Escrito por a Força, a UGT, CGTB, CTB | |
Com o início da industrialização, lá por volta de 1775, com a criação da
máquina a vapor, surgem duas classes sociais distintas: o Empresariado
Industrial e a Classe Operária.
Aproveitando-se da forte migração campo-cidade da época em busca de
trabalho assalariado, os empresários passaram a exigir dos seus
empregados jornadas longas, que chegavam a 16 e até 18 horas diárias. Os
descansos dos fins de semanas eram raros. Os salários baixos, o que
levava a que muitas donas de casa fossem para as fábricas, assim como
crianças, visando a melhora do rendimento para o lar.
A jornada prolongada fazia com que muitos adoecessem, sofressem
acidentes graves e provocou muitas mortes. Foi daí que começaram as
reações dos operários (os que operam as máquinas). As reações iniciais
foram individuais, isoladas, o que permitiu a repressão patronal. Essas
derrotas individuais forçaram o aprendizado de que era necessário
organizar a luta coletiva. Encontros internacionais de trabalhadores
decidiram organizar movimentos pela redução da jornada em todos os
países industrializados: oito horas de trabalho, oito horas de descanso e
oito horas para convívio familiar, atividades sociais e culturais.
No dia 1º de Maio de 1886, nos Estados Unidos, grande greve paralisou
mais de um milhão de operários. Mais de 100 mil pararam a cidade de
Chicago. Ali houve forte repressão policial, com gente ferida e mortes.
Quatro dias depois uma greve ainda maior, nova repressão, outras mortes e
a prisão de oito dirigentes daquela manifestação. Num julgamento a
"toque de caixa" e com "cartas marcadas", os jurados decidiram pela
condenação dos oito como os responsáveis pelos acontecimentos. Dois
foram condenados à prisão perpétua e um a 15 anos de prisão (Miguel
Schwab, Oscar Neeb e Samuel Fielden). Os outros cinco foram condenados à
morte pela forca em praça pública: August Spies, Albert Parsons, Adolph
Fischer, George Engel e Luiz Lingg - este último preferiu o suicídio na
cela.
As lutas se intensificaram em todos os países e, aos poucos, as oito
horas foram sendo conquistadas, assim como condições específicas para o
trabalho das mulheres e menores e tantos outros benefícios.
Passados 125 anos, o Capital desfecha novos golpes contra a classe
trabalhadora em todo o mundo capitalista, roubando direitos conquistados
com muita luta e muito sangue derramado. No Brasil não é diferente. Os
empresários querem o fim da jornada de 44 horas.
Na prática, obrigam seus trabalhadores a jornadas mais longas,
superiores até a 10 horas, inclusive aos sábados, domingos e feriados.
Exigem reformas da Previdência para que os trabalhadores se aposentem
após 65 anos (mulheres aos 60) de idade, e um mínimo de 35 anos de
contribuição. Com a rotatividade no emprego, o desemprego e os trabalhos
precários, poucos chegarão à aposentadoria: morrerão trabalhando.
Querem o fim do 13º salário, diminuição das férias, eliminação da
licença gestação/maternidade e a livre negociação por empresas para
facilitar o achatamento dos salários e quebrar de vez o papel
representativo dos sindicatos.
Quantos outros direitos já não vêm sendo surrupiados aos trabalhadores,
disfarçadamente? Um exemplo: a contratação para trabalhar sem registro
por experiência ou temporariamente.
Nossas esperanças foram depositadas na formação da Central Única dos
Trabalhadores (CUT), em 1983. O momento político da época e o avanço da
consciência da classe trabalhadora foram determinantes para esse novo
passo do conjunto do movimento sindical.
Entretanto, o empresariado não estava dormindo. Buscou novos aliados e
provocou o racha no movimento dos trabalhadores. Da união do peleguismo
comandado por Joaquinzão com a direção do então PCB, do PC do B e do
MR-8, nasce a divisionista CGT para combater as greves por categorias
profissionais ou mesmo gerais, como vinha acontecendo. Era o esforço
para dividir a classe operária, colocando-a a serviço dos interesses
patronais.
Contrariados com os fracos resultados dessa divisão, os homens do
capital patrocinaram a formação de mais uma central: A Força Sindical
(ou Farsa sindical?). O "sindicalismo de resultados", troca dos dedos
por alguns anéis, levou à capitulação progressiva da direção cutista. Já
nos anos 90 percebia-se que a direção da CUT não estava mais
interessada em defender os interesses dos trabalhadores. Sua meta era
outra: levar Lula à presidência da República, a qualquer preço. E esse
preço incluía a passividade do movimento sindical.
Hoje, estamos assistindo à mais vergonhosa capitulação das centrais
sindicais tradicionais aos interesses do capital nacional e
internacional. Sobretudo a CUT e a Força Sindical - verdadeiras inimigas
entre si nos anos 90 -, tornaram-se cúmplices da entrega dos nossos
direitos ao capital e se unem para abafar a consciência e a memória
histórica dos trabalhadores. Em São Paulo, estão unidas na promoção do
show no dia 1º de maio, a Força, a UGT, CGTB, CTB (esta correia de
transmissão do PC do B) e Nova Central. Show financiado por empresas
estatais (Petrobras, Caixa, Eletrobrás) e muitas empresas particulares
(Brahma, Carrefour, Casas Bahia, Pão de Açúcar, BMG, Banco Itaú,
Bradesco*), que financiarão também 20 carros a serem sorteados durante o
show.
O que é, então, celebrar o 1º de Maio, hoje, 125 anos depois dos
acontecimentos de Chicago? É retomar a organização autônoma dos
trabalhadores, a começar pelos locais de trabalho (fábricas, comércio,
hospitais, escolas, unidades públicas e também nas comunidades), para
reforçar os sindicatos que continuam comprometidos com os trabalhadores;
é fazer novas experiências de organização e de lutas visando a
construção de um outro instrumento de lutas, que não repita os desvios
ideológicos como vem acontecendo nos últimos 20 anos; é entrar nas lutas
em defesa dos nossos direitos, pelas 40 horas semanais, contra as
reformas que visam eliminar direitos conquistados e que estão circulando
no Congresso Nacional, entre tantas outras importantes.
Participe dos atos em memória dos nossos mártires! É urgente somar
forças com os setores do movimento sindical e popular que ainda resistem
aos ataques do capital e renovar o compromisso de lutar em defesa dos
nossos direitos.
Em São Paulo, ato na Praça da Sé, a partir das 10,00 horas
Atividades culturais, memória dos 125 anos de lutas e apresentação da
pauta de lutas da Classe Trabalhadora. Patrocínio das Pastorais Sociais,
de parcela do movimento social, dos sindicatos ligados à Conlutas e
Intersindical, Consulta Popular e partidos da esquerda (PSOL, PCB,
PSTU).
* Fonte: Folha de 24/04, página A10.
Waldemar Rossi é metalúrgico aposentado e coordenador da Pastoral Operária da Arquidiocese de São Paulo.
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Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
quinta-feira, 28 de abril de 2011
Celebrar 1º de Maio hoje significa lutar pela retomada da organização autônoma dos trabalhadores
Rebeliões: destruindo os estereótipos das mulheres árabes
Entre esta nova geração de proeminentes mulheres árabes, a
maioria escolhe usar o hijab. Urbanizadas e educadas, elas não são
menos confiantes e carismáticas que suas irmãs “desveladas”.
As revoluções árabes não somente estão abalando as estruturas da
tirania até suas mais profundas fundações, como estão destruindo muitos
dos mitos a respeito da região árabe que têm se acumulado por décadas.
No topo desta lista de mitos dominantes estão aqueles das mulheres
árabes como enjauladas, silenciadas, e invisíveis. Estes não são os
tipos de mulheres que apareceram na Tunísia, Egito, ou mesmo no
ultraconservador Iêmen nas últimas semanas e meses.
Não apenas as mulheres participaram ativamente nos movimentos de
protestos enfurecidos nestes países, como desempenharam também papeis
fundamentais. Elas organizaram protestos e piquetes, mobilizaram muitos
cidadãos, e eloquentemente expressaram suas exigências e aspirações por
mudanças democráticas.
Como Israa Abdel Fatteh, Nawara Nejm e Tawakul Karman, a maioria das
mulheres está na faixa dos 20 ou 30 anos. Há ainda casos inspiradores
de ativistas mais velhas: Saida Saadouni, uma mulher com seus 70 anos
na Tunísia, enrolou a bandeira nacional em seus ombros e participou dos
protestos de Qasaba, que conseguiram derrubar o governo provisório de
M. Ghannouchi. Tendo protestado por duas semanas, ela disseminou um
espírito revolucionário único entre os milhares que se reuniram a sua
volta para escutar seus discursos incendiários. “Eu resisti à ocupação
francesa. Eu resisti às ditaduras de Bourguiba e Ben Ali. Não
descansarei enquanto nossa revolução não chegar ao fim, por vocês, meus
filhos e filhas, não por mim,” disse Saadouni.
Seja nos campos de batalha virtuais da internet ou nos protestos
físicos nas ruas, as mulheres têm se provado como reais incubadoras de
lideranças. Isto é parte de um fenômeno mais amplo característico destas
revoluções. A política aberta das ruas fez nascer e amadurecer futuras
líderes. Elas crescem organicamente nos campos, muito mais do que
sendo impostas de cima por organizações políticas, grupos religiosos ou
imposições de gênero.
Outro estereótipo sendo desconstruído neste movimento é a associação
da burca com a passividade, submissão e segregação. Entre esta nova
geração de proeminentes mulheres árabes, a maioria escolhe usar o hijab.
Urbanizadas e educadas, elas não são menos confiantes e carismáticas
que suas irmãs “desveladas”. Elas são uma expressão da complexa formação
da cultura muçulmana, com processos de modernização e globalização
sendo a marca fundamental da sociedade árabe contemporânea.
Este novo modelo de líderes mulheres criadas em suas terras natais,
nascidas de levantes revolucionários, representa um desafio a duas
narrativas, as quais, embora diferentes nos detalhes, são similares em
referência ao mito da singularidade cultural árabe; ambos destituem a
figura da mulher árabe como criatura inerte e sem força de vontade.
A primeira narrativa – que é dominante nos círculos muçulmanos
conservadores – sentencia as mulheres a uma vida de reprodução e criação
das crianças; mulheres são feitas para viver nos estreitos confins de
suas casas com a permissão de seus maridos e parentes homens. Sua
presença deve se limitar em torno de noções de pureza sexual e honra
familiar; interpretações reducionistas da religião são procuradas para
justificar isto.
A outra visão é abraçada por euro-americanos neoliberais, que veem as
mulheres árabes e muçulmanas através do estreito prisma do modelo
Talibã: objetos miseráveis de pena que precisam de uma intervenção
benevolente de intelectuais, políticos ou mesmo militares. Mulheres
árabes aguardam a libertação da jaula escura do velamento para um jardim
prometido de iluminação.
As mulheres árabes estão se rebelando contra ambos modelos: elas
estão tomando para si as rédeas dos próprios destinos libertando a si
mesmas, ao passo em que libertam suas sociedades das ditaduras. O modelo
de emancipação que estão conformando com suas próprias mãos é definido
por suas próprias necessidades, escolhas e prioridades – e de ninguém
mais.
Embora possa haver resistência a este processo de emancipação, a
Praça Tahrir e Qasaba agora são parte da psiquê e da cultura das
mulheres árabes. De fato, elas finalmente têm voz para gritar seus há
muito silenciados anseios por libertação do autoritarismo – tanto
político quanto patriarcal.
* Tradução de Cainã Vidor.
* Publicado originalmente no site da Al Jazeera, em português no Envolverde.
quarta-feira, 27 de abril de 2011
Banda larga, avanços e impasses
Altamiro Borges em seu blog
O ano começou agitado para quem se interessa pelo debate de ampliação do
acesso à internet. O Ministério das Comunicações acelerou a implantação
do Plano Nacional de Banda Larga. Junto com a Anatel, o ministério
também discute a terceira versão do Plano Geral de Metas de
Universalização e consequentes mudanças nos contratos das empresas de
telefonia fixa, que devem ser revistos até 30 de junho. Por sua vez, o
Congresso Nacional discute mudanças na lei do Fundo de Universalização
dos Serviços de Telecomunicações.
Infelizmente, tamanho agito não se reflete necessariamente em boas notícias para aqueles preocupados com o interesse público. Em todas essas iniciativas, estão sendo tomadas decisões silenciosas que reorganizam o setor e derrubam pilares que sustentam o aspecto de serviço público nas telecomunicações. Acende-se a luz amarela e é hora de soar o alarme.
As boas e as más notícias
O acesso à banda larga no Brasil é caro, ruim e para poucos. Com isso concordam Ministério das Comunicações e a Anatel. Frente a esse cenário e à inação da gestão anterior do ministério, cerca de um ano e meio atrás, o gerenciamento das políticas de ampliação da banda larga e inclusão digital foi deslocado para o núcleo central do Governo Federal, e em maio de 2010 foi lançado o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL). Com a mudança de governo, mudou também a gestão do Ministério das Comunicações, que voltou a ser o centro formulador e implementador dessas políticas e do PNBL.
Na virada do ano, as notícias indicavam disposição do governo em enfrentar os interesses particulares das concessionárias de telecomunicações, principais responsáveis pelo quadro do acesso à internet no Brasil. De fato, o PNBL congrega propostas importantes em diferentes frentes (medidas regulatórias, políticas de investimento em infraestrutura, incentivos fiscais e tributários, fortalecimento de tecnologia nacional etc.), e sua implementação tem sido tratada com a urgência necessária.
O problema surgiu na negociação com as empresas concessionárias de telefonia fixa – Oi, Telefônica e Embratel. Depois de elas entrarem com processos contra o governo e a Telebrás, inclusive no Supremo Tribunal Federal, e questionarem as propostas iniciais do PGMU-III, o quadro mudou, e os resultados da negociação com o governo e a Anatel podem levar aos seguintes resultados negativos:
• Espectro gratuito – deve ser cedida, sem licitação e sem ônus, a faixa de 450-470MHz para as operadoras de telefonia fixa cumprirem as metas da telefonia rural. Essa faixa é capaz de suportar múltiplos acessos em banda larga e interessa à Telebrás por possibilitar melhores condições de promoção da inclusão digital. Numa doação de espectro por parte do Estado, as empresas ganharão esta faixa sem que se respeite a obrigatoriedade de licitação para a transferência de bens e recursos públicos.
• Obrigações privadas com dinheiro público – hoje as empresas devem pagar, a cada dois anos, 2% de sua receita operacional líquida como forma de pagamento pela concessão. A Anatel considera a possibilidade de os custos necessários para o cumprimento das obrigações de universalização previstas no novo PGMU serem descontadas desse valor.
• Sem obrigações de backhaul – backhauls são as ligações de internet das grandes redes para os municípios, a partir do qual se distribui o sinal para as redes que chegam para prover banda larga nas residências. Na versão anterior do PGMU-III, havia obrigações de as operadoras de telecomunicações instalarem backhauls em todas as localidades com mais de 1.000 habitantes. Naquele momento, houve críticas da sociedade civil a esta medida pela inclusão de metas de internet no plano de telefonia fixa, o que é proibido por lei e levaria ao subsídio cruzado entre os serviços, com o custeamento da banda larga pela telefonia fixa, quando o correto seria prever metas de universalização específicas à internet. De outro lado, houve críticas das empresas, que não queriam arcar com o investimento. Provavelmente não haverá qualquer menção a essa obrigação na versão final, mas também não está prevista a definição de metas próprias para a banda larga. Em resumo, prevaleceu a posição das empresas.
• Sem concorrência da Telebrás no varejo – o decreto de criação da Telebrás dizia que ela iria atuar na oferta direta ao usuário final onde inexistisse oferta ‘adequada’ pelas operadoras privadas. Agora, o Governo Federal diz que espera que as operadoras privadas deem conta dessa tarefa e que, em princípio, a Telebrás só vai atuar no atacado.
• Sem serviço público – a banda larga segue sendo tratada como serviço prestado apenas em regime privado, sem obrigações de universalização, sem controle de tarifas e sem uma série de garantias típicas de serviço público.
A fundo perdido
Não bastassem todos esses pontos, o Congresso Nacional está em vias de aprovar um projeto de lei que modifica a lei do FUST, permitindo que o fundo possa ser utilizado não apenas para universalização, mas para qualquer investimento em serviços de telecomunicações, prestados em regime público ou privado. Aquilo que pode parecer uma boa notícia pode se configurar, na verdade, em uma gigantesca doação de recursos públicos para as empresas privadas expandirem seu patrimônio.
Isso porque as contrapartidas exigidas ficam totalmente em aberto, não sendo nem mesmo obrigatórias na versão atual do projeto. Além disso, não há reversibilidade dos bens adquiridos com o dinheiro do FUST, ou seja, as empresas ficarão eternamente de posse de todos os bens adquiridos com esse recurso público, mesmo que deixemde prestar o serviço.
Se todos concordamos que é urgente ampliar o acesso à banda larga no país, a reivindicação é que isto se faça por meio do reconhecimento da internet como um serviço essencial, a ser prestado em regime público. Com isto, a lei do FUST permaneceria como está, impedindo mudança que resulte em transferência da renda dos consumidores às empresas de telecomunicações, já bastante beneficiadas. Mais do que ampliado, o acesso à banda larga deve ser universalizado, o que o PNBL não estabelece nem como meta. De toda forma, nem mesmo o desafio da massificação pode ser enfrentado sem que haja um papel ativo do Estado – não apenas como gerente ou fiscal das políticas, mas como agente econômico e executor do serviço.
Os fatos demonstram a necessidade de se voltar os olhos com urgência às políticas de acesso à banda larga no país. Este serviço é essencial e é dever do Estado garantir sua universalização, com políticas pautadas no interesse público. A Campanha "Banda Larga é um Direito Seu! Uma ação pela internet barata, de qualidade e para todos" defende o acesso à internet em banda larga como direito fundamental e se organiza para pressionar por seu reconhecimento nestes termos.
Para debater esses assuntos e lançar publicamente a campanha foram programadas em várias cidades atividades para a noite do dia 25 de abril, segunda-feira (mais informações no site campanhabandalarga.org.br). É preciso que organizações da sociedade civil e movimentos sociais estejam atentos e mobilizados, e que sejam entendidas como interlocutoras neste debate, da mesma forma que são os representantes de concessionárias e provedores.
Infelizmente, tamanho agito não se reflete necessariamente em boas notícias para aqueles preocupados com o interesse público. Em todas essas iniciativas, estão sendo tomadas decisões silenciosas que reorganizam o setor e derrubam pilares que sustentam o aspecto de serviço público nas telecomunicações. Acende-se a luz amarela e é hora de soar o alarme.
As boas e as más notícias
O acesso à banda larga no Brasil é caro, ruim e para poucos. Com isso concordam Ministério das Comunicações e a Anatel. Frente a esse cenário e à inação da gestão anterior do ministério, cerca de um ano e meio atrás, o gerenciamento das políticas de ampliação da banda larga e inclusão digital foi deslocado para o núcleo central do Governo Federal, e em maio de 2010 foi lançado o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL). Com a mudança de governo, mudou também a gestão do Ministério das Comunicações, que voltou a ser o centro formulador e implementador dessas políticas e do PNBL.
Na virada do ano, as notícias indicavam disposição do governo em enfrentar os interesses particulares das concessionárias de telecomunicações, principais responsáveis pelo quadro do acesso à internet no Brasil. De fato, o PNBL congrega propostas importantes em diferentes frentes (medidas regulatórias, políticas de investimento em infraestrutura, incentivos fiscais e tributários, fortalecimento de tecnologia nacional etc.), e sua implementação tem sido tratada com a urgência necessária.
O problema surgiu na negociação com as empresas concessionárias de telefonia fixa – Oi, Telefônica e Embratel. Depois de elas entrarem com processos contra o governo e a Telebrás, inclusive no Supremo Tribunal Federal, e questionarem as propostas iniciais do PGMU-III, o quadro mudou, e os resultados da negociação com o governo e a Anatel podem levar aos seguintes resultados negativos:
• Espectro gratuito – deve ser cedida, sem licitação e sem ônus, a faixa de 450-470MHz para as operadoras de telefonia fixa cumprirem as metas da telefonia rural. Essa faixa é capaz de suportar múltiplos acessos em banda larga e interessa à Telebrás por possibilitar melhores condições de promoção da inclusão digital. Numa doação de espectro por parte do Estado, as empresas ganharão esta faixa sem que se respeite a obrigatoriedade de licitação para a transferência de bens e recursos públicos.
• Obrigações privadas com dinheiro público – hoje as empresas devem pagar, a cada dois anos, 2% de sua receita operacional líquida como forma de pagamento pela concessão. A Anatel considera a possibilidade de os custos necessários para o cumprimento das obrigações de universalização previstas no novo PGMU serem descontadas desse valor.
• Sem obrigações de backhaul – backhauls são as ligações de internet das grandes redes para os municípios, a partir do qual se distribui o sinal para as redes que chegam para prover banda larga nas residências. Na versão anterior do PGMU-III, havia obrigações de as operadoras de telecomunicações instalarem backhauls em todas as localidades com mais de 1.000 habitantes. Naquele momento, houve críticas da sociedade civil a esta medida pela inclusão de metas de internet no plano de telefonia fixa, o que é proibido por lei e levaria ao subsídio cruzado entre os serviços, com o custeamento da banda larga pela telefonia fixa, quando o correto seria prever metas de universalização específicas à internet. De outro lado, houve críticas das empresas, que não queriam arcar com o investimento. Provavelmente não haverá qualquer menção a essa obrigação na versão final, mas também não está prevista a definição de metas próprias para a banda larga. Em resumo, prevaleceu a posição das empresas.
• Sem concorrência da Telebrás no varejo – o decreto de criação da Telebrás dizia que ela iria atuar na oferta direta ao usuário final onde inexistisse oferta ‘adequada’ pelas operadoras privadas. Agora, o Governo Federal diz que espera que as operadoras privadas deem conta dessa tarefa e que, em princípio, a Telebrás só vai atuar no atacado.
• Sem serviço público – a banda larga segue sendo tratada como serviço prestado apenas em regime privado, sem obrigações de universalização, sem controle de tarifas e sem uma série de garantias típicas de serviço público.
A fundo perdido
Não bastassem todos esses pontos, o Congresso Nacional está em vias de aprovar um projeto de lei que modifica a lei do FUST, permitindo que o fundo possa ser utilizado não apenas para universalização, mas para qualquer investimento em serviços de telecomunicações, prestados em regime público ou privado. Aquilo que pode parecer uma boa notícia pode se configurar, na verdade, em uma gigantesca doação de recursos públicos para as empresas privadas expandirem seu patrimônio.
Isso porque as contrapartidas exigidas ficam totalmente em aberto, não sendo nem mesmo obrigatórias na versão atual do projeto. Além disso, não há reversibilidade dos bens adquiridos com o dinheiro do FUST, ou seja, as empresas ficarão eternamente de posse de todos os bens adquiridos com esse recurso público, mesmo que deixemde prestar o serviço.
Se todos concordamos que é urgente ampliar o acesso à banda larga no país, a reivindicação é que isto se faça por meio do reconhecimento da internet como um serviço essencial, a ser prestado em regime público. Com isto, a lei do FUST permaneceria como está, impedindo mudança que resulte em transferência da renda dos consumidores às empresas de telecomunicações, já bastante beneficiadas. Mais do que ampliado, o acesso à banda larga deve ser universalizado, o que o PNBL não estabelece nem como meta. De toda forma, nem mesmo o desafio da massificação pode ser enfrentado sem que haja um papel ativo do Estado – não apenas como gerente ou fiscal das políticas, mas como agente econômico e executor do serviço.
Os fatos demonstram a necessidade de se voltar os olhos com urgência às políticas de acesso à banda larga no país. Este serviço é essencial e é dever do Estado garantir sua universalização, com políticas pautadas no interesse público. A Campanha "Banda Larga é um Direito Seu! Uma ação pela internet barata, de qualidade e para todos" defende o acesso à internet em banda larga como direito fundamental e se organiza para pressionar por seu reconhecimento nestes termos.
Para debater esses assuntos e lançar publicamente a campanha foram programadas em várias cidades atividades para a noite do dia 25 de abril, segunda-feira (mais informações no site campanhabandalarga.org.br). É preciso que organizações da sociedade civil e movimentos sociais estejam atentos e mobilizados, e que sejam entendidas como interlocutoras neste debate, da mesma forma que são os representantes de concessionárias e provedores.
Espiritualidade pós-moderna
Frei Betto | |
O que caracteriza os tempos pós-modernos em que vivemos, segundo
Lyotard, é a falta de resposta para a questão do sentido da existência.
Por enquanto, estamos na zona nebulosa da terceira margem do rio.
A modernidade agoniza, solapada por esse buraco aberto no centro do
coração pela cultura da abundância. Nunca a felicidade foi tão
insistentemente ofertada. Está ao alcance da mão, ali na prateleira, na
loja da esquina, publicizada em todo tipo de mercadoria.
No entanto, a alma se dilacera, seja pela frustração de não dispor de
meios para alcançá-la, seja por angariar os produtos do fascinante mundo
do consumismo e descobrir que, ainda assim, o espírito não se sacia...
A publicidade repete incessantemente que todos temos a obrigação de ser
felizes, de vencer, de nos destacarmos do comum dos mortais. Sobre esses
recai o sentimento de culpa por seu fracasso. Resta-lhes, porém, uma
esperança, apregoam os que deslocam a mensagem evangélica da Terra para o
Céu: o caráter miraculoso da fé. Jesus é a solução de todos os
problemas. Inútil procurá-la nos sindicatos, nos partidos, na
mobilização da sociedade.
Vivemos num universo fragmentado por múltiplas vozes, frente a um
horizonte desprovido de absolutos, com a nossa própria imagem mil vezes
distorcida no jogo de espelhos. Engolida pelo vácuo pós-moderno, a
religião tende a reduzir-se à esfera do privado; olvida sua função
social; ampara-se no mágico; desencanta-se na auto-ajuda imediata.
Nesse mundo secularizado, a religião perde espaço público, devido à
racionalidade tecnocientífica, ao pluralismo de cosmovisões, à
racionalidade econômica. Sobretudo, deixa de ser a única provedora de
sentido. Seu lugar é ocupado pelo oráculo poderoso da mídia; os dogmas
inquestionáveis do mercado; o amplo leque de propostas esotéricas.
A crise da modernidade favorece uma espiritualidade adaptada às
necessidades psicossociais de evasão, da falta de sentido, de fuga da
realidade conflitiva. Espiritualidade impregnada de orientalismo, de
tradições religiosas egocêntricas, ou seja, centradas no eu, e não no
outro, capazes de livrar o indivíduo da conflitividade e da
responsabilidade sociais.
Agora, manipula-se o sagrado, submetendo-o aos caprichos humanos. O
sobrenatural se curva às necessidades naturais. A solução dos problemas
da Terra reside no Céu. De lá derivam a prosperidade, a cura, o alívio.
As dificuldades pessoais e sociais devem ser enfrentadas, não pela
política, mas pela auto-ajuda, a meditação, a prática de ritos, as
técnicas psico-espirituais.
Reduzem-se, assim, a dimensão social do Evangelho e a opção pelos
pobres. O sagrado passa ser ferramenta de poder, para controle de
corações e mentes, e também do espaço político. O Bem se identifica com a
minha crença religiosa. Bin Laden exige que o Ocidente se converta à
sua fé, não ao bem, à justiça, ao amor.
Essa religião, mais voltada à sua dilatação patrimonial que ao
aprimoramento do processo civilizatório, evita criticar o poder político
para, assim, obter dele benefícios: concessão de rádio e TV etc. Ajusta
a sua mensagem a cada grupo social que se pretende alcançar.
Sua ideologia consiste em negar toda ideologia. Assim, ela sacraliza e
fortalece o sistema cujo valor supremo, o capital, se sobrepõe aos
direitos humanos. Como observava Comblin, as forças que hoje dominam são
infinitamente superiores às das ditaduras militares.
Aos pobres, excluídos deste mundo, resta se entregarem às promessas de
que serão incluídos, cobertos de bênçãos, no outro mundo que se
descortina com a morte. Frente a essa "teologia" fica a impressão de que
a encarnação de Deus em Jesus foi um equívoco. E que o próprio Deus
mostra-se incapaz de evitar que sua Criação seja dominada pelas forças
do mal.
Felizmente, nas Comunidades Eclesiais de Base, nas pastorais sociais,
nos grupos de leitura popular da Bíblia, fortalece-se a espiritualidade
de inserção evangélica. A que nos induz a ser fermento na massa e crê na
palavra de Jesus, de que ele veio "para que todos tenham vida e vida em
abundância" (João 10, 10).
Fomos criados para ser felizes neste mundo. Se há dor e injustiça, não
são castigos divinos, resultam de obra do ser humano e por ele devem ser
erradicadas. Como diz Guimarães Rosa, "o que Deus quer ver é a gente
aprendendo a ser capaz de ficar alegre e amar, no meio da tristeza. Todo
caminho da gente é resvaloso. Mas cair não prejudica demais. A gente
levanta, a gente sobe, a gente volta".
Frei Betto é escritor, autor de "Um homem chamado Jesus" (Rocco), entre outros livros.
Página e Twitter do autor:www.freibetto.org - twitter:@freibetto
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Governo do RS já esboçou o projeto para pagar as RPVs. Agora, espera a avaliação da base aliada
Rachel Duarte no Sul21
Na manhã desta terça-feira (27), o governo gaúcho e os líderes de
partidos da base aliada na Assembleia Legislativa (PT, PSB, PCdoB, PTB e
PDT) se reuniram pela primeira vez. Os deputados foram informados sobre
os projetos que compõem o Programa de Sustentabilidade Financeira. O
Palácio Piratini enviará o pacote para a Assembleia Legislativa no mês
de maio. Entre os projetos em elaboração e à espera da apreciação da
base aliada está o que trata do pagamento dos precatórios e das
Requisições de Pequeno Valor (RPV). O Porgrama também foi discutido em
reunião do governador Tarso Genro com os secretários. Ao final da
reunião, o governador afirmou: “A reunião do secretariado foi excelente.
Um debate qualificado das medidas de sustentabilidade financeira do Rio
Grande do Sul.”
O pagamento das Requisições de Pequeno Valor é um dos dilemas
enfrentados, atualmente, pelo Governo Tarso. O volume — segundo a líder
do governo na Assembleia, deputada Miriam Marroni — triplicou nos
últimos sete meses. Isto levou o governo a estudar uma forma de pagar a
dívida, sem esvaziar ainda mais o cofre público. O Executivo, no
entanto, mantém silêncio sobre o que pretende propor para viabilizar o
pagamento de cerca de R$ 11 milhões referentes às RPVs, equivalentes aos
precatórios renegociados, em que o Estado paga o teto de 40 salários
mínimos. A maior parte desta dívida é com funcionários aposentados e
pensionistas, que entraram na Justiça reivindicando o pagamento da
chamada Lei Brito.
A Emenda Constitucional nº 62, publicada em 10 de dezembro de 2009,
determina que o governo disponibilize o equivalente a 1,5% da Receita
Corrente Líquida — RCL para o pagamento dos precatórios. Os valores
definidos por lei são depositados mensalmente pelo Tesouro do Estado em
duas contas correntes. Em 2010, foram pagos R$ 498 milhões. Para este
ano, a previsão é de que serão pagos R$ 314 milhões.
De acordo com a Emenda Constitucional, 50% dos recursos se destinam
ao pagamento dos precatórios, que deve ser feito em ordem cronológica,
dando preferência aos idosos (mais de 60 anos) e a portadores de doenças
graves. Os outros 50% vão para conciliações, leilões e pagamento por
ordem crescente de valor.
Nos últimos setes meses cresceu o número de precatoristas que
passaram a negociar o valor de seus créditos, entrando na fila dos que
aceitam, em vez do valor total a que têm direito, o equivalente a 40
salários minimos. Com isso, deveriam receber o que o Estado lhes deve no
prazo máximo de 60 dias. Ricardo Bertelle, assessor jurídico do
Sindicato dos Servidores Aposentados e Pensionista do RS, o Sinapers,
afirma que a negociação tornou-se uma alternativa para os beneficiários
poderem receber os valores a que têm direito ainda em vida, já que os
precatórios não vêm sendo pagos desde 1999.
“Os precatórios têm que ser inscritos até 1º de julho de cada ano
para terem previsão orçamentária no ano seguinte. As RPVs não. São
decididas pela Justiça e devem ser pagas em até 60 dias pela Fazenda”,
ressalta Bertelle. Expirado este prazo, sem pagamento, o Poder
Judiciário pode sequestrar os valores das contas do estado. Segundo
Bertelle, no entanto, mesmo as RPVs estão com pagamento atrasado. “Levam
de seis meses a um ano e meio para serem pagos”, disse.
A anomalia da dívida
O número de RPVs — decididas pela Justiça de acordo com a decisão do
credor em negociar com o Estado — não pode ser previsto, ao contrário
do de precatórios. No entanto, a Secretaria Estadual da Fazenda
trabalha, atualmente, com dois números: R$ 800 milhões, relativos à
dívida com RPVS, e R$ 300 milhões a serem pagos, este ano, em
precatórios.
O dilema do governo Tarso Genro é como pagar os RPVs no curto espaço
de tempo, determinado pela legislação, tendo em vista um déficit
orçamentário de R$ 1 bilhão. Nenhuma autoridade se dispõe a revelar o
que o governo pretende fazer para superar este problema. Afirmam apenas
que a intenção é pagar a dívida.
A líder do governo na Assembleia, deputada estadual Miriam Marroni
(PT), disse que há a necessidade de normatizar a legislação, e, assim,
encontrar uma forma de o estado cumprir com as obrigações para com os
funcionários. Sem precisar quais as linhas gerais da proposta do governo
e o limite que pretende propor para o pagamento desta dívida, Miriam
disse que, nesta quarta-feira (27), começará a dialogar com a base
aliada para coletar contribuições dos parlamentares. “Nós aumentamos a
receita do estado, mas os valores de RPVs triplicaram nos últimos sete
meses. Precisamos ver como iremos resolver isso. Mas, nós vamos pagar”,
garantiu.
Os demais líderes consultados pelo Sul21 adotaram o
mesmo poscionamento da líder do governo. Todos confirmaram que os
precatórios e as RPVs estiveram na pauta da reunião desta terça-feira,
mas não deram qualquer detalhe. “Ficou de ser detalhado melhor na
próxima semana ou na outra ainda”, disse o deputado Adroaldo Loureiro,
líder da bancada do PDT.
As intenções do governo
O secretário da Fazenda, Odir Tonollier, esteve na reunião com os
líderes dos partidos da base, na Casa Civil, mas, nem ele nem o chefe da
Casa Civil, Carlos Pestana, falaram sobre o assunto, apesar de o esboço
do projeto já estar pronto. A orientação é falar apenas quando a
proposta estiver concluída.
Em declarações já dadas à imprensa, o governo deixou transparecer o
desejo de diminuir o valor das RPVs para 20 salários mínimos e aumentar o
prazo de pagamento para 120 dias. A pré-proposta foi, imediatamente,
repudiada pelas categorias dos servidores.
Segundo a presidente do Cpers, Rejane de Oliveira, os precatórios só
existem por falha no cumprimento dos direitos dos trabalhadores por
parte do estado ao longo dos anos. Portanto, ela defende, em nome da
entidade, que “é impossível pedir mais sacrifícios à categoria”. Rejane
disse ainda que, ao não pagar os precatórios, o governo já obrigou os
trabalhadores a abrirem mão dos valores a que tinham direito em troca
das Requisições de Pequeno Valor (RPV). “Somos contra qualquer alteração
no pagamento das RPVs, porque já abrimos mão uma vez”, reforçou.
Nas mais recentes declarações de representantes do governo Tarso
surgiu a intenção de definir um montante anual para o pagamento das
RPVs, seguindo o definido pela Emenda Constitucional 62, no que diz
respeito ao pagamento de precatórios. Os que não fossem pago este ano,
por exemplo, entrariam na fila do próximo ano. Mais uma vez, a sugestão
do governo não agradou aos gaúchos.
“Isto é uma afronta aos direitos dos trabalhadores. Já nos foi
retirado o direito de receber o valor integral (dos precatórios). Agora,
querem uma medida para empurrar mais uma vez com a barriga?”, critica a
presidente do Cpers Rejane de Oliveira.
A posição do Sinapers (Sindicato dos Servidores Aposentados e
Pensionista do RS) é a mesma. “Não é bom porque hoje não tem uma fila de
RPVs. Elas entram e têm que ser pagas. Ao estabelecer este percentual
de 1,5% da Receita Líquida, forma uma nova fila. Assim terá outro
calote. Além do calote dos precatórios, terá o calote das RPVs”, compara
o assessor jurídico do Sinapers, Ricardo Bertelle. Para ele, um pouco
de boa vontade política poderia dar outro desfecho para o problema da
dívida dos precatórios e RPVs. “A Constituição Federal, no artigo 100,
parágrafo 16, diz que a União poderá assumir a dívida de precatórios e
renegociá-la com o estado”, afirmou, lembrando a afinidade partidária
entre os governos federal e estadual, o que, segundo Bertelle,
fortaleceria a alternativa.
Na visão do presidente da Comissão Especial dos Precatórios Judiciais
no RS, na Assembleia Legislativa gaúcha, deputado Frederico Antunes
(PP), uma possibilidade seria o governo repensar sua posição sobre as
Parcerias Público Privadas (PPPs) para encaminhar as grandes obras do
governo. Com isso, diz ele, sobrariam mais recursos para pagamento de
dívidas como as de precatórios e RPVs. “Eu disse para a Miriam (Marroni)
que não podemos mexer no volume que tem hoje desta dívida. O estado
deve cumprir as suas obrigações com recursos além do Orçamento. Vou
apresentar o debate sobre as PPPs novamente à Comissão de Serviços
Públicos”, falou.
terça-feira, 26 de abril de 2011
A trincheira de Jean Wyllys
Posted by Leandro Fortes under Hombridade
Jean Wyllys de Matos Santos é um sujeito tranquilo, bem humorado, que
defende idéias sem alterar a voz, as mais complexas, as mais simples,
baiano, enfim. Ri, como todos os baianos, da pecha da preguiça, como
assim nomeiam os sulistas um sentimento que lhes é desconhecido: a
ausência de angústia. Homossexual assumido, Jean cerra fileiras no
pequeno e combativo PSOL, a única trincheira radical efetivamente ativa
na política brasileira. E é justamente no Congresso Nacional que o
deputado Jean Wyllys, eleito pelos cidadãos fluminenses, tem se
movimentado numa briga dura de direitos civis, a luta contra a
homofobia.
Cerca de 200 homossexuais são assassinados no Brasil, anualmente,
exclusivamente por serem gays. Entre eles, muitos adolescentes.
Mas o Brasil tem pavor de discutir esse assunto, inclusive no
Congresso, onde o discurso machista une sindicalistas a ruralistas, em
maior ou menor grau, mas, sobretudo, tem como aliado as bancadas
religiosas, unidas em uma cruzada evangélica. Os neopentecostais, como
se sabe, acreditam na cura da homossexualidade, uma espécie de praga do
demônio capaz de ser extirpada como a um tumor maligno. O mais incrível,
no entanto, não é o medievalismo dessa posição, mas o fato de ela
conseguir interditar no Parlamento não só a discussão sobre a
criminalização da homofobia, mas também o direito ao aborto e a
legalização das drogas. Em nome de uma religiosidade tacanha, condenam à
morte milhares de brasileiros pobres e, de quebra, mobilizam em torno
de si e de suas lideranças o que há de mais lamentável no esgoto da
política nacional.
Jean Wyllys se nega a ser refém dessa gente e, por isso mesmo, é
odiado por ela. Contra ele, costumam lembrar-lhe a participação no Big
Brother Brasil, o inefável programa de massa da TV Globo, onde a
debilidade humana, sobretudo a de caráter intelectual, é vendida como
entretenimento. Jean venceu uma das edições do BBB, onde foi aceito por
ser um homossexual discreto, credenciado, portanto, para plantar a
polêmica, mas não de forma a torná-la um escândalo. Dono de um discurso
político bem articulado, militante da causa gay e intelectualmente
superior a seus pares, não só venceu o programa como ganhou visibilidade
nacional. De repórter da Tribuna da Bahia, em Salvador, virou redator
do programa Mais Você, de Ana Maria Braga, mas logo percebeu que isso
não era, exatamente, uma elevação de status profissional.
Na Câmara dos Deputados, Jean Wyllys, 36 anos, baiano de Alagoinhas,
tornou-se a cara da luta contra a homofobia no Brasil, justamente num
momento em que se discute até a criminalização do bullying. Como se, nas
escolas brasileiras, não fossem os jovens homossexuais o alvo principal
das piores e mais violentas “brincadeiras” perpetradas por aprendizes
de brucutus alegremente estimulados pelo senso comum. Esses mesmos
brucutus que, hoje, ligam para o gabinete do deputado do PSOL para
ameaçá-lo de morte.
Abaixo, a íntegra de uma carta escrita por Jean ao Jornal do Brasil,
por quem foi acusado, por um colunista do JB Wiki (seja lá o que isso
signifique), de “censurar cristãos”. O texto é uma pequena aula de
civilidade e História. Vale à pena lê-lo:
Em primeiro lugar, quero lembrar que nós vivemos em um Estado
Democrático de Direito e laico. Para quem não sabe o que isso quer
dizer, “Estado laico”, esclareço: O Estado, além de separado da Igreja
(de qualquer igreja), não tem paixão religiosa, não se pauta nem deve se
pautar por dogmas religiosos nem por interpretações fundamentalistas de
textos religiosos (quaisquer textos religiosos). Num Estado Laico e
Democrático de Direito, a lei maior é a Constituição Federal (e não a
Bíblia, ou o Corão, ou a Torá).
Logo, eu, como representante eleito deste Estado Laico e
Democrático de Direito, não me pauto pelo que diz A Carta de Paulo aos
Romanos, mas sim pela Carta Magna, ou seja, pelo que está na
Constituição Federal. E esta deixa claro, já no Artigo 1º, que um dos
fundamentos da República Federativa do Brasil é a dignidade da pessoa
humana e em seu artigo 3º coloca como objetivos fundamentais a
construção de uma sociedade livre, justa e solidária e a promoção do bem
de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação. A república Federativa do
Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos princípios da
prevalência dos Direitos Humanos e repúdio ao terrorismo e ao racismo.
Sendo a defesa da Dignidade Humana um princípio soberano da
Constituição Federal e norte de todo ordenamento jurídico Brasileiro,
ela deve ser tutelada pelo Estado e servir de limite à liberdade de
expressão. Ou seja, o limite da liberdade de expressão de quem quer que
seja é a dignidade da pessoa humana do outro. O que fanáticos e
fundamentalistas religiosos mais têm feito nos últimos anos é violar a
dignidade humana de homossexuais.
Seus discursos de ódio têm servido de pano de fundo para brutais
assassinatos de homossexuais, numa proporção assustadora de 200 por ano,
segundo dados levantados pelo Grupo Gay da Bahia e da Anistia
Internacional. Incitar o ódio contra os homossexuais faz, do incitador,
um cúmplice dos brutais assassinatos de gays e lésbicas, como o que
ocorreu recentemente em Goiânia, em que a adolescente Adriele Camacho de
Almeida, 16 anos, que, segundo a mídia, foi brutalmente assassinada por
parentes de sua namorada pelo fato de ser lésbica. Ou como o que
ocorreu no Rio de Janeiro, em que o adolescente Alexandre Ivo, que foi
enforcado, torturado e morto aos 14 anos por ser afeminado.
O PLC 122 , apesar de toda campanha para deturpá-lo junto à
opinião pública, é um projeto que busca assegurar para os homossexuais
os direitos à dignidade humana e à vida. O PLC 122 não atenta contra a
liberdade de expressão de quem quer que seja, apenas assegura a
dignidade da pessoa humana de homossexuais, o que necessariamente põe
limite aos abusos de liberdade de expressão que fanáticos e
fundamentalistas vêm praticando em sua cruzada contra LGBTs.
Assim como o trecho da Carta de Paulo aos Romanos que diz que o
“homossexualismo é uma aberração” [sic] são os trechos da Bíblia em
apologia à escravidão e à venda de pessoas (Levítico 25:44-46 – “E,
quanto a teu escravo ou a tua escrava que tiveres, serão das gentes que
estão ao redor de vós; deles comprareis escravos e escravas…”), e
apedrejamento de mulheres adúlteras (Levítico 20:27 – “O homem ou mulher
que consultar os mortos ou for feiticeiro, certamente será morto. Serão
apedrejados, e o seu sangue será sobre eles…”) e violência em geral
(Deuteronômio 20:13:14 – “E o SENHOR, teu Deus, a dará na tua mão; e
todo varão que houver nela passarás ao fio da espada, salvo as mulheres,
e as crianças, e os animais; e tudo o que houver na cidade, todo o seu
despojo, tomarás para ti; e comerás o despojo dos teus inimigos, que te
deu o SENHOR, teu Deus…”).
A leitura da Bíblia deve ensejar uma religiosidade sadia e
tolerante, livre de fundamentalismos. Ou seja, se não pratica a
escravidão e o assassinato de adúlteras como recomenda a Bíblia, então
não tem por que perseguir e ofender os homossexuais só por que há nela
um trecho que os fundamentalistas interpretam como aval para sua
homofobia odiosa.
Não declarei guerra aos cristãos. Declarei meu amor à vida dos
injustiçados e oprimidos e ao outro. Se essa postura é interpretada como
declaração de guerra aos cristãos, eu já não sei mais o que é o
cristianismo. O cristianismo no qual fui formado – e do qual minha mãe,
irmãos e muitos amigos fazem parte – valoriza a vida humana, prega o
respeito aos diferentes e se dedica à proteção dos fracos e oprimidos.
“Eu vim para que TODOS tenham vida; que TODOS tenham vida plenamente”,
disse Jesus de Nazaré.
Não, eu não persigo cristãos. Essa é a injúria mais odiosa que se
pode fazer em relação à minha atuação parlamentar. Mas os
fundamentalistas e fanáticos cristãos vêm perseguindo sistematicamente
os adeptos da Umbanda e do Candomblé, inclusive com invasões de
terreiros e violências físicas contra lalorixás e babalorixás como
denunciaram várias matérias de jornais: é o caso do ataque, por quatro
integrantes de uma igreja evangélica, a um centro de Umbanda no Catete,
no Rio de Janeiro; ou o de Bernadete Souza Ferreira dos Santos, Ialorixá
e líder comunitária, que foi alvo de tortura, em Ilhéus, ao ser
arrastada pelo cabelo e colocada em cima de um formigueiro por policiais
evangélicos que pretendiam “exorcizá-la” do “demônio”.
O que se tem a dizer? Ou será que a liberdade de crença é um direito só dos cristãos?
Talvez não se saiba, mas quem garantiu, na Constituição Federal, o
direito à liberdade de crença foi um ateu Obá de Xangô do Ilê Axé Opô
Aforjá, Jorge Amado. Entretanto, fundamentalistas cristãos querem fazer
uso dessa liberdade para perseguir religiões minoritárias e ateus.
Repito: eu não declarei guerra aos cristãos. Coloco-me contra o
fanatismo e o fundamentalismo religioso – fanatismo que está presente
inclusive na carta deixada pelo assassino das 13 crianças em Realengo,
no Rio de Janeiro.
Reitero que não vou deixar que inimigos do Estado Democrático de
Direito tente destruir minha imagem com injúrias como as que fazem parte
da matéria enviada para o Jornal do Brasil. Trata-se de uma ação
orquestrada para me impedir de contribuir para uma sociedade justa e
solidária. Reitero que injúria e difamação são crimes previstos no
Código Penal. Eu declaro amor à vida, ao bem de todos sem preconceito de
cor, raça, sexo, idade e quaisquer outras formas de preconceito. Essa é
a minha missão.
Jean Wyllys (Deputado Federal pelo PSOL Rio de Janeiro)
Jean Wyllys (Deputado Federal pelo PSOL Rio de Janeiro)
segunda-feira, 25 de abril de 2011
Criança, entre livros e TV
A vantagem da leitura sobre a TV é que, frente ao
monitor, a criança permanece inteiramente receptiva, sem condições de
interagir com o filme ou o desenho animado
Frei Betto
Foi
o psicanalista José Ângelo Gaiarsa, um dos mestres de meu irmão Léo,
também terapeuta, que me despertou para as obras de Glenn e Janet Doman,
do Instituto de Desenvolvimento Humano de Filadélfia. O casal é
especialista no aprimoramento do cérebro humano.
Os
bichos homem e mulher nascem com cérebros incompletos. Graças ao
aleitamento, em três meses as proteínas dão acabamento a este órgão que
controla os nossos mínimos movimentos e faz o nosso organismo secretar
substâncias químicas que asseguram o nosso bem-estar. Ele é a base de
nossa mente e dele emana a nossa consciência. Todo o nosso conhecimento,
consciente e inconsciente, fica arquivado no cérebro.
Ao
nascer, nossa malha cerebral é tecida por cerca de 100 bilhões de
neurônios. Aos seis anos, metade desses neurônios desaparecem como
folhas que, no outono, se desprendem dos galhos. Por isso, a fase entre
zero e 6 anos é chamada de “idade do gênio”. Não há exagero na
expressão, basta constatar que 90% de tudo que sabemos de importante à
nossa condição humana foram aprendidos até os 6 anos: andar, falar,
discernir relações de parentesco, distância e proporção; intuir
situações de conforto ou risco, distinguir sabores etc.
Ninguém
precisa insistir para que seu bebê se torne um novo Mozart que, aos 5
anos, já compunha. Mas é bom saber que a inteligência de uma pessoa pode
ser ampliada desde a vida intrauterina. Alimentos que a mãe ingere ou
rejeita na fase da gestação tendem a influir, mais tarde, na preferência
nutricional do filho. O mais importante, contudo, é suscitar as
sinapses cerebrais. E um excelente recurso chama-se leitura.
Ler
para o bebê acelera seu desenvolvimento cognitivo, ainda que se tenha a
sensação de perda de tempo. Mas é importante fazê-lo interagindo com a
criança: deixar que manipule o livro, desenhe e colora as figuras,
complete a história e responda a indagações. Uma criança familiarizada
desde cedo com livros terá, sem dúvida, linguagem mais enriquecida, mais
facilidade de alfabetização e melhor desempenho escolar.
A
vantagem da leitura sobre a TV é que, frente ao monitor, a criança
permanece inteiramente receptiva, sem condições de interagir com o filme
ou o desenho animado. De certa forma, a TV “rouba” a capacidade onírica
dela, como se sonhasse por ela.
A leitura
suscita a participação da criança, obedece ao ritmo dela e, sobretudo,
fortalece os vínculos afetivos entre o leitor adulto e a criança
ouvinte. Quem de nós não guarda afetuosa recordação de avós, pais e
babás que nos contavam fantásticas histórias?
Enquanto
a família e a escola querem fazer da criança uma cidadã, a TV tende a
domesticá-la como consumista. O Instituto Alana, de São Paulo, do qual
sou conselheiro, constatou que num período de 10 horas, das 8h às 18h de
1º de outubro de 2010, foram exibidos 1.077 comerciais voltados ao
público infantil; média de 60 por hora ou 1 por minuto!
Foram
anunciados 390 produtos, dos quais 295 brinquedos, 30 de vestuário, 25
de alimentos e 40 de mercadorias diversas. Média de preço: R$ 160! Ora, a
criança é visada pelo mercado como consumista prioritária, seja por não
possuir discernimento de valor e qualidade do produto, como também por
ser capaz de envolver afetivamente o adulto na aquisição do objeto
cobiçado.
Há no Congresso mais de 200 projetos de
lei propondo restrições e até proibições de propaganda ao público
infantil. Nada avança, pois o lobby do Lobo Mau insiste em não poupar
Chapeuzinho Vermelho. E quando se fala em restrição ao uso da criança em
anúncios (observe como se multiplica!) logo os atingidos em seus lucros
fazem coro: “Censura!”
Concordo com Gabriel
Priolli: só há um caminho razoável e democrático a seguir, o da
regulação legal, aprovada pelo Legislativo, fiscalizada pelo Executivo e
arbitrada pelo Judiciário. E isso nada tem a ver com censura, trata-se
de proteger a saúde psíquica de nossas crianças.
O
mais importante, contudo, é que pais e responsáveis iniciem a regulação
dentro da própria casa. De que adianta reduzir publicidade se as
crianças ficam expostas a programas de adultos nocivos à sua formação?
Erotização
precoce, ambição consumista, obesidade excessiva e mais tempo frente à
TV e ao computador que na escola, nos estudos e em brincadeiras com
amigos, são sintomas de que seu ou sua querido(a) filho(a) pode se
tornar, amanhã, um amargo problema.
Frei Betto é escritor, autor de “Diário de
Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” (Rocco), entre
outros livros. www.freibetto.org - twitter:@freibetto
Texto publicado originalmente na edição 424 do Brasil de Fato.
Seduc vai retomar Escolas Itinerantes
A Secretaria de Estado da Educação (Seduc) vai retomar as
atividades das escolas nos acampamentos do Movimento dos Trabalhadores
Sem Terra (MST), as chamadas Escolas Itinerantes. O Rio Grande do Sul
foi o primeiro Estado do Brasil a reconhecer e regulamentar as Escolas
Itinerantes, autorizados pelo Conselho Estadual de Educação por meio dos
pareceres no 1.313/96 e 1.489/02. O Estado desenvolvia cursos
experimentais nos acampamentos do MST nos níveis de Educação Infantil,
Ensino Fundamental e na modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA) do
Ensino Fundamental. As escolas nos acampamentos foram fechadas no ano
de 2009, deixando aproximadamente 500 crianças sem acesso a Educação, a
partir de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), assinado pelo
Ministério Público Estadual (MP) e pela então secretária de Estado da
Educação.
A decisão para o retorno das escolas foi tomada a partir de um parecer da Procuradoria Geral do Estado (PGE) que informa a nulidade do TAC, pois o termo deveria ter sido assinado pela governadora do Estado e pelo procurador-geral do Estado. O TAC foi assinado pela então secretária de Estado sem a prévia autorização da governadora Yeda Crusius, o que deixa o documento sem respaldo legal na legislação do Estado. Além disso, o processo ocorreu sem o acompanhamento de um procurador do Estado como determina a lei.
Ao assumir a Seduc, o secretário de Estado da Educação, Prof. Dr. Jose Clovis de Azevedo, solicitou parecer da Procuradoria Geral do Estado (PGE). Sendo constatada a irregularidade da ação descrita acima, determinou a retomada das atividades.
De acordo com a assessora técnica da Seduc para Educação do Campo, Nancy Pereira, o setor de educação do MST está fazendo um levantamento sobre a situação escolar das crianças nas mil famílias acampadas no Estado.
Para a secretária de Estado em exercício da Educação, Maria Eulalia Nascimento, as escolas itinerantes são uma alternativa adequada, legítima e possível para as comunidades dos acampados.
Escolas Itinerantes
É uma escola pública estadual, e está onde as comunidades rurais sem terra estão e fazem a sua luta: nos acampamentos de reforma agrária, nas marchas, nas ocupações e nas mobilizações. É importante ressaltar que não se aplica as escolas localizadas nos assentamentos já regularizados, onde há escolas formais, e que a Seduc está estudando um conjunto de ações para a efetiva implantação da modalidade Educação do Campo, conforme dispõe o decreto lei no 7.352 de 04/11/2010. O formato pedagógico e estrutural para retomada das Escolas Itinerantes ainda está em análise pela Secretaria.
A decisão para o retorno das escolas foi tomada a partir de um parecer da Procuradoria Geral do Estado (PGE) que informa a nulidade do TAC, pois o termo deveria ter sido assinado pela governadora do Estado e pelo procurador-geral do Estado. O TAC foi assinado pela então secretária de Estado sem a prévia autorização da governadora Yeda Crusius, o que deixa o documento sem respaldo legal na legislação do Estado. Além disso, o processo ocorreu sem o acompanhamento de um procurador do Estado como determina a lei.
Ao assumir a Seduc, o secretário de Estado da Educação, Prof. Dr. Jose Clovis de Azevedo, solicitou parecer da Procuradoria Geral do Estado (PGE). Sendo constatada a irregularidade da ação descrita acima, determinou a retomada das atividades.
De acordo com a assessora técnica da Seduc para Educação do Campo, Nancy Pereira, o setor de educação do MST está fazendo um levantamento sobre a situação escolar das crianças nas mil famílias acampadas no Estado.
Para a secretária de Estado em exercício da Educação, Maria Eulalia Nascimento, as escolas itinerantes são uma alternativa adequada, legítima e possível para as comunidades dos acampados.
Escolas Itinerantes
É uma escola pública estadual, e está onde as comunidades rurais sem terra estão e fazem a sua luta: nos acampamentos de reforma agrária, nas marchas, nas ocupações e nas mobilizações. É importante ressaltar que não se aplica as escolas localizadas nos assentamentos já regularizados, onde há escolas formais, e que a Seduc está estudando um conjunto de ações para a efetiva implantação da modalidade Educação do Campo, conforme dispõe o decreto lei no 7.352 de 04/11/2010. O formato pedagógico e estrutural para retomada das Escolas Itinerantes ainda está em análise pela Secretaria.
Fonte: sitio da SEDUC
Falta igualdade para a democracia brasileira, diz Stédile
Guilherme Kolling
Marcelo G. Ribeiro/JC
Nome mais conhecido do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stédile avalia que o
Brasil tem uma democracia apenas formal, em que, apesar do direito ao
voto, a população não conquistou igualdade de oportunidades. Crítico das
diferenças sociais entre ricos e pobres, o líder do MST fala, nesta
entrevista ao Jornal do Comércio, sobre as raízes do ativismo
pela reforma agrária, das dificuldades do MST com a mudança no perfil da
agricultura brasileira e projeta o futuro do movimento. Vê avanços no
projeto dos governos petistas de Lula e Dilma Rousseff, que, para ele,
estão substituindo o neoliberalismo pelo “neodesenvolvimentismo”. E
aponta que falta envolvimento da sociedade e debate na imprensa e na
universidade sobre o modelo de desenvolvimento do Brasil.
Jornal do Comércio - Qual é a sua avaliação do atual momento econômico do Brasil?
João Pedro Stédile - O governo Lula fez uma política macroeconômica de reconciliação de classes. Garantiu os ganhos para aqueles 5% mais ricos e tirou da miséria os 40 milhões que dependem do Bolsa Família. E freou o neoliberalismo, recuperou o papel do Estado, do Bndes (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), que financiava privatizações, agora financia fábricas. O governo Dilma ganha as eleições no bojo da continuidade. Porém, isso tem limite. Não dá mais para apenas distribuir renda através do Bolsa Família. Tem que mudar o modelo. E tem que mexer na taxa de juros.
JC - E essa proposta no atual cenário de aumento de inflação?
Stédile - Esse projeto neodesenvolvimentista da Dilma saiu perdendo para os setores conservadores do governo, que ganharam o primeiro round contra a inflação ao fazer um corte de R$ 50 bilhões no orçamento e ao aumentar a taxa de juros em 1 ponto percentual. O aumento da taxa Selic é uma burrice. Quem vai bater palma são os bancos, o resto da sociedade vai pagar para eles.
JC - Falta debate sobre o modelo de desenvolvimento?
Stédile - A imprensa tem que ser mais criativa, propor o debate. Tem que discutir problemas de fundo, o agrotóxico - ninguém escapa, vai pegar também donos de jornal, de televisão, o câncer pega todo mundo. E levar esse debate para a universidade, que está de costas. Levar para as igrejas. Enfim, um mutirão de debate político e social. Estamos num momento de letargia na sociedade. Nem nas campanhas eleitorais se discute projetos.
JC - Qual é a sua avaliação da democracia brasileira?
Stédile - É uma democracia formal, em que o povo brasileiro ganhou o direito de votar. Mas a população quer as mesmas oportunidades. Então, quando todo o povo brasileiro tiver a oportunidade de entrar na universidade, uma moradia digna, uma informação honesta, cultura, e não depender do Bolsa Família, aí viramos uma sociedade democrata.
JC - Falta igualdade na democracia brasileira?
Stedile - Sem dúvida. A sociedade brasileira é a terceira mais desigual do mundo. É por isso que não consegue ser democrática.
JC - Como o senhor iniciou na luta pela reforma agrária?
Stédile - Na Comissão Pastoral da Terra (CPT). Em 1978, Nonoai (RS), uma área indígena, tinha 700 posseiros pobres. E os índios se organizaram e expulsaram os posseiros, que, da noite para o dia, estavam na beira da estrada. Então, comecei a organizá-los, porque parte queria voltar para as terras indígenas, e aí dava morte; outra parte queria ir para o Mato Grosso, que era a proposta do governo. Nosso trabalho na militância social era: quem quiser continuar trabalhando aqui no Rio Grande, tem terra. E reivindicamos duas áreas públicas, remanescentes da reforma agrária do (ex-governador Leonel) Brizola, que tinham sido griladas.
JC - O senhor já falou da importância do Brizola para a reforma agrária. Foi na gestão dele o embrião desse movimento?
Stédile - O embrião foi a colonização europeia no Rio Grande. Deu uma base para a democratização da propriedade, eles pegavam de 25 a 40 hectares, nem menos, nem mais. Isso criou uma base de sociedade mais justa. Não é por nada que Caxias do Sul tem um PIB mais elevado que o de toda a Metade Sul. Na década de 1960, Brizola retomou esse embate e foi o primeiro homem público que fez uma lei estadual de reforma agrária. Foram ocupadas muitas fazendas, a mais importante delas foi a Sarandi, tinha 24 mil hectares.
JC - E a denominação Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra?
Stédile - De 1978 até 1984, em todo o Brasil, a CPT começou a juntar as lideranças desses movimentos e a fazer encontros. Quem deu a marca de Movimento dos Sem Terra foi a imprensa - começou a se noticiarem acampamentos dos “colonos sem-terra.” Quando fundamos o movimento nacional, em janeiro de 1984, já havia essa marca. Incluímos uma questão de classe: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
JC - Como está o MST hoje?
Stédile - O MST sofreu percalços nos últimos 10 anos, houve mudanças na agricultura. Até a década de 1980, o que dominava era o capitalismo industrial. E o latifúndio improdutivo era uma barreira. Quando ocupávamos o latifúndio improdutivo, a burguesia industrial nos apoiava, porque éramos o progresso. A minha turma dividia terras, ia para o banco comprar máquinas, geladeira... E, na essência, essa é a proposta da reforma agrária clássica: dividir a área improdutiva para ela desenvolver as forças produtivas. Por isso, na maioria dos países da Europa, nos Estados Unidos e no Japão, quem tomou a iniciativa de fazer a reforma agrária foi a burguesia industrial, não os camponeses.
JC - Quais foram as mudanças no Brasil?
Stédile - O movimento nasceu na década de 1980 no contexto de reforma agrária clássica. Por isso a burguesia industrial e a imprensa nos toleravam: “Ah, está certo, tem que ocupar mesmo.” Com o neoliberalismo, houve uma expansão das empresas transnacionais e do capital financeiro que veio tomar conta da nossa agricultura, desde os anos 1990. Quem tem a hegemonia da agricultura não é mais o capital industrial. Tanto que, na década de 1970, a economia brasileira vendia 80 mil tratores por ano. Quem comprava? O pequeno agricultor. Sabe qual foi a venda de tratores no ano passado? 36 mil. Então, aumentou a potência do trator e diminuiu o mercado. É um absurdo.
JC - Como isso afeta o MST?
Stédile - Hoje, quando tem um latifúndio improdutivo, as grandes empresas transnacionais também chegam para disputar com a gente. Quando tentamos ocupar a Fazenda Ana Paula, 18 mil hectares improdutivos, acampamos e fomos despejados. Aí, a Aracruz comprou e encheu de eucaliptos. Quantos empregos gerou? Nenhum. Faz sete anos que tem eucalipto lá. Nenhuma renda para o município. Mas a Aracruz vai ganhar muito dinheiro no dia em que colher aquele eucalipto. Então, agora o MST enfrenta barreiras... Mudaram os inimigos de classe.
JC - E encolheu o MST?Stedile - Não, o movimento até que aumentou, mas a luta ficou mais difícil. Para desapropriar uma área ficou mais difícil, porque a força desses capitalistas pressiona para não ter desapropriação. Querem empurrar os pobres do campo para a cidade.
JC - Como o senhor projeta o futuro do movimento, com a presidente Dilma?
Stedile - As vitórias do governo Lula (PT) e Dilma colocaram uma barreira ao neoliberalismo. Há uma tentativa de reconstruir o modelo de desenvolvimento, com lugar para mercado interno, distribuição de renda e indústria nacional. Mas isso ainda é uma vontade política. No nível macro, está havendo mudanças de rumo: não é mais o neoliberalismo, agora é o neodesenvolvimentismo. Na agricultura, estamos iniciando esse grande embate entre o modelo do agronegócio e o da agricultura familiar. Nossa esperança é que nos próximos dez anos a sociedade perceba que o agronegócio é inviável.
JC - Por quê?
Stédile - Economicamente porque os únicos que ganham são as transnacionais. Pode dizer: “o Rio Grande produz 10 milhões de toneladas de soja”. E quem fica com o lucro se a soja sai daqui em grão? Voltamos a ser um simples exportador de grãos. Temos que exportar é o óleo de soja. A longo prazo, esse modelo de monocultura, que só beneficia a exportação, é inviável. Ou seja, não agrega valor e não distribui renda, concentra. E expulsa a população do campo. E, terceiro, o agronegócio tem uma contradição com o meio ambiente: só produz com veneno, que mata o solo, os vegetais e o ser humano pelos alimentos contaminados. Então, é uma questão social, e econômica e ambiental.
JC - Se o governo federal promover o assentamento reivindicado para as famílias sem terra, como fica o MST?
Stédile - Vamos continuar lutando contra o latifúndio. Mas, ao mesmo tempo, temos que desenvolver, nas áreas de assentamento, programas que combinem com esse novo modelo: ter agroindústria, laticínio, reflorestar áreas degradadas, produzir alimentos saudáveis... Esse novo caminho que vamos trilhar é seguir a luta contra o latifúndio, implantando um novo modelo nos assentamentos.
JC - Isso depende mais do governo ou da sociedade?
Stedile - Depende dos pobres do campo lutarem; do governo ter essa vontade política de deixar o agronegócio para o mercado, as políticas públicas de agricultura têm que estar voltadas para o pequeno agricultor; e depende de a sociedade perceber que a luta pela reforma agrária não pode ser criminalizada, porque é o progresso. É para garantir emprego, renda e comida farta e saudável. Tudo que o agronegócio não consegue.
JC - Como o senhor avalia o papel da imprensa nesse processo?
Stedile - Os quatro grandes grupos que controlam a imprensa no Brasil - Rede Globo, Estadão, Folha de S. Paulo e o grupo Abril - estão a mercê dos interesses do grande capital, das multinacionais e do capital financeiro. Para eles, não só o MST mas qualquer movimento social que lute contra esse modelo se transforma em inimigo. Quando os operários voltarem a lutar como fizeram em Jirau (usina que está em construção no Rio Madeira, em Rondônia), a hora que os sem-teto voltarem a lutar, a imprensa vai chamá-los de vândalos. Ninguém foi a Jirau pesquisar como os operários estavam vivendo. Mas quando colocaram fogo, a primeira coisa que fizeram foi chamá-los de vândalos. É um caso exemplar de como a imprensa criminaliza e tenta derrotar ideologicamente qualquer luta social.
JC - Mas tem havido perda de apoio de setores mais urbanos da sociedade, especialmente a partir de episódios de violência em ações do MST.
Stedile - O movimento é contra qualquer tipo de violência, sobretudo, contra pessoas. Mas na mobilização de massas sempre há fatores incontroláveis.
JC - Qual é o seu conceito de burguesia?
Stedile - A burguesia brasileira é aquele 1%, com as 5 mil famílias que controlam 48% do PIB brasileiro e que são subordinadas ao capital internacional. São as 100 maiores empresas que tiveram lucro de R$ 129 bilhões para dividir entre eles.
Jornal do Comércio - Qual é a sua avaliação do atual momento econômico do Brasil?
João Pedro Stédile - O governo Lula fez uma política macroeconômica de reconciliação de classes. Garantiu os ganhos para aqueles 5% mais ricos e tirou da miséria os 40 milhões que dependem do Bolsa Família. E freou o neoliberalismo, recuperou o papel do Estado, do Bndes (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), que financiava privatizações, agora financia fábricas. O governo Dilma ganha as eleições no bojo da continuidade. Porém, isso tem limite. Não dá mais para apenas distribuir renda através do Bolsa Família. Tem que mudar o modelo. E tem que mexer na taxa de juros.
JC - E essa proposta no atual cenário de aumento de inflação?
Stédile - Esse projeto neodesenvolvimentista da Dilma saiu perdendo para os setores conservadores do governo, que ganharam o primeiro round contra a inflação ao fazer um corte de R$ 50 bilhões no orçamento e ao aumentar a taxa de juros em 1 ponto percentual. O aumento da taxa Selic é uma burrice. Quem vai bater palma são os bancos, o resto da sociedade vai pagar para eles.
JC - Falta debate sobre o modelo de desenvolvimento?
Stédile - A imprensa tem que ser mais criativa, propor o debate. Tem que discutir problemas de fundo, o agrotóxico - ninguém escapa, vai pegar também donos de jornal, de televisão, o câncer pega todo mundo. E levar esse debate para a universidade, que está de costas. Levar para as igrejas. Enfim, um mutirão de debate político e social. Estamos num momento de letargia na sociedade. Nem nas campanhas eleitorais se discute projetos.
JC - Qual é a sua avaliação da democracia brasileira?
Stédile - É uma democracia formal, em que o povo brasileiro ganhou o direito de votar. Mas a população quer as mesmas oportunidades. Então, quando todo o povo brasileiro tiver a oportunidade de entrar na universidade, uma moradia digna, uma informação honesta, cultura, e não depender do Bolsa Família, aí viramos uma sociedade democrata.
JC - Falta igualdade na democracia brasileira?
Stedile - Sem dúvida. A sociedade brasileira é a terceira mais desigual do mundo. É por isso que não consegue ser democrática.
JC - Como o senhor iniciou na luta pela reforma agrária?
Stédile - Na Comissão Pastoral da Terra (CPT). Em 1978, Nonoai (RS), uma área indígena, tinha 700 posseiros pobres. E os índios se organizaram e expulsaram os posseiros, que, da noite para o dia, estavam na beira da estrada. Então, comecei a organizá-los, porque parte queria voltar para as terras indígenas, e aí dava morte; outra parte queria ir para o Mato Grosso, que era a proposta do governo. Nosso trabalho na militância social era: quem quiser continuar trabalhando aqui no Rio Grande, tem terra. E reivindicamos duas áreas públicas, remanescentes da reforma agrária do (ex-governador Leonel) Brizola, que tinham sido griladas.
JC - O senhor já falou da importância do Brizola para a reforma agrária. Foi na gestão dele o embrião desse movimento?
Stédile - O embrião foi a colonização europeia no Rio Grande. Deu uma base para a democratização da propriedade, eles pegavam de 25 a 40 hectares, nem menos, nem mais. Isso criou uma base de sociedade mais justa. Não é por nada que Caxias do Sul tem um PIB mais elevado que o de toda a Metade Sul. Na década de 1960, Brizola retomou esse embate e foi o primeiro homem público que fez uma lei estadual de reforma agrária. Foram ocupadas muitas fazendas, a mais importante delas foi a Sarandi, tinha 24 mil hectares.
JC - E a denominação Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra?
Stédile - De 1978 até 1984, em todo o Brasil, a CPT começou a juntar as lideranças desses movimentos e a fazer encontros. Quem deu a marca de Movimento dos Sem Terra foi a imprensa - começou a se noticiarem acampamentos dos “colonos sem-terra.” Quando fundamos o movimento nacional, em janeiro de 1984, já havia essa marca. Incluímos uma questão de classe: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
JC - Como está o MST hoje?
Stédile - O MST sofreu percalços nos últimos 10 anos, houve mudanças na agricultura. Até a década de 1980, o que dominava era o capitalismo industrial. E o latifúndio improdutivo era uma barreira. Quando ocupávamos o latifúndio improdutivo, a burguesia industrial nos apoiava, porque éramos o progresso. A minha turma dividia terras, ia para o banco comprar máquinas, geladeira... E, na essência, essa é a proposta da reforma agrária clássica: dividir a área improdutiva para ela desenvolver as forças produtivas. Por isso, na maioria dos países da Europa, nos Estados Unidos e no Japão, quem tomou a iniciativa de fazer a reforma agrária foi a burguesia industrial, não os camponeses.
JC - Quais foram as mudanças no Brasil?
Stédile - O movimento nasceu na década de 1980 no contexto de reforma agrária clássica. Por isso a burguesia industrial e a imprensa nos toleravam: “Ah, está certo, tem que ocupar mesmo.” Com o neoliberalismo, houve uma expansão das empresas transnacionais e do capital financeiro que veio tomar conta da nossa agricultura, desde os anos 1990. Quem tem a hegemonia da agricultura não é mais o capital industrial. Tanto que, na década de 1970, a economia brasileira vendia 80 mil tratores por ano. Quem comprava? O pequeno agricultor. Sabe qual foi a venda de tratores no ano passado? 36 mil. Então, aumentou a potência do trator e diminuiu o mercado. É um absurdo.
JC - Como isso afeta o MST?
Stédile - Hoje, quando tem um latifúndio improdutivo, as grandes empresas transnacionais também chegam para disputar com a gente. Quando tentamos ocupar a Fazenda Ana Paula, 18 mil hectares improdutivos, acampamos e fomos despejados. Aí, a Aracruz comprou e encheu de eucaliptos. Quantos empregos gerou? Nenhum. Faz sete anos que tem eucalipto lá. Nenhuma renda para o município. Mas a Aracruz vai ganhar muito dinheiro no dia em que colher aquele eucalipto. Então, agora o MST enfrenta barreiras... Mudaram os inimigos de classe.
JC - E encolheu o MST?Stedile - Não, o movimento até que aumentou, mas a luta ficou mais difícil. Para desapropriar uma área ficou mais difícil, porque a força desses capitalistas pressiona para não ter desapropriação. Querem empurrar os pobres do campo para a cidade.
JC - Como o senhor projeta o futuro do movimento, com a presidente Dilma?
Stedile - As vitórias do governo Lula (PT) e Dilma colocaram uma barreira ao neoliberalismo. Há uma tentativa de reconstruir o modelo de desenvolvimento, com lugar para mercado interno, distribuição de renda e indústria nacional. Mas isso ainda é uma vontade política. No nível macro, está havendo mudanças de rumo: não é mais o neoliberalismo, agora é o neodesenvolvimentismo. Na agricultura, estamos iniciando esse grande embate entre o modelo do agronegócio e o da agricultura familiar. Nossa esperança é que nos próximos dez anos a sociedade perceba que o agronegócio é inviável.
JC - Por quê?
Stédile - Economicamente porque os únicos que ganham são as transnacionais. Pode dizer: “o Rio Grande produz 10 milhões de toneladas de soja”. E quem fica com o lucro se a soja sai daqui em grão? Voltamos a ser um simples exportador de grãos. Temos que exportar é o óleo de soja. A longo prazo, esse modelo de monocultura, que só beneficia a exportação, é inviável. Ou seja, não agrega valor e não distribui renda, concentra. E expulsa a população do campo. E, terceiro, o agronegócio tem uma contradição com o meio ambiente: só produz com veneno, que mata o solo, os vegetais e o ser humano pelos alimentos contaminados. Então, é uma questão social, e econômica e ambiental.
JC - Se o governo federal promover o assentamento reivindicado para as famílias sem terra, como fica o MST?
Stédile - Vamos continuar lutando contra o latifúndio. Mas, ao mesmo tempo, temos que desenvolver, nas áreas de assentamento, programas que combinem com esse novo modelo: ter agroindústria, laticínio, reflorestar áreas degradadas, produzir alimentos saudáveis... Esse novo caminho que vamos trilhar é seguir a luta contra o latifúndio, implantando um novo modelo nos assentamentos.
JC - Isso depende mais do governo ou da sociedade?
Stedile - Depende dos pobres do campo lutarem; do governo ter essa vontade política de deixar o agronegócio para o mercado, as políticas públicas de agricultura têm que estar voltadas para o pequeno agricultor; e depende de a sociedade perceber que a luta pela reforma agrária não pode ser criminalizada, porque é o progresso. É para garantir emprego, renda e comida farta e saudável. Tudo que o agronegócio não consegue.
JC - Como o senhor avalia o papel da imprensa nesse processo?
Stedile - Os quatro grandes grupos que controlam a imprensa no Brasil - Rede Globo, Estadão, Folha de S. Paulo e o grupo Abril - estão a mercê dos interesses do grande capital, das multinacionais e do capital financeiro. Para eles, não só o MST mas qualquer movimento social que lute contra esse modelo se transforma em inimigo. Quando os operários voltarem a lutar como fizeram em Jirau (usina que está em construção no Rio Madeira, em Rondônia), a hora que os sem-teto voltarem a lutar, a imprensa vai chamá-los de vândalos. Ninguém foi a Jirau pesquisar como os operários estavam vivendo. Mas quando colocaram fogo, a primeira coisa que fizeram foi chamá-los de vândalos. É um caso exemplar de como a imprensa criminaliza e tenta derrotar ideologicamente qualquer luta social.
JC - Mas tem havido perda de apoio de setores mais urbanos da sociedade, especialmente a partir de episódios de violência em ações do MST.
Stedile - O movimento é contra qualquer tipo de violência, sobretudo, contra pessoas. Mas na mobilização de massas sempre há fatores incontroláveis.
JC - Qual é o seu conceito de burguesia?
Stedile - A burguesia brasileira é aquele 1%, com as 5 mil famílias que controlam 48% do PIB brasileiro e que são subordinadas ao capital internacional. São as 100 maiores empresas que tiveram lucro de R$ 129 bilhões para dividir entre eles.
Perfil
João Pedro
Stédile, 57 anos, nasceu em Lagoa Vermelha (RS). Passou a infância e a
adolescência no Interior, com a família, que produzia uva, trigo e
produtos de subsistência. Aos 17 anos, veio para Porto Alegre estudar.
Cursou Economia na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(Pucrs) e formou-se em 1975. Estagiou e depois fez concurso para a
Secretaria da Agricultura. Atuou na Comissão Estadual de Planejamento
Agrícola (Cepa), estimulando o cooperativismo e viajando por todo o
Estado.
Ficou na Secretaria de Agricultura até 1984. Paralelamente,
atuava junto aos sindicatos dos produtores de uva da região de
Veranópolis, Bento Gonçalves e Caxias do Sul, a quem assessorava em um
plano de cálculo do custo de produção. Sua militância foi influenciada
pela Igreja, através Comissão Pastoral da Terra (CPT), onde atuou e
através da qual se envolveu na questão da terra.
Com a redemocratização, nos anos 1980, diversos grupos, em todo o Brasil, se reuniram e formaram em janeiro de 1984 o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que luta pela reforma agrária e do qual Stédile é considerado um dos fundadores - embora não goste disso - e integra até hoje a coordenação nacional. Ele está radicado em São Paulo.
Com a redemocratização, nos anos 1980, diversos grupos, em todo o Brasil, se reuniram e formaram em janeiro de 1984 o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que luta pela reforma agrária e do qual Stédile é considerado um dos fundadores - embora não goste disso - e integra até hoje a coordenação nacional. Ele está radicado em São Paulo.
Um olhar verde sobre o jornalismo
Verde deve ser a cor do jornalismo do século XXI. Não um jornalismo
adjetivado de ambiental, praticado por jornalistas especializados em
meio ambiente, mas o meio ambiente presente em todo o jornalismo. Os
termos jornalismo ambiental e desenvolvimento sustentável são
profundamente anacrônicos. Não é desenvolvimento se não for sustentável,
assim como é precário o jornalismo que não incluir em suas variáveis a
transversalidade ambiental. O jornalista, como um generalista que é,
acaba adjetivando seu mister pelo simples fato de que deseja se destacar
em uma ou outra área do conhecimento. Sempre haverá o jornalismo
econômico, o esportivo, o social e muitas outras variáveis, mas deve
estar fadado à extinção a prática exclusiva de uma vertente ambiental.
A mídia e os jornalistas têm um papel fundamental na construção do
futuro dentro dos conceitos de sustentabilidade. A ex-primeira ministra
da Noruega e diretora da Organização Mundial de Saúde, Gro Brundtland,
em seu relatório sobre sustentabilidade definiu o termo de forma muito
simples: “Ser sustentável é suprir as necessidades das atuais gerações
sem comprometer a capacidade das gerações futuras em suprir suas
próprias necessidades”.
O que isto quer dizer? De uma forma bastante simplista isto significa
que a humanidade não vai se extinguir na atual geração de pessoas. Nós
teremos filhos, netos e bisnetos, que por sua vez também irão se
reproduzir. Todas estas gerações vão precisar de água potável, alimentos
e todos os benefícios de uma civilização evoluída e tecnológica. Para
isto deverão encontrar na natureza os recursos que serão necessários
para satisfazer suas necessidades.
O jornalismo ambiental surgiu da necessidade de mostrar à sociedade,
aos governos e às empresas que o modelo de desenvolvimento adotado
durante o século XX é insustentável em longo prazo. Muitos
ambientalistas dizem isto há anos, no entanto a mídia se faz surda
diante da necessidade de uma reflexão mais profunda sobre este modelo e
da necessidade de transformações. Os argumentos para o distanciamento da
mídia dos temas referentes à sustentabilidade, aqui visto como um
equilíbrio entre as vertentes econômica, social e ambiental, são de toda
a ordem. Um deles, e muito forte, é que a mídia é uma das principais
beneficiárias do modelo de desenvolvimento baseado nos princípios da
“Sociedade de Consumo”. Isto porque a publicidade é uma das mais
importantes ferramentas deste modelo e é esta a forma como a mídia se
sustenta. Uma sociedade menos voraz e consumista talvez seja também uma
sociedade com menos publicidade.
Na última década do século XX, inicialmente impulsionadas pela
realização no Rio de Janeiro da Cúpula da Terra, também conhecida como
Rio-92, surgiram as “mídias ambientais” e grandes jornais passaram a ter
meio ambiente como uma de suas editorias. As mídias que atuam
exclusivamente com pautas ambientais se estabeleceram e se desenvolveram
dentro do mesmo princípio das mídias de resistência à ditadura nos anos
70. São jornais, revistas e sites que se mantém à margem do processo de
comunicação de massa, mas que conseguem grande audiência entre os
formadores de opinião na área de meio ambiente e sustentabilidade.
O jornalista sempre foi vanguarda nas conquistas políticas e sociais.
No entanto, esta é uma fronteira mais espinhosa, exige conhecimento,
formação e capacidade para lidar com a diversidade de variáveis que
formam as sociedades e organizações complexas. No início acreditava-se
que o jornalismo ambiental seria um vertente do jornalismo científico.
Isto porque havia conceitos da biologia, da física, da geografia que
precisavam ser dominados para a elaboração de boas reportagens
ambientais. No entanto, a sustentabilidade ambiental não se restringe a
um nicho social. É uma variável presente em todas as decisões humanas e
que precisa ser explicitada como tal. A sociedade define o que deseja em
termos de sustentabilidade quando estabelece seus padrões de consumo de
energia, de matérias-primas, de embalagens, de alimentos etc. Tudo o
que se faz tem impactos ambientais anteriores e posteriores ao consumo. O
jornalista que pretende compreender este planeta megadiverso não pode
simplesmente ter um olhar superficial sobre a realidade, deve
compreender suas interfaces e sua cadeia de consequências.
No Brasil isto é ainda mais estratégico, na medida que a
biodiversidade e os recursos naturais são as commodities do futuro e
devem ser compreendidas como tal por toda a sociedade. A vanguarda desta
transformação conceitual é formada por jornalistas capazes de
compreender esta realidade e seguir atuando de forma objetiva na
disseminação de informações e conhecimento para a sociedade.
(Envolverde)
Dal Marcondes
Dal Marcondes é jornalista, diretor da Envolverde,
passou por diversas redações da grande mídia paulista, como Agência
Estado, Gazeta Mercantil, Revistas Isto É e Exame. Desde 1998 dedica-se a
cobertura de temas relacionados ao meio ambiente, educação,
desenvolvimento sustentável e responsabilidade socioambiental
empresarial. Recebeu por duas vezes o Prêmio Ethos de Jornalismo e é
reconhecido como um "Jornalista Amigo da Infância" pela agência ANDI.
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