Do blog do Sakamoto
Uma operação de auditores fiscais da Superintendência
Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE-SP) inspecionou as
instalações da Indústria de Comércio e Roupas CSV Ltda., registrada em
nome do boliviano Valboa Febrero Gusmán, em 18 de fevereiro. Na oficina
de costura que funciona no sobrado de uma igreja evangélica no bairro de
Vila Nova Cachoeirinha, Zona Norte da capital paulista, foram
encontradas 16 bolivianos (um deles com menos de 18 anos) e um jovem
peruano trabalhando em condições análogas à escravidão na fabricação de
roupas femininas. Entre elas, peças com etiquetas para a rede de
magazines Marisa.
A partir daí, um rastreamento da cadeia produtiva da oficina
realizado pela auditores fiscais confirmou que as peças eram produzidas
para a rede, que possui mais de 220 lojas e 44 milhões de clientes/ano. A
fiscalização e a investigação foi acompanhada pelo jornalista Maurício
Hashizume, que publicou um um surpreendente relato do caso
na Repórter Brasil, do qual trago alguns trechos importantes:
Foram apreendidos documentos que trazem indícios de tráfico de
pessoas entre a Bolívia e o Brasil e também de endividamento forçado com
a oficina de costura. As jornadas de trabalho começavam às 7h e
chegavam a se estender até às 21h. As refeições eram feitas de modo
improvisado numa diminuta casa no mesmo cortiço que abrigava a oficina. O
irmão do dono da oficina permanecia todo o tempo junto com os
trabalhadores e atuava como uma espécie de vigia permanente da oficina
de costura. Em apenas um cômodo mal iluminado nos fundos de um dos
imóveis, construído na realidade para ser uma cozinha, sete pessoas
dormiam em três beliches e uma cama avulsa. Infiltrações, umidade
excessiva, falta de circulação de ar, mau cheiro e banheiros incompletos
completavam o cenário.
Abaixo, os trabalhadores na oficina de costura no momento da
libertação…
Para o Ministério do Trabalho e Emprego, a Marisa é “inteiramente
responsável pela situação encontrada” e “comanda e exerce seu poder de
direção e ingerência de diversas formas sempre no sentido de adequar a
produção de peças de vestuário à sua demanda, com exclusividade, a seu
preço e à sua clientela”. A empresa, por sua vez, afirma que “não mantém
e nunca manteve vínculos com trabalhadores estrangeiros em situação de
vulnerabilidade ou trabalhadores contratados com condições de
irregularidade” e que “a situação detectada pelos auditores não é de
responsabilidade direta ou indireta da Marisa”.
A reportagem inteira pode ser acessada clicando aqui.
… e o mesmo tipo de peça de roupa encontrada na oficina exposta
em um arara de uma das lojas. Fotos de Maurício Hashizume
PS: Os preços baixos de roupas em ruas de comércio paulistanas como a
José Paulino ou a Oriente, que tanto atraem os consumidores do varejo e
do atacado, muitas vezes são obtidos através da redução dos custos no
processo de produção. Parte considerável da mão-de-obra utilizada na
confecção dessas roupas é composta por imigrantes latino-americanos.
Bolivianos, paraguaios, peruanos, chilenos formam um verdadeiro exército
barato e abundante em São Paulo. Saem de seus países de origem em busca
de uma vida melhor em solo brasileiro, fugindo da miséria. Muitos
acabam caindo em situações de exploração e degradação.
A Anistia concedida pelo governo federal no ano passado contribuiu
para tirar muitos deles da ilegalidade e, portanto, conferir-lhes
direitos. A solução também passa, por exemplo, por legalizar as pequenas
oficinas de costura, para que elas possam registrar seus funcionários. E
atuar na rede de compradores, cuja demanda de mais por menos impulsiona
esse processo.
Parte do processo de combate ao trabalho escravo rural no Brasil tem
passado por uma ação de conscientização junto aos consumidores e pressão
sobre os atores da cadeia produtiva. No caso dos imigrantes
latino-americanos, não é diferente. Pois se esse tipo de exploração
existe é porque alguém acaba ganhando dinheiro com ele. E, creio eu, não
são os imigrantes, nem mesmo as oficinas.