Escrito por Wladimir Pomar no Correio da Cidadania | |
Conta-se que Galileu, obrigado pela Inquisição católica a abjurar sua
crença de que a Terra se movia, teria dito à meia voz que, apesar de
tudo, ela se movia. O mesmo parece estar ocorrendo agora em relação às
grandes massas populares de países da África do Norte, desdizendo as
afirmações de uma certa Inquisição intelectual para a qual a época das
grandes mobilizações e revoltas sociais era coisa do passado.
O capitalismo teria criado uma rede de mecanismos democráticos de tal
ordem que seria possível evitar que, em algum momento, os pobres, os
trabalhadores e mesmo setores médios se lançassem à luta. É verdade que
aquela Inquisição fazia exceção a países que consideravam regidos por
ditaduras, que a imprensa ocidental citava nominalmente como se
restringindo à Coréia do Norte, Cuba, China, Iraque, Irã, Venezuela,
Líbia, Chade e Zimbábue, pouco importando que alguns deles mantenham
democracias de tipo liberal.
Por outro lado, essa mesma imprensa nada dizia sobre regimes ditatoriais
na Tunísia, Egito, Iêmen, Bahrein, Marrocos, Arábia Saudita e outros
países árabes aliados diletos dos Estados Unidos. O Iraque só se tornou
uma ditadura abominável após haver demonstrado certa independência e
tentado anexar o Kuwait. Sob o manto protetor dos acordos militares e
geopolíticos com a grande democracia americana, tais países pareciam
fadados a sucessões dinásticas de longa duração.
No entanto, as bases dessas sociedades se moviam imperceptivelmente,
forçadas pelo aumento da miséria, pelos baixos salários, pelas baixas
condições de vida e pela ausência de liberdades culturais, sindicais e
políticas. Na superfície tudo parecia calmo, embora de vez em quando
irrompesse algum fator de desestabilização, logo sufocado pelas
eficientes redes de inteligência e repressão policial e militar. Em tais
condições, para aqueles que se deixavam convencer pela aparência
superficial, as revoltas de massa na Tunísia, Egito, Líbia e outros
países da África do Norte causaram grande surpresa.
É natural, assim, que surjam, em conseqüência, interpretações
disparatadas sobre os acontecimentos. A mais esdrúxula do momento é
aquela que acusa a CIA e o governo norte-americano, através do uso das
redes cibernéticas, de haver promovido tais insurreições. O governo dos
Estados Unidos teria se dado conta de que aliados como Mubarak e outros,
há muitos anos no poder, já não eram servidores eficientes. Promovendo
mobilizações sociais do lumpenproletariado e desordeiros, que levassem a
uma transição negociada em que tudo continuaria como antes, se
livrariam dos servidores desgastados e, de quebra, incentivariam
revoltas na Líbia e no Irã. Portanto, numa manobra clássica de Sun Tzu e
Mao Zedong, fingiram atacar o secundário para golpear o principal.
Essa teoria conspirativa é idêntica à que credita à CIA a ocorrência das
revoluções de veludo na Tchecoslováquia, Hungria e Bulgária, e da
revolução sangrenta na Romênia, embora naquela época ainda não
existissem as redes cibernéticas com grande poder de mobilização. É
evidente que a CIA e os poderosos meios de comunicação ocidentais
promoveram uma propaganda massiva contra o socialismo real daqueles
países. Porém, qualquer propaganda só tem efeito quando corresponde às
aspirações imediatas das grandes massas do povo. Estas massas só se
mobilizam e vão para as ruas quando não querem mais viver como até
então. E só se atiram contra os fuzis e metralhadoras quando acham que,
além disso, não têm mais nada a perder.
Portanto, tanto a propaganda contra o socialismo real, produzida
principalmente pelo rádio e televisão dos países ocidentais, quanto a
propaganda contra os regimes ditatoriais da África do Norte, promovida
em grande escala através da Internet, só tiveram efeito porque as
populações desses países já não suportavam mais viver da forma que
vinham vivendo. No caso dos países africanos, de populações formadas por
trabalhadores assalariados, setores médios empobrecidos e milhões de
desempregados transformados em lumpens, era inevitável que as revoltas
também contassem com a participação destes últimos.
Assim, queiramos ou não, essa também era a situação das grandes massas
do povo líbio, mesmo que seu país não estivesse no rol dos aliados
servis dos Estados Unidos, e que estes possam estar se aproveitando das
dificuldades de Kadafi para desviar a atenção do mundo dos eventos nos
demais países de ditaduras apoiadas pelos americanos. Desqualificar a
revolta das massas populares porque o regime é inimigo aparente de nosso
inimigo não é um critério muito saudável, pelo menos para quem se diz
de esquerda.
Algo parecido ocorre com as divergências sobre estarmos ou não diante de
movimentos revolucionários e revoluções, que resultem em mudanças
políticas, sociais e econômicas profundas. É verdade que a imprensa
ocidental, numa tentativa de esconder sua omissão passada diante dos
regimes ditatoriais aliados incondicionais dos Estados Unidos, está
divulgando febrilmente as revoltas populares como revoluções de fato.
Mas isso não é novidade. Se até a Globo se transformou de aliada
incondicional do regime militar brasileiro em defensora, mesmo tardia,
das Diretas Já, seria pedir muito para os governos ocidentais e os
Estados Unidos e suas mídias continuarem fiéis a seus antigos amigos
árabes. Da mesma forma que não passa de ilusão supor que antigas forças
políticas de apoio a tais regimes não vão se reciclar e participar da
disputa no processo de mudanças políticas, econômicas e sociais que
devem ocorrer, tentando limitá-las ao máximo.
Revoltas populares são indícios de situações revolucionárias. Mas nem
todas as situações revolucionárias se transformam em revoluções, seja
porque as massas populares não possuem partidos políticos organizados e
com capacidade de dirigirem o processo, seja porque o lado oposto se
reorganiza, faz concessões e consegue evitar que as transformações sejam
profundas. Na maior parte dos países árabes convulsionados o quadro
ainda está confuso para que se afirme, com certeza, se estamos diante de
revoluções ou de reformas com tintura revolucionária ou conservadora.
De qualquer modo, as massas se movem. Esta parece ser uma lei geral das
sociedades, em especial das sociedades de classes, sejam elas ditaduras
ou democracias. Afinal, as massas nas democracias européias também estão
se mobilizando e, em algum2as delas, como na Grécia, quase assumindo o
caráter de revolta. E nos Estados Unidos os sindicatos de Wisconsin
começam a mostrar que não estão paralisados.
Nessas condições, mesmo em países de regimes democráticos e liberais,
com ativa vida parlamentar, partidos de esquerda que se desligam do
dia-a-dia das grandes massas populares e não acompanham a evolução
imperceptível de seu movimento correm sempre o perigo de perderem o pé
da realidade e serem apanhados de surpresa. Por consolo, podem até
acusar a CIA ou as forças ocultas, mas isto dificilmente as salvará.
Wladimir Pomar é escritor e analista político.
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Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
terça-feira, 1 de março de 2011
Apesar de tudo, as massas se movem
segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011
José Reinaldo: O espírito da nossa época é o anti-imperialismo
De volta ao Brasil depois de participar do Fórum Social
Mundial em Dacar, o secretário Nacional de Comunicação do PCdoB, José
Reinaldo Carvalho, falou ao Vermelho sobre os debates
realizados no FSM. Entre os destaques das discussões – promovidas entre 6
e 11 de fevereiro, na Universidade de Dacar – estão o combate à herança
de subdesenvolvimento do continente e a luta contra os mecanismos de
espoliação da África, através do cancelamento da dívida externa.
Por Mariana Viel
José Reinaldo, que também é editor do Vermelho,
ressaltou ainda o lançamento do livro “Grupons-nous, et demain!”
(literalmente, “Agrupemo-nos, e amanhã! – verso do hino A Internacional
). O evento, realizado no último dia 14, na Assembleia Nacional Francesa
(parlamento), palco de marcantes acontecimentos políticos históricos,
tem grande significado para a esquerda progressista mundial.
Publicado pela Editora Les Temps des Cerises, o livro aborda a crise
internacional e as alternativas da esquerda. Fruto do seminário
realizado em São Paulo, em junho de 2009, sob os auspícios do PT, o
PCdoB e suas respectivas fundações de estudos, a Perseu Abramo e a
Maurício Grabois, e da Rede Corresponências Internacionais, a obra traz
uma das abordagens mais completas e profundas sobre a crise do
capitalismo, apontando a incapacidade desse sistema para satisfazer as
atuais necessidades da humanidade.
Promovido pela bancada parlamentar do bloco Esquerda Democrata e
Republicana, do qual fazem parte os comunistas franceses, e pela
Fundação Gabriel Peri, o ato foi coordenado pela Rede Correspondências
Internacionais e contou com as presenças do renomado economista francês
de esquerda, Paul Boccara, do jornalista e escritor Henri Alleg, do
embaixador de Cuba na França, Orlando Gual, dos dirigentes políticos
Robert Griffiths, secretário-geral do PC da Grã Bretanha, Chris
Mathlako,do Birô Político do PC da África do Sul, Sérgio Ribeiro, do
Comitê Central do PCP, Lô Gourmo, da União das Forças pelo Progresso, da
Mauritânia, Gyula Thurmer, do Partido dos Trabalhadores da Hungria e
Valter Pomar, do Partido dos Trabalhadores. Presentes entre o público a
embaixadora da Bolívia na França, o embaixador do Sri Lanka e
representações diplomáticas do Brasil e da Venezuela.
Vermelho: Qual é o significado da realização de uma nova edição do Fórum Social Mundial no continente africano?
José Reinaldo Carvalho: Acho que um dos destaques do Fórum Social de Dacar é o próprio fato de se fazer – pela segunda vez – um fórum em terras africanas. Se contarmos com o fórum setorial, que coincidiu também com a realização do Fórum Mundial das Alternativas — realizado em Bamako, capital do Mali — essa é a terceira vez que a África acolhe um acontecimento desse tipo.
Como os próprios acontecimentos no norte da África estão demonstrando, essa é uma região muito importante no mundo de hoje. O continente africano herda grandes chagas econômicas e sociais do colonialismo. Essa herança pesa muito nas condições de vida miseráveis, nas dificuldades para o desenvolvimento econômico, na opressão e nas discriminações de toda natureza. A realização de um fórum desse tipo na África atrai as atenções do mundo progressista para o continente.
Vermelho: Quais foram os destaques dos debates do fórum?
JR: Duas grandes questões foram objeto de debates: a luta pelo desenvolvimento, para combater essa herança do subdesenvolvimento, e a luta contra os mecanismos econômicos e financeiros de espoliação da África, particularmente relacionados com o cancelamento e o não pagamento da dívida externa.
Também me chamou bastante atenção a quantidade de pessoas presentes no fórum. A Universidade de Dacar – local onde se realizou o fórum – estava permanentemente lotada, era uma verdadeira multidão. A presença africana era maciça, o que deu uma beleza e uma conotação humana e social especial evento. Havia ainda uma grande presença de europeus e latino-americanos – em particular brasileiros. A presença dos movimentos sociais brasileiros chamava a atenção. Do ponto de vista humano, cultural e antropológico foi uma experiência extraordinária.
Vermelho: Qual foi a importância dos debates das Assembleias dos Movimentos Sociais?
JR: Essas assembleias — realizadas nos dias finais do fórum — feitas para traçar plataformas de luta e calendários de mobilização também foram muito concorridas. Elas são resultado do acerto de uma posição justa que considera que o fórum deve ser voltado para as lutas. Esse pensamento se contrapõe a uma corrente que defende que o fórum seja apenas um marco de debates, onde pontificam apenas as organizações não-governamentais e um grupo de intelectuais – muitos dos quais impregnados de ideologia anti-comunista e anti-socialista. Esses intelectuais e essas ONGs se opõem ao que chamam de “movimentos sociais tradicionais”, para desqualificar as organizações sindicais e de massas que têm raízes históricas e ligações mais profundas com as lutas dos trabalhadores e dos povos. Foi sobre a base dessas falsas concepções que surgiram os chamados “altermundialismo” e “movimentismo”. A luta pelo socialismo certamente se atualiza com as dinâmicas novas das lutas políticas e sociais e a incorporação de novos sujeitos e atores políticos, mas não carece desses modismos para se desenvolver. Em especial na América Latina e no Brasil devemos estar vigilantes com certas posturas que, embora posando de “modernas” e “originais”, macaqueiam, arremedam ou mimetizam os cacoetes europeus. Obviamente o fórum é um espaço para o pluralismo e o debate de ideias, mas é importante fazer deste debate um veículo para a luta. As Assembleias dos Movimentos sociais foram combativas e concorridas e tiraram importantes indicações de luta contra o neoliberalismo, as bases militares e as guerras imperialistas.
Vermelho: Após o Fórum de Dacar, você participou do lançamento do livro “Grupons-nous, et demain!” (“Agrupemo-nos, e amanhã!”), na França. Fruto do seminário realizado em junho de 2009, em São Paulo, através de uma parceria entre as Secretarias Internacionais do PT e do PCdoB, suas respectivas fundações de estudos, a Perseu Abramo e a Maurício Grabois e da Rede Corresponências Internacionais, o livro traz ainda grandes contribuições de economistas, intelectuais e dirigentes políticos. Como ele se apresenta no atual cenário progressista?
JR: O livro não se limitou ao seminário. A versão francesa incorpora contribuições de intelectuais, escritores, analistas e críticos que não puderam ter presença direta, participaram com seus textos. Entre eles está Paul Boccara, que é um dos maiores economistas franceses e o maior nome dentre os economistas progressistas de esquerda da França. Posso citar também o Samir Amin, que é um dos maiores intelectuais da atualidade, crítico do imperialismo e do capitalismo, organizador do Fórum Mundial das Alternativas e do Fórum do Terceiro Mundo e um dos nomes mais conhecidos do pensamento econômico marxista contemporâneo. O grande mérito desse livro é sistematizar uma série de pontos de vista progressistas, marxistas e anti-capitalistas sobre a crise do capitalismo. É uma das abordagens mais completas e profundas que conheço sobre a crise.
Vermelho: Como os textos reunidos no livro se apresentaram para o universo teórico-econômico da atual esquerda progressista?
JR: A maioria dos ensaios nele publicados refutam algumas teses que de maneira insidiosa e oportunista penetraram no pensamento da esquerda. Quando a crise começou a se instalar surgiu uma corrente de pensamento que dizia que ela era apenas uma crise financeira e passageira. Esta corrente defendia que essa não era uma crise do sistema capitalista e não nega os fundamentos do capitalismo. Tentaram até mesmo usar o Lênin para sustentar essa tese esdrúxula de que o capitalismo não estaria em decadência, mas sim em plena expansão. Ao mesmo tempo, dizia-se também que mesmo com o epicentro da crise nos Estados Unidos, sua economia era inabalável e sua hegemonia inamovível.
Eles não admitiam que os Estados Unidos são uma potência declinante no mundo. Assim como o seminário, o livro ajuda a fazer essa luta de idéias. Mostra que a crise é profunda, duradoura, de difícil saída, estrutural, sistêmica e põe em cheque os próprios fundamentos do sistema capitalista e imperialista. Isso não significa dizer que o capitalismo e o imperialismo vão cair de podre como resultado automático da crise. A superação revolucionária do capitalismo e do imperialismo depende também do fator subjetivo, da mobilização e luta dos trabalhadores, da revolução social e política. Ao mesmo tempo, ao desnudar suas dificuldades estruturais, o capitalismo revela também que é um sistema que não serve mais para satisfazer as necessidades da humanidade.
Ligado a isso, o livro discute o socialismo. Não pensando em voltar ao modelo antigo do socialismo. Sabemos que aquele modelo que vigorou no século 20 jogou um papel transformador na história, mas tal e qual ele era não volta mais. Não se pensa em restaurar aquele modelo, mas apresentamos a questão do socialismo olhando para o futuro.
Vermelho: Durante o lançamento do livro, Lô Gourmo, da União das Forças Progressistas da Mauritânia, afirmou que “a revolução bate à porta, mas não são ainda os revolucionários que a abrem”. O que isso significa no contexto de luta atual?
JR: Ele fez essa afirmação durante sua análise dos acontecimentos do Egito, onde houve uma revolta popular – com caráter revolucionário – que fez com que a revolução batesse à porta, mas o resultado é que as forças da grande burguesia, aliadas ao imperialismo, impedem que ela aconteça. Isto no caso do Egito, que seria uma espécie de revolução inacabada.
Pensando em termos mais globais, por toda a parte amadurecem as condições para a realização de transformações sociais e políticas, para a revolução social. Continuo achando que o espírito da nossa época é a luta antiimperialista. O espírito da nossa época é o anti-imperialismo.
Considero esta uma época promissora, de otimismo histórico, de luta e esperança. Mas as condições que dizem respeito à subjetividade dos atores sociais como a consciência política e ideológica, o nível de organização, a capacidade de mobilização, de ação coletiva, de formulações estratégicas e táticas e de elaboração teórica ainda deixam muito a desejar. Enquanto essas condições não amadurecerem, os movimentos revolucionários vão colher vitórias e derrotas, avanços e retrocessos.
Vermelho: Apesar dessas observações, as insurreições populares – iniciadas na Tunísia e Egito – e que se estenderam por uma série de países do mundo árabe jogam um papel importante na atualidade?
JR: Apesar do processo ainda estar truncado, este é um grande passo adiante. O fato das massas se colocarem em movimento e das ideias democráticas avançarem é um passo adiante.
Encarando uma experiência que tem outra forma de se manifestar, devemos citar a América Latina. Não estamos tendo explosões revolucionárias, mas experimentamos mudanças, sobretudo políticas, que também são passos adiante no sentido revolucionário. O fato de você ter um continente com classes dominantes tão poderosas e reacionárias, oligarquias cruéis que fabricaram ditaduras fascistas e governos neoliberais, hoje possuir um grande número de países que estão avançando nos processos democráticos, populares e antiimperialistas – alguns até se proclamando pelo socialismo – tem um grande significado histórico.
Vermelho: O que ainda impede o nosso desenvolvimento do ponto de vista econômico e social?
JR: Acho que não avançamos suficientemente nessas áreas pela força que o imperialismo e as classes dominantes ainda têm. No caso do Brasil, demos passos importantes com os dois governos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, acho que podemos dar novos passos com a presidente Dilma Rousseff, mas do ponto de vista econômico e social o processo ainda é muito lento porque as classes dominantes brasileiras não permitem a realização de mudanças profundas. São classes dominantes na sua essência reacionárias, como a grande burguesia financeira, verdadeira oligarquia antinacional e antipopular; a grande burguesia monopolista nacional, associada ao imperialismo, e o grande latifúndio. Setores dessas classes dominantes bancam de progressistas, o que engana até muita gente de esquerda. Tudo isso ainda impede que o ritmo das reformas estruturais no Brasil seja mais veloz. Não vejo isso como motivo para ansiedade nem pessimismo histórico. O Brasil está avançando, assim como a América Latina.
Vermelho: Nesse aspecto, quais seriam os atuais desafios dos comunistas brasileiros?
JR: Do ponto de vista do Partido Comunista do Brasil, esses desafios foram sistematizados durante o nosso último Congresso – realizado em outubro de 2009 –, quando o nosso partido elaborou um novo programa político. Eu diria que o desafio da esquerda, das forças revolucionárias, dos comunistas é a acumulação revolucionária de forças, através da luta política e social pelas reformas estruturais que vão fazer do Brasil um país democrático, progressista, soberano e socialmente justo, o que passa neste momento pelo apoio ao governo da presidente Dilma, como fizemos em relação a Lula, para que o país avance nas mudanças. O governo de Dilma só terá êxito se avançar nessa direção. Numa perspectiva estratégica, a libertação nacional e social do povo brasileiro só vai se produzir através de um caminho de árdua luta contra a dependência externa, o domínio geral que o imperialismo norte-americano ainda exerce em toda a nossa região e o sistema econômico, social e jurídico-político da classe dominante brasileira. É preciso conduzir uma luta de longo fôlego contra essas classes dominantes e o imperialismo.
Devemos fazer isso assumindo em nosso cotidiano aquelas lutas que correspondem aos anseios profundos das massas populares: a democracia, a justiça social, a independência e a soberania nacional e a paz mundial. Podemos fazer isso em melhores condições políticas atualmente porque o Brasil é um país democrático, com um governo que escuta o povo. Nossa palavra de ordem para a militância deve ser: “Onde há luta tem PCdoB”.
É indispensável também garantir a união de amplas forças políticas progressistas. É positivo que o Brasil seja governado por uma ampla coalizão, mas dentro dela é preciso que exista um núcleo de esquerda, democrático e popular, anti-imperialista, que tenha por objetivo a transformação socialista no país. Em segundo lugar, esta luta só vai dar certo com a ampla mobilização do povo. É por isso que os comunistas não vacilam em apoiar e participar de todas as lutas do povo. São elas que irão desempenhar um papel pedagógico para que o povo, através de suas próprias experiências, saiba quais são os passos que tem que dar no sentido da sua emancipação política e social. Do ponto de vista dos comunistas, o terceiro fator é ter um partido forte.
Vermelho: Com a política macroeconômica atual é possível mesmo o governo da presidente Dilma avançar para maiores mudanças?
JR: Em absoluto, não pode. A política econômica é conservadora e neoliberal. Tem que mudar. Mas, tal como o governo Lula, o da Dilma está em disputa entre os conservadores e os progressistas. Não devemos abandonar o barco. É um bom combate a travar.
Vermelho: Quais seriam os eixos para a construção de um partido comunista forte?
JR: Ter um partido comunista forte também significa enfrentar outros desafios. O primeiro é combater os experimentos que alguns alquimistas estão fazendo de reforma política que visam, entre outras coisas, colocar o partido comunista num gueto. A reforma política proposta por alguns setores da classe dominante e dos grandes partidos vai no sentido contrário do fortalecimento do partido comunista. Eles combatem o voto proporcional, defendem a imposição da cláusula de barreira, a proibição das coligações em eleições proporcionais e a manutenção do financiamento privado – que é a forma da grande burguesia mandar nos políticos. Também se fala no voto distrital, distrital misto e distritão. Tudo isso são experimentos de alquimistas a serviço de soluções anti-democráticas. Para fortalecer o partido comunista é preciso combater essa proposta de reforma política e propugnar uma reforma política democrática.
Vermelho: No quadro da reforma política, o que acha da anunciada fusão entre os dissidentes do DEM, sob a liderança do Kassab, com o PSB? Isto pode contribuir para o reforço das posições de esquerda no governo da Dilma?
JR: Falo em tese. Esse é um dos muitos paradoxos da vida política brasileira. A ida do Kassab para a base da Dilma poderá dar maior governabilidade numérica à presidente, nada mais. Qualitativamente acrescenta o quê? Não impulsiona o governo no sentido progressista, ao contrário. Não há dúvida de que toda cisão na direita deve ser explorada como reserva tática pela esquerda. Mas não vejo como esse movimento fortaleceria a esquerda. Não dou opinião sobre o que será do PSB se este partido se fundir com o bloco kassabista. Nem me refiro ao convite que o prefeito fez ao PCdoB em São Paulo para integrar sua administração. Insisto, falo em tese. Kassab e sua entourage constituem uma parte da direita brasileira. Em minha opinião, o fortalecimento da esquerda passa por outros caminhos. Estamos praticamente às vésperas de uma eleição municipal e seu governo sofre contestação de todos os lados no movimento social, além de ser mal avaliado pela população. Não vejo como a esquerda se unir em torno dele em 2012 nem em 2014. Outra coisa é a convivência política, que não é necessariamente sinônimo de aliança nem de composição orgânica.
Vermelho:Voltando ao PCdoB, como vê a sua transformação num partido forte?
JR:O partido precisa aumentar suas fileiras, adquirir maior densidade eleitoral, enraizar-se entre as massas trabalhadoras, a juventude, as mulheres, a intelectualidade progressista e atuar como força organizada. E acima de tudo, é preciso que o próprio partido reforce o seu caráter, sua identidade e sua ação como força política consciente, organicamente independente na luta pelo socialismo. O Partido Comunista do Brasil não vai crescer escamoteando seu caráter comunista. Nem rebaixando a perspectiva socialista ou ofuscando sua missão histórica. Ele só vai se fortalecer se tornar ainda mais nítida a sua identidade comunista e levantar cada vez mais alto a bandeira do socialismo. Além disso, deve colocar sua militância a serviço das lutas do povo e dos trabalhadores — que constituem o centro de gravidade da atuação do partido. Para nós, não há contradição entre estar na luta do povo e atuar em instituições parlamentares e governamentais. Se fizermos isso, iremos superar nossas metas de crescimento quantitativo, eleitoral e nos tornaremos um partido forte em todos os aspectos.
Vermelho: Qual é o significado da realização de uma nova edição do Fórum Social Mundial no continente africano?
José Reinaldo Carvalho: Acho que um dos destaques do Fórum Social de Dacar é o próprio fato de se fazer – pela segunda vez – um fórum em terras africanas. Se contarmos com o fórum setorial, que coincidiu também com a realização do Fórum Mundial das Alternativas — realizado em Bamako, capital do Mali — essa é a terceira vez que a África acolhe um acontecimento desse tipo.
Como os próprios acontecimentos no norte da África estão demonstrando, essa é uma região muito importante no mundo de hoje. O continente africano herda grandes chagas econômicas e sociais do colonialismo. Essa herança pesa muito nas condições de vida miseráveis, nas dificuldades para o desenvolvimento econômico, na opressão e nas discriminações de toda natureza. A realização de um fórum desse tipo na África atrai as atenções do mundo progressista para o continente.
Vermelho: Quais foram os destaques dos debates do fórum?
JR: Duas grandes questões foram objeto de debates: a luta pelo desenvolvimento, para combater essa herança do subdesenvolvimento, e a luta contra os mecanismos econômicos e financeiros de espoliação da África, particularmente relacionados com o cancelamento e o não pagamento da dívida externa.
Também me chamou bastante atenção a quantidade de pessoas presentes no fórum. A Universidade de Dacar – local onde se realizou o fórum – estava permanentemente lotada, era uma verdadeira multidão. A presença africana era maciça, o que deu uma beleza e uma conotação humana e social especial evento. Havia ainda uma grande presença de europeus e latino-americanos – em particular brasileiros. A presença dos movimentos sociais brasileiros chamava a atenção. Do ponto de vista humano, cultural e antropológico foi uma experiência extraordinária.
Vermelho: Qual foi a importância dos debates das Assembleias dos Movimentos Sociais?
JR: Essas assembleias — realizadas nos dias finais do fórum — feitas para traçar plataformas de luta e calendários de mobilização também foram muito concorridas. Elas são resultado do acerto de uma posição justa que considera que o fórum deve ser voltado para as lutas. Esse pensamento se contrapõe a uma corrente que defende que o fórum seja apenas um marco de debates, onde pontificam apenas as organizações não-governamentais e um grupo de intelectuais – muitos dos quais impregnados de ideologia anti-comunista e anti-socialista. Esses intelectuais e essas ONGs se opõem ao que chamam de “movimentos sociais tradicionais”, para desqualificar as organizações sindicais e de massas que têm raízes históricas e ligações mais profundas com as lutas dos trabalhadores e dos povos. Foi sobre a base dessas falsas concepções que surgiram os chamados “altermundialismo” e “movimentismo”. A luta pelo socialismo certamente se atualiza com as dinâmicas novas das lutas políticas e sociais e a incorporação de novos sujeitos e atores políticos, mas não carece desses modismos para se desenvolver. Em especial na América Latina e no Brasil devemos estar vigilantes com certas posturas que, embora posando de “modernas” e “originais”, macaqueiam, arremedam ou mimetizam os cacoetes europeus. Obviamente o fórum é um espaço para o pluralismo e o debate de ideias, mas é importante fazer deste debate um veículo para a luta. As Assembleias dos Movimentos sociais foram combativas e concorridas e tiraram importantes indicações de luta contra o neoliberalismo, as bases militares e as guerras imperialistas.
Vermelho: Após o Fórum de Dacar, você participou do lançamento do livro “Grupons-nous, et demain!” (“Agrupemo-nos, e amanhã!”), na França. Fruto do seminário realizado em junho de 2009, em São Paulo, através de uma parceria entre as Secretarias Internacionais do PT e do PCdoB, suas respectivas fundações de estudos, a Perseu Abramo e a Maurício Grabois e da Rede Corresponências Internacionais, o livro traz ainda grandes contribuições de economistas, intelectuais e dirigentes políticos. Como ele se apresenta no atual cenário progressista?
JR: O livro não se limitou ao seminário. A versão francesa incorpora contribuições de intelectuais, escritores, analistas e críticos que não puderam ter presença direta, participaram com seus textos. Entre eles está Paul Boccara, que é um dos maiores economistas franceses e o maior nome dentre os economistas progressistas de esquerda da França. Posso citar também o Samir Amin, que é um dos maiores intelectuais da atualidade, crítico do imperialismo e do capitalismo, organizador do Fórum Mundial das Alternativas e do Fórum do Terceiro Mundo e um dos nomes mais conhecidos do pensamento econômico marxista contemporâneo. O grande mérito desse livro é sistematizar uma série de pontos de vista progressistas, marxistas e anti-capitalistas sobre a crise do capitalismo. É uma das abordagens mais completas e profundas que conheço sobre a crise.
Vermelho: Como os textos reunidos no livro se apresentaram para o universo teórico-econômico da atual esquerda progressista?
JR: A maioria dos ensaios nele publicados refutam algumas teses que de maneira insidiosa e oportunista penetraram no pensamento da esquerda. Quando a crise começou a se instalar surgiu uma corrente de pensamento que dizia que ela era apenas uma crise financeira e passageira. Esta corrente defendia que essa não era uma crise do sistema capitalista e não nega os fundamentos do capitalismo. Tentaram até mesmo usar o Lênin para sustentar essa tese esdrúxula de que o capitalismo não estaria em decadência, mas sim em plena expansão. Ao mesmo tempo, dizia-se também que mesmo com o epicentro da crise nos Estados Unidos, sua economia era inabalável e sua hegemonia inamovível.
Eles não admitiam que os Estados Unidos são uma potência declinante no mundo. Assim como o seminário, o livro ajuda a fazer essa luta de idéias. Mostra que a crise é profunda, duradoura, de difícil saída, estrutural, sistêmica e põe em cheque os próprios fundamentos do sistema capitalista e imperialista. Isso não significa dizer que o capitalismo e o imperialismo vão cair de podre como resultado automático da crise. A superação revolucionária do capitalismo e do imperialismo depende também do fator subjetivo, da mobilização e luta dos trabalhadores, da revolução social e política. Ao mesmo tempo, ao desnudar suas dificuldades estruturais, o capitalismo revela também que é um sistema que não serve mais para satisfazer as necessidades da humanidade.
Ligado a isso, o livro discute o socialismo. Não pensando em voltar ao modelo antigo do socialismo. Sabemos que aquele modelo que vigorou no século 20 jogou um papel transformador na história, mas tal e qual ele era não volta mais. Não se pensa em restaurar aquele modelo, mas apresentamos a questão do socialismo olhando para o futuro.
Vermelho: Durante o lançamento do livro, Lô Gourmo, da União das Forças Progressistas da Mauritânia, afirmou que “a revolução bate à porta, mas não são ainda os revolucionários que a abrem”. O que isso significa no contexto de luta atual?
JR: Ele fez essa afirmação durante sua análise dos acontecimentos do Egito, onde houve uma revolta popular – com caráter revolucionário – que fez com que a revolução batesse à porta, mas o resultado é que as forças da grande burguesia, aliadas ao imperialismo, impedem que ela aconteça. Isto no caso do Egito, que seria uma espécie de revolução inacabada.
Pensando em termos mais globais, por toda a parte amadurecem as condições para a realização de transformações sociais e políticas, para a revolução social. Continuo achando que o espírito da nossa época é a luta antiimperialista. O espírito da nossa época é o anti-imperialismo.
Considero esta uma época promissora, de otimismo histórico, de luta e esperança. Mas as condições que dizem respeito à subjetividade dos atores sociais como a consciência política e ideológica, o nível de organização, a capacidade de mobilização, de ação coletiva, de formulações estratégicas e táticas e de elaboração teórica ainda deixam muito a desejar. Enquanto essas condições não amadurecerem, os movimentos revolucionários vão colher vitórias e derrotas, avanços e retrocessos.
Vermelho: Apesar dessas observações, as insurreições populares – iniciadas na Tunísia e Egito – e que se estenderam por uma série de países do mundo árabe jogam um papel importante na atualidade?
JR: Apesar do processo ainda estar truncado, este é um grande passo adiante. O fato das massas se colocarem em movimento e das ideias democráticas avançarem é um passo adiante.
Encarando uma experiência que tem outra forma de se manifestar, devemos citar a América Latina. Não estamos tendo explosões revolucionárias, mas experimentamos mudanças, sobretudo políticas, que também são passos adiante no sentido revolucionário. O fato de você ter um continente com classes dominantes tão poderosas e reacionárias, oligarquias cruéis que fabricaram ditaduras fascistas e governos neoliberais, hoje possuir um grande número de países que estão avançando nos processos democráticos, populares e antiimperialistas – alguns até se proclamando pelo socialismo – tem um grande significado histórico.
Vermelho: O que ainda impede o nosso desenvolvimento do ponto de vista econômico e social?
JR: Acho que não avançamos suficientemente nessas áreas pela força que o imperialismo e as classes dominantes ainda têm. No caso do Brasil, demos passos importantes com os dois governos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, acho que podemos dar novos passos com a presidente Dilma Rousseff, mas do ponto de vista econômico e social o processo ainda é muito lento porque as classes dominantes brasileiras não permitem a realização de mudanças profundas. São classes dominantes na sua essência reacionárias, como a grande burguesia financeira, verdadeira oligarquia antinacional e antipopular; a grande burguesia monopolista nacional, associada ao imperialismo, e o grande latifúndio. Setores dessas classes dominantes bancam de progressistas, o que engana até muita gente de esquerda. Tudo isso ainda impede que o ritmo das reformas estruturais no Brasil seja mais veloz. Não vejo isso como motivo para ansiedade nem pessimismo histórico. O Brasil está avançando, assim como a América Latina.
Vermelho: Nesse aspecto, quais seriam os atuais desafios dos comunistas brasileiros?
JR: Do ponto de vista do Partido Comunista do Brasil, esses desafios foram sistematizados durante o nosso último Congresso – realizado em outubro de 2009 –, quando o nosso partido elaborou um novo programa político. Eu diria que o desafio da esquerda, das forças revolucionárias, dos comunistas é a acumulação revolucionária de forças, através da luta política e social pelas reformas estruturais que vão fazer do Brasil um país democrático, progressista, soberano e socialmente justo, o que passa neste momento pelo apoio ao governo da presidente Dilma, como fizemos em relação a Lula, para que o país avance nas mudanças. O governo de Dilma só terá êxito se avançar nessa direção. Numa perspectiva estratégica, a libertação nacional e social do povo brasileiro só vai se produzir através de um caminho de árdua luta contra a dependência externa, o domínio geral que o imperialismo norte-americano ainda exerce em toda a nossa região e o sistema econômico, social e jurídico-político da classe dominante brasileira. É preciso conduzir uma luta de longo fôlego contra essas classes dominantes e o imperialismo.
Devemos fazer isso assumindo em nosso cotidiano aquelas lutas que correspondem aos anseios profundos das massas populares: a democracia, a justiça social, a independência e a soberania nacional e a paz mundial. Podemos fazer isso em melhores condições políticas atualmente porque o Brasil é um país democrático, com um governo que escuta o povo. Nossa palavra de ordem para a militância deve ser: “Onde há luta tem PCdoB”.
É indispensável também garantir a união de amplas forças políticas progressistas. É positivo que o Brasil seja governado por uma ampla coalizão, mas dentro dela é preciso que exista um núcleo de esquerda, democrático e popular, anti-imperialista, que tenha por objetivo a transformação socialista no país. Em segundo lugar, esta luta só vai dar certo com a ampla mobilização do povo. É por isso que os comunistas não vacilam em apoiar e participar de todas as lutas do povo. São elas que irão desempenhar um papel pedagógico para que o povo, através de suas próprias experiências, saiba quais são os passos que tem que dar no sentido da sua emancipação política e social. Do ponto de vista dos comunistas, o terceiro fator é ter um partido forte.
Vermelho: Com a política macroeconômica atual é possível mesmo o governo da presidente Dilma avançar para maiores mudanças?
JR: Em absoluto, não pode. A política econômica é conservadora e neoliberal. Tem que mudar. Mas, tal como o governo Lula, o da Dilma está em disputa entre os conservadores e os progressistas. Não devemos abandonar o barco. É um bom combate a travar.
Vermelho: Quais seriam os eixos para a construção de um partido comunista forte?
JR: Ter um partido comunista forte também significa enfrentar outros desafios. O primeiro é combater os experimentos que alguns alquimistas estão fazendo de reforma política que visam, entre outras coisas, colocar o partido comunista num gueto. A reforma política proposta por alguns setores da classe dominante e dos grandes partidos vai no sentido contrário do fortalecimento do partido comunista. Eles combatem o voto proporcional, defendem a imposição da cláusula de barreira, a proibição das coligações em eleições proporcionais e a manutenção do financiamento privado – que é a forma da grande burguesia mandar nos políticos. Também se fala no voto distrital, distrital misto e distritão. Tudo isso são experimentos de alquimistas a serviço de soluções anti-democráticas. Para fortalecer o partido comunista é preciso combater essa proposta de reforma política e propugnar uma reforma política democrática.
Vermelho: No quadro da reforma política, o que acha da anunciada fusão entre os dissidentes do DEM, sob a liderança do Kassab, com o PSB? Isto pode contribuir para o reforço das posições de esquerda no governo da Dilma?
JR: Falo em tese. Esse é um dos muitos paradoxos da vida política brasileira. A ida do Kassab para a base da Dilma poderá dar maior governabilidade numérica à presidente, nada mais. Qualitativamente acrescenta o quê? Não impulsiona o governo no sentido progressista, ao contrário. Não há dúvida de que toda cisão na direita deve ser explorada como reserva tática pela esquerda. Mas não vejo como esse movimento fortaleceria a esquerda. Não dou opinião sobre o que será do PSB se este partido se fundir com o bloco kassabista. Nem me refiro ao convite que o prefeito fez ao PCdoB em São Paulo para integrar sua administração. Insisto, falo em tese. Kassab e sua entourage constituem uma parte da direita brasileira. Em minha opinião, o fortalecimento da esquerda passa por outros caminhos. Estamos praticamente às vésperas de uma eleição municipal e seu governo sofre contestação de todos os lados no movimento social, além de ser mal avaliado pela população. Não vejo como a esquerda se unir em torno dele em 2012 nem em 2014. Outra coisa é a convivência política, que não é necessariamente sinônimo de aliança nem de composição orgânica.
Vermelho:Voltando ao PCdoB, como vê a sua transformação num partido forte?
JR:O partido precisa aumentar suas fileiras, adquirir maior densidade eleitoral, enraizar-se entre as massas trabalhadoras, a juventude, as mulheres, a intelectualidade progressista e atuar como força organizada. E acima de tudo, é preciso que o próprio partido reforce o seu caráter, sua identidade e sua ação como força política consciente, organicamente independente na luta pelo socialismo. O Partido Comunista do Brasil não vai crescer escamoteando seu caráter comunista. Nem rebaixando a perspectiva socialista ou ofuscando sua missão histórica. Ele só vai se fortalecer se tornar ainda mais nítida a sua identidade comunista e levantar cada vez mais alto a bandeira do socialismo. Além disso, deve colocar sua militância a serviço das lutas do povo e dos trabalhadores — que constituem o centro de gravidade da atuação do partido. Para nós, não há contradição entre estar na luta do povo e atuar em instituições parlamentares e governamentais. Se fizermos isso, iremos superar nossas metas de crescimento quantitativo, eleitoral e nos tornaremos um partido forte em todos os aspectos.
Lev Vygotsky - Documentário
Vygotsky
se preocupa em entender o funcionamento psicológico do ser humano,
integrando aspectos biológicos e culturais. Com relação à educação, a
teoria de Vygotsky enfatiza o papel da aprendizagem no desenvolvimento
humano, valorizando a escola, o professor e a intervenção pedagógica.
Talvez por isso, suas idéias têm tido tanta repercussão entre os
educadores do ocidente, apesar de sua distância no tempo e espaço
(viveu na antiga União Soviética e morreu a mais de 60 anos).
A
produção de Vygotsky foi vasta: escreveu cerca de 200 trabalhos
científicos que foram pontos de partida para inúmeros projetos de
pesquisa posteriores, desenvolvidos por seus colaboradores e
seguidores, e ainda centrais na agencia de psicologia da educação
contemporânea.
Duração: 44 min 34 seg
Conteúdo:
- Biografia;
- Planos Genéticos;
- Mediação Simbólica;
- Pensamento e Linguagem;
- Pensamento Generalizante;
- Inteligências Prática e Abstrata;
- Fala Egocêntrica;
- Desenvolvimento e Aprendizagem;
- Jogo Simbólico;
- Visão Prospectiva;
- Zona de Desenvolvimento Proximal;
- Intervenção Pedagógica.
Onde encontrar:Café filosófico
Trabalhos relacionados:
Fonte: Cineaprendizagem
domingo, 27 de fevereiro de 2011
Como é que a Europa ajuda o racismo sionista
Sara Irving*www.odiario.info
Nesta
entrevista de Sara Irving com David Cronin é desmascarada a íntima
colaboração entre a União Europeia e Israel, particularmente no campo da
investigação tecnológica e militar.
Num momento em que milhares de jovens investigadores da União Europeia
são lançados no desemprego e transformados na «geração da casa dos pais»
(em Portugal a sua situação é dramática), são «800 projectos de
investigação em que os israelenses estão envolvidos e o seu valor chega a
qualquer coisa como 4.300 milhões de euros entre 2007 e 2013».
São textos como esta entrevista que tornam impossível a partir de agora
os jornalistas, nomeadamente os portugueses, dizerem «eu não sabia»…
Agora já sabem.
Sara Irving (SR):
Os seus antecedentes são principalmente os de um escritor sobre
assuntos europeus e instituições. O que o levou a escrever sobre as
relações entre a Europa e Israel e os palestinos? [N. do T.: David
Cronin lançou há pouco o livro Europe’s Alliance with Israel: Aiding the
Occupation [A Aliança da Europa com Israel: Ajuda à Ocupação]
David Cronin (DC): Um par de coisas. Em primeiro lugar,
em 2001 eu estava em Israel e nos Territórios Palestinos Ocupados (TPO)
numa «missão de paz» da União Europeia, pouco depois dos atentados de
11 de Setembro de 2001 nos EUA. Recordo, de modo particular, que fui a
uma conferência de imprensa que Ariel Sharon [ex-primeiro ministro de
Israel] deu no Hotel King David, em Jerusalém e fiquei surpreendido com a
arrogância e a linguagem ofensiva que utilizou. Começou por dar-nos as
boas vindas – recordo as suas palavras exactas - «à capital eterna do
povo judeu durante os últimos 3.000 anos», de certo modo não
reconhecendo que também a capital de duas outras grandes religiões
monoteístas.
Falou da alegria que sentia cada vez que um atacante suicida se
imolava, porque desta maneira os palestinos acabam consigo próprios no
processo. Isso surpreendeu-me muito, e depois acusou a União Europeia
(UE) de financiar o «terrorismo palestino», coisa que antes nunca tinha
ouvido, e tudo aquilo era novo para mim.
Supus que era um pouco ingénuo, pensei que não há fumo sem fogo, e
por último fiquei com a impressão que a UE estava a apoiar os
palestinos. Nessa altura, Chris Patten era o Comissário das Relações
Externas da UE, um «intermediário honesto», sempre a fazer finca-pé em
que a UE fazia tudo o que era possível para continuar o «processo de
paz», que a UE era o maior doador da Autoridade Palestina e estava a
ajudar a desenvolver um embrionário Estado palestino.
Tomei muitas coisas num sentido errado. O meu ponto de inflexão foi
muito mundano. Assisti a uma conferência organizada por um dos comités
das Nações Unidas sobre a Palestina no Parlamento Europeu, em 2007, em
Bruxelas, e aí assisti também a uma sessão que abordou a relação da UE
com Israel. Essa foi a primeira vez que me dei conta da outra parte da
história, quando foi fornecida toda a informação real sobre até que
ponto a UE partilhava a cama com Israel.
Impressionou-me o facto de haver muita literatura – as obras de
[Noam] Chomsky e outras – sobre a relação dos Estados Unidos com Israel.
Aí decidi que se ninguém escrevia um livro sobre o assunto, teria que
fazê-lo eu.
SI: Por trás das atitudes da Europa, qual é para si
a maior «pressão»? No seu livro identifica vários elementos, a
culpabilidade do Holocausto, o interesse económico ou a influência dos
EUA. Quais são as principais forças neste jogo entre o capitalismo e as
forças políticas?
DC: É uma combinação de coisas. Henry Kissinger disse
uma vez que a UE nem sequer daqui a um milhão de anos poderia ser pode
vir a ser um actor importante no Médio Oriente. Se não há dúvida que os
EUA continuam a ser o grande jogador, e que continuam a sê-lo apesar do
crescimento da China, a verdade é que a UE é o maior parceiro comercial
de Israel e o maior doador da Autoridade palestina, pelo que em termos
económicos tem enorme influência.
A ligação da UE a Israel baseia-se num acordo que entrou em vigor no
ano 2000 e que, no seu artº 2º estabelece que o dito acordo está
condicionado ao cumprimento dos direitos humanos. Os funcionários da UE
defendem que a cláusula dos direitos humanos é uma aspiração, embora os
legistas digam que é o que na UE se chama um «elemento essencial». É
clara e juridicamente vinculativa, e há a obrigação por parte da UE de
invocar esta cláusula e se for necessário penalizar Israel quando a não
cumprir. Defendo que se trata de uma cobardia, não há vontade política
de fazer frente aos israelenses nem ao poder hegemónico estadounidense
nos assuntos internacionais.
Israel tem vindo a desenvolver relações cada vez mais estreitas com a
UE e a NATO, instituições que partilham o mesmo pensamento estratégico
que Israel, e que nalguns casos são as mesmas pessoas que estão a
incrementar este processo. Tipzi Livni, quando era ministra das Relações
Exteriores de Israel, deu-se conta que poderia ser um erro de Israel
estar demasiado dependente dos EUA. Ela e os seus assessores tomaram
consciência que havia outras potências emergentes no mundo. Conseguiram
assinar acordos que melhoraram as relações de Israel com a UE e com a
NATO ao mesmo tempo, em Novembro de 2008. Gabi Ashkenazi, o Chefe das
Forças Armadas israelenses, visitou centros de operações da NATO em
várias ocasiões, além de Israel ter participado em exercícios conjuntos
com a NATO. Em Julho de 2010, alguns soldados israelenses morreram num
acidente de helicóptero na Roménia [1]. Este facto mereceu muito pouca
atenção da imprensa de referência, mas é um sinal de até que ponto
Isreal eatá envolvida nos assuntos da UE e da NATO.
SI: Uma boa parte deste livro é sobre os benefícios de Israel com esta relação. Quais são os benefícios para a União Europeia?
DC: Essa é uma boa questão, porque é discutível que
interesse realmente à UE uma amizade com Israel tal como está. Há uma
escola de pensamento, e tenho alguma simpatia por ela, que defende que
para a UE seria melhor esquecer-se de Israel e concentrar-se no
desenvolvimento de relações mais estreitas com os Estados árabes. Mas os
principais factores são as oportunidades empresariais e económicas.
Voltando ao ano 2000, de acordo com a agenda de Lisboa [2], a UE
definiu como objectivo oficial converter-se na base informática da
economia mundial. Mas para onde quer que vá a UE, os israelenses já o
fizeram primeiro. A Intel está a desenvolver a próxima geração de chips
de computadores nas suas instalações em Israel. Grande parte dos «sexy»
da internet fizeram-se ali. Os israelenses dedicam cerca de 5% do seu
PIB à investigação tecnológica, aproximadamente o dobro dos EUA. A
Agenda de Lisboa definiu como objectivo 3%, mas na maioria dos casos não
são cumpridos. Por isso o aspecto mais importante da relação da UE é a
cooperação científica. Os israelense fizeram parte do Programa de
Investigação Científica da União Europeia, desde a passada década de 90,
e eu vi há dias alguns dados que mostravam que há 800 projectos de
investigação em que os israelenses estão envolvidos e que o seu valor
chega a qualquer coisa como 4.300 milhões de euros entre 2007 e 2013. Há
um sentimento entre os funcionários da UE que tem de ter boas relações
com os israelenses, porque estes estão muito avançados cientificamente. O
outro lado da questão é que muito dos êxitos científicos estão
intimamente ligados à ocupação. Como refiro no livro, Elbit [o
fabricante de drones [avião não pilotado usado em bombardeamentos em
Gaza N. do T.] e as industrias israelenses de aeronaves encontram-se
entre os beneficiários das subvenções da UE à investigação científica.
Do ponto de vista do contribuinte da UE estamos a ajudar a indústria de
guerra israelense.
Na recente cimeira da NATO anunciou-se, pela primeira vez, um
programa de defesa de mísseis com a cooperação da Rússia, ao que parece
com a intenção de operar a partir de barcos de guerra dos EUA no
Mediterrâneo. Que implicações tem tudo isto nas relações de Israel com a
NATO?
Muitas. Se falarmos do que aconteceu com a flotilha de ajuda a Gaza,
aquilo foi legalmente um ataque à Turquia. El Marmara Mavi era um
barcop turco, a Turquia é um membro da NATO e depois do ataque pediu uma
reunião de emergência desta organização [3]. Podemos imaginar qual
teria sido a reacção se, por exemplo, fosse a Coreia do Norte que
tivesse feito o ataque. Mas como foi Israel, ainda que tivesse havido
uma declaração da NATO a condenar o ataque, não houve quaisquer outras
repercussões. Tenho-me apercebido que, inclusive, continua a cooperação
militar entre a Turquia e Israel, e a Turquia continua a utilizar armas
israelenses nos seus ataques contra os curdos no norte do Iraque.
Em termos do novo conceito estratégico da NATO e do sistema de
defesa antimísseis, houve muitas conversações que envolveram Israel. Sei
que um grande número de funcionários da NATO foram a Israel e aí
realizaram conversações no aeroporto, próximo de Telavive, sobre como
vai Israel cooperar nesta nova estratégia. Israel desenvolveu uma grande
quantidade de tecnologia na qual a NATO está muito interessada, como
por exemplo a cúpula de aço para a protecção de mísseis de intercepção,
pelo que os israelenses continuam na corrida e são consultados, e é
perfeitamente concebível que tenham um papel directo na defesa de
mísseis do novo sistema que tanto emociona os membros da NATO [4].
Os líderes, como Sarkozy, falam muito do programa nuclear do Irão,
mas ignoram o de Israel. Você dá algum crédito à «opção Sanção», a
teoria que diz que os países europeus estão bem conscientes da bateria
de armas nucleares israelenses que poderiam destruir qualquer capital
europeia, quase sem os europeus sem aperceberem? [5]
Por vezes há que dizer o óbvio, mas o problema, que infelizmente a
maioria dos comentaristas omite, é que o grau de hipocrisia é incrível.
Sabemos que Israel tem uma capacidade nuclear muito importante e nunca o
escondeu. Diferentemente do Irão, não faz parte do Tratado de Não
Proliferação Nuclear e também não permite inspecções às suas instalações
nucleares., mas aos iranianos dizem-lhes que não podem desenvolver
nenhuma capacidade nuclear ao mesmo tempo que sabemos que os israelenses
já a possuem. É demasiado óbvia a moral dúplice. Ao mesmo tempo a
«opção Sanção» está provavelmente na mente dos líderes da UE. Embora
seja um assunto sobre o qual não me debrucei, eu não descartaria essa
teoria.
Investigadores como Daoud Aamoudi em Stop The Wall colocou sérias
dúvidas sobre as zonas industriais que estão a ser financiadas,
supostamente como ajuda dos países europeus. As colónias israelenses já
há muitos anos que estão a utilizar mão-de-obra palestina barata na
produção de mercadorias destinadas à exportação. As zonas francas
industriais no sul de África e na América Central trouxeram amiúde
nefastas condições de trabalho e foram a origem de uma curta
prosperidade, que durou até que um país concorrente baixe mais os seus
padrões. È este o futuro que queremos ver na Palestina?
Temos que nos interrogar por que é que UE está tão interessada na
promoção de Mahmud Abbas e Salam Fayyad [N. do T.: chefe do governo da
Autoridade Palestina demitido por Abbas dia 14 de Fevereiro passado, na
sequência dos protestos populares palestinos contra a Alta Autoridade e o
seu governo]. A sua legitimidade democrática, na prática, é nula. O
mandato de Abbas como presidente eleito terminou. A UE apresenta-se como
defensora dos princípios democráticos que, com razão, dizem que os
candidatos têm de cumprir determinadas normas, mas estas são esquecidas
no caso dos territórios palestinos. Decidiu-se fazer caso omisso dos
resultados de uma eleição democrática em 2006 porque os palestinos,
segundo a UE e os Estados Unidos, votaram por um caminho errado».
O caso de Salam Fayyad é particularmente preocupante. Não é nada
popular entre a sua própria gente, mas ele é encantador para o Ocidente.
Temos que perguntar que é assim, e a única resposta que nos ocorre é
que adoptou a doutrina neoliberal de pensamento que prevalece em
Washington e Bruxelas. É um ex-empregado do Banco Mundial e do FMI e,
como digo no livro, o documento que elaborou «Para um Estado palestino»
enquadra-se no no tipo de programas que o FMI impôs em África na década
de 80 do século passado e que tratou de impor pela força no meu país, a
Irlanda [6]. Estamos a falar da diminuição de salários no sector público
e da maioria das despesas excepto – significativamente – na despesa com
segurança, e que pretende fazer do sector privado o motor do
crescimento. A ideia para a Palestina é que esta se converta numa
fábrica de Israel.
SI: O senhor escreveu para The Electronic Intifada
sobre a participação da UE na formação das forças de segurança da
Autoridade Palestina, supostamente como um programa para a construção do
Estado. Que lhe parece a visão da UE sobre o que deve ser a Palestina?
Estamos a falar de uma área muito pequena com estritas medidas de
segurança e um regime económico neoliberal?
DC: Não tenho a certeza de que ainda se tenha de
utilizar a palavra «visão». Não tenho a certeza que a UE tenha uma visão
A «solução de dois Estados» é uma espécie de capa da UE, mas não
acredito muito que haja uma análise séria do que isso quer dizer. Os
acordos de Oslo, com todos os seus defeitos pelo menos fizeram com que
se falasse de Gaza e da Cisjordânia como uma unidade, mas agora, para um
palestino, é quase impossível movimentar-se nesses territórios, e
Israel controla com mão de ferro a Cisjordânia, o que torna inviável a
solução de dois Estados. Creio que, neste momento, os representantes da
UE se escondem atrás da retórica. Não apresentam nenhum plano
estratégico a longo prazo sobre onde querem ir, para além do
fortalecimento das suas relações com Israel, à custa dos palestinos.
Devemos ter em conta que para a UE a força policial COPPS [a missão
de treino da UE na Cisjordânia] é uma espécie de corpo precursor de uma
força de polícia para um Estado palestino independente, mas estes
rapazes não têm autoridade para prender os colonos israelenses nem para
entrar na zona C [partes da Cisjordânia nas quais, devido aos Acordos de
Oslo, Israel mantém o controlo de aplicação da lei, da construção e da
planificação]. Mais de 60% da Cisjordânia está fora dos limites de acção
desta força policial. Existem também uma enorme quantidade de razoáveis
indícios de que a UE provas está a fazer vista grossa sobre os abusos
exercidos pela polícia palestina. Há provas de torturas reunidas por
organizações palestinas de direitos humanos, pelo que é bastante
desagradável que a União europeia se apresente como uma ajuda benigna
aos palestinos.
SI: Um dos problemas com os livros é a sua
desactualização quando são postos à venda. Há algumas novidades
importantes nas relações entre a União Europeia e Israel, para além das
que revelou?
DC: A principal é que no Outono de 2010, Kathy Ashton,
responsável da política externa da UE, recomendou que elevasse Israel á
categoria de «parceiro estratégico». Todavia, não está claro o que isto
significa, mas sugere que Israel teria a mesma importância que os EUA ou
a China nas prioridades oficiais da UE. Ashton foi um desastre nas
relações com Israel. Para sermos justos, devemos dizer importantes
declarações sobre Jerusalém e a expansão aí das colónias israelenses, e
sobre a pena de prisão do activista popular Abdullah Abu Rahmeh, que
surpreenderam algumas pessoas. Além disto, os israelenses tratam-na com
paninhos de veludo. Ashton visitou a Faixa de Gaza um par de vezes, mas
recusou reunir-se com o Hamas e qualificou as visitas como meramente
humanitárias, retirando-lhes importância e significado político.
Pense-se o que se pensar do Hamas, ganharam umas eleições que foram
reconhecidas como livres e justas por observadores políticos da UE em
2006. É inconcebível que Kathy Ashton visite um qualquer outro lugar do
mundo e se recuse a encontrar com os dirigentes políticos locais. Este
Verão, quando estava em Jerusalémdeu uma conferência de imprensa
conjunta [o chanceler israelense, Avigdor] Lieberman e pelo único preso
que mostrou preocupação, pelo menos em público, foi por Gilad Shalit [N.
do T.: soldado israelense preso em 28 de Junho de 2006 na Faixa de
Gaza]. Ignorou totalmente o facto de Israel prender todos os anos á
volta de 700 crianças, na maioria dos casos por nada mais grave do que
atirar pedras, e em muitos casos abusam deles nas prisões. Mas Kathy
Ashton, não aprece estar interessada no abuso das crianças, mas está na
sorte de um soldado que indubitavelmente deve ser tratado com humanidade
e libertado, mas que era parte integrante das forças de uma brutal
ocupação militar.
SI: O senhor termina o seu livro com o argumento
que a União Europeia dá oportunidades aos defensores da soberania
europeia. Quais as tácticas que pensa serem mais eficazes? Estão os
deputados do Parlamento Europeu a agir erroneamente?
DC: Vou responder em primeiro lugar à segunda questão.
Opus-me ao Tratado de Lisboa, mas uma coisa boa é que deu mais poderes
ao Parlamento Europeu que, com todos os seus defeitos, é uma instituição
eleita por sufrágio directo. No livro não entro em detalhes sobre isto,
mas das três principais instituições da UE – o Conselho de Ministros, a
Comissão Europeia e o Parlamento – este último foi o menos maleável.
Apesar das fortes pressões, a maioria dos eurodeputados apoiaram o
relatório Golgdstone sobre o ataque a Gaza em 2008-2009. Mais
recentemente o Parlamento Europeu bloqueou um acordo técnico que
tornaria mais fácil os bens industriais cumprirem com as normas da UE
para a estandardização. É muito aborrecido e pouco atractivo, mas o
Parlamento Europeu, ou melhor uma das suas comissões, fez perguntas
incómodas e atrasou a entrada em vigor deste acordo.
É provável que não possam congelar todas as relações com Israel, mas
o Parlamento pode dificultá-las. Definitivamente, é caso para os
cidadãos da UE pressionarem os deputados do parlamento Europeu para que
faça frente ao lobby israelense. Há grupos de pressão muito fortes a
apoiar Israel, como o «Grupo de Amigos de Israel», que é uma aliança de
partidos, pelo que é muito importante que o movimento de solidariedade
com a Palestina enfrente este grupo de pressão, muito bem dotado de
recursos e nada transparente, que tenta influir nas instituições chave.
Quanto à outra pergunta, creio que cruamente e de forma muito
simples, as pessoas comuns não podem esperar que os seus políticos e os
funcionários públicos tomem medidas contra Israel. É por isso que creio
que se deve apoiar a campanha BDS [Boicote, Desinvestimento e Sanções].
Mas não devemos esquecer que é uma táctica, não uma estratégia total, u
que temos de utilizar também outras tácticas. Israel investe muito
tempo, energia e dinheiro a apresentar-se a si mesmo como «a única
democracia do Médio Oriente», e o movimento de solidariedade com a
Palestina tem de organizar todos os seus recursos para contrariar esta
excelentemente montada propaganda.
Notas:
[1] “Tsahal in Romania“, Voltaire Network, 30 de julio de 2010.
[2] A estratégia de Lisboa, também conhecida como Agenda de Lisboa ou Processo de Lisboa, foi um plano de desenvolvimento para a economia da União Europeia entre 2000 y 2010.
[3] “Freedom Flotilla: The detail that escaped Netanyahu, Voltaire Network, 8 de Junho de 2010.
[4] “Le bouclier de l’invincibilité“, Réseau Voltaire, Nicolas Ténèze, 19 de Março de 2010.
[5] Israel aims its nuclear warheads at Europe, Voltaire Network, 11 de Março de 2010.
[6] Program of the Salam Fayyad Government, Voltaire Network, 26 de Agosto de 2009.
[1] “Tsahal in Romania“, Voltaire Network, 30 de julio de 2010.
[2] A estratégia de Lisboa, também conhecida como Agenda de Lisboa ou Processo de Lisboa, foi um plano de desenvolvimento para a economia da União Europeia entre 2000 y 2010.
[3] “Freedom Flotilla: The detail that escaped Netanyahu, Voltaire Network, 8 de Junho de 2010.
[4] “Le bouclier de l’invincibilité“, Réseau Voltaire, Nicolas Ténèze, 19 de Março de 2010.
[5] Israel aims its nuclear warheads at Europe, Voltaire Network, 11 de Março de 2010.
[6] Program of the Salam Fayyad Government, Voltaire Network, 26 de Agosto de 2009.
* Sarah Irving é escritora com várias obras dedicadas à
Palestina. David Cronin, jornalista irlandês, é presentemente o
correspondente da Inter Press Service, em Bruxelas.
Este texto foi publicado em www.shoah.org.uk/2011/01/03/how-europe-aids-zionazi-racists/
Tradução de José Paulo Gascão
István Mészáros e a educação para além do capital
Escrito por Demetrio Cherobini no Correio da Cidadania | |
Um clássico, um engodo e uma aposta: tal é o que se encontra na edição brasileira de A educação para além do capital
de István Mészáros, lançado primeiramente em 2005 e depois em 2008,
pela Editora Boitempo. O clássico fica por conta do próprio texto de
Mészáros, uma proposta consistente, coerente e radical a respeito de
como os revolucionários do século XXI podem orientar seus esforços no
campo da educação, a fim de superar a dominação exercida pelo capital
sobre o sócio-metabolismo humano e realizar a "comunidade humana
emancipada". O engodo, destaque negativo da publicação, cabe
inteiramente ao prefaciador do livro, Emir Sader, que, desgraçadamente,
tenta desviar a atenção do leitor para preocupações e objetivos diversos
dos que estão contidos nas formulações do pensador húngaro. A aposta, o
que resta disso tudo, é a de que os trabalhadores saibam ter a postura
crítica necessária para perceber e superar as mistificações ideológicas
que proliferam em nossos dias – até mesmo em torno das publicações
progressistas - e tentam lhes perpetuar na condição de acomodação,
entorpecimento e paralisia frente ao seu inimigo visceral.
Desde A teoria da alienação em Marx, escrito na década de 1960, até seus textos mais recentes, como O desafio e o fardo do tempo histórico, de 2007, o ponto-chave que orienta a reflexão filosófica de Mészáros é a realização da transcendência positiva da auto-alienação do trabalho. O mesmo se dá, evidentemente, em A educação para além do capital,
concebido originalmente como uma conferência a ser proferida no Fórum
Mundial de Educação, na cidade de Porto Alegre, em 2004. Nesse contexto,
pode-se dizer que a crítica radical da alienação é o elemento decisivo
para se entender não apenas a proposta, discutida nesse livro, de "contra-interiorização"
da realidade histórico-social, que precisa se dar em ambientes formais e
informais de aprendizagem, mas da teoria social e política do filósofo
húngaro em sua totalidade.
Sem compreender isso, qualquer empreendimento que vise elucidar
criticamente as proposições de Mészáros sobre as formas – atuais e
vindouras - de mediar o sócio-metabolismo humano fica tremendamente
prejudicado. A educação é importante para um projeto político-social
alternativo porque a superação da alienação só pode ser feita por meio
de uma atividade autoconsciente. Esta é, pois, a condição para
passarmos de uma situação onde nos encontramos completamente
fragmentados, cindidos, diminuídos, submissos às nossas próprias
criações materiais e estranhos em relação aos nossos semelhantes, para
uma outra, na qual poderemos nos desenvolver ao máximo e nos tornarmos ricos no sentido qualitativo da palavra: sujeitos que sentem intimamente a carência de uma multiplicidade de manifestações humanas de vida (Cf. Marx).
Mas quem lê desavisadamente o prefácio à edição brasileira de A educação para além do capital é induzido a crer que as preocupações de Mészáros são as mesmas de Sader, a saber: como fortalecer a esfera pública em contraposição ao domínio do privado.
Vejamos, nesse sentido, o que afirma o politólogo brasileiro: "Talvez
nada exemplifique melhor o universo instaurado pelo neoliberalismo, em
que ‘tudo se vende, tudo se compra’, ‘tudo tem preço’, do que a
mercantilização da educação. Uma sociedade que impede a emancipação só
pode transformar os espaços educacionais em shoppings centers,
funcionais à sua lógica do consumo e do lucro. O enfraquecimento da
educação pública, paralelo ao crescimento do sistema privado, deu-se ao
mesmo tempo em que a socialização se deslocou da escola para a mídia, a
publicidade e o consumo" (Cf. SADER, 2005, 16).
Uma leitura atenta, contudo, vai nos mostrar que os termos de referência
de Mészáros são completamente outros. Em primeiro lugar, porque não é o
neoliberalismo que mercantiliza tudo – inclusive a educação -, e sim,
em nosso contexto, o sistema do capital. Em segundo lugar, a
questão realmente importante não é exatamente o "enfraquecimento da
educação pública" em comparação com o crescimento do ensino privado. Ao
colocar as questões desse modo, Sader tenta fazer-nos crer que a
preocupação de Mészáros seria com um eventual fortalecimento do setor
público em contraposição ao setor privado – seria, portanto, combater
precipuamente o "neoliberalismo".
Mas o filósofo húngaro não é tão ingênuo assim e não mistifica dessa
maneira o setor "público" (o Estado). Antes disso, está muito mais
interessado em demonstrar como é o sistema do capital – e não somente o "neoliberalismo" -, com todas as suas contradições, incluindo-se aí o próprio Estado,
que faz parte de sua base material e que deve ser superado em
concomitância com esse complexo mais amplo no qual está inserido. A
educação pode contribuir com esse propósito, desde que não se limite
apenas ao âmbito formal de ensino – note-se, então, que não se
trata de colocar a questão em termos de "público" e "privado" - e se
volte para a formação das mediações materiais não antagônicas de
regulação do sócio-metabolismo humano. E isso só pode ser feito se a
educação em questão for radicalmente crítica, isto é, articuladora teórico-prática de negação e afirmação no sentido da construção do socialismo – ponto importantíssimo que nem sequer é tocado no curioso prefácio.
A preocupação de Mészáros, portanto, é em firmar uma educação revolucionária, e não meramente "pública" (ademais, em Para além do capital, o filósofo húngaro deixa bem claro que o objetivo dos socialistas é a socialização do poder de decisão sobre todos os âmbitos da atividade humana, e não a mera estatização das coisas – porque isto não elimina, em definitivo, o problema da alienação).
Em terceiro lugar, é um equívoco completo afirmar algo parecido com "a
socialização se deslocou da escola para a mídia, a publicidade e o
consumo". Na verdade, a socialização - isto é, o aprendizado das
relações, normas e valores sociais, a internalização do mundo
humano, a apropriação ativa das produções histórico-culturais - nunca
poderia ter feito esse percurso porque ela é, na verdade, como a
educação, "a própria vida", ou seja, se confunde com a própria vida,
seja na escola ou fora dela. O referido prefácio, portanto, desvia o foco da nossa atenção para pontos que não são
preocupações centrais de Mészáros. Constitui, na verdade, um
tragicômico registro de um caso de prefaciador que apresentou como se
fossem do prefaciado idéias que na verdade não lhe pertenciam
(acreditamos que mistificação seja um termo bastante apropriado para designar o sentido desse tipo de operação intelectual).
A educação para a superação da alienação é, de acordo com Mészáros, a que se insere conscientemente na luta de classes. Aí, ela se desenvolve a partir da adoção crítica de um ponto de vista
estruturalmente antagônico em relação ao sistema do capital. Essa nova
práxis compreende tal perspectiva, os interesses que lhe são inerentes,
articula-os em torno de uma ideologia capaz de proporcionar os
devidos "estímulos mobilizadores" para as ações sócio-políticas da
"classe com cadeias radicais" rumo à sua emancipação. É uma educação que
está, pois, consciente de que só uma revolução pode libertar os
trabalhadores da prisão configurada pelos processos alienados e
alienantes de produção e reprodução do capital.
Nesse contexto, todas as mistificações sobre as relações dos
homens com os produtos do seu trabalho, onde estes lhes aparecem como
auto-constituídos e dotados de propriedades humanas, devem ser
combatidas. A educação socialista é, por definição, uma educação desmistificadora dos
processos atualmente estabelecidos de controle sócio-metabólico,
realizados de acordo com as exigências do capital. É, pois, numa
palavra, crítica radical dos fetiches de um sistema que vive de produzir fetiches – incluindo-se aí, evidentemente, o próprio fetiche do Estado.
O projeto socialista requer, assim, que nos orientemos a partir de um
quadro estratégico adequado, de atuação nacional e internacional, com
vistas a irmos para além do capital, e não meramente do capitalismo e seu regime jurídico garantidor da propriedade privada. A educação para além do capital é aquela que, concebendo-se como mediação indispensável, se integra conscientemente nesse projeto de transição que deverá fazer vir à luz uma sociedade capaz de proporcionar tempo disponível para a realização das potencialidades humanas. A educação é, portanto, na visão de Mészáros, parte de um projeto político-social - mediação coadunada com outras mediações - que precisa progressivamente negar a forma de sociabilidade atualmente cristalizada e afirmar
uma alternativa viável em relação a ela. É esse movimento que
constitui, pois, a crítica radical, a práxis revolucionária rumo à
comunidade humana emancipada, a sociedade regulada pelos produtores
livremente associados de que falava Marx.
É importante ressaltar tais questões, pois Mészáros volta a elas freqüentemente. É a crítica da ordem do capital que deve constituir a forma da educação transformadora. Isto exige uma ampla e profunda modificação de práticas e relações materiais – ou seja, dos sistemas de mediações atualmente estabelecidos -, que deve se dar com base no objetivo de transferir o poder de decisão sobre
os processos sócio-metabólicos da humanidade para os produtores
associados. Por isso, a reflexão sobre educação não pode se realizar
meramente tendo-se em vista os ambientes formais de ensino, mas sim, sobretudo, as esferas informais
de apropriação dos produtos históricos. Nessas duas "frentes de
batalha", ela necessita se estabelecer como prática que é, assim como a
revolução, auto-determinada e permanente.
O filósofo húngaro frisa constantemente que as formas de apropriação do
mundo que o capital controla não se dão somente na escola ou na
universidade, mas na vida como um todo. Por causa disso, a educação
revolucionária não pode visar apenas os ambientes formais de ensino, mas
sim se voltar para todas as outras atividades em que a interiorização
ocorre, a fim de produzir uma contra-interiorização (ou contra-consciência)
radical. Não mais hierárquica, fetichista, perdulária, destrutiva, e
sim sustentável, cooperativa, consciente, emancipada, numa palavra, socialista. Por tal razão, uma educação alternativa só pode ser bem fundamentada se estiver amparada por uma teoria política
concretamente produzida para fins específicos de confrontação de um
determinado sistema de relacionamento social. Isto deve estar claro para
os sujeitos envolvidos com atividades formais de ensino, pois eles
necessitam ser capazes de fazer com que a sua instituição específica se
abra para toda a sociedade, a fim de poder se articular com os
movimentos materiais que visam superar a ordem do capital rumo à "nova
forma histórica".
A teoria de Mészáros é, portanto, uma defesa intransigente e sem
concessões de que as instituições de ensino e seus participantes –
educadores, educandos, trabalhadores da educação, comunidade escolar –
entrem numa relação dialética com os processos políticos e sociais que,
em nosso tempo, visam à construção do futuro emancipado da humanidade.
Isto não significa, contudo, que tal teoria não diga algo digno de poder
ser utilizado para orientar ações dentro do âmbito da escola ou
da universidade. Por exemplo: se a atividade organizada pelo sistema
fetichista de exploração de trabalho excedente – isto é, o sistema do capital - é estruturada hierarquicamente,
a prática superadora de tal conjunto de relações precisa se ordenar de
modo diverso. Isto pode ocorrer tanto no que toca à própria estrutura
institucional como no interior da sala de aula: um movimento progressivo
de transcendência da forma da interiorização que se dá de acordo com a
lógica do capital (hierárquica), para uma outra, não fetichista, horizontal,
cooperativa, auto-determinada. É esse novo tipo de prática social que
torna possível a generalização do pensamento crítico e a formação da consciência socialista de massa de que fala Mészáros.
Uma forma revolucionária de educação é, pois, segundo o filósofo
húngaro, imprescindível para as classes trabalhadoras na sua luta contra
o capital. Não uma educação que, impregnada de retórica mistificadora,
contemporize com interesses escusos de partidos que desejam se perpetuar
nos postos mais altos do Estado a partir de uma engenharia política
hábil na conciliação entre as classes. Não uma educação que se dê
meramente no âmbito "público", mas que seja capaz de criticar os
próprios fundamentos da divisão entre o público e o privado. Não uma
educação que fetichize o Estado, considerando-o como panacéia
para todos os problemas, mas que combata suas contradições lá onde elas
se enraízam. Finalmente: não uma educação apenas contra o setor privado,
o neoliberalismo, o partido X ou Y, e sim uma educação contra o capital,
suas personificações e seus ideólogos de todos os tipos -
principalmente, os que exercem sua influência deletéria no interior da
própria esquerda...
Ficha
Título: A educação para além do capital
Autor: István Mészáros
Editora: Boitempo
Ano: 2008 (2ª edição)
Páginas: 124
Preço: R$ 25,00
Sobre o autor: István Mészáros nasceu em Budapeste, em 1930. Em
sua juventude, trabalhou em fábricas de aviões, tratores, têxteis,
tipografias e até no departamento de manutenção de uma ferrovia
elétrica. Aos dezoito anos, graças ao fato de haver se formado com notas
máximas, ganhou uma bolsa de estudos na Universidade de Budapeste, onde
pôde conhecer o filósofo György Lukács, de quem foi grande amigo e
discípulo. Da Hungria, Mészáros foi para a Itália, onde trabalhou na
Universidade de Turim. A partir de 1959, seu destino foi a Grã-Bretanha,
onde lecionou em vários lugares: no Bedford College da Universidade de
Londres (1959-1961), na Universidade de Saint Andrews, na Escócia
(1961-1966), e na Universidade de Sussex, em Brighton, na Inglaterra
(1966-1971). Em 1971, trabalhou na Universidade Nacional Autônoma do
México, e em 1972 foi nomeado professor de Filosofia e Ciências Sociais
da Universidade de York, em Toronto, no Canadá. Em janeiro de 1977,
retornou à Universidade de Sussex, onde veio a receber o título de
Professor Emérito de Filosofia em 1991. Afastou-se das atividades
docentes em 1995 e atualmente vive na cidade de Rochester, próxima a
Londres.
Demetrio Cherobini é cientista social (UFSM) e mestre em Educação (UFSC).
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Esse é o nosso povo...
Impressionante a capacidade mostrada por John Lennon da Silva, dançarino de street dance em uma brilhante coreografia, feita por ele mesmo. E ainda tem gente daqui que despreza nossos jovens pobres, somente atribuindo a eles a desgraça das drogas, roubos e dos assassinatos.
É de emocionar!
É de emocionar!
Reflexões sobre a intolerância
“Aqueles que não conseguem lembrar do passado estão condenados a repeti-lo” (George Santayana, 1863-1952)
Nesta semana, assisti ao documentário Luz, Trevas e o Método Científico.[1]
As imagens mostram guerras religiosas, perseguição à ciência, às
mulheres e hereges. A história da humanidade é, também, a história da
intolerância.A práxis humana é muito mais complexa do que a vã filosofia
maniqueísta imagina. A aposta maniqueísta é interessada e consciente –
ou ingênua. Os eventos históricos mostram que as coisas não são tão
simples quanto parecem. O bem pode se converter em mal. Reduzir a práxis
histórica a apenas duas cores é desconhecer a complexidade dos fatores
subjetivos, interesses e práticas dos que fazem a História.
Luz, Trevas e o Método Científico
relata a luta da ciência contra a intolerância religiosa e política.
Historicamente, a intolerância está presente na esfera das relações
humanas fundadas em sentimentos e crenças religiosas e laicas. É uma
prática que se autojustifica em nome de Deus – e/ou ideologias – e adquire o status de uma guerra de deuses encarnados em homens e mulheres que se odeiam. Heinrich Mann, em A Juventude do Rei Henrique IV, fornece uma descrição que permite visualizar seus efeitos:
“Mas no país inteiro também se incendiava e matava em nome das crenças inimigas. A diferença das crenças religiosas era levada profundamente a sério, e transformava as pessoas que normalmente nada separava em inimigos extremados. Algumas palavras, especialmente a palavra missa, tinham efeito tão terrível que um irmão tornava-se incompreensível e de sangue estranho para outro”. [2]
José Saramago denominou este ódio recíproco como “O Fator Deus”. [3]
Na Idade Média, a intolerância religiosa se intensificou contra os
judeus,as mulheres e os heréticos. “Os inquisidores caçavam dissidentes e
os obrigavam a abjurar sua “heresia”, palavra que em grego significa
“escolha”, escreve Armstrong. A Inquisição na Espanha forçou os judeus à
conversão ao cristianismo e, finalmente, expulsou-os. Esta se tornaria
uma prática comum em outras épocas e nações. Com a identificação entre
religião e política, a perseguição aos dissidentes foi intensificada e
motivada pelos interesses políticos em disputa. A inquisição espanhola
foi usada para “forjar a unidade nacional”. Mas a utilização deste
recurso não se restringiu ao catolicismo romano. Como relata Armstrong:
“Em países como a Inglaterra seus colegas protestantes também foram
implacáveis com os “dissidentes” católicos, tidos igualmente como
inimigos do Estado”. [4]
Com a formação e consolidação dos Estados nacionais modernos, a
intolerância vincula religião e política, identificando uma à outra. O
herege religioso é visto como um desafiante da ordem política
monárquica; o dissidente político é encarado como um desafiador do dogma
religioso adotado pelo Estado-nação. [5]
A política terminaria por impor a sua autonomia em relação ao poder
religioso. Então, a intolerância tomou a forma de lutas ideológicas.
Maquiavel já anunciara este caminho quando, ainda no renascimento, advogou que os fins justificam os meios, em outras palavras, que a razão do Estado
deve se impor a despeito dos meios utilizados. Nestas condições, o
problema para Maquiavel não está em usar a violência, mas em saber
usá-la, na intensidade certa e no momento oportuno. Em defesa do
florentino, observemos que trata-se da construção do Estado e das
necessidade deste expressar a autoridade soberana e absoluta. Thomas
Hobbes retoma este tema no século XVII, com a defesa de um Estado
absolutista, o Leviatã, ao qual submetemos a nossa liberdade. As
liberdades dos súditos ficariam restritas aos interstícios onde o
soberano não alcança, no mais ele é absoluto. Estes autores expressam a
idéia de que o poder político não deve admitir concorrentes, ou seja, o
poder político deve ser autônomo em relação ao poder religioso.
[1] O vídeo está dividido em sete partes e disponível a partir do link http://www.youtube.com/watch?v=G0oImVekJzg. Acesso em 11.02.2011.
[5]
Dessa forma, “a intolerância religiosa assumiu formas especialmente
virulentas, porque se julgava que a solidez do poder absoluto do rei
dependia da aplicação do princípio de que a religião do povo deveria ser
a religião do príncipe. Desencadeadas por um massacre de protestantes
ocorrido em 1562, as guerras de religião da França se caracterizaram por
atrocidades sem precedentes, como a matança de São Bartolomeu (25 de
agosto de 1572), e só terminaram mais de 20 anos depois, quando Henrique
4º assinou o Edito de Nantes, concedendo liberdade de culto aos
protestantes (1598). Mas a longa história da perseguição à religião
reformada ainda não havia terminado, pois em 1685 Luís 14 revogou o
Edito de Nantes, o que levou à demolição dos templos, à proibição das
assembléias e à emigração forçada de cerca de 300 mil protestantes. Mas
estes eram tão intolerantes quanto os católicos”. ROUANET, Sergio Paulo.
“O Eros da diferença”. Folha de S. Paulo, Caderno Mais, 09.02.2003. (Publicado também em: Revista Espaço Acadêmico, n. 22, março de 2003).
Levantes populares: do Oriente Médio ao Meio Oeste
Há apenas algumas semanas, a solidariedade entre jovens egípcios e policiais do Wisconsin, ou entre trabalhadores líbios e funcionários públicos de Ohio, seria algo inacreditável. O levante popular na Tunísia foi provocado pelo suicídio de um jovem chamado Mohamed Bouazizi, universitário de 26 anos de idade, que não encontrava trabalho em sua profissão.Nos conflitos que vemos hoje em Wisconsin e Ohio há um pano de fundo semelhante. A “Grande Recessão” de 2008, segundo o economista Dean Baker, ingressou em seu trigésimo mês sem sinais de melhora. O artigo é de Amy Goodman.
Amy Goodman - Democracy Now - na Carta Maior
Cerca de 80 mil pessoas marcharam no sábado
passado ao Capitólio do estado de Wisconsin, em Madison, como parte de
uma crescente onda de protesto contra a tentativa do flamante governador
republicano Scott Walker, não só de acossar os sindicatos dos
servidores públicos, mas de desarticulá-los. O levante popular de
Madison ocorre imediatamente em seguida aos que vêm ocorrendo no Oriente
Médio. Um estudante universitário veterano da guerra do Iraque, levava
um cartaz que dizia “Fui ao Iraque e voltei a minha casa no Egito?”.
Outro dizia: “Walker, o Mubarak do Meio Oeste”.
Do mesmo modo, em Madison, circulou uma foto de um jovem em uma manifestação no Cairo com um cartaz que dizia: “Egito apoia os trabalhadores de Wisconsin: o mesmo mundo, a mesma dor”. Enquanto isso, em uma tentativa de derrubar o eterno ditador Muammar Kadafi, os líbios seguem desafiando a violenta ofensiva do governo, ao mesmo tempo que mais de 10 mil pessoas marcharam terça-feira em Columbus, Ohio, para se opor à tentativa do governador republicano John Kasich de dar um golpe de estado legislativo contra os sindicatos.
Há apenas algumas semanas, a solidariedade entre jovens egípcios e policiais do Wisconsin, ou entre trabalhadores líbios e funcionários públicos de Ohio, seria algo inacreditável.
O levante popular na Tunísia foi provocado pelo suicídio de um jovem chamado Mohamed Bouazizi, universitário de 26 anos de idade, que não encontrava trabalho em sua profissão. Enquanto vendida frutas e verduras no mercado, em repetidas oportunidades foi vítima de maus tratos por parte das autoridades tunisianas que acabaram confiscando sua balança. Completamente frustrado, ele ateou-se fogo, o que acabou incendiando os protestos que se converteram em uma onda revolucionária no Oriente Médio e Norte da África. Durante décadas, o povo da região viveu sob ditaduras – muitas das quais recebem ajuda militar dos EUA -, sofreu violações dos direitos humanos, além de ter baixa renda, enfrentar altas taxas de desemprego e não ter praticamente nenhuma liberdade de expressão. Tudo isso enquanto as elites acumulavam fortunas.
Nos conflitos que vemos hoje em Wisconsin e Ohio há um pano de fundo semelhante. A “Grande Recessão” de 2008, segundo o economista Dean Baker, ingressou em seu trigésimo mês sem sinais de melhora. Em um documento recente, Baker diz que devido à crise financeira “muitos políticos argumentam que é necessário reduzir de forma drástica as generosas aposentadorias do setor público e, se possível, não cumprir com as obrigações de pensões já assumidas. Grande parte do déficit no sistema de aposentadorias se deve à queda da bolsa de valores nos anos 2007-2009”.
Em outras palavras, os mascates de Wall Street que vendiam as complexas ações respaldadas por hipotecas que provocaram o colapso financeiro foram os responsáveis pelo déficit nas pensões. O jornalista vencedor do prêmio Pulitzer, David Cay Johnston disse recentemente: “O funcionário público médio de Wisconsin ganha 24.500 dólares por ano. Não se trata de uma grande aposentadoria; 15% do dinheiro destinado a esta aposentadoria anualmente é o que se paga a Wall Street para administrá-lo. É realmente uma porcentagem muito alta para pagar Wall Street por administrar o dinheiro”.
Então, enquanto a banca financeira fica com uma enorme porcentagem dos fundos de aposentadoria, os trabalhadores são demonizadas e pede-se a eles que façam sacrifícios. Os que provocaram o problema, em troca, logo obtiveram resgates generosos, agora recebem altíssimos salários e bonificações e não estão sendo responsabilizados. Se rastreamos a origem do dinheiro, vemos que a campanha de Walker foi financiada pelos tristemente célebres irmãos Koch, grandes patrocinadores das organizações que formam o movimento conservador tea party. Além disso, doaram um milhão de dólares para a Associação de Governadores Republicanos, que concedeu um apoio significativo à campanha de Walker. Então, por acaso resulta surpreendente que Walker apoie às empresas ao outorgar-lhes isenções se impostos e que tenha lançado uma grande campanha contra os servidores do setor público sindicalizado?
Um dos sindicatos que Walter e Kasich têm na mira, em Ohio, é a Federação Estadunidense de Empregados Estatais de Condados e Municípios (AFSCME, na sigla em inglês). O sindicato foi fundado em 1932, em meio à Grande Depressão, em Madison. Tem 1,6 milhões de filiados, entre os quais há enfermeiros, servidores penitenciários, seguranças, técnicos de emergências médicas e trabalhadores da saúde. Vale a pena lembrar, neste mês da História Negra, que a luta dos trabalhadores da saúde do prédio n° 1733 de AFSCME fez com que o Dr. Martin Luther King Jr. Fosse a Memphis, Tennessee, em abril de 1968. Como me disse o reverendo Jesse Jackson quando marchava com os estudantes e seus professores sindicalizados, em Madison, na semana passada: “O último ato do Dr. King na terra, sua viagem a Memphis, Tennessee, foi pelo direito dos trabalhadores negociarem convênios coletivos de trabalho e o direito ao desconto da quota sindical de seu salário. Não é possível beneficiar os ricos enquanto se deixa os pobres sem nada”.
Os trabalhadores do Egito, formando uma coalizão extraordinária com os jovens, tiveram um papel decisivo na derrubada do regime deste país. Nas ruas de Madison, sob a cúpula do Capitólio, está se produzindo outra mostra de solidariedade. Os trabalhadores de Wisconsin fizeram concessões em seus salários e aposentadorias, mas não renunciaram ao direito a negociar convênios coletivos de trabalho. Neste momento seria inteligente que Walker negociasse. Não é uma boa época para os tiranos.
Tradução: Katarina Peixoto
Do mesmo modo, em Madison, circulou uma foto de um jovem em uma manifestação no Cairo com um cartaz que dizia: “Egito apoia os trabalhadores de Wisconsin: o mesmo mundo, a mesma dor”. Enquanto isso, em uma tentativa de derrubar o eterno ditador Muammar Kadafi, os líbios seguem desafiando a violenta ofensiva do governo, ao mesmo tempo que mais de 10 mil pessoas marcharam terça-feira em Columbus, Ohio, para se opor à tentativa do governador republicano John Kasich de dar um golpe de estado legislativo contra os sindicatos.
Há apenas algumas semanas, a solidariedade entre jovens egípcios e policiais do Wisconsin, ou entre trabalhadores líbios e funcionários públicos de Ohio, seria algo inacreditável.
O levante popular na Tunísia foi provocado pelo suicídio de um jovem chamado Mohamed Bouazizi, universitário de 26 anos de idade, que não encontrava trabalho em sua profissão. Enquanto vendida frutas e verduras no mercado, em repetidas oportunidades foi vítima de maus tratos por parte das autoridades tunisianas que acabaram confiscando sua balança. Completamente frustrado, ele ateou-se fogo, o que acabou incendiando os protestos que se converteram em uma onda revolucionária no Oriente Médio e Norte da África. Durante décadas, o povo da região viveu sob ditaduras – muitas das quais recebem ajuda militar dos EUA -, sofreu violações dos direitos humanos, além de ter baixa renda, enfrentar altas taxas de desemprego e não ter praticamente nenhuma liberdade de expressão. Tudo isso enquanto as elites acumulavam fortunas.
Nos conflitos que vemos hoje em Wisconsin e Ohio há um pano de fundo semelhante. A “Grande Recessão” de 2008, segundo o economista Dean Baker, ingressou em seu trigésimo mês sem sinais de melhora. Em um documento recente, Baker diz que devido à crise financeira “muitos políticos argumentam que é necessário reduzir de forma drástica as generosas aposentadorias do setor público e, se possível, não cumprir com as obrigações de pensões já assumidas. Grande parte do déficit no sistema de aposentadorias se deve à queda da bolsa de valores nos anos 2007-2009”.
Em outras palavras, os mascates de Wall Street que vendiam as complexas ações respaldadas por hipotecas que provocaram o colapso financeiro foram os responsáveis pelo déficit nas pensões. O jornalista vencedor do prêmio Pulitzer, David Cay Johnston disse recentemente: “O funcionário público médio de Wisconsin ganha 24.500 dólares por ano. Não se trata de uma grande aposentadoria; 15% do dinheiro destinado a esta aposentadoria anualmente é o que se paga a Wall Street para administrá-lo. É realmente uma porcentagem muito alta para pagar Wall Street por administrar o dinheiro”.
Então, enquanto a banca financeira fica com uma enorme porcentagem dos fundos de aposentadoria, os trabalhadores são demonizadas e pede-se a eles que façam sacrifícios. Os que provocaram o problema, em troca, logo obtiveram resgates generosos, agora recebem altíssimos salários e bonificações e não estão sendo responsabilizados. Se rastreamos a origem do dinheiro, vemos que a campanha de Walker foi financiada pelos tristemente célebres irmãos Koch, grandes patrocinadores das organizações que formam o movimento conservador tea party. Além disso, doaram um milhão de dólares para a Associação de Governadores Republicanos, que concedeu um apoio significativo à campanha de Walker. Então, por acaso resulta surpreendente que Walker apoie às empresas ao outorgar-lhes isenções se impostos e que tenha lançado uma grande campanha contra os servidores do setor público sindicalizado?
Um dos sindicatos que Walter e Kasich têm na mira, em Ohio, é a Federação Estadunidense de Empregados Estatais de Condados e Municípios (AFSCME, na sigla em inglês). O sindicato foi fundado em 1932, em meio à Grande Depressão, em Madison. Tem 1,6 milhões de filiados, entre os quais há enfermeiros, servidores penitenciários, seguranças, técnicos de emergências médicas e trabalhadores da saúde. Vale a pena lembrar, neste mês da História Negra, que a luta dos trabalhadores da saúde do prédio n° 1733 de AFSCME fez com que o Dr. Martin Luther King Jr. Fosse a Memphis, Tennessee, em abril de 1968. Como me disse o reverendo Jesse Jackson quando marchava com os estudantes e seus professores sindicalizados, em Madison, na semana passada: “O último ato do Dr. King na terra, sua viagem a Memphis, Tennessee, foi pelo direito dos trabalhadores negociarem convênios coletivos de trabalho e o direito ao desconto da quota sindical de seu salário. Não é possível beneficiar os ricos enquanto se deixa os pobres sem nada”.
Os trabalhadores do Egito, formando uma coalizão extraordinária com os jovens, tiveram um papel decisivo na derrubada do regime deste país. Nas ruas de Madison, sob a cúpula do Capitólio, está se produzindo outra mostra de solidariedade. Os trabalhadores de Wisconsin fizeram concessões em seus salários e aposentadorias, mas não renunciaram ao direito a negociar convênios coletivos de trabalho. Neste momento seria inteligente que Walker negociasse. Não é uma boa época para os tiranos.
Tradução: Katarina Peixoto
sábado, 26 de fevereiro de 2011
Oriente Médio em ebulição, acompanhe país por país
Igor Natusch *no Sul21
As atenções do mundo seguem voltadas para a Líbia,
onde os protestos contra o governo ditatorial de Muammar Kadafi ganham
contornos de guerra civil. Mas vários países árabes continuam em
ebulição. Iêmen e Bahrein são os países em que as coisas estão mais
complicadas para o poder estabelecido e onde os protestos ganham mais
força. Mas mesmo na Tunísia e no Egito, que já derrubaram seus
ditadores, os protestos continuam. Manifestantes pedem que as
transformações ocorram de fato, e pedem a saída de membros dos regimes
derrubados que permanecem no poder durante a transição.
Acompanhe os últimos acontecimentos, país por país:
Manifestantes concentram-se na Praça da Pérola, no Bahrein
Neste sábado (26) ocorreu o 13º dia de protestos no país, que é
governado desde 1999 pelo rei Hamad Ben Isa al-Khalifa. As manifestações
se concentram na Praça da Pérola, região central de Manama.
Paralelamente aos protestos, religiosos da maioria xiita decretaram luto
no país, em memória de sete manifestantes mortos nos primeiros dias dos
acontecimentos. Os protestos ocasionaram tímidas mudanças anunciadas
neste sábado pelo rei. Ele apenas trocou de função cinco ministros,
mantendo-os no governo.
Embora parte dos manifestantes exija a mudança completa do regime, as
lideranças xiitas parecem não querer a queda de al-Khalifa, pedindo
apenas “reformas profundas” no sistema político do país. A posição xiita
coincide com sinalizações do governo dos EUA, que defende a permanência
de al-Khalifa e o estabelecimento de um diálogo com a oposição. O chefe
de Estado-maior das Forças Armadas dos Estados Unidos, almirante Mike
Mullen, desembarcou no Bahrein nesta quinta-feira (24) para reunir-se
com representantes do governo do país. O rei al-Khalifa garante que está
disposto a negociar com “todas as partes”, permitindo inclusive o
retorno de Hassan Mushaimaa, líder do movimento xiita Haq, que
desembarcou em Manama nesta sábado, sem sofrer restrições por parte do
governo do Bahrein.
Líderes tribais aderem a protestos no Iêmen
A pressão sobre o presidente do Iêmen aumentou depois que líderes de
duas das principais tribos do país (Hashid e Baqil) passaram a apoiar os
manifestantes. Especialistas apontam que o apoio dos Hashid, tribo mais
importante do país, aos manifestantes deve ser uma pressão insuportável
para Ali Abdallah Saleh, que se mantém há trinta anos no poder.
No Iêmen, a concentração de manifestantes alcançou na sexta-feira o
número mais alto desde o começo dos protestos contra o regime de Ali
Abdallah Saleh. As estimativas são de que mais de 150 mil pessoas
participaram de protestos em todo o Iêmen, na que já é a maior
manifestação pública da história do país. Segundo agências
internacionais, cerca de 30 mil pessoas estão acampadas na frente de uma
universidade da capital Sanaa, em uma manifestação pacífica e sem
confrontos com forças governamentais. “Olhe ao redor. Não são apenas
jovens, apenas estudantes que estão protestando”, disse o ativista
iemenita Khaled Anesi, em entrevista para o Los Angeles Times. “Todos
estão aqui. Juntos, nós derrubaremos o regime”.
Em resposta aos protestos contra Ali Abdallah Saleh, que ocupa o
poder há 32 anos, o governo iemenita incentiva apoiadores a irem às ruas
para defender o regime. Os manifestantes pró-Saleh teriam recebido
material diretamente do governo, como cartazes com o rosto do governante
iemenita, e entoam cânticos nos quais dizem que Ali Abdallah Saleh
trouxe paz e prosperidade ao país. Vinte e quatro mortes ocorreram nos
últimos nove dias de protestos no Iêmen.
Governo de transição não cumpre promessas, dizem manifestantes do Egito
O Egito, que recentemente testemunhou a queda do ditador Hosni
Mubarak, continua às voltas com protestos. Manifestantes voltaram a se
reunir na praça Tahrir, no Cairo, pedindo a formação de um novo governo e
que Hosni Mubarak seja levado a julgamento. Mesmo que o regime tenha
dado sinais de abertura após a queda de Mubarak, o gabinete de transição
é formado, em sua maioria, por nomes que participaram em algum momento
do antigo governo. Neste sábado (26), manifestantes que pediam a saída
do governo de integrantes leais a Mubarak foram retirados à força da
Praça Tahrir.
Segundo pessoas que participaram dos protestos que derrubaram
Mubarak, o governo de transição não está cumprindo várias de suas
promessas, como a libertação de presos políticos. Os manifestantes
exigem também o fim do estado de emergência, que limita a circulação de
pessoas no país, além de uma anistia geral. Parte da população pede a
renúncia do atual primeiro-ministro Ahmed Shafiq e a criação de um novo
gabinete, com representantes escolhidos por critérios técnicos e não por
indicações.
Opositores do rei criticam “lentidão” das reformas na Jordânia
Na Jordânia, milhares de pessoas foram às ruas da capital Amã, nesta
sexta-feira (25), na maior manifestação popular registrada nos últimos
dois meses no país. A concentração aconteceu logo após as preces do meio
dia, e coincide com declarações de Hamza Mansour, líder do grupo de
oposição Frente de Ação Islâmica, dizendo que o povo está “impaciente”
com a “lentidão” das reformas propostas pelo rei Abdullah II. “O povo
quer democracia de verdade, mudanças reais. Andem logo com isso”,
discursou Mansour em Amã, diante de cerca de 4 mil pessoas.
Os manifestantes pedem o congelamento de preços, a adoção de reformas
políticas e um novo parlamento – já que, segundo eles, o atual foi
formado a partir de uma fraude eleitoral. No regime de governo da
Jordânia, apenas os parlamentares são eleitos por voto direto, cabendo
ao rei indicar os ocupantes do executivo. Parte dos revoltosos pede uma
mudança constitucional, que permita eleições diretas também para o cargo
de primeiro-ministro.
Depois de 19 anos, governo da Argélia suspende regime de emergência
O governo da Argélia confirmou na quinta-feira (24) o fim do regime
de emergência no país, que já durava 19 anos. A medida, que vinha sendo
sinalizada há semanas, atende uma das principais exigências dos
opositores de Abdelaziz Bouteflika, no poder desde 1999. No entanto, as
manifestações populares devem ser submetidas a uma série de exigências e
aprovadas pelo governo com três dias de antecedência – o que, na
prática, faz com que as concentrações populares sejam ilegais no país.
“A suspensão do estado de emergência é positiva, mas não é o
suficiente”, disse o líder oposicionista Mustafa Bouchachi, que dirige a
Liga Argelina pelos Direitos Humanos. O governo dos EUA, por sua vez,
considerou a decisão de Bouteflika como um “sinal positivo”, que mostra
que o atual governo argelino está disposto a “escutar as preocupações e
responder às aspirações do seu povo”. O regime de Abdelaziz Bouteflika é
tratado como “corrupto” pela oposição, que alega que as eleições que
reelegeram o presidente em 2009 foram fraudadas. Além disso, os
protestos pedem medidas para conter a miséria, o aumento de preços e o
desemprego.
Sexta-feira foi “dia de fúria” no Iraque
Na sexta-feira (25), milhares de iraquianos protestaram contra o
governo, em manifestações que tomaram conta de vários pontos do país. Os
manifestantes chamaram os protestos de “dia de fúria”. Os relatos são
de que a repressão está cada vez mais violenta, em especial na praça
Tahrir em Bagdá, onde cerca de 5 mil revoltosos se reuniram. A repressão
aos revoltosos teria provocado ao menos 14 mortes, segundo agências
internacionais. Em cidades como Hawija e Mosul, há relatos de que forças
policiais dispararam munição letal contra manifestantes, que tentavam
invadir prédios governamentais. No momento, está em vigor decreto que
proíbe a circulação de veículos e a concentração de grupos de pessoas
nas ruas das principais áreas do país.
O primeiro-ministro ministro iraquiano, Nuri al-Maliki, garante que
não ignorará os pedidos dos manifestantes, mas advertiu que militantes
do grupo Al-Qaeda podem tentar “interromper” alguns protestos. Em
declarações anteriores, Maliki foi mais explícito, associando os
manifestantes com terroristas e com partidários do ex-ditador Saddam
Hussein. Os manifestantes, que de modo geral dizem não querer a queda do
regime, pedem controle de preços e profundas mudanças no corpo
político, como forma de diminuir a corrupção estatal.
Neste sábado, a maior refinaria de petróleo do Iraque parou suas
operações, depois de ser atacada. Homens detonaram bombas que provocaram
incêndio na refinaria.
Tunísia terá eleições em julho, diz governo provisório
A Tunísia, primeiro país árabe a registrar protestos contra o
governo, deve ser também o primeiro país a concretizar os objetivos de
sua revolução. Em comunicado divulgado pela rede oficial de notícias
TAP, o governo provisório anunciou que as eleições no país devem ocorrer
até a metade do mês de julho. Segundo o gabinete de transição, que
comanda o país desde a queda de Zine El Abidine Ben Ali, o período de
diálogo com os diferentes grupos políticos irá até março, quando deve
ser definida a data exata das eleições.
Ainda que a maior parte dos protestos tenha diminuído na Tunísia,
numerosos grupos seguem nas ruas, insatisfeitos com a presença de
Mohamed Ghannouchi como primeiro ministro do país. Ghannouchi atuou
durante mais de uma década no governo de Zine El Abidine Ben Ali, o que
leva manifestantes a pedirem sua saída e a instauração de um governo
totalmente desligado do antigo regime. Além disso, muitos julgam que a
situação de vida da população melhorou pouco depois da queda de Ben Ali
Protestos ocorridos durante a semana chegaram a concentrar 4.000
pessoas nas ruas da capital Túnis. “Revolução até o fim”, gritam os
revoltosos, que teriam entrado em confronto com forças de segurança e
até mesmo ateado fogo a prédios públicos, segundo testemunhas. Se o
antigo governante foi deposto, parece que isso não é suficiente para boa
parte do povo tunisiano – e o novo aumento na intensidade das
manifestações dá a entender que o processo que varre o mundo árabe está
bem longe do final.
* Colaborou Felipe Prestes
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