Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011
Nova onda de ativismo político cresce na Inglaterra
Uma nova onda de ativismo político
cresce na Inglaterra como resposta aos planos de austeridade do governo
conservador de David Cameron. Organizadores da Marcha para a Alternativa
esperam atrair dezenas de milhares de ativistas de todo o país para o
centro de Londres, no dia 26 de março, para pedir mudança nos planos do
governo de rápidos e profundos cortes nos gastos públicos, os maiores
desde a Segunda Guerra. Coalizão entre Conservadores e liberais
democratas anunciou cortes de 80 bilhões de libras no orçamento dos
próximos quatros anos. O artigo é de Wilson Sobrinho.
Wilson Sobrinho - De Londres, para a Carta Maior
LONDRES - David Cameron não terá
completado um ano como primeiro-ministro britânico quando, no primeiro
sábado de primavera do hemisfério norte em 2011, milhares de ativistas e
cidadãos descontentes com as medidas de austeridade apresentadas pelos
conservadores sairão às ruas para protestar, tentar se fazer ouvir e
mudar os planos do governo.
Os organizadores da Marcha para a Alternativa (que em inglês também pode ser lido como Março para a Alternativa) esperam atrair “dezenas de milhares” de ativistas de todo o país para o centro de Londres, em 26 de março próximo, para pedir mudança “nos planos do governo de rápidos e profundos cortes nos gastos públicos”, os maiores desde a Segunda Guerra. O tamanho da manifestação e o resultado político dela ainda são incertezas a serem respondidas nos dias subsequentes, porém o recrudescimento do ativismo político já é um fato no país.
Em uma escalada que começou logo depois de a coalizão entre Conservadores e Liberais Democratas anunciar cortes de 80 bilhões de libras no orçamento dos próximos quatro anos e deixar vazar a expectativa de demissão de milhares de funcionários públicos, o ativismo inglês vem renascendo – das tradicionais marchas de estudantes até protestos originados na interação de desconhecidos através de redes sociais.
As ações mais barulhentas e de maior repercussão na mídia foram patrocinadas por grupos de estudantes, que por várias vezes entre novembro e dezembro passados foram até o coração político britânico – o Parlamento, às margens do rio Tâmisa, em Londres – pedir que os representantes votassem contra o aumento das anuidades das universidades proposto pelo novo governo. O novo regime – aprovado em dezembro de 2010 apesar dos protestos – permite a triplicação das matrículas, indo de cerca dos £3,2 mil anuais para um limite de até £9 mil a partir de 2012.
A primeira das manifestações ocorreu em 10 de novembro, quando, estima-se, 50 mil estudantes de todas as partes do país foram às ruas de Londres para um protesto, em sua maioria pacífico, mas que acabou em pancadaria e quebra-quebra no prédio que abriga a sede do partido Conservador, na região próxima de onde fica o Parlamento. Várias manifestações menores se seguiram naquelas semanas, com prédios de universidades sendo ocupados ao redor do país.
Embora derrotadas em suas demandas imediatas – o não-aumento das anuidades nas universidades – essas manifestações estudantis estabeleceram dois fatos. Primeiro, uma mudança de humor significativa em Londres, uma cidade que não testemunhava manifestações nessa escala desde 2003, nas passeatas contra a invasão do Iraque. Mas com uma diferença fundamental: esses estudantes levantavam uma bandeira interna e não internacionalista, como seus pares da década passada.
Mas o segundo fato, e talvez o mais importante é que a vitória do governo veio com uma etiqueta que estabelecia um preço bem claro, os primeiros abalos na coalizão entre Conservadores e Liberais Democratas.
Em um país onde a palavra tem um valor muito grande, Nick Clegg, o vice-primeiro ministro e candidato do Partido Liberal Democrata que concorreu contra Cameron nas eleições de 2010, havia comprometido-se a não aumentar as tarifas de educação. O que, obviamente, só aumentou a frustração dos estudantes. No seu partido, na votação de dezembro, 28 parlamentares foram com o governo e 21 contra.
Os Liberais Democratas, de Clegg, donos de 23% das cadeiras parlamentares, residem em outro espectro político que não o do estado mínimo dos Conservadores. Porém, com apenas 36% das cadeiras sob seu controle depois da eleição de 2010 e afastados do poder há 13 anos, um retorno dos Conservadores ao famoso número 10 da rua Downing passava pela construção de uma coalizão com o partido de centro-esquerda de Clegg, e assim uma série de concessões nas plataformas de ambos os partidos foram costuradas e acordadas.
Em outubro de 2010, cinco meses depois de tomar posse, a coalizão anunciou os planos detalhados de cortes de orçamento – £80 bilhões em quatro anos. Naquela mesma semana, um membro do governo foi fotografado carregando documentos que revelavam estimativas de extinção de até 500 mil vagas no setor público no país, dando avanço àquilo que David Cameron chama de “A Grande Sociedade”. A expressão foi cunhada pelo primeiro-ministro durante a campanha eleitoral para resumir um conjunto de medidas que visa a redução das responsabilidades do poder central, o estimulo ao voluntarismo e ao cooperativismo, a transferência de poder para os governos locais – em resumo, medidas de enxugamento da máquina estatal.
Por todo o país, bibliotecas públicas e centros de lazer e esportes estão fechando; há cortes nos orçamentos da polícia; diminuição de repasses aos municípios; criminosos são colocados em liberdade condicional em função da redução de gastos com construção de novas vagas prisionais; impostos sobre mercadorias e serviços aumentam, assim como tarifas de transporte público; as regras de benefícios como seguro-desemprego, auxílio-moradia e maternidade sofrem revisão; há planos para o aumento da idade de aposentadoria. Adicione-se a isso ainda uma taxa de desemprego na casa dos 8%, inflação em alta e uma economia que luta para manter-se em crescimento por mais que dois trimestres seguidos: é impossível encontrar um morador das ilhas britânicas intocado pela crise deflagrada em 2008 e pela austeridade orçamentária anunciadas em outubro passado.
Mas para muitos, faltava apresentar a parte da conta referente aos fat cats, para fazer uso de uma expressão local – bancos e grandes corporações e a fatia mais rica da sociedade. Logo depois do ministro das finanças apresentar os planos à sociedade britânica, um grupo de amigos discutia o estado das coisas em um pub, no centro de Londres, e se perguntava como havia se chegado a tal situação sem que ninguém fizesse nada para evitar que a responsabilidade por resolver a crise criada pelos mercados recaísse majoritariamente sobre as costas dos trabalhadores.
Tom Phillips, um enfermeiro de 23 anos que estava presente nessa noite, relata na mais recente edição da revista progressista norte-americana The Nation: “Nós gastamos um monte de energia perguntando por que não estava acontecendo. E então de repente percebemos que isso era o que todos estavam dizendo também. Por que não fazer algo? Por que nós não começamos? Se fizermos, talvez as pessoas parem de ser perguntar por que não está acontecendo e se juntem a nós”.
Exatamente uma semana depois do anúncio da revisão de gastos pelo governo conservador, o grupo estava na rua. Organizando-se via Twitter e Facebook, marcaram hora e local para encontrar-se no centro de Londres, numa quarta-feira, no começo da manhã.
Sessenta pessoas compareceram e ocuparam pacificamente a mais movimentada lojas de uma das principais empresas de telefonia móvel da Europa. Queriam chamar atenção para o fato de que o novo governo, por trás de todas as medidas de austeridade, teria deixado de cobrar £6 bilhões em impostos da empresa. A polícia foi chamada e na rua curiosos se perguntavam o que estava acontecendo.
“O que me chamou atenção foi que quando explicávamos nossos motivos, as pessoas que passavam se mostravam incrivelmente favoráveis. Elas paravam e contavam como estavam apavoradas com a perspectiva de perder suas casas e seus trabalhos – e quando elas ouviam que nada disso teria de acontecer se essas grandes companhias gigantescas pagassem seus impostos, elas ficavam furiosas. Muitas delas pararam o que estavam fazendo e se juntaram a nós”, relata um manifestante à reportagem do The Nation. Sentados à porta da loja, impedindo a entrada de clientes; cantando frases rimadas que pediam o pagamento dos impostos devidos, os manifestantes da UKUncut não sabiam o que estava por vir.
No dia seguinte, o evento começou a se replicar, quando em Leeds ativistas sem relação com os de Londres, fecharam três lojas da mesma empresa. Dois dias depois, com outras companhias como alvo, num sábado, as manifestações haviam se espalhado para 17 outras cidades, alcançando Edinburgo e Glasgow, na Escócia. No final de semana anterior ao de Natal, os protestos já haviam se espalhados para mais de 50 cidades, chegando a Belfast, na Irlanda do Norte, e Cardiff, no País de Gales. Os manifestantes apresentam-se como coletores de impostos fazendo trabalho voluntário em nome da “Grande Sociedade” de Cameron.
Usando táticas inspiradas nos flash mobs – eventos combinados pela internet onde as pessoas eram convidadas a se comportar coletivamente de uma maneira estranha, como atravessar rua num pé só, pelo simples prazer da bizarrisse – a maior façanha da UKUncut até agora foi fechar por alguns minutos uma das maiores lojas de departamento do centro de Londres. Manifestantes foram instruidos a entrar e misturar-se aos clientes e, ao som de um apito, sentar-se ao chão da loja, cantando palavras de ordem e exibindo seus cartazes.
Embalado por esse clima, a TUC, central sindical com aproximadamente 6,5 milhões de membros, fundada em 1868, está organizando uma manifestação em Londres no dia 26 de março. “Os cortes de gasto do governo irão atingir os serviços públicos e desempregar mais de um milhão de pessoas. Eles irão atingir as comunidades vulneráveis e em dificuldades e colocar em risco muito do que mantém a integridade da sociedade”, justifica o site MarchfortheAlternative.org.uk, mantido pela TUC. A sete semanas do evento, os organizadores afirmam contar com mais de 500 ônibus levando pessoas a Londres.
“Com a economia voltando a ostentar um crescimento negativo (…) mais e mais pessoas estão procurando uma alternativa e meios de demonstrar sua oposição aos cortes rápidos e profundos do governo”, ”diz Brendan Barber, secretário geral da TUC, em um manifesto publicado no site da central sindical em inicio de fevereiro. “Fica claro”, ele prossegue, “que a marcha da TUC capturou o sentimento do país e parece pronta para ser o maior evento de nossa história recente”.
Os organizadores da Marcha para a Alternativa (que em inglês também pode ser lido como Março para a Alternativa) esperam atrair “dezenas de milhares” de ativistas de todo o país para o centro de Londres, em 26 de março próximo, para pedir mudança “nos planos do governo de rápidos e profundos cortes nos gastos públicos”, os maiores desde a Segunda Guerra. O tamanho da manifestação e o resultado político dela ainda são incertezas a serem respondidas nos dias subsequentes, porém o recrudescimento do ativismo político já é um fato no país.
Em uma escalada que começou logo depois de a coalizão entre Conservadores e Liberais Democratas anunciar cortes de 80 bilhões de libras no orçamento dos próximos quatro anos e deixar vazar a expectativa de demissão de milhares de funcionários públicos, o ativismo inglês vem renascendo – das tradicionais marchas de estudantes até protestos originados na interação de desconhecidos através de redes sociais.
As ações mais barulhentas e de maior repercussão na mídia foram patrocinadas por grupos de estudantes, que por várias vezes entre novembro e dezembro passados foram até o coração político britânico – o Parlamento, às margens do rio Tâmisa, em Londres – pedir que os representantes votassem contra o aumento das anuidades das universidades proposto pelo novo governo. O novo regime – aprovado em dezembro de 2010 apesar dos protestos – permite a triplicação das matrículas, indo de cerca dos £3,2 mil anuais para um limite de até £9 mil a partir de 2012.
A primeira das manifestações ocorreu em 10 de novembro, quando, estima-se, 50 mil estudantes de todas as partes do país foram às ruas de Londres para um protesto, em sua maioria pacífico, mas que acabou em pancadaria e quebra-quebra no prédio que abriga a sede do partido Conservador, na região próxima de onde fica o Parlamento. Várias manifestações menores se seguiram naquelas semanas, com prédios de universidades sendo ocupados ao redor do país.
Embora derrotadas em suas demandas imediatas – o não-aumento das anuidades nas universidades – essas manifestações estudantis estabeleceram dois fatos. Primeiro, uma mudança de humor significativa em Londres, uma cidade que não testemunhava manifestações nessa escala desde 2003, nas passeatas contra a invasão do Iraque. Mas com uma diferença fundamental: esses estudantes levantavam uma bandeira interna e não internacionalista, como seus pares da década passada.
Mas o segundo fato, e talvez o mais importante é que a vitória do governo veio com uma etiqueta que estabelecia um preço bem claro, os primeiros abalos na coalizão entre Conservadores e Liberais Democratas.
Em um país onde a palavra tem um valor muito grande, Nick Clegg, o vice-primeiro ministro e candidato do Partido Liberal Democrata que concorreu contra Cameron nas eleições de 2010, havia comprometido-se a não aumentar as tarifas de educação. O que, obviamente, só aumentou a frustração dos estudantes. No seu partido, na votação de dezembro, 28 parlamentares foram com o governo e 21 contra.
Os Liberais Democratas, de Clegg, donos de 23% das cadeiras parlamentares, residem em outro espectro político que não o do estado mínimo dos Conservadores. Porém, com apenas 36% das cadeiras sob seu controle depois da eleição de 2010 e afastados do poder há 13 anos, um retorno dos Conservadores ao famoso número 10 da rua Downing passava pela construção de uma coalizão com o partido de centro-esquerda de Clegg, e assim uma série de concessões nas plataformas de ambos os partidos foram costuradas e acordadas.
Em outubro de 2010, cinco meses depois de tomar posse, a coalizão anunciou os planos detalhados de cortes de orçamento – £80 bilhões em quatro anos. Naquela mesma semana, um membro do governo foi fotografado carregando documentos que revelavam estimativas de extinção de até 500 mil vagas no setor público no país, dando avanço àquilo que David Cameron chama de “A Grande Sociedade”. A expressão foi cunhada pelo primeiro-ministro durante a campanha eleitoral para resumir um conjunto de medidas que visa a redução das responsabilidades do poder central, o estimulo ao voluntarismo e ao cooperativismo, a transferência de poder para os governos locais – em resumo, medidas de enxugamento da máquina estatal.
Por todo o país, bibliotecas públicas e centros de lazer e esportes estão fechando; há cortes nos orçamentos da polícia; diminuição de repasses aos municípios; criminosos são colocados em liberdade condicional em função da redução de gastos com construção de novas vagas prisionais; impostos sobre mercadorias e serviços aumentam, assim como tarifas de transporte público; as regras de benefícios como seguro-desemprego, auxílio-moradia e maternidade sofrem revisão; há planos para o aumento da idade de aposentadoria. Adicione-se a isso ainda uma taxa de desemprego na casa dos 8%, inflação em alta e uma economia que luta para manter-se em crescimento por mais que dois trimestres seguidos: é impossível encontrar um morador das ilhas britânicas intocado pela crise deflagrada em 2008 e pela austeridade orçamentária anunciadas em outubro passado.
Mas para muitos, faltava apresentar a parte da conta referente aos fat cats, para fazer uso de uma expressão local – bancos e grandes corporações e a fatia mais rica da sociedade. Logo depois do ministro das finanças apresentar os planos à sociedade britânica, um grupo de amigos discutia o estado das coisas em um pub, no centro de Londres, e se perguntava como havia se chegado a tal situação sem que ninguém fizesse nada para evitar que a responsabilidade por resolver a crise criada pelos mercados recaísse majoritariamente sobre as costas dos trabalhadores.
Tom Phillips, um enfermeiro de 23 anos que estava presente nessa noite, relata na mais recente edição da revista progressista norte-americana The Nation: “Nós gastamos um monte de energia perguntando por que não estava acontecendo. E então de repente percebemos que isso era o que todos estavam dizendo também. Por que não fazer algo? Por que nós não começamos? Se fizermos, talvez as pessoas parem de ser perguntar por que não está acontecendo e se juntem a nós”.
Exatamente uma semana depois do anúncio da revisão de gastos pelo governo conservador, o grupo estava na rua. Organizando-se via Twitter e Facebook, marcaram hora e local para encontrar-se no centro de Londres, numa quarta-feira, no começo da manhã.
Sessenta pessoas compareceram e ocuparam pacificamente a mais movimentada lojas de uma das principais empresas de telefonia móvel da Europa. Queriam chamar atenção para o fato de que o novo governo, por trás de todas as medidas de austeridade, teria deixado de cobrar £6 bilhões em impostos da empresa. A polícia foi chamada e na rua curiosos se perguntavam o que estava acontecendo.
“O que me chamou atenção foi que quando explicávamos nossos motivos, as pessoas que passavam se mostravam incrivelmente favoráveis. Elas paravam e contavam como estavam apavoradas com a perspectiva de perder suas casas e seus trabalhos – e quando elas ouviam que nada disso teria de acontecer se essas grandes companhias gigantescas pagassem seus impostos, elas ficavam furiosas. Muitas delas pararam o que estavam fazendo e se juntaram a nós”, relata um manifestante à reportagem do The Nation. Sentados à porta da loja, impedindo a entrada de clientes; cantando frases rimadas que pediam o pagamento dos impostos devidos, os manifestantes da UKUncut não sabiam o que estava por vir.
No dia seguinte, o evento começou a se replicar, quando em Leeds ativistas sem relação com os de Londres, fecharam três lojas da mesma empresa. Dois dias depois, com outras companhias como alvo, num sábado, as manifestações haviam se espalhado para 17 outras cidades, alcançando Edinburgo e Glasgow, na Escócia. No final de semana anterior ao de Natal, os protestos já haviam se espalhados para mais de 50 cidades, chegando a Belfast, na Irlanda do Norte, e Cardiff, no País de Gales. Os manifestantes apresentam-se como coletores de impostos fazendo trabalho voluntário em nome da “Grande Sociedade” de Cameron.
Usando táticas inspiradas nos flash mobs – eventos combinados pela internet onde as pessoas eram convidadas a se comportar coletivamente de uma maneira estranha, como atravessar rua num pé só, pelo simples prazer da bizarrisse – a maior façanha da UKUncut até agora foi fechar por alguns minutos uma das maiores lojas de departamento do centro de Londres. Manifestantes foram instruidos a entrar e misturar-se aos clientes e, ao som de um apito, sentar-se ao chão da loja, cantando palavras de ordem e exibindo seus cartazes.
Embalado por esse clima, a TUC, central sindical com aproximadamente 6,5 milhões de membros, fundada em 1868, está organizando uma manifestação em Londres no dia 26 de março. “Os cortes de gasto do governo irão atingir os serviços públicos e desempregar mais de um milhão de pessoas. Eles irão atingir as comunidades vulneráveis e em dificuldades e colocar em risco muito do que mantém a integridade da sociedade”, justifica o site MarchfortheAlternative.org.uk, mantido pela TUC. A sete semanas do evento, os organizadores afirmam contar com mais de 500 ônibus levando pessoas a Londres.
“Com a economia voltando a ostentar um crescimento negativo (…) mais e mais pessoas estão procurando uma alternativa e meios de demonstrar sua oposição aos cortes rápidos e profundos do governo”, ”diz Brendan Barber, secretário geral da TUC, em um manifesto publicado no site da central sindical em inicio de fevereiro. “Fica claro”, ele prossegue, “que a marcha da TUC capturou o sentimento do país e parece pronta para ser o maior evento de nossa história recente”.
Servidor sofre assédio moral após denunciar privilégio da Globo
Do Portal Vermelho
Em maio de 2009, os servidores Silvio Bahiana e Regina Santiago foram sumariamente afastados de suas funções no Escritório de Direitos Autorais da Biblioteca Nacional por um único motivo: defender o bem público contra privilégios da Globo. Mais de um ano depois, solidários a Silvio e Regina, servidores da Funarte (Fundação Nacional das Artes) sofreram nova agressão. Desta vez o crime foi panfletar a denúncia do jogo promíscuo entre o presidente da Biblioteca e a Fundação Roberto Marinho.
“Em 25 de maio, eu e a Regina fomos
surpreendidos pela nossa secretária nos avisando que um telefonema vindo
do Muniz Sodré, presidente da Biblioteca Nacional, ordenava que uma
pessoa de suas relações fosse recebida no Escritório de Direitos
Autorais, e que o documento que ela portava fosse deferido e registrado
imediatamente”, conta Sílvio, em entrevista a Rafael Maul, do Grupo
Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro.
O documento a ser registrado era o roteiro Roberto Marinho – Os Caminhos do Poder, de autoria de Rosane Braga. Como o expediente daquele dia já havia sido encerrado, o documento não poderia ser recebido. Porém, diante das ameaças da representante da Fundação da Rede Globo, Sílvio abriu uma exceção. “Mas avisei que (o documento) só seria protocolado no dia seguinte e que ele entraria na fila normal de atendimento.” A cena acabou com a seguinte frase: “‘Vê o que vocês podem fazer por mim. Eu sou amiga do presidente, hein”, narra Sílvio.
“Cadeia alimentar do poder”
Meia hora depois, Sílvio recebe uma ligação do chefe jurídico, Jaury Nepomuceno, bastante nervoso. Aflito ele questiona Sílvio: “está tentando me derrubar?”. Disse ainda que Sílvio estaria desobedecendo uma ordem sua e do presidente, Muniz Sodré. “Respondi que não estava tentando derrubar ninguém, que aquela função era de minha responsabilidade, e que eu estava defendendo o tratamento igualitário ao cidadão”, explica Sílvio.
No final da conversa Jaury faz o registro imediatamente, ignorando uma fila de dois mil cidadãos brasileiros que esperavam o mesmo do Escritório de Direitos Autorais (EDA). Confiante nos 19 anos de trabalho prestados à Biblioteca, Sílvio não deixou por menos e denunciou, junto com a colega Regina Santiago, o ocorrido à direção hierarquicamente acima do EDA. Porém, não só a denúncia foi ignorada como, apenas dois dias depois, sua função foi extinta da gerência administrativa do Escritório de Direitos Autorais.
Segundo Sílvio, o áudio da reunião em que foi informado de sua “desobediência em relação à ‘cadeia alimentar’ de poder da Biblioteca” está anexado ao processo que tramita no Ministério Público Federal. O futuro de Sílvio, após o incidente, é de apreensão. “A Regina voltou para o seu setor de origem e eu me mantenho afastado, em uma situação de limbo profissional, sofrendo assédio moral, desde junho de 2009”, lamenta.
MinC faz vistas grossas
Em julho de 2009, Sílvio deu entrada em uma representação no Ministério da Cultura (MinC), relatando o ocorrido. O MinC devolveu a competência de averiguação e resolução do problema para o próprio acusado, Muniz Sodré. “Eu repudiei esse encaminhamento, juntamente com um representante legal”, afirma. O MinC então encaminhou o processo para a Corregedoria Setorial dos Ministérios da Cultura e dos Esportes, em agosto de 2009.
Apenas em março de 2010 e após a notificação recebida por Muniz Sodré pelo MPF , a Corregedoria Setorial mandou instaurar uma sindicância de caráter exclusivamente investigativo, e não punitivo. “Parece óbvia a orientação no âmbito do MinC de não dar encaminhamento à questão, deixando que caia no esquecimento”, avalia o servidor.
Desde então Sílvio busca entidades e parlamentares para enfrentar o isolamento junto aos colegas, servidores públicos federais. “O servidor público federal é moralmente e por lei o guardião da coisa pública. Infelizmente, a categoria de uma forma geral parece desconhecer isso. A estabilidade, tão atacada, existe para isso: enfrentar os gestores que cometem improbidades administrativas”, argumenta.
Solidariedade e apoio
O vídeo abaixo é uma mostra do que acontece àqueles que pensam como Sílvio. Solidários ao colega, cinco servidores da Funarte, entre eles o autor das imagens Bruno Gawryszewski, aproveitaram uma festa de comemoração dos 200 anos da Biblioteca Nacional, realizada em 4 de novembro de 2010, para panfletar carta enviada ao então ministro da Cultura, Juca Ferreira. Em retaliação foram agredidos e impedidos de saírem do local do evento:
Agora o Ministério da Cultura, sob a direção de Ana de Hollanda, passa por mudanças. A polêmica em torno da retirada da licença Creative Commons do site do ministério ascendeu o debate sobre direitos autorais. Espera-se que a ministra, preocupada com o tema, dê encaminhamento a denúncia de Sílvio e garanta uma Biblioteca Nacional a serviço de todos os brasileiros.
Você também pode se manifestar, encaminhando a seguinte moção de repúdio, à ministra da Cultura:
O documento a ser registrado era o roteiro Roberto Marinho – Os Caminhos do Poder, de autoria de Rosane Braga. Como o expediente daquele dia já havia sido encerrado, o documento não poderia ser recebido. Porém, diante das ameaças da representante da Fundação da Rede Globo, Sílvio abriu uma exceção. “Mas avisei que (o documento) só seria protocolado no dia seguinte e que ele entraria na fila normal de atendimento.” A cena acabou com a seguinte frase: “‘Vê o que vocês podem fazer por mim. Eu sou amiga do presidente, hein”, narra Sílvio.
“Cadeia alimentar do poder”
Meia hora depois, Sílvio recebe uma ligação do chefe jurídico, Jaury Nepomuceno, bastante nervoso. Aflito ele questiona Sílvio: “está tentando me derrubar?”. Disse ainda que Sílvio estaria desobedecendo uma ordem sua e do presidente, Muniz Sodré. “Respondi que não estava tentando derrubar ninguém, que aquela função era de minha responsabilidade, e que eu estava defendendo o tratamento igualitário ao cidadão”, explica Sílvio.
No final da conversa Jaury faz o registro imediatamente, ignorando uma fila de dois mil cidadãos brasileiros que esperavam o mesmo do Escritório de Direitos Autorais (EDA). Confiante nos 19 anos de trabalho prestados à Biblioteca, Sílvio não deixou por menos e denunciou, junto com a colega Regina Santiago, o ocorrido à direção hierarquicamente acima do EDA. Porém, não só a denúncia foi ignorada como, apenas dois dias depois, sua função foi extinta da gerência administrativa do Escritório de Direitos Autorais.
Segundo Sílvio, o áudio da reunião em que foi informado de sua “desobediência em relação à ‘cadeia alimentar’ de poder da Biblioteca” está anexado ao processo que tramita no Ministério Público Federal. O futuro de Sílvio, após o incidente, é de apreensão. “A Regina voltou para o seu setor de origem e eu me mantenho afastado, em uma situação de limbo profissional, sofrendo assédio moral, desde junho de 2009”, lamenta.
MinC faz vistas grossas
Em julho de 2009, Sílvio deu entrada em uma representação no Ministério da Cultura (MinC), relatando o ocorrido. O MinC devolveu a competência de averiguação e resolução do problema para o próprio acusado, Muniz Sodré. “Eu repudiei esse encaminhamento, juntamente com um representante legal”, afirma. O MinC então encaminhou o processo para a Corregedoria Setorial dos Ministérios da Cultura e dos Esportes, em agosto de 2009.
Apenas em março de 2010 e após a notificação recebida por Muniz Sodré pelo MPF , a Corregedoria Setorial mandou instaurar uma sindicância de caráter exclusivamente investigativo, e não punitivo. “Parece óbvia a orientação no âmbito do MinC de não dar encaminhamento à questão, deixando que caia no esquecimento”, avalia o servidor.
Desde então Sílvio busca entidades e parlamentares para enfrentar o isolamento junto aos colegas, servidores públicos federais. “O servidor público federal é moralmente e por lei o guardião da coisa pública. Infelizmente, a categoria de uma forma geral parece desconhecer isso. A estabilidade, tão atacada, existe para isso: enfrentar os gestores que cometem improbidades administrativas”, argumenta.
Solidariedade e apoio
O vídeo abaixo é uma mostra do que acontece àqueles que pensam como Sílvio. Solidários ao colega, cinco servidores da Funarte, entre eles o autor das imagens Bruno Gawryszewski, aproveitaram uma festa de comemoração dos 200 anos da Biblioteca Nacional, realizada em 4 de novembro de 2010, para panfletar carta enviada ao então ministro da Cultura, Juca Ferreira. Em retaliação foram agredidos e impedidos de saírem do local do evento:
Agora o Ministério da Cultura, sob a direção de Ana de Hollanda, passa por mudanças. A polêmica em torno da retirada da licença Creative Commons do site do ministério ascendeu o debate sobre direitos autorais. Espera-se que a ministra, preocupada com o tema, dê encaminhamento a denúncia de Sílvio e garanta uma Biblioteca Nacional a serviço de todos os brasileiros.
Você também pode se manifestar, encaminhando a seguinte moção de repúdio, à ministra da Cultura:
Exma. Ministra de Estado da Cultura, Sra. Ana de Hollanda,
Repudiamos veementemente a morosidade deste Ministério na apuração da
denúncia feita pelo servidor da Fundação Biblioteca Nacional (FBN),
Silvio Bahiana, em maio de 2009, referente ao favorecimento, por ordem
do presidente da instituição, Sr. Muniz Sodré, de projeto da Fundação
Roberto Marinho no Escritório de Direitos Autorais da FBN.
Da mesma forma, repudiamos a perseguição política e o assédio moral, já
de amplo conhecimento deste Ministério, impostos ao servidor pela
direção do órgão público, tendo em vista que o trabalhador agiu no
cumprimento de suas obrigações, em defesa dos princípios da
administração pública.
É igualmente inaceitável o fato ocorrido no dia 4 de novembro de 2010,
quando cidadãos, após distribuição democrática de panfletos em evento da
Biblioteca Nacional, relatando a improbidade administrativa cometida,
foram violentamente, e sem qualquer justificativa, impedidos de deixar o
prédio da FBN, por ordem da Sr. Tânia Pacheco, sofrendo, inclusive,
agressões físicas por parte dos seguranças.
É inadmissível o autoritarismo, o patrimonialismo e a violência presentes nos episódios relatados.
Solicitamos rigor na punição a estes atos, de acordo com a legislação brasileira.
Ministra de Estado da Cultura : Anna de Hollanda Tels.: (61) 2024-2460/ 2464 Fax.: (61) 3225-9162 E-mail: gm@cultura.gov.br
Esplanada dos Ministérios, Bloco B, sala 401
CEP 70068-900
Brasília – Distrito Federal
Salvar a humanidade e o planeta
Essa foi a principal mensagem de
Evo Morales aos participantes da marcha da abertura do Fórum Social
Mundial 2011, que aconteceu na tarde do dia 6. Para o presidente
boliviano, que falou no encerramento da caminhada, é preciso “defender
os interesses da mãe Terra para defender a todos”.
Ele criticou os resultados das últimas rodadas das reuniões sobre clima – realizadas em Copenhague e em Cancun – e chamou os movimentos sociais à mobilização sobre o tema. “Temos que nos preparar para o próximo encontro. Os povos da África devem forçar seus governos a se somar à luta pelo planeta. Para tanto, é preciso mudar o modelo de desenvolvimento econômico”, defendeu.
Mudança
Um dos símbolos da guinada progressista que a América Latina experimentou na última década com a eleição de governantes identificados com a esquerda, Morales saudou a realização de mais uma edição do FSM. “Essa grande mobilização é uma mensagem contra o imperialismo norte-americano. Sou aluno desta escola do Fórum Social Mundial e dos movimentos sociais do mundo, sou parte disso. Me eduquei no movimento sindical para me preparar e estar hoje na presidência.”
Esse importante passo, da resistência à emancipação, afirmou ele só é possível a partir de um programa social, econômico e cultural que venha do povo. “A partir de um dos setores mais discriminados, que são os povos indígenas, chegamos à presidência para mudar a Bolívia”, asseverou.
Entre as transformações já implementadas desde a primeira eleição em 2005, ele citou a garantia de que os serviços essenciais sejam públicos e não privatizados. Com a nova Constituição, destacou, a água tornou-se um direito humano. Com a nacionalização dos recursos naturais, a Bolívia ampliou o investimento de U$ 600 milhões para os atuais US$ 3,2 bilhões. Além disso, em 2005, havia reservar de US$ 2,7 bilhões, que saltaram para US$ 10 bilhões. “Se os recursos naturais são em favor do povo, outro mundo é possível”, afirmou.
Mensagem brasileira
Representando a presidente do Brasil, Dilma Rousseff, o ministro Gilberto de Carvalho também se dirigiu aos participantes do FSM. Ele manifestou o pesar pela diáspora africana e a escravidão e lembrou que ainda hoje os afrodescendentes, cujos antepassados lutaram pela liberdade, ainda precisam enfrentar a discriminação, embora já sejam a maioria da população brasileira.
Carvalho propôs ainda a intensificação das relações entre o Brasil e as nações africanas. “Que se dê entre iguais e não entre dominados e dominadores”, enfatizou.
Foto: Hilde Stephanes
Ele criticou os resultados das últimas rodadas das reuniões sobre clima – realizadas em Copenhague e em Cancun – e chamou os movimentos sociais à mobilização sobre o tema. “Temos que nos preparar para o próximo encontro. Os povos da África devem forçar seus governos a se somar à luta pelo planeta. Para tanto, é preciso mudar o modelo de desenvolvimento econômico”, defendeu.
Mudança
Um dos símbolos da guinada progressista que a América Latina experimentou na última década com a eleição de governantes identificados com a esquerda, Morales saudou a realização de mais uma edição do FSM. “Essa grande mobilização é uma mensagem contra o imperialismo norte-americano. Sou aluno desta escola do Fórum Social Mundial e dos movimentos sociais do mundo, sou parte disso. Me eduquei no movimento sindical para me preparar e estar hoje na presidência.”
Esse importante passo, da resistência à emancipação, afirmou ele só é possível a partir de um programa social, econômico e cultural que venha do povo. “A partir de um dos setores mais discriminados, que são os povos indígenas, chegamos à presidência para mudar a Bolívia”, asseverou.
Entre as transformações já implementadas desde a primeira eleição em 2005, ele citou a garantia de que os serviços essenciais sejam públicos e não privatizados. Com a nova Constituição, destacou, a água tornou-se um direito humano. Com a nacionalização dos recursos naturais, a Bolívia ampliou o investimento de U$ 600 milhões para os atuais US$ 3,2 bilhões. Além disso, em 2005, havia reservar de US$ 2,7 bilhões, que saltaram para US$ 10 bilhões. “Se os recursos naturais são em favor do povo, outro mundo é possível”, afirmou.
Mensagem brasileira
Representando a presidente do Brasil, Dilma Rousseff, o ministro Gilberto de Carvalho também se dirigiu aos participantes do FSM. Ele manifestou o pesar pela diáspora africana e a escravidão e lembrou que ainda hoje os afrodescendentes, cujos antepassados lutaram pela liberdade, ainda precisam enfrentar a discriminação, embora já sejam a maioria da população brasileira.
Carvalho propôs ainda a intensificação das relações entre o Brasil e as nações africanas. “Que se dê entre iguais e não entre dominados e dominadores”, enfatizou.
Foto: Hilde Stephanes
domingo, 6 de fevereiro de 2011
A marcha dos povos no FSM do Senegal
Por Adriana Delorenzo, de Dacar na Revista Forum
Neste domingo, 6, teve início em Dacar o Fórum Social
Mundial de 2011. Cerca de 50 mil pessoas participaram da marcha de
abertura do evento, que partiu da sede da Radio Television Senegalaise
(RTS) e foi até a Universidade Cheik Anta Diop, onde acontece o FSM.
Ativistas e militantes altermundistas percorreram uma distância de cerca
de quatro quilômetros sob um forte sol.
Como é tradicional em todos os Fóruns, a diversidade de organizações e bandeiras de luta marcou a marcha. Por ser na África, muitos movimentos e manifestações culturais locais fizeram a diferença. A marcha contou com refugiados da Mauritânia no Senegal, ativistas em defesa da independência do Saara Ocidental e senegaleses reivindicando paz em Casamance (região do país onde há conflito por conta de um movimento separatista), entre outros militantes do norte da África.
Em seu 10º aniversário, o FSM reúne participantes e organizações de 123 países, Palestina e Curdistão. A grande maioria é de países da África (45), seguidos dos europeus (29), asiáticos (22), centro-americanos e caribenhos (12), sul-americanos (10), norte-americanos (3) e países da oceania (2).
Movimentos
Segundo Taoufik Ben Abdallah, um dos organizadores do Fórum Social Africano, a realização do FSM de Dacar mobilizou cerca de mil pessoas nos processos preparatórios. Em torno de 200 organizações participam do Comitê do Senegal, além de outras mil organizações africanas que se empenham na construção do evento.
Para ele, um dos desafios do FSM na África é o de construir uma nova relação entre os intelectuais e os movimentos sociais locais. “Na África não existe essa aliança”, diz. “Já na América Latina, muitos intelectuais fazem parte dos movimentos sociais e vice-versa”, acrescenta.
Com a crise internacional, especialmente nos EUA e Europa, Taoufik avalia que se abriu um novo equilíbrio de poder global, onde há o crescimento do G-20 e novos atores, como os BRICs. Ele considera que a África precisa aproveitar essa nova oportunidade geopolítica de uma forma positiva, enfrentando os conflitos e a pobreza. Tanto a crise, como a África serão debatidas em muitas das quase mil atividades autogestionadas propostas pelas organizações que participam do Fórum.
Diversidade
O médico marroquino Abdelkebir Saaf deixou Rabat junto com 50 ativistas. Integrante do Fórum Civil Democrático de Marrocos, ele defende o direito à saúde e ao meio ambiente saudável para todos. “Na marcha, as pessoas exprimem seus desejos e grandes ideais. Depois teremos espaço para trocar experiências”, diz.
Outra ativista presente na marcha inaugural do FSM foi Josephine Irene Uwamariya, de Ruanda. Diretora da organização Actionaid, ela atua em defesa dos direitos das mulheres. Mas a idéia é dar voz a elas, para que elas mesmas lutem por seus direitos. Questionada pela reportagem sobre a situação política de seu país, Josephine analisa que não há comparação com aquela retratada por Terry George no filme Hotel Ruanda, de 2004. Segundo ela, na última eleição parlamentar as mulheres conseguiram fazer 56% do total de eleitos.
A colombiana Alexandra Patricia Jurado também traz ao FSM a bandeira das mulheres. Membro do Movimiento Social de Mujeres contra La Guerra y por La Paz, ela vem ao FSM para rechaçar todas as formas de violência. “Estamos congregados para ser um grito de protesto a todas as violações de direitos humanos, mas também para gritar ao mundo que estamos cansados de guerra e que continuam militarizando a vida e nossos corpos, como mulheres”, afirma. “Estamos cansados que os recursos sejam destinados cada vez mais a guerras e menos à educação, à saúde e à qualidade de vida justa e digna para todos os homens e mulheres do mundo.”
Já o vietnamita Tran Dac Loi conta que o principal desafio do movimento social daquele país é como manter o socialismo, num contexto de globalização capitalista. Vice-presidente da Vietnam Union of Friendship Organizations, ele afirma que os 25 anos de regime socialista no seu país trouxeram muitos benefícios ao povo. “Reduzimos a pobreza de 75% para 10%”, diz. “O socialismo visa o desenvolvimento da pessoa humana, já o capitalismo apenas o lucro”, defende ele, que ressalta o sentimento de solidariedade e fraternidade presente no FSM.
Como é tradicional em todos os Fóruns, a diversidade de organizações e bandeiras de luta marcou a marcha. Por ser na África, muitos movimentos e manifestações culturais locais fizeram a diferença. A marcha contou com refugiados da Mauritânia no Senegal, ativistas em defesa da independência do Saara Ocidental e senegaleses reivindicando paz em Casamance (região do país onde há conflito por conta de um movimento separatista), entre outros militantes do norte da África.
Em seu 10º aniversário, o FSM reúne participantes e organizações de 123 países, Palestina e Curdistão. A grande maioria é de países da África (45), seguidos dos europeus (29), asiáticos (22), centro-americanos e caribenhos (12), sul-americanos (10), norte-americanos (3) e países da oceania (2).
Movimentos
Segundo Taoufik Ben Abdallah, um dos organizadores do Fórum Social Africano, a realização do FSM de Dacar mobilizou cerca de mil pessoas nos processos preparatórios. Em torno de 200 organizações participam do Comitê do Senegal, além de outras mil organizações africanas que se empenham na construção do evento.
Para ele, um dos desafios do FSM na África é o de construir uma nova relação entre os intelectuais e os movimentos sociais locais. “Na África não existe essa aliança”, diz. “Já na América Latina, muitos intelectuais fazem parte dos movimentos sociais e vice-versa”, acrescenta.
Com a crise internacional, especialmente nos EUA e Europa, Taoufik avalia que se abriu um novo equilíbrio de poder global, onde há o crescimento do G-20 e novos atores, como os BRICs. Ele considera que a África precisa aproveitar essa nova oportunidade geopolítica de uma forma positiva, enfrentando os conflitos e a pobreza. Tanto a crise, como a África serão debatidas em muitas das quase mil atividades autogestionadas propostas pelas organizações que participam do Fórum.
Diversidade
O médico marroquino Abdelkebir Saaf deixou Rabat junto com 50 ativistas. Integrante do Fórum Civil Democrático de Marrocos, ele defende o direito à saúde e ao meio ambiente saudável para todos. “Na marcha, as pessoas exprimem seus desejos e grandes ideais. Depois teremos espaço para trocar experiências”, diz.
Outra ativista presente na marcha inaugural do FSM foi Josephine Irene Uwamariya, de Ruanda. Diretora da organização Actionaid, ela atua em defesa dos direitos das mulheres. Mas a idéia é dar voz a elas, para que elas mesmas lutem por seus direitos. Questionada pela reportagem sobre a situação política de seu país, Josephine analisa que não há comparação com aquela retratada por Terry George no filme Hotel Ruanda, de 2004. Segundo ela, na última eleição parlamentar as mulheres conseguiram fazer 56% do total de eleitos.
A colombiana Alexandra Patricia Jurado também traz ao FSM a bandeira das mulheres. Membro do Movimiento Social de Mujeres contra La Guerra y por La Paz, ela vem ao FSM para rechaçar todas as formas de violência. “Estamos congregados para ser um grito de protesto a todas as violações de direitos humanos, mas também para gritar ao mundo que estamos cansados de guerra e que continuam militarizando a vida e nossos corpos, como mulheres”, afirma. “Estamos cansados que os recursos sejam destinados cada vez mais a guerras e menos à educação, à saúde e à qualidade de vida justa e digna para todos os homens e mulheres do mundo.”
Já o vietnamita Tran Dac Loi conta que o principal desafio do movimento social daquele país é como manter o socialismo, num contexto de globalização capitalista. Vice-presidente da Vietnam Union of Friendship Organizations, ele afirma que os 25 anos de regime socialista no seu país trouxeram muitos benefícios ao povo. “Reduzimos a pobreza de 75% para 10%”, diz. “O socialismo visa o desenvolvimento da pessoa humana, já o capitalismo apenas o lucro”, defende ele, que ressalta o sentimento de solidariedade e fraternidade presente no FSM.
Hoje inicia o FSM de Dacar
Fórum Social Mundial reflete sobre a condição africana em tempos de globalização
Rui Felten no Sul21
Uma marcha de abertura, marcada para as 13 horas deste domingo (06),
dá início às atividades de mais uma edição do Fórum Social Mundial
(FSM), que este ano se realiza em Dacar, no Senegal — país da África
Ocidental. Dacar é a capital senegalesa e abriga cerca de 2,6 milhões de
habitantes. Durante os seis dias do FSM, deverão passar por lá
representantes e organizações de 123 países.
Com presença já confirmada, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) deve comparecer acompanhado do ex-ministro Luiz Dulci e do
ex-presidente do Sebrae Paulo Okamotto. Lula é esperado para participar,
na segunda-feira (07), junto com o presidente do Senegal, Abdou
Layewade, do painel A África na Geopolítica Mundial, prevista
para se iniciar às 12h30min e se estender até as 15h30min. Está
confirmada também a presença de Evo Morales, presidente da Bolívia.
Temas como desigualdades, pobreza, discriminações, guerras e a
ascensão de novos países à condição de potências mundiais vão conduzir
os debates a respeito da crise. Também vão estar na pauta questões
referentes à ecologia (como as mudanças climáticas e a ameaça de
esgotamento das fontes naturais) e à ideologia — envolvendo,
particularmente, segurança pública, liberdades, democracia e cultura,
além de ciência e modernidade.
A situação da África no contexto mundial estará sempre no centro das
reflexões, considerando a ideia de que ela não é pobre, e sim
empobrecida. E de que também não é marginalizada, mas explorada. Essa
análise é feita por Gustave Massiah, membro do Research and Information
Center for Development (CRID), da França, e integrante do Conselho
Internacional do FSM. Mas se a África é usurpada, ele não deixa de
reconhecer, também, que existe uma “cumplicidade ativa” de uma parcela
dos dirigentes de estados africanos para que a cobiça de países ricos ou
emergentes pelas matérias-primas e pelos recursos naturais e humanos do
continente seja satisfeita.
Outras questões a serem levadas ao Fórum são a crise da hegemonia
norte-americana e do neoliberalismo e a descolonização como um processo
histórico ainda por ser concluído. A programação reserva espaço, ainda, a
debates sobre as migrações como fator decorrente da globalização.
Construção da solidariedade
O ex-governador Olívio Dutra, que estava à frente do Executivo gaúcho
nas duas primeiras edições do FSM, avalia o evento como um processo de
construção da solidariedade, da igualdade, da justiça e da democracia.
Afirma que ainda há um enorme desafio pela frente, mas que o Fórum já se
firmou como espaço de articulação da esperança de evolução para um
mundo em que as decisões não sejam tomadas apenas pelos países mais
fortes, por dominação.
“Todos devem influir nas decisões. E o Fórum Social Mundial, embora
não seja um organismo formal, deve ser ouvido pelos organismos formais,
como instância de representação no combate à miséria, à exploração, à
guerra e à fome”, diz o ex-governador. Ele acredita que a força do FSM
já pôde ser sentida no Fórum Econômico Mundial (FEM), que reúne
anualmente em Davos, na Suíça, os principais líderes empresariais e
políticos.
O Rio Grande em Dacar
A representação gaúcha que estará em Dacar a partir de segunda-feira
vai participar do FSM com dois propósitos principais: confirmar a
determinação de atuar na organização da edição descentralizada prevista
para o FSM no ano que vem e tentar atrair o Fórum novamente para Porto
Alegre em 2013. “Não será uma conquista simples, porque também concorrem
como sedes a Europa e a China”, diz o assessor de Relações
Internacionais do Governo do Estado, Tarson Nuñez, que vai participar em
companhia do secretário estadual adjunto da Cultura, Jeferson Assunção.
Pesam a favor do Rio Grande do Sul, na opinião de Nuñez, o fato de os
governos europeus serem mais conservadores e de os movimentos sociais
não terem tanta força nos países da Europa, o que ocorre também com a
China. Serão encaminhadas pela representação gaúcha manifestações de um
grande número de segmentos governamentais e não-governamentais em prol
da realização do FSM no Estado daqui a dois anos.
Nuñez defende que o FSM não deve mais ser somente um ambiente de
debates, mas se transformar em uma dinâmica permanente de intercâmbio
entre as nações participantes. “Deve haver um processo continuado, que
não se esgote naqueles momentos de discussões, mas que expanda os seus
efeitos de forma perene e propositiva”, afirma. É disso, na opinião
dele, que poderá resultar o aprofundamento da reflexão sobre o modelo de
desenvolvimento desejado pela humanidade. “Precisamos definir um
paradigma desse modelo”, ressalta. Nuñez acrescenta que o FSM também já
não deve mais estar preocupado apenas em criticar o sistema vigente, mas
em formular um sistema alternativo.
Histórico
O primeiro FSM ocorreu em janeiro de 2001, em Porto Alegre.
Participaram cerca de 20 mil pessoas. Realizada novamente na capital
gaúcha, em 2003, a segunda edição atraiu mais de 50 mil pessoas. No ano
seguinte, Porto Alegre recebeu em torno de 100 mil pessoas do mundo
inteiro para o evento.
Em 2004, o Fórum foi promovido pela primeira vez fora do Brasil, por
decisão de seu Conselho Internacional de fazer dele um evento
internacionalizado. A cidade escolhida, naquele ano, foi Mumbai, na
Índia. Em 2005, o FSM retornou para Porto Alegre. Já em 2006, teve uma
edição descentralizada, com programações em Bamako (África), Caracas
(Venezuela) e Karachi (Paquistão). O de 2007 ocorreu em Nairóbi (Quênia)
e, em 2008, o Conselho Internacional decidiu que haveria não um fórum
nos moldes anteriores, mas uma semana de mobilização e ação global, que
culminou com o Dia de Visibilidade Mundial, em 26 de janeiro.
Belém, a capital do Pará, foi sede da nona edição, em 2009, quando
participaram cerca de 120 mil pessoas de 150 países. E em 2010, houve
novamente um fórum descentralizado, com programação desenvolvida ao
longo do ano em diversas partes do mundo, incluindo o Brasil. No Rio
Grande do Sul, o FSM teve atividades em Porto Alegre, Canoas e Santa
Maria.
Uma breve história do Fórum Social Mundial
Nas origens do FSM estão o "grito
zapatista" de 1994 e as manifestações em Seattle, em 1999, que impediram
a realização da reunião da OMC. Na sequência, o movimento
anti-neoliberal passou da fase de resistência à fase de construção de
alternativas. Este FSM demonstrará se permanece na fase de resistência,
de fragmentação de temáticas, de limitação à “sociedade civil” ou se se
coloca à altura da etapa atual de disputa hegemônica, já não mais a
nível nacional ou regional, mas a nível global. A análise é de Emir
Sader.
Emir Sader, no CARTA MAIOR
O Fórum Social Mundial já tem história. Uma
história que não pode ser entendida separada daquilo que lhe deu
nascimento e a que ele está intrinsecamente vinculado: a luta contra o
neoliberalismo e por um mundo posneoliberal – que é o sentido de seu
lema central “Um outro mundo possível”.
Nas suas origens está o “grito zapatista” de 1994”, conclamando à luta global contra o neoliberalismo. Em seguida, veio o editorial do Le Monde Diplomatique, de Ignacio Ramonet, chamando à luta contra o “pensamento único”, seguida pelas manifestações em Seattle, que impediram a realização da reunião da OMC e as outras, em tantas cidades do mundo. Enquanto isso, se realizavam anualmente manifestações na Suiça, chamadas de anti-Davos.
Até que, com o crescimento da resistência ao neoliberalismo, se pensou no projeto de organizar um Forum Social Mundial em oposição ao Forum Economico de Davos. A idéia foi de Bernard Cassen, jornalista francês que naquele momento dirigia a Attac, que ao mesmo tempo propôs que a sede fosse na periferia do sistema – onde residem as vitimas privilegiadas do neoliberalismo -, na América Latina – onde se desenvolviam os principais movimentos de resistência, no Brasil – que tinha a esquerda mais forte naquele momento – e, em particular, em Porto Alegre – pelas políticas dos governos do PT, de Orçamento Participativo.
Depois do primeiro Fórum se constituiu um Conselho Internacional, com participação de todas as entidades que quisessem se incorporar, porém a direção continuou em um estrito grupo de entidades brasileiras, dominadas por ONGs. Este foi um limitante original do FSM, dado que o movimento se apoiava centralmente em movimentos sociais – de que a Via Campesina agrupa a parte significativa deles -, enquanto as ONGs – cujo caráter ambíguo, até mesmo neoliberal pela sua definição anti-governamental, mas também com várias delas com ações obscuras no seu sentido, no seu financiamento e nas suas alianças com grandes empresas privadas – se apoderava do controle da organização, imprimindo-lhe um caráter restrito.
Restrito, porque limitado a um suposta “sociedade civil”, o que já lhe imprimia um caráter liberal, oposto a governos, a partidos, a Estados, bloqueando a capacidade de construção de “um outro mundo possível”, que teria que ser um mundo global, com transformação das relações de poder, do Estado e da sociedade no seu conjunto. Também ficava fora um tema que passou a ser central no mundo conforme os EUA adotavam sua política de “guerras infinitas” – a luta pela paz -, que no entanto representou o momento de maior capacidade de mobilização dos novos movimentos populares no mundo, com as mobilizações de resistência à guerra do Iraque, em 2003.
O Conselho Internacional decidiu a alternância de sedes do FSM, que passou a se realizar em outros continentes, com o que se realizaram encontros na Índia e no Quênia. Também decidiu que os FSM seriam realizadosa cada dois anos, alternados por FSM regionais. No entanto o FSM passou realmente a girar em falso conforme a definição inicial de se limitar um espaço de troça de experiências entre entidades da “sociedade civil” foi limitando suas temáticas e sua capacidade de formular alternativas. Nem sequer balanços das maiores mobilizações populares jamais havidas, as contra a guerra do Iraque, foram feitas, para definir a continuidade da luta.
A fragmentação dos temas se acentuou conforme foi decidido que as atividades dos FSM seriam “autogestionadas”, sem definição política dos temas fundamentais, que deveriam ser financiados centralizadamente, promovendo um imenso privilegio das ONGs e outras entidades que dispõem de recursos contra os movimentos sociais – que deveriam ser os protagonistas fundamentais do FSM.
Hoje, o FSM tem em governos latinoamericanos progressistas os agentes de construção da agenda proposta pelo movimento. Os movimentos sociais que souberam rearticular de maneira criativa suas relações com a esfera política – de que a fundação pelos movimentos bolivianos do MAS – e disputar a criação de novos governos e a construção de projetos hegemônicos alternativos, avançaram significativamente na criação do “outro mundo possível”. Enquanto que os que seguiram refugiados na chamada “autonomia dos movimentos sociais” – como os casos dos piqueteiros argentinos ou dos zapatistas – perderam peso ou até mesmo tenderam a desaparecer politicamente.
Em 2009, o Fórum voltou ao Brasil, sendo realizado em Belém, no Pará. O encontro foi marcado, entre outras coisas, pela presença de 5 presidentes latino-americanos – Evo Morales, Rafael Correa, Hugo Chavez, Fernando Lugo e Lula, líderes de governos que, em distintos níveis, colocam em prática políticas que identificaram, desde o seu nascimento, o FSM: a Alba, o Banco do Sul, a prioridade das políticas sociais, a regulamentação da circulação do capital financeiro, a Operação Milagre, as campanhas que terminaram com analfabetismo na Venezuela e na Bolívia, a formação das primeiras gerações de médicos pobres no continente, pelas Escolas Latinoamericanas de Medicina, a Unasul, o Conselho Sulamericano de Segurança, o gasoduto continental, a Telesul – entre outras. A cara nova e vitoriosa do FSM, nos avanços da construção do posneoliberalismo na América Latina.
O FSM 2009 foi marcado também pela forte presença d os povos indígenas e pelo Forum PanAmazonico, com os movimentos camponeses e a Via Campesina, os sindicatos e o Mundo do Trabalho, os movimentos feministas e a Marcha Mundial das Mulheres, os movimentos negros, os movimentos de estudantes, os de jovens.
O movimento anti-neoliberal passou da fase de resistência à fase de construção de alternativas. Este FSM demonstrará se permanece na fase de resistência, de fragmentação de temáticas, de limitação à “sociedade civil” ou se se coloca à altura da etapa atual de disputa hegemônica, já não mais a nível nacional ou regional, mas a nível global, quando a crise capitalista e o esgotamento do modelo neoliberal coloca para o FSM seu maior desafio: ser agente na construção concreta do “outro mundo possível” ou permanecer como espaço de testemunhos, ricos, mas impotentes.
O Fórum Social Mundial 2011, em Dakar, ganhou uma nova agenda com a onda de protestos populares que já atingiu a Tunísia, o Egito, o Iêmen e a Jordânia. O mais significativo de todos, sem dúvida, é o Egito, em função do que o país representa em termos geopolíticos no Oriente Médio. Egito e Arábia Saudita são dois pilares centrais da aliança EUA-Israel na região. Uma mudança de regime político em um desses dois países pode significar um terremoto geopolítico de grandes proporções.
A aplicação da consigna do FSM aos problemas dessa região coloca a seguinte questão: “Outro Oriente Médio é possível?”. O que está acontecendo no Egito mostra que o castelo das autocracias apoiadas e sustentadas pelos EUA é menos sólido do que parecia. Milhões de jovens, homens e mulheres, estão nas ruas dizendo que é possível, sim. E necessário.
Nas suas origens está o “grito zapatista” de 1994”, conclamando à luta global contra o neoliberalismo. Em seguida, veio o editorial do Le Monde Diplomatique, de Ignacio Ramonet, chamando à luta contra o “pensamento único”, seguida pelas manifestações em Seattle, que impediram a realização da reunião da OMC e as outras, em tantas cidades do mundo. Enquanto isso, se realizavam anualmente manifestações na Suiça, chamadas de anti-Davos.
Até que, com o crescimento da resistência ao neoliberalismo, se pensou no projeto de organizar um Forum Social Mundial em oposição ao Forum Economico de Davos. A idéia foi de Bernard Cassen, jornalista francês que naquele momento dirigia a Attac, que ao mesmo tempo propôs que a sede fosse na periferia do sistema – onde residem as vitimas privilegiadas do neoliberalismo -, na América Latina – onde se desenvolviam os principais movimentos de resistência, no Brasil – que tinha a esquerda mais forte naquele momento – e, em particular, em Porto Alegre – pelas políticas dos governos do PT, de Orçamento Participativo.
Depois do primeiro Fórum se constituiu um Conselho Internacional, com participação de todas as entidades que quisessem se incorporar, porém a direção continuou em um estrito grupo de entidades brasileiras, dominadas por ONGs. Este foi um limitante original do FSM, dado que o movimento se apoiava centralmente em movimentos sociais – de que a Via Campesina agrupa a parte significativa deles -, enquanto as ONGs – cujo caráter ambíguo, até mesmo neoliberal pela sua definição anti-governamental, mas também com várias delas com ações obscuras no seu sentido, no seu financiamento e nas suas alianças com grandes empresas privadas – se apoderava do controle da organização, imprimindo-lhe um caráter restrito.
Restrito, porque limitado a um suposta “sociedade civil”, o que já lhe imprimia um caráter liberal, oposto a governos, a partidos, a Estados, bloqueando a capacidade de construção de “um outro mundo possível”, que teria que ser um mundo global, com transformação das relações de poder, do Estado e da sociedade no seu conjunto. Também ficava fora um tema que passou a ser central no mundo conforme os EUA adotavam sua política de “guerras infinitas” – a luta pela paz -, que no entanto representou o momento de maior capacidade de mobilização dos novos movimentos populares no mundo, com as mobilizações de resistência à guerra do Iraque, em 2003.
O Conselho Internacional decidiu a alternância de sedes do FSM, que passou a se realizar em outros continentes, com o que se realizaram encontros na Índia e no Quênia. Também decidiu que os FSM seriam realizadosa cada dois anos, alternados por FSM regionais. No entanto o FSM passou realmente a girar em falso conforme a definição inicial de se limitar um espaço de troça de experiências entre entidades da “sociedade civil” foi limitando suas temáticas e sua capacidade de formular alternativas. Nem sequer balanços das maiores mobilizações populares jamais havidas, as contra a guerra do Iraque, foram feitas, para definir a continuidade da luta.
A fragmentação dos temas se acentuou conforme foi decidido que as atividades dos FSM seriam “autogestionadas”, sem definição política dos temas fundamentais, que deveriam ser financiados centralizadamente, promovendo um imenso privilegio das ONGs e outras entidades que dispõem de recursos contra os movimentos sociais – que deveriam ser os protagonistas fundamentais do FSM.
Hoje, o FSM tem em governos latinoamericanos progressistas os agentes de construção da agenda proposta pelo movimento. Os movimentos sociais que souberam rearticular de maneira criativa suas relações com a esfera política – de que a fundação pelos movimentos bolivianos do MAS – e disputar a criação de novos governos e a construção de projetos hegemônicos alternativos, avançaram significativamente na criação do “outro mundo possível”. Enquanto que os que seguiram refugiados na chamada “autonomia dos movimentos sociais” – como os casos dos piqueteiros argentinos ou dos zapatistas – perderam peso ou até mesmo tenderam a desaparecer politicamente.
Em 2009, o Fórum voltou ao Brasil, sendo realizado em Belém, no Pará. O encontro foi marcado, entre outras coisas, pela presença de 5 presidentes latino-americanos – Evo Morales, Rafael Correa, Hugo Chavez, Fernando Lugo e Lula, líderes de governos que, em distintos níveis, colocam em prática políticas que identificaram, desde o seu nascimento, o FSM: a Alba, o Banco do Sul, a prioridade das políticas sociais, a regulamentação da circulação do capital financeiro, a Operação Milagre, as campanhas que terminaram com analfabetismo na Venezuela e na Bolívia, a formação das primeiras gerações de médicos pobres no continente, pelas Escolas Latinoamericanas de Medicina, a Unasul, o Conselho Sulamericano de Segurança, o gasoduto continental, a Telesul – entre outras. A cara nova e vitoriosa do FSM, nos avanços da construção do posneoliberalismo na América Latina.
O FSM 2009 foi marcado também pela forte presença d os povos indígenas e pelo Forum PanAmazonico, com os movimentos camponeses e a Via Campesina, os sindicatos e o Mundo do Trabalho, os movimentos feministas e a Marcha Mundial das Mulheres, os movimentos negros, os movimentos de estudantes, os de jovens.
O movimento anti-neoliberal passou da fase de resistência à fase de construção de alternativas. Este FSM demonstrará se permanece na fase de resistência, de fragmentação de temáticas, de limitação à “sociedade civil” ou se se coloca à altura da etapa atual de disputa hegemônica, já não mais a nível nacional ou regional, mas a nível global, quando a crise capitalista e o esgotamento do modelo neoliberal coloca para o FSM seu maior desafio: ser agente na construção concreta do “outro mundo possível” ou permanecer como espaço de testemunhos, ricos, mas impotentes.
O Fórum Social Mundial 2011, em Dakar, ganhou uma nova agenda com a onda de protestos populares que já atingiu a Tunísia, o Egito, o Iêmen e a Jordânia. O mais significativo de todos, sem dúvida, é o Egito, em função do que o país representa em termos geopolíticos no Oriente Médio. Egito e Arábia Saudita são dois pilares centrais da aliança EUA-Israel na região. Uma mudança de regime político em um desses dois países pode significar um terremoto geopolítico de grandes proporções.
A aplicação da consigna do FSM aos problemas dessa região coloca a seguinte questão: “Outro Oriente Médio é possível?”. O que está acontecendo no Egito mostra que o castelo das autocracias apoiadas e sustentadas pelos EUA é menos sólido do que parecia. Milhões de jovens, homens e mulheres, estão nas ruas dizendo que é possível, sim. E necessário.
sábado, 5 de fevereiro de 2011
Quando confunde-se religião com práticas
Raphael Tsavkko Garcia
É possível afirmar, como o fez Amâncio Siqueira em artigo recente
no Amálgama, que o Irã é uma teocracia islâmica e, ao mesmo tempo, que é
uma ditadura com diversos aspectos que merecem nosso franco repúdio.
Não há problema nisso.
Problema há quando ligam ditadura e repressão ao islamismo. Quando a
ideia de “ditadura repressiva” passa a estar intimamente ligada ao
islamismo, quando estamos diante não do islamismo, mas de uma leitura que, em geral, envergonha a maior parte daqueles que professam a religião.
Ditaduras independem de religião. São políticas. Feitas por homens
que encontram uma desculpa para manter seu poder e perpetuar a
repressão. Pode ser o Islamismo, Cristianismo ou até o Pastafarianismo –
basta acreditar. Pessoas matam e morrem em nome de grandes ou de
pequenas religiões. Entregam todo seu dinheiro para templos evangélicos.
Trata-se de leituras deturpadas.
Obviamente a religião em si abre portas para o fanatismo, mas não
pode ser totalmente responsável pelas leituras mais radicais que são
feitas. Senão todos os crentes seriam fanáticos por princípio.
Imagino que nenhum cristão se vanglorie dos milhões de mortos durante
as Cruzadas ou defenda a Inquisição, ou mesmo reconheça estes dois
exemplos como base ou resultados do “Cristianismo”, mas apenas faces de
uma igreja ou mesmo uma interpretação absurda da “palavra” de seu deus.
Quem já leu o Corão ou ao menos conhece muçulmanos o
suficiente para ter uma ideia de seus costumes e práticas, vê que o
suposto islamismo pregado por aqueles fanáticos nada mais é que uma
versão fascista e deturpada de suas crenças. É a leitura crua, sem
atualização ou interpretação honesta. É a politização de uma crença
levada ao mundo estatocêntrico com o intuito de garantir a alguns o
poder sobre os demais.
Seria, em paralelo, o mesmo que o Comunismo (sic) nas mãos
de Stalin. O Comunismo seria naturalmente ruim pela interpretação
genocida de alguns. Assim como as religiões, as teses marxistas foram
usadas por milhões da pior forma possível. O problema não está na
religião/ideologia, mas na prática desta, na apropriação e leituras
feitas a posteriori por quem tinha claros interesses em
desvirtuar aquilo que milhões seguem ou acreditam. Da mesma forma que
você precisa interpretar e atualizar os escritos de Marx, que não têm
nem 300 anos, você precisa interpretar e atualizar aquilo que foi
escrito a 1500 ou 2 mil anos.
A própria gênese de muitas religiões se baseia apenas no interesse de
um ou uns dominarem um grupo através do medo ou de promessas de
benesses eternas. É bom ter isto em mente, porém: o neopentecostalismo,
como tal, é nocivo desde seu princípio e por base.
Não estou aqui falando que o Islamismo ou mesmo o Cristianismo sejam
“puros” — imagino já ter deixado isto claro –, que mesmo em seus
ensinamentos não exista algo recriminável, longe disso, o problema na
verdade são as interpretações ou, mais ainda, a insistência dos mais
puristas em evoluir a si mesmos e à própria religião. No fim das contas,
o problema surge quando, de apoio, religião passa a ser a razão da
vida.
Religião, enquanto re-ligamento, não me parece poder ser encarado
como um monolito, senão estamos ligando o homem do século XXI a um deus
do século 1 ou 5. Não me parece haver conforto para um alma do século
XXI em seguir preceitos que no século XV já estavam ultrapassados.
Mas o que há de reconfortante na religião permanece inalterado, a
sensação de proximidade com um deus, com uma verdade, com uma forma de
viver. E é isto que deve ser defendido, e não os aspectos obscurantistas
que são comumente usados por aqueles em busca de poder.
Notem que sou ateu, não sigo qualquer religião e tampouco entendo a
necessidade que muitos têm de encontrar conforto em um deus, em algo
externo e inexplicável. Mas respeito.
Teocracia nada mais é que uma ditadura fascista, mas ao invés do
discurso puramente político, adotam medos ancestrais e utilizam a
religião como subterfúgio para suas práticas. E encontramos isto em todas
as grandes religiões e não apenas no Islamismo, que, parece, está na
moda. As razões, aliás, para tal “moda”, ao menos no Oriente Médio,
foram dadas neste post em que analisei o terrorismo no Cáucaso Russo.
É fato, aquilo que está em livros religiosos propicia o surgimento de fanáticos e genocidas. São livros (Bíblia, Corão…)
que não só podem ser interpretados de diversas maneiras como também
possuem incontestáveis mensagens de ódio, da necessidade de conversão
forçada, de machismo, odes à violência etc., mas devem — como tudo na
vida — ser interpretados.
E falo “interpretado” não no sentido de deturpar ainda mais ou de se
seguir ao pé da letra (como quem vive sem eletricidade ou contato com o
mundo exterior achando que assim agradará a deus), mas no sentido de se
enxergar estes livros como peças de uma época completamente diferente e
extrair destes mensagens que possam ser trazidas até os dia de hoje.
Não importa se na Bíblia de quase 2 mil anos ou, por exemplo, no Manifesto Comunista
– o que está escrito é passível de e deve ser interpretado, trazido
para os dias atuais, ou senão iremos nos limitar a repetir erros ou
viver eternamente no passado.
Sim, o Irã é uma teocracia islâmica assassina. Mas os EUA são uma
suposta democracia baseada em princípios cristãos e com presidentes
tementes ao seu deus e são ainda mais genocidas. Seria então culpa do
islamismo? Do cristianismo? Ou da transformação de religião em
política? Ou ainda pior, na transformação da religião, de algo
subsidiário, de um suporte, para um valor imprescindível e que permeia
nossas vidas — acima da razão?
Alguns fanáticos islâmicos proíbem o contato entre homens e mulheres…
Outros cristãos fazem o mesmo. Alguns fanáticos islâmicos colocam as
mulheres como inferiores… Mas a Igreja Católica não faz o mesmo? Entre
evangélicos as mulheres não são muitas vezes forçadas a deixar sua
feminilidade de lado e a se submeter à vontade dos homens? Os judeus
mais ortodoxos não relegam à mulher o papel de subalternas?
Mas, muitos dirão, os islâmicos são diferentes, afinal, eles matam
pela religião! Oras, até bem perto do século XX os cristãos à mando da
Igreja Católica faziam pior. A Inquisição durou na Espanha até
princípios do século XX. E mesmo a extrema-direita dos EUA, neonazistas e
gente ligada à KKK são cristãos fanáticos, que acreditam que todos os
não-crentes devem morrer – além de negros, imigrantes, judeus…
Mubarak é um ditador e é muçulmano. Ben Ali era um ditador e é
muçulmano. Saddam Husseim era um ditador e era muçulmano… O ponto em
comum entre todos estes não é só o islamismo, mas o fato de terem
chegado ao poder o ao menos terem sido apoiados por um grande país
cristão, os EUA, com presidentes cristãos.
E a Nicarágua foi uma ditadura – seu ditador era cristão. O Brasil
teve sua ditadura, assim como a Argentina, o Uruguai… Todos os ditadores
eram cristãos.
Religião é, enfim, apenas parte do problema, senão o menor deles.
Jornalista e blogueiro. Formado em Relações Internacionais (PUC-SP) e
Mestrando em Comunicação (Cásper Líbero), escreve o Blog do Tsavkko, é
autor e tradutor do Global Voices Online e escreve a coluna semanal "Defenderei a casa de meu pai" no Diário Liberdade.
Raphael Tsavkko Garcia
Cpers marca primeira assembleia geral dos professores para 8 de abril
Igor Natusch
O Conselho Geral do Cpers reuniu-se, nesta sexta-feira (4), para
discutir a política educacional do Rio Grande do Sul, elaborando a pauta
de reivindicações do sindicato. No encontro, ocorrido no auditório
Itapema do hotel Plaza São Rafael, em Porto Alegre, foi aprovada uma
solicitação de audiência com o governo de Tarso Genro, além de um
calendário de mobilizações, que prevê a primeira assembleia geral do
magistério em 2001, no mês de abril.
Entre outras decisões, o encontro aprovou resolução referendando a
não participação do Cpers no Conselho de Desenvolvimento Econômico e
Social (CDES) do governo gaúcho, apelidado de Conselhão. “É uma decisão
que valoriza a nossa autonomia e independência”, defendeu a professora
Rejane Oliveira, presidente do Cpers. Além disso, a entidade decidiu
adotar uma campanha salarial unificada com os demais sindicatos, que
congregam servidores públicos, buscando uma nova realidade salarial para
todo o corpo funcional do estado.
A plataforma de reivindicações do Cpers tem 17 pontos, e engloba
questões como a manutenção do plano de carreira, a adoção do piso
nacional para pagamento de professores e funcionários, a liberação dos
dirigentes sindicais e o repúdio total à reforma previdenciária e à
aplicação da meritocracia nas escolas gaúchas.
Na próxima segunda-feira (7), o sindicato protocola pedido de
audiência com o governo estadual, no qual os pontos discutidos durante a
reunião do conselho do Cpers devem ser negociados. A partir daí, fica a
critério do governo a marcação de uma data para a reunião. “Já enviamos
um documento ao governo, pedindo a liberação dos dirigentes sindicais,
que é um acordo tácito desde a eleição (entre governo e sindicato)”, diz
Rejane Oliveira. “Tarso disse que era algo tranquilo, ponto pacífico, e
desde o final de janeiro estamos aguardando que ele dê uma resposta ao
nosso pedido”, lamenta.
Para o dia 8 de abril, está agendada uma assembleia geral, a primeira
promovida pelo magistério gaúcho desde o começo do governo Tarso. “É
importante ressaltar a necessidade de mobilização para que nossas
reivindicações sejam atendidas”, afirma Rejane. “O tamanho da nossa
conquista é o mesmo tamanho da nossa mobilização. Não vamos recuar em
nossas convicções”
Documentos Palestinos divulgados por Wikileaks: uma nova verdade nasce no mundo árabe
Robert Fisk*no Odiario.info
Ao
mesmo tempo que são revelados pela Wikileaks que provam como a chamada
Autoridade Palestina estava disposta a ceder no “direito de regresso”
dos palestinos e dos territórios ilegal e ilegitamente ocupados por
Israel, “…o povo egípcio pede a queda do presidente Mubarak e os
libaneses vão nomear um primeiro-ministro designado pelo Hezbollah.
Raramente se viu no mundo árabe uma coisa assim.”
Os
documentos palestinos são um testemunho tão acusatório como a
Declaração de Balfourd [1]. A «Autoridade» - temos que utilizar este
termo entre aspas – Palestina estava e está preparada para ceder o
«direito de regresso» de cerca de sete milhões de refugiados ao que é
agora Israel por um «Estado» que poderia chegar, quando muito, a 10% do
que foi o Mandato Britânico na Palestina.
Enquanto estes terríveis documentos são revelados, o povo egípcio
pede a queda do presidente Mubarak e os libaneses vão nomear um
primeiro-ministro designado pelo Hezbollah. Raramente se viu no mundo
árabe uma coisa assim.
Os documentos palestinos mostram claramente, para começar, que os
representantes do povo palestino estavam dispostos a destruir qualquer
esperança dos refugiados de regressar às suas casas.
É uma afronta para os palestinos verificarem de que modo os seus
representantes lhes viram as costas. À luz dos Documentos Palestinos não
há maneira de que este povo poder acreditar nos seus próprios direitos.
Viram em filme e no papel que não regressarão. Mas por todo o mundo
árabe – e isto não significa o mundo muçulmano – há agora uma
compreensão da verdade que não havia antes.
Para as pessoas do mundo árabe não é possível o engano interno. As
mentiras terminaram. As palavras dos líderes – que são, infelizmente as
nossas palavras – perderam a validade. Fomos nós que os levámos a este
desenlace. Fomos nós quem lhes contou estas mentiras. Não podemos mais
continuar a repeti-las.
No Egipto, nós os britânicos amávamos a democracia. Estimulámos a
democracia no Egipto, até que os egípcios decidiram que queriam acabar
com a monarquia. Então prendemo-los. Depois quisemos mais democracia.
Foi na mesma a velha história. Da mesma maneira que queríamos que os
palestinos gozassem de democracia, sem pré e quando votassem em pessoas
correctas, queríamos que os egípcios amassem a nossa vida democrática.
Agora, no Líbano, parece que a democracia libanesa tomará o seu lugar.
Não nos agrada.
Naturalmente, queremos que os libaneses apoiem as pessoas que nós
queremos, os muçulmanos sunitas por trás de Rafic Hariri, cujo
assassínio - acreditamos como donos da verdade – foi orquestrada pelos
sírios. Por isso agora temos nas ruas de Beirute o incêndio de
automóveis e a violência contra o governo.
Então, para onde vamos? Talvez aconteça que o mundo árabe eleja os
seus próprios líderes? Poderemos vir a ver um novo mundo árabe que não
esteja controlado pelo Ocidente? Quando a Tunísia anunciou a sua
independência, Hillary Clinton calou-se. Foi o excêntrico presidente do
Irão que o fazia feliz ver um país livre. Por que razão aconteceu isto?
No Egipto, o futuro de Hosni Mubarak surge cada vez mais
perturbador. O seu filho poderá ser o sucessor por ele escolhido. Mas só
há um califado no mundo árabe, e esse é na Síria. O filho de Hosni não é
o homem que os egípcios querem. É um homem de negócios com pouco peso
que pode – ou não – ser capaz de resgatar o Egipto da corrupção.
O comandante de segurança de Hosni Mubarak, um certo Suleiman, que
está muito doente pode ser que seja o homem. Entretanto, através de todo
o Médio Oriente, esperamos ver a queda dos amigos dos EUA. No Egipto,
Mubarak deve estar a perguntar-se para onde poderá fugir. No Líbano, os
amigos dos EUA estão a entrar em colapso. É o fim do mundo dos
«democratas» do Médio Oriente Árabe. Não sabemos o que virá a seguir. Só
talvez a história pode responder a esta pergunta.
Nota do tradutor:
[1] Carta enviada em 1917 por Lord Balfourd, secretário das Relações Exteriores britânico a Lord L. W. Rothschild, onde se compromete «usar os melhores meios para facilitar o estabelecimento na Palestina» de um Lar Nacional Judeu.
[1] Carta enviada em 1917 por Lord Balfourd, secretário das Relações Exteriores britânico a Lord L. W. Rothschild, onde se compromete «usar os melhores meios para facilitar o estabelecimento na Palestina» de um Lar Nacional Judeu.
* Correspondente do The Independent no Médio Oriente.
Este texto foi publicado no jornal britânico The Independent, www.independent.co.uk/opinion/commentators/fisk/robert-fisk-a-new-truth-dawns-on-the-arab-world-2194488.html
Tradução de José Paulo Gascão
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