugnantes, sujeira e lixo espalhados pelas calçadas. Mesmo no belo Líbano, onde há uma espécie de democracia e cujo povo está entre os mais cultos e bem educados de todo o Oriente Médio, o fenômeno é o mesmo. Nas vilas das montanhas do sul, as casas, sempre, rigorosa e perfeitamente limpas. Mas por que as ruas e os arredores das vilas são sempre tão sujos?
Suspeito que haja, sim, algum problema com a cabeça dos árabes: eles não se sentem donos dos próprios países. Constantemente expostos a efusões de entusiasmo em nome de uma "unidade" árabe ou nacional, acho que não sentem que pertencem à terra ou que a terra é sua, como os ocidentais sentimos. Quase sempre, ou muitas vezes, impedidos de eleger quem os represente realmente – até no Líbano, exceto no contexto das tribos ou do sectarismo – as pessoas sentem-se "descartadas", sentem-se excluídas, excetuadas. A rua, o país, como entidade territorial física pertence a outro, a alguém, não ao povo, aos habitantes. E, claro, no instante em que um movimento brota e – caso ainda mais grave – torna-se popular, introduzem-se novas leis de exceção que imediatamente tornam ilegal o movimento, ou o declaram "terrorista". Assim, a responsabilidade por cuidar dos jardins, dos arredores das cidades e das ruas é sempre transferida, sempre é de algum outro.
Os funcionários do Estado – que trabalham diretamente para o Estado e suas autarquias corruptas – também sentem que sua existência depende da mesma corrupção sobre a qual viceja o próprio Estado. A população torna-se parte da corrupção de todos. Nunca esqueço de um árabe dono de terras, há anos, reclamando das campanhas anti-corrupção de seu governo. "Antigamente, era pagar a propina ao funcionário certo, e consertavam o telefone, as bombas d'água voltavam a funcionar, voltávamos a ter energia elétrica" – dizia ele. "Hoje em dia, Mr. Robert, não posso subornar qualquer um, nem consigo subornar todos nem sei a quem subornar. Então... nada funciona!"
Desde o primeiro relatório do UNDP, de 2002, a coisa era já deprimente. Identificavam-se três principais obstáculos ao desenvolvimento humano no mundo árabe: o crescente "déficit" de liberdade, de direitos para as mulheres e de conhecimento. George W Bush – aquele, o da liberdade eterna, democracia eterna etc. etc. além de guerra eterna e eterno massacre no Iraque –, por exemplo, foi sensível a essas dificuldades. Até Hosni Mubarak do Egito (aquele, o do sucesso eleitoral superior a 90%), compreensivelmente irritado por estar ouvindo sermão do homem que rebatizou o "terror", disse a Tony Blair em 2004 que a modernização teria de considerar "as tradições e a cultura da Região".
Alguma solução para a guerra árabe-israelense resolverá todos esses problemas? Talvez, sim, alguns deles. Sem o constante desafio da crise, seria cada vez mais difícil renovar as leis de exceção, não aprovar constituições, negar qualquer legalidade ou constitucionalidade, distrair as populações porque, se não forem distraídas, há risco de que se ponham a exigir mudanças políticas radicais. Às vezes, temo que os problemas tenham-se aprofundado demais, que, como onde há esgoto que vaza há muito tempo, toda a terra em que pisam os povos árabes esteja infiltrada de problemas, porosa, frágil, e que sobre ela já nada se possa construir.
Foi para mim enorme alegria, há alguns meses, em palestra na Universidade do Cairo – aquela, a mesma na qual Barack Obama praticou diplomacia soft com o mundo muçulmano –, descobrir tantos alunos brilhantes, muitas moças nas classes e o quanto são mais bem-educados e mais bem formados, hoje, em comparação ao que vi em visitas anteriores. Mesmo assim, muitos, muitos, só pensam em mudar-se para o Ocidente. O Corão é documento preciosíssimo – mas um Green Card também é. E quem os poderia culpar, se Cairo está cheia de engenheiros pós-graduados que ganham a vida dirigindo táxis?
Quanto ao equilíbrio, sim, uma paz séria entre palestinos e israelenses, sim, ajudaria muito a reequilibrar os espantosos desequilíbrios que atacam como praga a sociedade árabe. Quem já não tenha energia para protestar contra a escandalosa injustiça que é aquela guerra, talvez reencontre forças para lutar contra outras escandalosas injustiças. Uma delas, por exemplo, a violência doméstica, a qual – apesar de os povos árabes serem, sim, muito ligados à família – é mais disseminada na sociedade árabe do que os ocidentais talvez saibam (ou os árabes admitam).
De qualquer modo, estou convencido, sim, de que, militarmente, temos de sair de lá. Temos de desocupar o Oriente Médio. Temos de sair de lá.
Façam o que for preciso. Temos de sair de lá. Mandem para lá professores, economistas, agrônomos. Mas não soldados. Os soldados têm de voltar para casa. Não defendem nada e ninguém, no Oriente Médio. Não nos defendem. Espalham, lá, caos idêntico e alimentam a mesma injustiça que fazem engordar as Al-Qaedas do mundo. Não, os árabes – ou, fora do mundo árabe, os iranianos ou os afegãos – não gerarão democracias eco-amantes, gênero-igualitárias, as risonhas e festejantes democracias que todos gostaríamos de ver (ou de ser). Mas, livres da "nossa" tutela, os árabes desenvolverão suas sociedades, em benefício das pessoas que as constituem. Talvez, assim, os árabes convençam-se de que são donos da terra onde vivem.