O choque de interesses entre governo federal e as operadoras de
telefonia móvel teve um novo capítulo no decorrer desta semana. A
Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) não aceitou as alegações
do Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel
Celular e Pessoal (SindiTelebrasil) e manteve o edital de licitação para
a chamada Banda H, marcado para o dia 14 de dezembro. A Banda H é a
última faixa de frequência de telefonia disponível para a tecnologia de
terceira geração, conhecida como 3G.
O leilão divide a Banda H em 15 áreas, em um total de 165 lotes.
Pelas regras do edital, as empresas que já exploram tecnologias 3G –
Vivo, Oi, Tim e Claro – não podem participar da primeira etapa do
leilão. O edital privilegia operadores que não trabalham com tecnologia
3G, permitindo que elas possam tentar arrematar os lotes sem a
concorrência de empresas já estabelecidas nessa faixa de mercado. As
teles que já exploram o serviço só poderão participar caso não haja
nenhum novo interessado na frequência.
Frequência estratégica
O Plano Nacional de Banda Larga trabalha com três objetivos básicos.
Além de melhorar a qualidade dos serviços e diminuir o valor final para o
consumidor, há uma grande preocupação em aumentar a abrangência da
banda larga no Brasil. No momento, a cobertura está concentrada no Sul e
Sudeste, regiões onde a renda per capita é maior. Para que essa
realidade se modifique, o governo federal aposta em tecnologias que
ampliem o alcance da banda larga, além de propor um novo marco
regulatório para as telecomunicações. Nesse sentido, a utilização de
novos espectros de frequência, como a banda H e a faixa dos 450
Megahertz, de longo alcance, pode ser decisiva para disseminar a
internet em ambientes rurais.
O uso da Banda H é considerado estratégico para o fortalecimento do
Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), pois pode acelerar a chegada da
internet rápida em áreas ainda não contempladas. Dentro da política de
aumentar a competitividade no setor, a Anatel optou por priorizar no
leilão as operadoras que ainda não têm licença para oferecer o serviço.
As teles atuais, caso desejem concorrer, poderão participar apenas a
partir de uma segunda fase do leilão caso a primeira fase for deserta –
ou seja, se nenhuma empresa ainda sem licença apresentar proposta pelas
concessões. Como a Nextel já deu sinais de que deve apresentar proposta
pela frequência, é remota a possibilidade das teles terem a chance de
oferecer lances pela Banda H.
As empresas de telefonia móvel excluídas desejam participar do
processo desde a primeira fase e deixam bem clara a insatisfação. Ao
todo, seis entidades (Claro, TIM, Oi, CTBC Celular, Vivo e o sindicato
SindiTelebrasil) pediram a impugnação do edital da banda H. Nas
petições, as empresas solicitam à Anatel ampla participação das
prestadoras de serviços de telefonia móvel na licitação além de
questionar o fato de o edital não permitir a devolução em caso de
aquisição de faixas acima do teto estabelecido. Curiosamente, nenhum dos
pedidos solicita a suspensão do leilão da banda H. Os pedidos de
impugnação foram negados pela comissão especial da Anatel encarregada de
coordenar o leilão.
SindiTelebrasil aguarda documentos
O diretor executivo do SindiTelebrasil, Eduardo Levy, declarou na
quinta-feira (2) que vai esperar a entrega de documentos da Anatel para
decidir se vai tomar medidas judiciais contra o leilão da Banda H. Os
documentos solicitados referem-se aos estudos feitos pela Anatel para a
elaboração do edital do leilão.
Segundo ele, mesmo com a Anatel negando a participação das teles na
primeira fase do leilão da Banda H, não é interesse das operadoras de
telefonia inviabilizar o processo. Além da licitação da faixa em
questão, serão incluídas também cotas restantes de outras faixas de
frequência já licitadas, as quais podem receber lances das empresas que
já atuam na faixa 3G.
“Nós entendemos que participando do leilão, a sociedade vai ganhar
porque vai haver maior competição”, disse Levy, em entrevista ao jornal O
Globo. “Não significa necessariamente que vamos ganhar, mas queremos
participar do jogo”. De qualquer modo, o interesse nas sobras de outras
frequências pode levar a SindiTelebrasil a um recuo estratégico. Está
sendo estudada também a possibilidade de requerer judicialmente a
intervenção apenas no leilão da Banda H, permitindo a continuidade da
licitação de outras frequências. A entidade deve decidir no começo da
próxima semana se entrará ou não com ação na Justiça contra a decisão da
Anatel.
Não é de hoje, de qualquer modo, que a situação provoca desconforto
nas empresas de telefonia móvel. Em outubro, durante o evento Futurecom
2010, o presidente da Associação Nacional de Operadoras Celulares
(Acel), Luiz Eduardo Falco, já tinha deixado clara sua contrariedade com
a situação. “Você prestigiar quem está entrando é muito justo, mas
desprestigiar quem está há muito tempo no mercado não faz sentido.
Ninguém (das teles) gostou”, afirmou.
O assessor especial do comitê gestor do projeto de inclusão digital
da Presidência da República, Nelson Fujimoto, considera natural que o
edital privilegie quem ainda não explora os serviços 3G. “O governo
busca ampliar a competição para que os preços caiam sem prejudicar a
qualidade do serviço. Já tomamos ciência das reclamações, obviamente,
mas elas ainda estão na esfera administrativa, nada foi judicializado”,
garante.
Ações na Justiça
Não é o caso, certamente, de outros aspectos relacionados com o Plano
Nacional de Banda Larga. No momento, duas ações na Justiça, ambas
impetradas pela SindiTelebras, tentam barrar tanto a participação da
Telebras no PNBL quanto a aplicação do Plano Geral de Metas de
Universalização (PGMU 3), que trata do aumento progressivo do acesso à
telefonia fixa e móvel. As ações, que correm na Justiça Federal do Rio
de Janeiro, tentam evitar que a Telebras se torne a única operadora da
PNBL, além de alegar que o PGMU 3 vai contra a Lei Geral de
Telecomunicações (LGT) e os contratos de concessão em vigor.
Em entrevista ao Sul21, o presidente do Conselho de
Administração da Telebras, Cezar Alvarez, criticou a postura das
empresas de telefonia. “As operadoras tentam fazer com que o governo não
governe, tentam forçar o governo a deixar de cumprir seu papel”,
criticou. “Esse é um mercado público, relativo a um serviço essencial e
estratégico, não apenas para as comunicações, mas até mesmo para a
democracia”.
“O tema, infelizmente, foi judicializado pelo SindTelebras”, lamenta
Nelson Fujimoto. Garante, porém, que só teve conhecimento das ações por
meio dos jornais. “Não fomos citados ainda”, garante. “Não vemos motivos
para mudar prazos. Claro que estamos sempre abertos para conversar com a
entidade, mas não vamos discutir com a faca no pescoço”, assegura.
Nelson Fujimoto, do comitê de inclusão digital da Presidência, diz
estranhar que as empresas tenham aceitado o PGMU anterior, que tratava a
internet como serviço de telefonia, e agora se oponham a essa mesma
categorização. “Algumas dessas reclamações precisam ser melhor
esclarecidas”, acredita Fujimoto. Lembrando que os serviços de telefonia
são os mais citados em órgãos de defesa do consumidor, ele diz que a
atitude da SindiTelebrasil não é “republicana”. “Trata-se de uma ação
prévia, sem conhecimento. Não penso que isso seja salutar para a
democracia”, diz.