Entrevista especial com Paul Freston | ||
Pesquisas recentes indicam o crescimento do pentecostalismo no Brasil. Há, portanto, e isso é inegável, uma mudança no status religioso nacional. Segundo o sociólogo Paul Freston, o motivo deste declínio da Igreja Católica
se dá porque o pluralismo e a democracia se apresentam como os grandes
desafios para a religião. “É difícil manter a hegemonia na sociedade
civil porque ela é cada vez mais independente, autônoma e plural. Assim,
as ditaduras, mesmo aquelas que perseguiram a Igreja, eram situações
mais favoráveis para a manutenção da posição social da Igreja”, explicou
durante a entrevista que concedeu à IHU(Institutos Humanitas Unisinos) On-Line, por telefone. Paul Charles Freston nasceu na Inglaterra e é brasileiro naturalizado. Graduou-se em História e Antropologia Social pela University of Cambridge (Inglaterra) e fez mestrado em Latin American Studies pela University of Liverpool. Também é mestre em Christian Studies pela Regent College. Já no Brasil, fez doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas. Recebeu o título de pós-doutor pela University of Oxford. Atualmente, é pesquisador sênior da Baylor University (EUA) e professor na Universidade Federal de São Carlos (SP). Confira a entrevista. IHU On-Line – O senhor destaca os desafios da democracia e do pluralismo religioso para a1 Igreja Católica. Como se dão esses desafios? Paul Freston – A questão do pluralismo e da democracia é um grande desafio para a Igreja Católica. Nesse ponto, tenho usado muitos apontamentos de uma cientista política estadunidense Frances Hagopian [1] que trata bastante da democracia e do pluralismo religioso reforçando-se mutuamente para desafios relativos à Igreja Católica. Para ela, a democracia sem pluralismo religioso seria mais fácil para a Igreja manejar, ou o pluralismo sem democracia, mas as duas coisas ao mesmo tempo são um desafio maior. IHU On-Line – A Igreja se encaminha para uma possível superação desses obstáculos? Paul Freston – A questão é exatamente essa: que superação seria possível nesse momento? Não é fácil, porque, na realidade, os projetos da Igreja são muito ambiciosos e é difícil realizá-los. Nesse sentido, cada episcopado nacional acaba fazendo sua própria escala de prioridades. É difícil manter a hegemonia na sociedade civil porque ela é cada vez mais independente, autônoma e plural. Assim, as ditaduras, mesmo aquelas que perseguiram a Igreja, eram situações mais favoráveis para a manutenção da posição social da Igreja. Nesse período era mais fácil identificar o “inimigo” e era mais fácil a Igreja agir como “guarda-chuvas” de grupos oposicionistas. Nesse sentido, essa situação era mais favorável à manutenção da situação da Igreja em relação à realidade atual, que é mais democrática e pluralista. IHU On-Line – O que caracteriza e o que define, especialmente no Brasil, o pluralismo religioso? Paul Freston – No Brasil, o pluralismo pode ser destacado em vários sentidos. Temos o declínio de declaração católica, de adesão nominal. Nós ainda não temos os dados religiosos do mais recente censo. Seria interessante ver isso. Mas os censos anteriores e pesquisas mais recentes indicam que na adesão nominal a Igreja vem perdendo cerca de 1% da população por ano. Aí temos o crescimento, principalmente, do pentecostalismo, do protestantismo histórico – menos, mas também impresso – e o crescimento dos chamados "sem religião”. Estes últimos formam um grupo muito heterogêneo. As outras religiões crescem menos, pelo menos em termos de declaração no censo. Sabemos que há muita dupla filiação que não aparece no censo. Além disso, tem o aspecto da questão do pluralismo interno católico, ou seja, pluralismo nas maneiras de ser católico, nas maneiras de crenças entre aqueles que se declaram católicos e isso é uma coisa que também vem crescendo cada vez mais. Então, temos vários tipos de pluralismo religioso. IHU On-Line – O senhor afirma que, diante do "pluralismo multidimensional", a Igreja Católica perderá seu status de "igreja no sentido weberiano". Como isso acontece? Paul Freston – Em parte por uma questão numérica. Quando você representa uma porção cada vez menor da população, torna-se mais difícil justificar que certos privilégios sejam formalizados, justificados. A ideia de igreja é de algo que se confunde com a nacionalidade e reivindica um certo status preferencial dentro da sociedade. É isso que está cada vez mais ameaçado. Além do declínio numérico, depende também de outros fatores como o peso histórico da instituição dentro de cada país e dentro da América Latina há diferenças nesse sentido. Há países onde a Igreja tem um peso histórico maior do que em outros. Também depende da questão de prática. Ou seja, não é apenas uma questão de adesão nominal. Nesse sentido, é claro que o catolicismo vem se transformando na medida em que, perdendo devotos, as pessoas que permanecem tendem a ser mais atuantes, praticantes e identificadas. O catolicismo, então, vai se tornando, cada vez mais, uma religião de escolha no Brasil e não mais uma religião simplesmente herdada culturalmente. O sentido de ser católico, portanto, vai mudando. IHU On-Line – O senhor fala de um projeto católico comum, a Nova Evangelização, adotado oficialmente em 1992. Poderia explicá-lo? Paul Freston – É um pouco vago, na realidade, porque é um projeto de reconquistar a influência junto à sociedade civil, de ter uma influência não tanto diretamente do Estado. Isso é complicado. É justamente aí que o pluralismo e a democracia se complicam, porque limitam o alcance e a possibilidade de a igreja ter essa influência que ela deseja. A sociedade civil vai se portando cada vez mais de forma autônoma. Então, esse projeto de uma reconquista da cultura vai se tornando menos viável, o que complica também, obviamente, a porcentagem da população católica e a debilidade institucional, ou seja, a falta de clero. Essa é uma questão crônica na América Latina. IHU On-Line – Grande parte dos estudos sobre o fenômeno religioso tem como ponto de partida o cenário europeu ou anglo-saxônico, como os desafios do esvaziamento das igrejas, do islamismo crescente, do desaparecimento do sentido religioso. Na América Latina, ao contrário, que pontos o senhor destacaria como centrais para compreender o cenário religioso? Paul Freston – Na Europa há um crescente pluralismo, mas ele advém do processo de secularização e também do processo de imigração de pessoas mais religiosas. Obviamente, imigrantes muçulmanos vêm logo à mente. Mas há imigrantes hindus e cristãos nessa “leva” para a Europa, sejam africanos, latino-americanos... Então, isso é o que marca a questão do pluralismo na Europa. Já a América Latina não tem esse aspecto da imigração e a secularização, ou seja, não existe no mesmo patamar que acontece na Europa. O que ocorre aqui é um processo interno de fragmentação religiosa a partir de um passado de hegemonia católica muito marcado pelo monopólio oficial. A América Latina se distanciou bastante porque produziu esse setor protestante, principalmente pentecostal, que a Europa latina não produziu. Por outro lado, a América Latina não produziu o secularismo antirreligioso que é encontrado em várias partes do sul da Europa. A situação aqui é bem diferente. Então, cada vez mais a América Latina vai se distanciando de tais partes da Europa. IHU On-Line – Que fatores culturais e sociais diferem do cenário europeu-americano do cenário latino-americano? Paul Freston – A América Latina é uma terceira coisa: não é nem o processo que teve no norte da Europa (que foi o processo de reformas nacionais e depois uma fragmentação dentro do campo protestante) nem o processo do sul da Europa (que foi de continuação da hegemonia católica). Porém, criou um setor antirreligioso muito forte. Depois, basicamente as outras formas religiosas permaneceram fracas. Também não foi o processo americano de um processo de pluralismo já de saída na própria formação da nação. Por causa disso, houve a decisão de separar a Igreja e o Estado, a aproximação com a ideia de nacionalismo e a criação do fenômeno da denominação. A Igreja Católica nos Estados Unidos teve que se enquadrar nisso e acabou adquirindo várias características das denominações protestantes. IHU On-Line – Por trás da "descatolização" e da "protestantização" da AL, não estaria também a questão da relevância do discurso (das linguagens, das gramáticas) de cada uma dessas correntes religiosas no contexto atual? Paul Freston – Não é isso que está acontecendo. O que ocorre é uma mudança no status público da Igreja Católica, mas também de uma transição protestante que é o fato de que muito dificilmente o protestantismo vai chegar a ser maioria em algum país latino-americano. Certamente, no Brasil a perspectiva não é essa. Prevejo que nas próximas décadas o crescimento protestante vai estabilizar, vai chegar num patamar e se estabilizar. Ficaremos entre 20 e 35%. Quando estabilizar aí tudo muda. Essa é a questão. Teremos um quadro religioso totalmente transformado nesse país; teremos um protestantismo que já não cresce como hoje. Não vai haver o mesmo triunfalismo e o mesmo jeito aguerrido. Vão ser produzidos outros tipos de líderes, outras relações entre as diferentes religiões e com a política. Vai ser muito diferente do que é hoje. Ao mesmo tempo, a Igreja Católica vai estabilizar. Porém, de uma forma diferente do que sempre foi. Pode até ser minoria; é possível que o censo do ano passado já dê uma minoria católica no estado do Rio de Janeiro, não no país todo. E quando estabilizar os “fiéis” da Igreja serão descritos como mais praticantes, identificados, compromissados. As relações entre católicos e protestantes serão bem diferentes e, além disso, teremos um setor razoavelmente grande de pessoas adeptas a outras religiões ou “sem religião”. Essa situação pluralista vai ser mais difusa e não vai haver uma protestantização. IHU On-Line – Nessa sociedade pós-moderna, e especialmente no contexto brasileiro, as igrejas estão sabendo encontrar o seu lugar? Paul Freston – Tudo indica que sim. Algumas mais do que outras. Além disso, outras vão surgir totalmente novas. A princípio, a pós-modernidade não é mais nem menos favorável: é diferente. A tendência é produzir outros tipos de igreja ou a transformação de igrejas existentes que vão se adequar à nova situação. IHU On-Line – Quais são as questões socioculturais mais importantes às quais as igrejas deveriam prestar mais atenção nesse cenário? Paul Freston – Aí já é uma coisa mais normativa para as igrejas que eu não ousaria fazer. É claro que alguma coisa irá acontecer e que já sabemos que está em curso: a questão do envelhecimento da população. O Brasil vai passar a ter um outro perfil demográfico, com uma população mais estável, se não houver imigração. É possível que haja, porque o Brasil pode virar um país de imigração novamente. Se isso não ocorrer, a população vai estabilizar, vai ficar mais envelhecida, e isso trará desafios diferentes para todas as religiões. Essa situação irá exigir outras abordagens e outras formas mais apropriadas para esse perfil demográfico. Além do mais, creio que, se as coisas continuarem como estão, com uma democracia consolidada e uma situação econômica melhor, a tendência vai ser que a política e a vida pública terão espaços para outras questões. Nas ultimas eleições vimos um início disso: a presença da questão do aborto adquirindo uma proeminência nos debates que não tinha antes nas eleições brasileiras. Isso pode ser um reflexo de uma situação de maior estabilização econômica e consolidação democrática. Não creio que essa questão do aborto tenha mudado o curso das eleições, como algumas pessoas dizem. Um dia depois do primeiro turno fui perguntado por muitos meios de comunicação sobre isso e falei que seria improvável que essa questão teria sido a razão de haver um segundo turno. Depois, a pesquisa do Datafolha mostrou isso de fato. Mostrou que o debate acerca do aborto não foi o suficiente para mudar a situação. De toda forma, foi um tema que teve mais visibilidade em eleições brasileiras do que em momentos anteriores. Isso pode ser um prenúncio do que vem por aí, se a situação geral do país continuar melhorando. Notas: [1] Frances Hagopian é doutora em Ciência Política e professora e diretora de Estudos Brasileiros da Harvard University |
Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
sábado, 16 de abril de 2011
Protestantismo e catolicismo na América Latina: desafios da democracia e do pluralismo religioso
Massacre apoiado por EUA mancha primavera árabe no Bahrein
No discurso de condenação ao governo de Kadafi, Obama justificou os recentes ataques militares a Líbia com estas palavras: “Assassinaram pessoas inocentes. Atacaram hospitais e ambulâncias. Prenderam, agrediram e assassinaram jornalistas”. Agora ocorre o mesmo no Bahrein e Obama não tem nada a dizer. “Centenas de pessoas estão presas e são torturadas por exercer sua liberdade de expressão. E tudo por vingança, porque um dia, há um mês, quase a metade da população do Bahrein foi para as ruas exigir democracia e respeito pelos direitos humanos”, diz Nabeel Rajab, presidente do Centro pelos Direitos Humanso do Bahrein. O artigo é de Amy Goodman.
Amy Goodman - Democracy Now - Carta Maior
Três dias depois da renúncia de Hosni
Mubarak e do fim de sua longa ditadura no Egito, o povo do Bahrein,
pequeno estado do Golfo, se lançou massivamente às ruas de Manama,
capital do país, e se reuniu na Praça da Perla, sua versão da praça
egípcia de Tahrir. O Bahrein vem sendo governador pela mesma família, a
dinastia de Khalifa, desde a década de 1780, há mais de 220 anos. Com as
manifestações, a população do país não pedia o fim da monarquia, mas
sim uma maior representação em seu governo.
Após um mês de protestos, a Arábia Saudita enviou forças militares e policiais por meio da ponte de mais de 25 quilômetros que une o território continental saudita à ilha de Bahrein. A partir desse momento, reprimiu-se cada vez com mais força e violência os manifestantes, a imprensa e as organizações de direitos humanos.
Uma valente jovem ativista bahreiní a favor da democracia, Zainab al-Khawaja, viu a brutalidade de perto. Para seu horror, foi testemunha de como seu padre, Abdulhadi al-Khawaja, um destacado ativista pelos direitos humanos, foi golpeado e preso. Ela descreveu o ocorrido, desde Manama:
“Forças de segurança atacaram minha casa. Chegaram sem aviso prévio. Derrubaram a porta do edifício, derrubaram a porta de nosso apartamento e atacaram diretamente meu pai, sem explicar os motivos de sua prisão nem dar-lhe oportunidade para falar. Arrastaram meu pai pelas escadas e o golpearam na minha frente. Bateram nele até que ficou inconsciente. A última coisa que ouvi-lo dizer foi que não podia respirar. Quando tratei de intervir, tentei dizer-lhes: “Por favor, deixem de bater nele, ele irá com vocês voluntariamente. Não precisam golpeá-lo assim”. Basicamente me disseram que calasse a boca, me agarraram e me arrastaram escadas acima até o apartamento. Quando voltei a sair, o único rastro que havia de meu pai era seu sangue na escada”.
A organização de direitos humanos Human Rights Watch pediu a imediata libertação de Al-Khawaja. O esposo e o cunhado de Zainab também foram presos. Zainab publica no twitter como “angryarabiya” e, em protesto pelas prisões, iniciou uma greve de fome, ingerindo apenas líquidos. Também escreveu uma carta ao presidente Barack Obama, na qual diz: “Se algo acontecer com meu pai, com meu esposo, meu tio, meu cunhado ou comigo, declaro-o tão responsável como o regime de Al Khalifa. Seu apoio a esta monarquia faz com que seu governo seja cúmplice de seus crimes. Todavia, abrigo a esperança de que você se dê conta de que a liberdade e os direitos humanos significam o mesmo para uma pessoa do Bahrein do que para uma pessoa dos Estados Unidos”.
No discurso de condenação ao governo de Kadafi, Obama justificou os recentes ataques militares a Líbia com estas palavras: “Assassinaram pessoas inocentes. Atacaram hospitais e ambulâncias. Prenderam, agrediram e assassinaram jornalistas”. Agora ocorre o mesmo no Bahrein e Obama não tem nada a dizer.
Do mesmo modo que ocorreu no Egito e na Tunísia, o sentimento é nacionalista e não religioso. O país é 70% xiita, mas governador por uma minoria sunita. No entanto, uma das principais consignas presentes nos protestos tem sido: “Nem xiita, nem sunita, bahreiní”. Isso desmoraliza o argumento esgrimido pelo governo do Bahrein, segundo o qual o atual regime seria a melhor defesa contra a crescente influência do Irã, um país xiita, no rico em petróleo Golfo Pérsico. Some-se a isso o papel estratégico do Bahrein: é ali que se encontra a base da 5ª Frota Naval dos EUA, encarregada de proteger os “interesses estadunidenses” como o Estreito de Ormuz e o Canal de Suez, e de dar apoio às guerras no Iraque e no Afeganistão. Não está também entre os interesses estadunidenses o de apoiar a democracia e não os ditadores?
Nabeel Rajab é presidente do Centro pelos Direitos Humanos do Bahrein, organizado que foi dirigida pelo recentemente sequestrado Abdulhadi al-Khawaja. Rajab pode enfrentar um julgamento militar por publicar a fotografia de uma manifestante que morreu enquanto permanecia preso. Rajab me disse: “Centenas de pessoas estão presas e são torturadas por exercer sua liberdade de expressão. E tudo por vingança, porque um dia, há um mês, quase a metade da população do Bahrein foi para as ruas exigir democracia e respeito pelos direitos humanos”.
Rajab observou que a democracia no Bahrein poderia implicar a luta pela democracia nas ditaduras vizinhas do Golfo Pérsico, especialmente na Arábia Saudita. É por isso que a maioria dos governos regionais têm interesse no fim dos protestos. A Arábia Saudita está bem posicionada para tarefa já que é recente beneficiária do maior acordo de venda de armas na história dos EUA. Apesar das ameaças, Rajab foi firme: “Enquanto respirar, enquanto viver, vou seguir lutando. Acredito na mudança. Acredito na democracia. Acredito nos direitos humanos. Estou disposto a dar minha vida. Estou disposto a dar o que for preciso para alcançar essa meta”.
(*) Amy Goodman é editora e apresentadora do Democracy Now.
(**) Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna
Tradução: Katarina Peixoto
Após um mês de protestos, a Arábia Saudita enviou forças militares e policiais por meio da ponte de mais de 25 quilômetros que une o território continental saudita à ilha de Bahrein. A partir desse momento, reprimiu-se cada vez com mais força e violência os manifestantes, a imprensa e as organizações de direitos humanos.
Uma valente jovem ativista bahreiní a favor da democracia, Zainab al-Khawaja, viu a brutalidade de perto. Para seu horror, foi testemunha de como seu padre, Abdulhadi al-Khawaja, um destacado ativista pelos direitos humanos, foi golpeado e preso. Ela descreveu o ocorrido, desde Manama:
“Forças de segurança atacaram minha casa. Chegaram sem aviso prévio. Derrubaram a porta do edifício, derrubaram a porta de nosso apartamento e atacaram diretamente meu pai, sem explicar os motivos de sua prisão nem dar-lhe oportunidade para falar. Arrastaram meu pai pelas escadas e o golpearam na minha frente. Bateram nele até que ficou inconsciente. A última coisa que ouvi-lo dizer foi que não podia respirar. Quando tratei de intervir, tentei dizer-lhes: “Por favor, deixem de bater nele, ele irá com vocês voluntariamente. Não precisam golpeá-lo assim”. Basicamente me disseram que calasse a boca, me agarraram e me arrastaram escadas acima até o apartamento. Quando voltei a sair, o único rastro que havia de meu pai era seu sangue na escada”.
A organização de direitos humanos Human Rights Watch pediu a imediata libertação de Al-Khawaja. O esposo e o cunhado de Zainab também foram presos. Zainab publica no twitter como “angryarabiya” e, em protesto pelas prisões, iniciou uma greve de fome, ingerindo apenas líquidos. Também escreveu uma carta ao presidente Barack Obama, na qual diz: “Se algo acontecer com meu pai, com meu esposo, meu tio, meu cunhado ou comigo, declaro-o tão responsável como o regime de Al Khalifa. Seu apoio a esta monarquia faz com que seu governo seja cúmplice de seus crimes. Todavia, abrigo a esperança de que você se dê conta de que a liberdade e os direitos humanos significam o mesmo para uma pessoa do Bahrein do que para uma pessoa dos Estados Unidos”.
No discurso de condenação ao governo de Kadafi, Obama justificou os recentes ataques militares a Líbia com estas palavras: “Assassinaram pessoas inocentes. Atacaram hospitais e ambulâncias. Prenderam, agrediram e assassinaram jornalistas”. Agora ocorre o mesmo no Bahrein e Obama não tem nada a dizer.
Do mesmo modo que ocorreu no Egito e na Tunísia, o sentimento é nacionalista e não religioso. O país é 70% xiita, mas governador por uma minoria sunita. No entanto, uma das principais consignas presentes nos protestos tem sido: “Nem xiita, nem sunita, bahreiní”. Isso desmoraliza o argumento esgrimido pelo governo do Bahrein, segundo o qual o atual regime seria a melhor defesa contra a crescente influência do Irã, um país xiita, no rico em petróleo Golfo Pérsico. Some-se a isso o papel estratégico do Bahrein: é ali que se encontra a base da 5ª Frota Naval dos EUA, encarregada de proteger os “interesses estadunidenses” como o Estreito de Ormuz e o Canal de Suez, e de dar apoio às guerras no Iraque e no Afeganistão. Não está também entre os interesses estadunidenses o de apoiar a democracia e não os ditadores?
Nabeel Rajab é presidente do Centro pelos Direitos Humanos do Bahrein, organizado que foi dirigida pelo recentemente sequestrado Abdulhadi al-Khawaja. Rajab pode enfrentar um julgamento militar por publicar a fotografia de uma manifestante que morreu enquanto permanecia preso. Rajab me disse: “Centenas de pessoas estão presas e são torturadas por exercer sua liberdade de expressão. E tudo por vingança, porque um dia, há um mês, quase a metade da população do Bahrein foi para as ruas exigir democracia e respeito pelos direitos humanos”.
Rajab observou que a democracia no Bahrein poderia implicar a luta pela democracia nas ditaduras vizinhas do Golfo Pérsico, especialmente na Arábia Saudita. É por isso que a maioria dos governos regionais têm interesse no fim dos protestos. A Arábia Saudita está bem posicionada para tarefa já que é recente beneficiária do maior acordo de venda de armas na história dos EUA. Apesar das ameaças, Rajab foi firme: “Enquanto respirar, enquanto viver, vou seguir lutando. Acredito na mudança. Acredito na democracia. Acredito nos direitos humanos. Estou disposto a dar minha vida. Estou disposto a dar o que for preciso para alcançar essa meta”.
(*) Amy Goodman é editora e apresentadora do Democracy Now.
(**) Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna
Tradução: Katarina Peixoto
Carajás 15 anos, o massacre presente
Aniversário da chacina lembra a necessidade de punição aos assassinos e de tratamento e indenização às vítimas
Márcio Zonta
de Eldorado dos Carajás (PA) no Brasil de Fato
Ao
andar pelas ruas da vila do assentamento 17 de abril em Eldorado dos
Carajás, ainda escuta-se muitas histórias sobre a marcha que culminou no
massacre da curva do S, na rodovia PA 150, em Eldorado do Carajás, há
15 anos. Os sobreviventes ainda têm dúvidas quanto ao número oficial de
mortos divulgados pelo Estado, pois há crianças, homens e mulheres
desaparecidos que não estavam na lista dos mortos e, tampouco, foram
encontrados depois. As marcas do massacre persistem tanto na simbologia
da conquista das cinco fazendas, parte das 15 existentes no complexo
Macaxeira, quanto no corpo dos mutilados ou na cabeça de muitos que
viveram aquele 17 de abril de 1996.
“Foi a tarde
mais sangrenta da minha vida”, recorda Haroldo Jesus de Oliveira, o
primeiro sobrevivente a conversar com a reportagem. Quem o vê
trabalhando atencioso e calmo na Casa Digital 17 de abril, monitorando
jovens e crianças no manuseio da internet, não imagina as recordações
que ele guarda. “Acordamos felizes naquela manhã do dia 17, pois o
Coronel Pantoja, junto a uma comissão, do então governador Almir Gabriel
(PSDB), disse que daria os ônibus para que fossemos até Belém, onde
pressionaríamos o governo para desapropriação dessas terras. Inclusive,
já tínhamos desobstruído a rodovia na noite anterior, já que esse era
nosso acordo, e preparado a alimentação para as famílias que
participavam da marcha”, diz Oliveira.
Onze horas
da manhã venceu o prazo do acordo, e em vez de chegar os ônibus, que
levariam cerca das 1,8 mil famílias da marcha, chegou o batalhão da
Polícia Militar, o que fez com que as famílias retomassem a estrada. “Eu
me lembro como se fosse hoje. Estávamos de prato na mão, almoçando, sob
uma chuvinha leve, um sereninho bom. Muitos homens começaram a descer
dos ônibus da polícia e montar o acampamento, por volta de três da
tarde, e ficaram cerca de 90 minutos preparando-se, como se fossem para
uma guerra”, relata Oliveira.
Depois de
estabelecidos os policiais no local, a mesma comissão disse que não
providenciaria os ônibus e que tinha ordens do governador para retirar
as famílias da via. “Nós nunca pensamos que poderia acontecer aquilo.
Perto das 17 horas, começaram a jogar bombas de efeito moral contra as
pessoas e a atirar no chão. Pessoas tomavam tiros nas pernas e caiam.
Mas aqueles que iam para cima, eles atiravam no peito mesmo”. A
carnificina começou naquele momento e pelas contas de Oliveira durou
cerca de cinquenta minutos.
“Tive que sair pelo
chão me arrastando para o miolo de gente junto à água da chuva, que se
misturava com sangue, tinha muita gente no asfalto ferida, gritando,
chorando...”, lembra emocionado Oliveira.
Premeditado
Amanhece
no assentamento 17 de abril e, enquanto, muitos agricultores já estão
na roça, as 7h, começa a entrada das crianças na escola que leva o nome
de Oziel Alves Pereira, sem-terra de 17 anos espancado até a morte no
hospital pelos policiais, por gritar palavras de ordem do MST, na noite
do dia 17 de abril, em Curianópolis (PA), para onde foram levados os
feridos.
Zé Carlos, companheiro de linha de
frente junto a Oziel no dia do massacre, confere a mochila do filho na
frente da escola, passa algumas recomendações e o beija ao se despedir.
Sobre o dia da chacina, que lhe custou uma bala alojada na cabeça e a
perda de um olho, Zé Carlos é enfático: “utilizaram-se de táticas de
guerra”. Zé lembra que um caminhão que estava parado na estrada, por
causa do bloqueio, foi oferecido às famílias como proteção. “O motorista
chegou e disse: ‘vou atravessar esse caminhão na pista para ajudar
vocês’. Mas estranhamente toda a ação policial iniciou-se atrás desse
veículo, sendo o escudo principal deles, tapando nossa visão. Foram os
policiais que pediram”, garante.
Zé conta que os
policiais vinham do sentido de Parauapebas e Marabá, ambas cidades
paraenses interligadas pela rodovia, além dos que saíam do meio da mata
dos dois lados da pista. “Nos cercaram para matar mesmo, pois vinham de
todas as direções atirando”. Segundo Zé, é difícil para quem esteve no
dia aceitar o número de apenas 21 mortos ditos pelo Estado.“Isso é
brincadeira. Morreu muita gente, entre homens, mulheres e crianças. Vi
muita gente morta, não pode ser, Tenho até medo de falar, deixa isso
para lá. Mas garanto que foi muito mais”.
Ao apagar das luzes
Como
se um espetáculo tivesse acabado, ao anoitecer no dia 17 de abril, as
luzes do município de Eldorado do Carajás foram apagadas e seu cenário
de morte, desmontado. Essa é a sensação que teve a jovem Ozenira Paula
da Silva, com 18 anos na época do acontecido. “Apagaram as luzes para
desmontar o que tinham feito, para limparem a via. Jogavam corpos e mais
corpos em caçambas de caminhão, que tomavam rumos diferentes”.
Após
os primeiros disparos, Ozenira só teve tempo de pegar os seus três
filhos, todos com menos de cinco anos, e correr para a mata ao lado,
percebendo momentos depois que tinha sido baleada na perna esquerda, na
altura da coxa. “Tinha muita gente escondida na mata, próximo às margens
da rodovia e foi justamente essas pessoas que viram muitos corpos sendo
desviados para fora do caminho do Instituto Médico Legal (IML), de
Marabá, para onde eram levados os mortos”.
Ozenira
diz que algo lhe intriga até hoje. “Depois que terminou a matança, uma
criança branquinha de uns dois anos foi achada na escuridão do mato, aos
prantos, por uma mulher que procurava seus familiares. Essa mulher a
recolheu. Sei que essa criança viveu com ela bastante tempo em
Curianópolis, mas depois perdi o contato”.
Onde
estariam os pais da criança naquela noite? Ozenira responde: “Não tenho
como provar, mas tenho quase certeza que estavam em algum caminhão de
remoção de cadáveres”, finaliza.
O massacre continua
Poucos
mutilados receberam seus direitos de indenização e até hoje, quinze
anos depois, muitos nem recebem a pensão mensal de R$346. Ozenira é uma
delas. “Fui atendida no hospital apenas no dia do acontecido, depois
nunca mais tive atendimento médico, tenho dias de dores horríveis e
outros de dormência na perna”, conta.
Já Zé, hoje
aos 32 anos, foi um dos únicos a receber, em 2008, uma indenização de
R$ 85 mil reais, mais a pensão mensal no valor citado acima. Hoje vive
do que seus irmãos plantam em seu lote, já que tem dificuldades para
trabalhar em função das sequelas do tiro na cabeça.
Mas,
um caso em especial entre os mutilados chama a atenção. Mirson Pereira,
um dos únicos que conseguiu uma cirurgia, no Hospital Regional de
Marabá, para retirar uma bala alojada na perna esquerda. “Pensei que
seria o fim das dores, mas quando voltei da sala de cirurgia o médico
disse que havia errado e feito o corte na perna errada, disse que no
outro dia realizaria o procedimento na perna certa, mas desisti, fiquei
com medo e saí do hospital”. Pereira continua com a bala na perna e
ainda aguarda sua indenização.
O descaso do
Estado brasileiro em relação ao massacre de Eldorado dos Carajás já
gerou contra o governo um processo, em 1998, na Corte Interamericana de
Direitos Humanos, com sede nos Estados Unidos, feita pelo Centro pela
Justiça e o Direito Internacional (CEJIL). “O governo brasileiro agiu de
duas formas quando foi notificado pela entidade internacional.
Primeiramente, culpou os próprios marchantes pelo ocorrido e, num
segundo momento, por força da opinião pública, disse que já fazia coisas
no assentamento, o que compensava o ocorrido”, explica Viviam
Holzhacker, advogada assistente da CEJIL, que acompanha o caso.
No
entanto, por pressão internacional, a advogada diz que o governo
brasileiro aderiu a um processo, recentemente, de buscar acordo com os
mutilados. “São feitas propostas de ambos os lados até chegar a um
acordo. Deve levar mais uns cinco anos para ser resolvido o caso de
todos”, explica.
Diante deste imbróglio, na
ausência de um tratamento médico adequado que cuide do corpo e da mente
dos participantes da marcha, Índio, um dos mutilados, com duas balas
alojadas na perna esquerda desabafa: “Aconteceu o massacre em 1996. Mas
ele terminou? Não! Pois esse grupo [do assentamento] ficou apenas porque
o Estado não deu conta de matar no dia. Ficamos para contar a história,
sofrer e ir morrendo aos poucos num massacre diário, que só terminará
por completo com nossa morte”.
Começa o Congresso do Partido Comunista Cubano. Modelo econômico do país vai mudar
Stela Pastore / Especial no Sul21
Cuba está às vésperas de aprovar importantes medidas para a
atualização do modelo econômico. Deste sábado até terça (16 a 19) ocorre
o 6º Congresso do Partido Comunista Cubano, o primeiro em 14 anos. As
mudanças econômicas vêm sendo tratadas em todo o país desde meados de
2010, quando o presidente Raul Castro anunciou a necessidade de reduzir o
paternalismo estatal e garantir maior equilíbrio econômico. “A
revolução é mudança permanente”, lembrou o dirigente que promoveu um
amplo debate sobre a proposta em todo o país. “Temos o dever essencial
de corrigir os erros que cometemos durante essas cinco décadas de
construção do socialismo em Cuba”, explicou o presidente, que sucedeu o
irmão Fidel Castro.
Associações, sindicatos, cooperativas, os Comitês de Defesa da
Revolução e meios de comunicação da ilha realizaram intensas discussões
sobre o projeto para abranger os 11,2 milhões de cubanos. Serão medidas
duras, mas necessárias. Devem ser demitidos cerca de 500 mil cubanos
inicialmente e mais de 1,2 milhão nos próximos anos.
Estima-se que 20% de um total aproximado de 5 milhões de servidores
públicos estejam em funções obsoletas. A proposta é que sejam realocados
para outras atividades estatais ou estimulados a atuar em 178 serviços
privados, atuando por conta própria. Cerca de 300 mil “cuentapropistas”
já estão registrados, sendo que a metade se inscreveu depois da abertura
de novas condições de trabalho em outubro.
Também está na pauta a criação de uma rede de cooperativas urbanas e
rurais para estimular a ida para este modelo associativo; maior
autonomia das empresas estatais, descentralização do setor
agroalimentar, redução dos subsídios e estabelecimento de um sistema
fiscal. Talvez a mudança mais substancial seja a eliminação da cartela
de abastecimento — “libreta” — uma cesta de alimentação subsidiada.
“Não podemos seguir adiante sem estas transformações. Precisamos
produzir mais comida e mais bens”, reforça o líder da Central de
Trabalhadores de Cuba, Raymundo Fernandez. E esclarece: Ӄ uma
atualização do socialismo”.
O bloqueio econômico mantido pelos Estados Unidos há meio século, os
impactos climáticos e a crise do capitalismo mundial são fatores que
estimulam as mudanças. Na última década, 16 furacões devastaram a ilha,
com grandes prejuízos. A crise mundial reflete-se na redução do preço
pago ao níquel, produto número um na balança comercial de exportação de
Cuba, que reduziu de 54 mil dólares para 8 mil dólares a tonelada no
mercado internacional.
Por outro lado, a expectativa de vida aumentou: passou de 51, em
1955, para 78 anos, o que também obrigou a ampliar a idade de
aposentadoria de 60 para 65 anos, já em vigor. Em 1989, havia sete
cubanos ativos para um aposentado. Atualmente, este número reduziu para
a metade.
Para muitos cubanos, as medidas são a regularização de algo que hoje
de alguma maneira já ocorre com a atuação paralela de muitos cubanos em
atividades não estatais.
Porém, estão resguardadas várias políticas igualitárias que destacam
Cuba no mundo. Não está prevista qualquer mudança por exemplo, nos
sistemas de saúde e educação, que continuam integralmente gratuitos, de
qualidade e referência global.
Há tranquilidade em áreas fundamentais que dão ao país os melhores
dados no Índice de Desenvolvimento Humano. Antes da Revolução, a taxa de
analfabetismo era de 18% e atualmente é zero; o número de professores
subiu de nove mil para 137 mil. O total de médicos aumentou de 6.280
para 72 mil. A mortalidade infantil, que era de 60 a cada mil nascidos
vivos, reduziu para 4,5 em 2010, uma das menores do mundo.
Os salários baixos — entre 15 a 20 euros –, a circulação de duas
moedas — peso cubano e o peso “convertível” — torna desproporcional a
diferença entre os quem tem acesso à moeda pareada ao euro e dificultam
a sobrevivência a quem está restrito ao peso local. Déficit
habitacional e qualidade dos serviços também são temas candentes aos
cubamos, que devem ser abordados neste encontro, que reúne mais de mil
delegados eleitos em todas as províncias. O 6º Congresso do PCC também
elegerá os membros do comitê central, que designarão os membros do
secretariado e do birô central.
Bloqueio econômico é mantido apesar da ONU
O bloqueio econômico americano, vigente desde 1962, já causou um
prejuízo estimado em US$ 751 bilhões ao pequeno país, distante 180
quilômetros dos EUA. A Assembleia-Geral da ONU condenou, em outubro, o
embargo comercial americano. Foi a 19ª vez que isso ocorreu, sem
qualquer avanço. A resolução teve apoio de 187 dos 192 países membros.
Antes da revolução de 1959, 70% das importações vinham dos EUA, país
destino de 67% dos produtos cubanos.
O embargo proíbe que empresas americanas tenham relações comerciais
com Cuba, ou se associem a outras, de outros países, que mantenham
comércio com Cuba. Um estudo recente divulga os danos do bloqueio
(www.cubavsbloqueo.cu). “Estas sanções são as mais prolongadas da
história e privam o povo cubano de desenvolver-se como poderia.
Castiga-se também os que comerciam conosco”, registra a subdiretora para
a América do Norte do Ministério das Relações Exteriores, Johana
Tablada.
Jornalismo e economia uma combinação perigosa
Para alguns, economia pode ser uma ciência de difícil
compreensão, ainda mais quando se usa o economês, ao relatar ou comentar
um processo econômico, este, em sua maioria, é realizado por
jornalistas, mas pouquíssimos, com raríssimas exceções, procuram fazer
uma análise mais detalhada e criteriosa e, também, por que não dizer,
relativamente mais acessível.
Ao comentar sobre a crise européia, a única justificativa que se tem,
são os altos gastos do governo, como a previdência, saúde, educação
etc., mas esquecem-se de relatar o alto grau de financeirização da
economia européia.
Ou no caso brasileiro, nos faz parecer que o único remédio para a
inflação é o aumento dos juros, ou então, os gastos do governo precisam
ser reduzidos, mas jamais afirmam qual gasto é o mais alto, ou onde
cortariam, sem contar que; não diferenciam os tipos de inflações e se
realmente vivemos um surto inflacionário. O contexto internacional é
completamente escanteado do noticiário, quando o fazem, é de maneira
errática.
Ao falar de orçamento público, é uma tragédia, tentam comparar um
orçamento familiar ou de uma empresa, com o público, são ambientes e
peças diferentes, por uma razão muito simples, o Estado tem o poder de
emitir moeda e títulos públicos, ou seja, tem a capacidade de
auto-financiar, evidentemente, haverá conseqüências, mas não se pode
negar jamais essa solução.
Neste sentido, é importante lembrar que a economia não possui um
único pensamento, e, por isso, o tecnicismo puro é inexistente. É mais
do que necessário levar em conta as relações sociais e de classe, a
história e a política. Não que a economia seja uma ciência menor, é
justamente o contrário, é por conta da economia que os interesses
afloram, divergem e comungam.
Ao emitir uma opinião, os veículos de comunicação têm uma determinada
opção política e social e isto é importante e necessário, mas seria de
relevante importância e honestidade, se afirmassem de que lado estão,
para que os ouvintes, os(as) leitores(as), ou telespectadores saibam
suas causas e conseqüências de um determinado pensamento econômico e
jornalístico.
Portanto, ao se encontrarem, o jornalismo e a economia, atrelado a
política, podem fazer estragos incomensuráveis em uma determinada
sociedade. Por exemplo, no Brasil, a quem interessa propagar que existe
um surto inflacionário?
Desde 1999, com a introdução da política de metas de inflação, em
nenhum momento atingiu-se o centro da meta, algo tão desejado pelos
governos e, em particular, pelo Banco Central. Façamos a seguinte
constatação: Em 2001 a meta de inflação, conforme resolução do Banco
Central era de 4% a.a., mas atingiu 7,67%a.a. praticamente o dobro, no
ano seguinte; em 2002, a meta inflacionária foi audaciosa, ou porque não
dizer, irresponsável, era de 3,5% a.a. e bateu a casa dos dois dígitos,
com 12,53%a.a. 3,6 vezes maior do que o almejado.
Nesses dois momentos, pelo menos grande parte da mídia, nunca se
falou em surto inflacionário, ou até mesmo, em riscos de volta da
inflação como se fala atualmente, um reflexo claro de que há lado nessa
história, não há isenção da notícia ou da análise econômica. Isso não
quer dizer que vivemos um período de não inflação, mas é importante
constatar que atualmente a inflação é um fenômeno global. Para citar os
BRICs, na Rússia há uma projeção de 9%a.a, na Índia 7%a.a, na China
5%a.a e no Brasil poderemos chegar a 6%a.a.
Uma sociedade se desenvolve não somente só, com uma única opinião,
mas sim, com suas divergências e convergências, para tanto, é mais do
que urgente jornalistas e economistas ao comentarem um processo
econômico, tenham no mínimo a honestidade de dizerem que pensamento
econômico estão inseridos. Informação é poder! Por isso, pode-se desejar
compartilhar ou concentrar de acordo com os interesses estabelecidos.
sexta-feira, 15 de abril de 2011
Para dirigente político da Tunísia, sindicatos e juventude foram os protagonistas da revolução
Porto Alegre recebeu, durante a quinta-feira (14), a visita de uma
pessoa que ajudou a mudar o panorama político da Tunísia e abrir caminho
para uma série de revoltas que está redefinindo o mundo árabe. Amami
Nizar, dirigente sindical da Federação de Correios e Telégrafos da
Tunísia e integrante da Liga de Esquerda Operária, participou de
palestra na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, promovida pela
Fundação Lauro Campos com apoio da Secretaria de Relações Internacionais
do PSol. Durante sua fala, o dirigente descreveu o processo que
conduziu à Revolução de Jasmim, além de explicar o atual momento do
país, que aguarda as eleições para uma nova Assembleia Constituinte,
marcadas para 24 de julho.
Amami Nizar atua politicamente desde os anos 70, quando era estudante
secundarista. Ajudou a fundar a Liga Comunista Revolucionária, no
início dos anos 80, entidade filiada à Quarta Internacional. Passou a
atuar no meio sindical a partir de 1990, quando ingressou nos correios e
acabou tornando-se secretário-geral do sindicato da categoria. Nessa
época, lutou contra a privatização dos correios na Tunísia e contra a
precarização das condições de trabalho de vários setores. Como dirigente
da Liga da Esquerda Operária, Amami Nizar participou diretamente das
mobilizações que resultaram na queda de Zine al-Abidine Ben Ali, e
atualmente participa da mobilização política que busca garantir uma
mudança efetiva nos rumos da política tunisiana.
Antes da palestra, Amami Nizar concedeu uma entrevista coletiva para
blogueiros e representantes de veículos alternativos de mídia. Durante
cerca de uma hora, falou do clima tenso que imperava na Tunísia antes da
revolução, e criticou o governo de transição, que descreveu como uma
representação da burguesia do país árabe. Falou também da importância
das redes sociais em estimular a revolta popular, além de criticar a
postura dos países ocidentais, que teriam apoiado durante anos as
ditaduras que oprimem vários países da região. A seguir, os principais
trechos da coletiva.
A ditadura de Zine al-Abidine Ben Ali
“Como qualquer ditadura, a da Tunísia foi regida por um processo
imperialista, economicamente submissa ao FMI. Essa crise na Tunísia foi,
no fundo, a falência desse sistema baseado no Fundo Monetário
Internacional. A taxa de desemprego era muito grande, cerca de 130 mil
pessoas que saíram das universidades sem perspectivas de emprego. A
desigualdade de desenvolvimento entre as diferentes regiões da Tunísia
também contribuiu na decadência do regime. A gente observava, na
realidade política da Tunísia, um espaço muito restrito para as pessoas
se manifestarem, além de um controle total dos mecanismos de poder. Os
donos do poder eram corruptos, e havia muita repressão. Mesmo os
partidos organizados de oposição não podiam usufruir de liberdades
constitucionais, não tinham liberdade de reunião, por exemplo. A polícia
não deixava as pessoas se reunirem, a repressão era forte, e isso criou
uma tensão tão grande que a vida política tornou-se quase inexiste”.
As mobilizações contra o regime
“Mesmo nesse contexto, algumas revoltas e manifestações aconteciam,
especialmente da parte dos estudantes, pedindo bolsas de estudo, e das
centrais sindicais. Essas organizações impulsionaram os protestos de
muitos setores, como os correios, professores, médicos e bancários.
Trabalhadores do setor têxtil e operários também fizeram protestos, já
que sofriam muitas arbitrariedades. Temos também um grupo feminista,
chamado Associação de Mulheres Pela Democracia, que faz esforços para
lutar, mas sempre sofreu muita repressão. Então, durante os 30 anos de
governo de Ben Ali – na verdade mais de 30, porque ele representava um
regime que comanda o país desde a independência – tivemos muitas mortes e
repressão muito violenta dos opositores. Então, as revoltas surgiram de
forma espontânea, mas há também um acúmulo de anos, promovidos pelos
partidos e pelas organizações de esquerda. Talvez não haja uma cabeça
por trás da revolução, mas as organizações sindicais e a juventude
certamente foram os grandes protagonistas”.
O processo de transição para a democracia
“Após duas quedas de presidente, agora temos a volta de um velho
presidente, que é representação da burguesia tunisiana. Além disso,
temos diversos ministros que são independentes, mas estão inseridos na
burocracia do Estado. Em relação às perspectivas para as eleições, foi
votada há poucos dias uma lei especial na assembleia constitucional,
votada e aprovada por quase todos os partidos que lutaram contra Ben
Ali. Essa lei tem três aspectos principais. Primeiro, paridade de homens
e mulheres nas listas de votação. Em segundo lugar, a proibição,
durante 23 anos, de Ben Ali e qualquer outro que esteve no governo
concorrer a cargos eletivos. Por fim, uma eleição por lista, mas com uma
proporcionalidade que favoreça a consolidação e o crescimento dos
partidos políticos na Tunísia. Outro ponto positivo é que teremos um
poder independente para fiscalizar as eleições, com a presença de
representantes internacionais”.
A atuação das potências ocidentais nos conflitos árabes
“Falando de forma concreta e especificamente de países como a França,
há uma espécie de jogo dúbio, uma via de mão dupla. Na verdade, eles
adotam um discurso de democracia, mas a França só foi apoiar de fato a
revolta depois do dia 14 de janeiro, depois que já tínhamos derrubado
Ben Ali do governo. A então ministra de Relações Internacionais da
França chegou a prestar solidariedade a Ben Ali, e depois foi obrigada a
se demitir por causa disso. Quanto à intervenção da Otan no governo de
(Muammar) Kadafi, a Liga da Esquerda Operária tem como postura apoiar
iniciativas independentes. Claro que Kadafi precisa sair o mais rápido
possível, não há nenhuma dúvida disso. Mas acreditamos que essa
intervenção da Otan é uma tentativa de alguns países ocidentais de achar
um ponto de fixação dentro da Líbia, para a partir daí encontrar formas
de acessar recursos do país. A Otan sempre defendeu regimes ditatoriais
no mundo árabe. Os EUA, por exemplo, mandou soldados para o Bahrein,
para conter a revolta popular no país”.
Uma onda de mudanças no mundo árabe?
“É uma região comum, e certamente existem pontos que unem esses
países. A questão palestina, por exemplo. Há também um inimigo comum,
que é o sionismo, o que acaba sendo claramente um ponto de unidade dos
países árabes. Mas existem muitas diferenças políticas, com relação às
organizações, ao grau de consolidação dos partidos políticos e outros
pontos semelhantes. No caso da Tunísia, temos três elementos que podem
ser citados como diferenciais políticos. Primeiro, tivemos uma
constituinte em 1860, que foi a primeira constituinte (do mundo árabe) e
teve um caráter bastante reformista. Segundo, temos um espaço sindical
consolidado desde os anos 1920, e essas entidades tiveram papel
importante na independência da Tunísia. E, em terceiro lugar, o fato de
termos, desde 1959, um código de defesa das mulheres. São três
particularidades que nos diferencia
Um partido em busca do povo tunisiano“A Liga da Esquerda Operária herda uma cultura da Liga Comunista Revolucionária. Queremos ser abertos à população. Queremos manter a tradição da Quarta Internacional, queremos manter os princípios trotskistas, mas também queremos ser um partido de massas, com um diálogo direto com a população, para que possamos estar ao lado delas na busca de uma situação melhor para o país”.
A importância da internet para a Revolução de Jasmim
“No caso da Tunísia, o principal impacto foi de redes sociais como o Facebook, que foram meios alternativos para disseminar informação. Certamente essas redes tiveram papel fundamental para que mais pessoas soubessem do massacre, das arbitrariedades do regime. Mesmo porque a mídia oficial sempre teve um caráter de desinformação, de tirar a atenção da população para o que estava acontecendo e até de inverter as coisas, colocando os revolucionários como inimigos da nação. Policiais colocavam fogo em escolas, em estabelecimentos públicos, e a mídia do governo dizia que eram os revolucionários que estavam fazendo isso, para jogar a população contra os que estavam fazendo a revolta. Hoje, a mídia continua sendo toda do Estado, e está de acordo com o governo: uma mídia liberal, burguesa, que não está realmente comprometida com o povo e com quem provocou a revolução em nosso país. Mas há um anseio da população para que se abra novos espaços, para que a mídia não fique apenas nas mãos do governo e possam surgir novos espaços além dos oficiais”.
quarta-feira, 13 de abril de 2011
O ensino do agronegócio na escola pública
Setor aposta na educação para manter sua influência, ou alienação, sobre a futura geração de trabalhadores
Eduardo Sales de Lima da Redação do Brasil de Fato
O
cantor e compositor Alceu Valença é um ilustre admirador da
cana-de-açúcar. A pequena Quirinópolis, no sul de Goiás, nunca mais foi a
mesma depois da chegada de duas usinas de açúcar e etanol. O etanol não
compete com os alimentos. A cana-de-açúcar já é segunda maior fonte de
energia limpa do país.
Essas e outras informações
positivas sobre setor sucroalcooleiro estão compiladas numa cartilha. O
problema é que essa propaganda está sendo trabalhada como disciplina em
escolas públicas no interior do Brasil. O Projeto Agora é de
responsabilidade da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (única) e
atinge educandos da 7ª. e 8ª. séries, com idade entre 12 a 15 anos, em
uma parceria público-privada entre instituições governamentais,
sindicatos e empresas como Itaú, Monsanto e Basf.
Cem
municípios da região centro-sul, espalhados por São Paulo, Minas
Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná e Goiás, contam com o
projeto. Resumidamente, a apostila usada em sala de aula foca o
desenvolvimento do setor canavieiro no Brasil e o empreendedorismo dos
grandes latifundiários sob a ótica do progresso, sem apresentar aos
alunos qualquer exemplo que venha desvelar contradições trabalhistas ou
ambientais. A apostila não pondera, por exemplo, as contradições do
trabalho escravo e a superexploração dos cortadores de cana-de-açúcar em
tempos atuais. E que a monocultura e o latifúndio sempre foram “avessos
à diversidade produtiva”.
No mínimo, um problema
pedagógico para a economista e educadora Roberta Traspadini. “Não
aparecem as lutas ocorridas nos territórios, as disputas reais vividas
pelos diversos sujeitos sociais, e a produção de processos políticos
antagônicos sobre a apropriação do trabalho”, critica, em recente
artigo.
Ela reforça ainda que o ensino do
agronegócio dentro da escola pública passa por uma “validação da lógica
dominante voltada para os grandes projetos, para a incorporação de um
ser pertencente à vantagem competitiva do grande capital, ou um ser
excluído desta possibilidade”. Não só isso, denuncia-o como um processo
de construção da intencionalidade “educativa” do capital que objetiva
formar um “exército industrial de reserva consciente de sua necessidade
de inclusão dentro da ordem”.
Naturalização
Não
é apenas a Unica que tem seguido essa estratégia de propaganda dentro
do ensino público. Em Ribeirão Preto (SP), as concepções do agronegócio
estão sendo repassadas aos estudantes por meio do projeto “Agronegócio
na Escola” e têm gerado polêmica na cidade. O Conselho Municipal de
Educação entrou na briga e pediu detalhes sobre o projeto pedagógico.
Desenvolvido em parceria com a Associação Brasileira do Agronegócio da
região de Ribeirão Preto (Abag-RP), o programa é utilizado nas aulas a
alunos do 8º e do 9º ano desde 2009. Anteriormente, o projeto foi
aplicado por dez anos na rede estadual. Cerca de 112 mil estudantes da
região já passaram pelo curso.
A Abag-RP oferece
cartilhas aos estudantes e um vídeo, que é utilizado por professores nas
aulas. A cartilha aborda temas como o surgimento da agricultura e sua
modernização. Professores são levados para conhecer usinas e são
capacitados pela entidade.
A Secretaria da
Educação do município e a entidade patronal defendem que o conteúdo
aborda temas regionais importantes, tanto do ponto de vista econômico,
quanto do ponto de vista social, e que trabalham simplesmente com a
realidade em que os alunos estão imersos.
Mas não
é assim que enxerga a integrante do Conselho Municipal de Educação de
Ribeirão Preto, Ana Paula Soares da Silva. Na visão dela, é importante
que as crianças e adolescentes conheçam o agronegócio; o problema ocorre
quando o material auxilia na naturalização dos problemas gerados nesse
meio. “Esse material ajuda a naturalizar as desigualdades, as relações
de propriedade e de dominação”, argumenta. Mesmo dentro da linha da
educação contextualizada, segundo ela, outras práticas deveriam ser
abordadas, como a agroecologia, por exemplo.
“Dominação”
Outro
programa pedagógico polêmico, o Projeto Escola no Campo, a exemplo dos
já mencionados, nasceu em 1991, por meio de uma parceria da Syngenta,
transnacional do ramo de sementes, com a Secretaria de Educação do
Estado de São Paulo. Ampliou-se para outros estados e até 2007 já havia
atingido cerca de 405 mil crianças de comunidades rurais do país.
Maria
Cristina Vargas, do setor de educação do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST), relata o quão grave é a transmissão dessas
ideias à população jovem do campo. Segundo ela, por meio desse projeto
tenta-se convencer os estudantes, por exemplo, da positividade da
relação entre sustentabilidade e utilização dos agrotóxicos. “Eles
trabalham que o saudável é o bonito, é a plantação limpa, sem ter a
diferenciação de outras espécies, a diversidade de culturas”, denuncia a
educadora.
Segundo Ana Paula Soares da Silva,
não é necessário ir muito a fundo no debate para concluir que os
materiais pedagógicos distribuídos pelo agronegócio tentam esconder
diferenças e intenções de “classe”. “A intenção é de que as pessoas vão
aceitando isso, deixando de ser o sujeito histórico, com a possibilidade
de mudar a história. Não são projetos que incluem, não são projetos de
justiça social; mas de dominação”, arremata.
O Brasil de Fato
entrou em contato com assessoria de imprensa da Unica, que afirmou
ainda não haver um posicionamento sobre as críticas ao Projeto Agora.
terça-feira, 12 de abril de 2011
Caminhos para a descolonização da América Latina
|
A estranha lógica do futebol
Crédito: ARTE PEDRO LOBO SCALETSKY |
A lógica do mundo do futebol é muito particular.
Juremir Machado da Silva no Correio do povo
Um
treinador que sai muito mal de um clube, de onde foi demitido por ter
sido, na opinião de torcedores e comentaristas, incompetente, pode ser
contratado por outro clube como a salvação da lavoura.
Nenhuma empresa séria usaria esse método de avaliação profissional. Um executivo que leva uma empresa à falência ou a ficar muito longe de alcançar as suas metas dificilmente seria contratado para tirar outra empresa do buraco. Ou seria? O paradoxo do futebol é este: a culpa é sempre do treinador, tanto que, se os resultados não chegam, ele é demitido, mas, ao mesmo tempo, ele nunca é culpado de coisa alguma, pois, com frequência, é imediatamente contratado por outro clube, o qual aposta que, noutro contexto e com outros jogadores, tudo poderá dar certo. O culpado é prontamente absolvido. Que coisa!
Veja-se o rendimento dos principais treinadores brasileiros: quantos anos faz que Luxemburgo não ganha um título? Mesmo assim, continua recebendo uns R$ 500 mil por mês. E o Felipão? Dizem que ganha mais de R$ 1 milhão por mês. Não fatura um título desde 2002.
O futebol é talvez o único campo profissional em que nove anos de fracassos permitem novos contratos milionários e a renovação permanente da confiança em perdedores do presente que vivem de glórias do passado.
Celso Roth teve 56% de aproveitamento no Inter. Até uma porta, com o elenco do Inter, teria aproveitamento equivalente. Ganhou uma Libertadores da América em apenas quatro partidas. Qualquer outro treinador, ganhando R$ 20 mil, obteria o mesmo rendimento ou algo muito próximo.
Falcão, quanto treinou o Inter, se não me engano, ficou nos 50% de aproveitamento. O porteiro do clube alcançaria o mesmo desempenho. O que explica tão altos salários para tão baixos desempenhos? O futebol é irracional e o dinheiro é do clube, uma associação. O Inter contratou Falcão para resolver seus problemas.
Falcão não trabalha como treinador há, sei lá, 15 anos.
Como pode um profissional que não exerce sua atividade há 15 anos ser chamado para resolver uma situação de crise? Alguém chamaria um cirurgião parado há 15 anos para uma operação de alto risco? O pensamento mágico comanda o futebol. O Grêmio tem Renato, seu principal ídolo, como técnico. O Inter precisa ter Falcão. O futebol, a exemplo da vida, na frase do grande argentino Borges, gosta de leves simetrias. Não, no caso, de simetrias escancaradas.
O único técnico que pode apresentar um currículo recente com uma relação sólida entre salário e resultados é Muricy Ramalho. Ganhou quatro campeonatos brasileiros em cinco anos. Poderiam ser cinco em seis anos se o Inter não tivesse sido roubado em favor do Corinthians em 2005. Técnico existe para ser o sargento que policia a galera, jovem e rica, sedenta de sexo e emoções caras, e a motiva para vencer. Jogadores de futebol de clubes como o Inter ganham uma fortuna para empatar ou perder. A vitória custa prêmio extra. O treinador leva uma banana para escolher entre dois esquemas: 4-4-2 ou 3-5-2. É barbada. Falcão vai botar time faceiro. Pode se consagrar ou dar vexame. Ou alcançar 58% de aproveitamento. Uau!
Nenhuma empresa séria usaria esse método de avaliação profissional. Um executivo que leva uma empresa à falência ou a ficar muito longe de alcançar as suas metas dificilmente seria contratado para tirar outra empresa do buraco. Ou seria? O paradoxo do futebol é este: a culpa é sempre do treinador, tanto que, se os resultados não chegam, ele é demitido, mas, ao mesmo tempo, ele nunca é culpado de coisa alguma, pois, com frequência, é imediatamente contratado por outro clube, o qual aposta que, noutro contexto e com outros jogadores, tudo poderá dar certo. O culpado é prontamente absolvido. Que coisa!
Veja-se o rendimento dos principais treinadores brasileiros: quantos anos faz que Luxemburgo não ganha um título? Mesmo assim, continua recebendo uns R$ 500 mil por mês. E o Felipão? Dizem que ganha mais de R$ 1 milhão por mês. Não fatura um título desde 2002.
O futebol é talvez o único campo profissional em que nove anos de fracassos permitem novos contratos milionários e a renovação permanente da confiança em perdedores do presente que vivem de glórias do passado.
Celso Roth teve 56% de aproveitamento no Inter. Até uma porta, com o elenco do Inter, teria aproveitamento equivalente. Ganhou uma Libertadores da América em apenas quatro partidas. Qualquer outro treinador, ganhando R$ 20 mil, obteria o mesmo rendimento ou algo muito próximo.
Falcão, quanto treinou o Inter, se não me engano, ficou nos 50% de aproveitamento. O porteiro do clube alcançaria o mesmo desempenho. O que explica tão altos salários para tão baixos desempenhos? O futebol é irracional e o dinheiro é do clube, uma associação. O Inter contratou Falcão para resolver seus problemas.
Falcão não trabalha como treinador há, sei lá, 15 anos.
Como pode um profissional que não exerce sua atividade há 15 anos ser chamado para resolver uma situação de crise? Alguém chamaria um cirurgião parado há 15 anos para uma operação de alto risco? O pensamento mágico comanda o futebol. O Grêmio tem Renato, seu principal ídolo, como técnico. O Inter precisa ter Falcão. O futebol, a exemplo da vida, na frase do grande argentino Borges, gosta de leves simetrias. Não, no caso, de simetrias escancaradas.
O único técnico que pode apresentar um currículo recente com uma relação sólida entre salário e resultados é Muricy Ramalho. Ganhou quatro campeonatos brasileiros em cinco anos. Poderiam ser cinco em seis anos se o Inter não tivesse sido roubado em favor do Corinthians em 2005. Técnico existe para ser o sargento que policia a galera, jovem e rica, sedenta de sexo e emoções caras, e a motiva para vencer. Jogadores de futebol de clubes como o Inter ganham uma fortuna para empatar ou perder. A vitória custa prêmio extra. O treinador leva uma banana para escolher entre dois esquemas: 4-4-2 ou 3-5-2. É barbada. Falcão vai botar time faceiro. Pode se consagrar ou dar vexame. Ou alcançar 58% de aproveitamento. Uau!
segunda-feira, 11 de abril de 2011
Hugo Chávez para presidente do Peru? Zero Hora acha que sim
Alexandre Haubrich
O
imperialismo, enquanto braço forte do capitalismo moderno, é a
principal bandeira da velha mídia internacional quando a pauta é
política exterior. No Brasil, da mesma forma como ocorre nos outros
países da América Latina, o mundo ideal da mídia (ainda) dominante é
aquele no qual o próprio país é entregue aos mais poderosos (EUA, por
exemplo, no nosso caso) ao mesmo tempo em que domina e explora os países
menos “competitivos”. Assim as empresas – nacionais e internacionais –
que financiam esses conglomerados de mídia seguem crescendo, avançando
sobre a autonomia das nações menos desenvolvidas, e os grupos de
comunicação crescem junto. Ao mesmo tempo, é sabido que as influências
políticas externas acabam, de uma forma ou de outra, chegando aos países
próximos. A guinada à esquerda da América Latina na última década segue
esse caminho.
É nesse contexto que cada eleição em qualquer país latino-americano é
motivo de preocupação para os conglomerados de mídia brasileiros. A
consciência de autonomia dos povos, o anti-imperialismo, o
fortalecimento do Estado e o empoderamento do povo vêm, obviamente,
acompanhados da perda de força dos grupos que historicamente dominam a
política, a economia e, por consequência, a mídia. E é isso o que, em
medidas diferentes, tem acontecido na América Latina. A tendência é
flagrante.
A estratégia é aplicada em conjunto pela grande imprensa
internacional aliada ao capital multinacional: vincular os candidatos de
esquerda a Hugo Chávez ao mesmo tempo em que constroem em Chávez a
imagem do demônio. Essa última construção já foi mostrada aqui no
Jornalismo B por diversas vezes.
Nos mais diversas veículos da direita brasileira, Chávez é
ridicularizado, apontado como louco, ignorante, ansioso por mais poder,
autoritário, ditador, cruel, etc etc etc. Raríssimas reportagens dão
conta das mudanças na sociedade venezuelana, na política do país, enfim,
do que acontece de importante por lá. Apenas intriguinhas aparentemente
infantilóides, que, no desespero por atacar os avanços da esquerda
latino-americana, infantilizam os leitores ou a audiência como forma de
criar uma imagem estereotipada do presidente venezuelano.
Agora, a eleição no Peru. No último domingo aconteceu a votação em
primeiro turno, com o candidato da esquerda, Ollanta Humala, aparecendo à
frente nas pesquisas, seguido de Keiko Fujimori (filha do
ex-presidente, hoje presidiário, Alberto Fujimori), com Pedro Paulo
Kuczynski e o atual presidente Alejandro Toledo logo atrás. Como o
jornal gaúcho Zero Hora destacou o dia do pleito? Uma cobertura de duas
páginas: na segunda, uma entrevista com Humala; na primeira, a matéria
“Peru vota temendo o chavismo”.
Nessa reportagem, da página 16, Keiko é citada uma vez, assim como
Kuczynski. Toledo é lembrado em duas oportunidades. O foco do texto é
Humala, cujo nome é citado nove vezes. Mas e o que dizer de Chávez? Seu
nome e a palavra “chavismo” estão presentes no texto em sete
oportunidades. Chávez é mais importante para a eleição do Peru do que os
próprios candidatos? Como disse o
sociólogo Cristóvão Feil no domingo, “Quem ler Zero Hora (grupo RBS) de
hoje vai achar que Hugo Chávez é candidato a presidente do Peru”.
Na entrevista com Humala, três das cinco perguntas se referem às
ligações do presidenciável com Chávez ou com o PT! Sim, porque há também
uma retranca à matéria principal que conta a participação de
brasileiros na campanha do candidato esquerdista. O texto tenta dar a
entender que o PT estaria intervindo nas eleições peruanas.
A cobertura de Zero Hora é inteira um desrespeito à autonomia e à
capacidade do povo peruano de escolher seus representantes com
independência. Usa a eleição peruana para voltar a atacar Chávez e
colocar sobre os movimentos de esquerda da América Latina a sombra de
uma grande conspiração “subversiva”, “autoritária”.
Em tempo: ao menos no primeiro turno a tentativa de amedrontar e
despolitizar o processo não funcionou, e Humala venceu. Vai enfrentar
Keiko Fujimori no segundo turno. A mídia internacional segue perdendo
batalhas na América Latina. E os ataques deverão ser cada vez mais
violentos, é o instinto do animal acuado.
*Ressalte-se que a cobertura da Folha de S. Paulo não foi por esse
caminho. Nas edições de sábado e domingo, trouxe reportagens
equilibradas e realmente informativas.
*Sobre quem são os candidatos à presidência do Peru, vale a leitura de artigo do Altamiro Borges.
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