A exoneração de 19 funcionários da TVE e FM Cultura, contratados em
regime de comissão (CC), desnuda à opinião pública, uma vez mais, a
situação precária vivida pela Fundação Piratini, que gerencia as duas
emissoras. A decisão foi tomada pela presidência da Fundação, após
publicação de acórdão da Justiça do Trabalho que impede o desvio de
função de CCs, que devem atuar, por lei, apenas em funções de chefia ou
assessoramento. A exoneração foi confirmada na terça-feira (30), e deve
ser oficializada no dia 7 de dezembro. Com isso, além das dificuldades
materiais, o futuro governo deve herdar também sérias dificuldades de
pessoal. Com a diminuição do quadro funcional, vários programas de rádio
e TV devem sair do ar, enquanto outros sofrerão mudanças de horário e
duração.
A decisão do Ministério Público do Trabalho proíbe a Fundação
Piratini de usar CCs em tarefas de apresentação, reportagem, edição,
produção e demais funções técnicas relacionadas com rádio e televisão. A
prática, considerada comum dentro da Fundação, é vista pelo presidente
Ricardo Azeredo como fundamental para manter a programação no ar. “Os
cargos comissionados ajudam a manter as emissoras funcionando, além de
terem permitido que aumentássemos a programação local”, argumenta.
Segundo ele, as dificuldades de contratação e a saída de pessoal por
aposentadoria ou contratação por outros veículos acabam se agravando com
a falta de concursos públicos, o que torna inevitável a contratação de
funcionários por comissão.
Agravando o problema, a governadora Yeda Crusius (PSDB) ofereceu, por
meio da PL 356, vantagens para profissionais da Fundação que estivessem
próximos da aposentadoria, concedendo benefícios acima do que seriam
obtidos por meio do INSS. Mais de 10 funcionários aderiram a esse plano
de aposentadoria, diminuindo ainda mais os quadros da TVE e FM Cultura.
“Nosso quadro já é limitado, e essa decisão agrava a situação. Mas é
direito dessas pessoas, não nos cabe contestar”, diz Ricardo Azeredo.
O presidente do Conselho da Fundação Piratini, Pedro Osório, e o
futuro secretário-geral do governo Tarso, Estilac Xavier, se encontraram
no final da manhã desta quarta-feira (1º). Entre os assuntos
discutidos, a situação da Fundação teve espaço destacado. Pedro Osório,
que admite abertamente a possibilidade de ser presidente da TVE no
futuro governo, apresentou a Estilac Xavier um relatório sobre o caso.
Um posicionamento mais efetivo da transição fica em suspenso até o
retorno de Tarso Genro, que está de férias em Buenos Aires e volta na
próxima sexta-feira (3). Mas a assessoria de imprensa do governador
eleito garante que será realizado concurso público para ampliar e
qualificar o quadro funcional da TVE e da Rádio Cultura. O último
concurso público envolvendo a TVE foi realizado em 2001, ainda durante o
governo de Olívio Dutra.
Exoneração polêmica
O presidente da Fundação Piratini, Ricardo Azeredo, diz que não há
muito que possa ser feito. Segundo ele, a decisão é definitiva, e nada
resta à presidência a não ser cumpri-la. “O processo de concurso público
é muito lento. Como a decisão só nos autoriza a usar CCs em cargos de
chefia ou assessoria, não temos opção a não ser exonerar os
funcionários”, argumenta.
Porém, a análise do acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª
Região mostra que a decisão não implica necessariamente na exoneração
desses profissionais. No documento, datado de 11 de novembro de 2010,
lê-se apenas que a ré deve abster-se de “utilizar servidores admitidos
para o exercício de cargos em comissão em atribuições distintas daquelas
de direção, chefia e assessoramento, como as de editoria, produção e
apresentação de programas e realização de reportagens”. Em teoria, os
funcionários comissionados atingidos pela decisão poderiam continuar na
TVE e na FM Cultura, exercendo cargos administrativos – o que poderia
permitir, inclusive, a sua recondução aos cargos em caso de obtenção de
um Termo de Ajuste de Conduta (TAC).
O responsável pela ação que motivou a exoneração, Walmor Sperinde,
acredita que a medida é uma retaliação aos funcionários que buscam
regularizar a situação interna da Fundação. “Eu lamento que a situação
tenha chegado a esse ponto, mas isso acontece por omissão dos gestores”,
afirma. Walmor, que é coordenador de programação da FM Cultura, explica
que entrou com a ação em 2005, no Ministério Público do Patrimônio.
Apenas em 2009, devido à demora no trâmite dentro do MPP, que a questão
foi encaminhada ao Ministério Público do Trabalho, que optou pela ação
civil pública contra a Fundação Piratini.
Segundo Walmor Sperinde, a direção da Fundação Piratini se recusou a
assinar vários Termos de Ajuste de Conduta propostos pelo declarante.
“Falta vontade política. Um gestor comprometido com o interesse público
não deixa chegar onde chegou”. Ele acha difícil que se obtenha um TAC
agora, já que a presidência da Fundação já se manifestou no sentido de
não recorrer da decisão. “Sem recurso na PGE (Procuradoria Geral do
Estado), o processo deve transitar em julgado. Além disso, falta
argumentação. O uso de CCs em funções inadequadas é notório. Trata-se de
uma verdade incontroversa”, argumenta.
O presidente do Conselho da Fundação Piratini, Pedro Osório, tem
opinião diferente. Ele acredita que ainda seja possível protelar a
execução da sentença, o que daria tempo para que fosse realizado
concurso público. “Nossa estrutura está assentada na utilização de CCs
nessas funções (na TVE e na FM Cultura). Não é possível administrar uma
mudança brusca assim, de uma semana para outra. Isso pode até forçar as
emissoras a saírem do ar. Acredito que seja possível (protelar), embora
ainda estejamos estudando essa questão”, afirma Osório.
Passividade
Pedro Osório critica o que interpreta como uma postura de
“passividade” da atual presidência da Fundação Piratini. “Ao menos no
meu período (como presidente), o conselho nunca conseguiu tomar
conhecimento das providências da Fundação a respeito do processo. O
conselho foi ignorado, ao arrepio do estatuto”, diz Osório. “A decisão
não me surpreende, só confirma a impressão que já tínhamos, de que a
atual presidência não se comporta como direção. Não interpreto como
má-fé, mas como pouco preparo para gerir um órgão público”.
“O que o governo quer, afinal de contas, com a TVE?”, pergunta Walmor
Sperinde. Segundo ele, alguns CCs têm mais de 12 anos de emissora, e a
Fundação Piratini acaba servindo como “cabide de empregos” para certos
grupos. “Se houvesse uma vontade de prestigiar a emissora, teríamos
investimentos em equipamentos e pessoal. Ao invés disso, temos carências
em todos os setores”, lamenta.
O representante dos funcionários no Conselho da Fundação Piratini, o
repórter Alexandre Leboutte, diz que a maioria de seus colegas “não
defende” o modo como a questão está sendo encaminhada. “O ideal seria
que essa transição fosse conduzida paulatinamente”, argumenta. Segundo
ele, houve tempo suficiente para um concurso público, que diminuiria
muito o impacto da decisão. “Muitos concursados foram contratados por
outros veículos e saíram da emissora. Vários outros se aposentaram,
tivemos até falecimentos no quadro de funcionários. O governo sabia que
tínhamos pouco pessoal, teve tempo de sobra para fazer concurso, e
preferiu deixar a coisa crescer. Estourou agora”.
O presidente Ricardo Azeredo se defende, dizendo que a ação que
provoca a exoneração é motivada por uma postura corporativista de alguns
funcionários. “Os CCs, além de manter o alto nível da programação,
trabalham com uma carga diferenciada. Cumprem até 8 horas por dia,
enquanto os efetivos fazem 5 ou 6 horas. Infelizmente, a postura de
alguns funcionários acaba sendo hostil aos cargos comissionados, o que
motivou essa ação judicial”, argumenta. Walmor Sperinde discorda. “Já
ouvi esse argumento (de que os CCs trabalham mais) muitas vezes, mas
gostaria de ter acesso a dados que comprovem isso”, retruca.
Mudanças na programação
Com a exoneração dos 19 funcionários em regime comissionado, as
programações da TVE e da FM Cultura sofrerão drásticas mudanças.
“Ficamos quase sem apresentadores”, revela Alexandre Leboutte. Programas
já tradicionais na grade da rádio, como o “Amanhecer Riograndense”,
apresentado diariamente por Evandro Leboutte, correm sério risco de
saírem do ar. Atrações conduzidas pelos radialistas Wilson Tubino e João
Carlos Machado Filho também devem ficar fora do dial. Na TVE, o
principal impacto é sobre o telejornalismo, que deve perder nove
profissionais, entre apresentadores, repórteres, produtores e editores. O
operador de externas também será exonerado, o que inviabilizará a
produção de programas como o Concertos da OSPA e o Palcos da Vida.
O presidente da Fundação Piratini admite que a situação provoque
grandes mudanças na programação das emissoras. Os telejornais não sairão
do ar, mas a duração deles deve diminuir sensivelmente. Programas serão
rearranjados na grade, enquanto os espaços vagos devem ser ocupados por
reprises. “Infelizmente, a gente lega essa situação ao próximo
governo”, lamenta Ricardo Azeredo.
A difícil situação da grade de programação encontra espelho nas
dificuldades técnicas que consomem a Fundação Piratini. A fiscalização
da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) esteve na Fundação
nessa quarta-feira (1º) e constatou uma série de irregularidades. Os
equipamentos estão sucateados, e importantes padrões técnicos não estão
sendo cumpridos. A rádio, por exemplo, está operando há mais de quatro
anos com um transmissor reserva, com potência de 1 KW, enquanto a
especificação mínima é de 5 KW. Na TVE, a situação se repete: o
aparelho, que deveria transmitir em potência mínima de 10 KW, não
alcançaria nem mesmo 4 KW. Além disso, o plano de TV digital da emissora
está parado, sem previsão de retomada.