Escrito por Valéria Nader e Gabriel Brito, da redação do CORREIO DA CIDADANIA |
A crise financeira global vem sendo invariavelmente ‘remediada’ pelas mesmas medidas ortodoxas e neoliberais que levaram ao colapso. O Correio da Cidadania entrevistou o sociólogo Ricardo Antunes, que analisou o momento de rebeliões vivido em diversos países e continentes e as suas respectivas singularidades. Antunes parte de um olhar profundo em direção às engrenagens capitalistas atuais e seus reflexos no mundo do trabalho. Traça, a partir daí, um renovado quadro de interpretação para a atual “ebulição social”. Busca uma visão também retrospectiva, na medida em que se volta a analogias com o passado século XX, que foi palco de guerras, lutas sociais e posteriores transformações geopolíticas, com a reconfiguração das sociedades de todo o mundo. A partir de vários estudos que, já há alguns anos, vêm dando conta de uma nova morfologia das lutas trabalhistas, Antunes não tem dúvidas de que está em andamento uma “crise estrutural da forma de dominação do capitalismo”. O que significará renovadas quedas de braço entre dois velhos antagonistas: capital e trabalho. Diante deste cenário, o sociólogo alerta para a necessidade de se restaurarem as pautas do mundo do trabalho, cada vez mais precarizado nos quatro cantos do Globo. Redução da jornada de trabalho e um profundo questionamento a respeito das reais necessidades de produção são os carros-chefes dessa longa e renascente batalha, que no momento ainda carece de posicionamento político coeso das classes em fúria. Correio da Cidadania: Como você encara a crise financeira que volta a mostrar a sua força, após a intensificação das dificuldades dos EUA e dos países europeus, especialmente os menos ricos, em lidar com suas explosivas dívidas públicas? Estamos no segundo ‘round’ da crise que explodiu em 2008? Ricardo Antunes: Eu diria exatamente isso. Não é uma nova crise, mas outro momento de uma crise estrutural muito mais profunda, financeira, na medida em que atinge instituições financeiras, corporações fortes dos EUA, Inglaterra, Itália e tantos outros países como Espanha, Portugal, Grécia etc. É preciso entender que se trata de uma crise estrutural do capitalismo, com manifestações mais profundas. Ela está colocando em xeque a própria existência da humanidade, na medida em que os recursos utilizados para sua solução – seja pra salvar os bancos, a GM ou muitas outras empresas – são recursos que aumentam a dívida de tais países e recaem sobre a população trabalhadora, que em todos eles está sofrendo cortes – de salários, previdência, saúde -, configurando um cenário de arrocho monumental na Europa. É uma crise da própria estrutura de dominação do capital. Embora não haja alternativa a ela, é uma crise de tal profundidade que não se vislumbra qualquer prognóstico, com o mínimo de cuidado, de recuperação, mas de longo período crítico. Porque, na verdade, esse quadro sinaliza um sistema de metabolismo social profundamente destrutivo, onde a destruição ambiental, a destruição em escala monumental de força de trabalho, o desemprego e precarização estruturais são sintomas. E o receituário utilizado pelos governos pra sair da crise não vai no sentido de sequer minimamente mudar o padrão de dominação capitalista, pelo contrário, acentua as medidas destrutivas, ou seja, mais financiamento ao capital privado, mais penalização sobre o trabalho, mais recessão. No entanto, ninguém pode imaginar que, aumentando a recessão na Grécia, Espanha, Itália, Inglaterra, vá se sair dessa crise. O capitalismo está num buraco muito, muito, profundo. Outro ponto vital a ser destacado, que também vem de 2007, é que a crise tem seu epicentro maior nos países capitalistas avançados. E na medida em que toca o coração da economia capitalista, o desastre é muito maior, pois a paralisia de agora não é do leste europeu ou do chamado terceiro mundo, mas é uma paralisia e crise que devastam parcelas importantes da economia dos países capitalistas avançados. Portanto, é um cenário brutal para a classe trabalhadora, para os assalariados e, em qualquer análise séria, não se pode deixar de perceber a profundidade da depressão. O Mészàros tem dito há vários anos que o sistema capitalista entrou num longo ciclo depressivo, no qual o epicentro da crise pode mudar, mas num quadro tendencial crítico, e que não vivenciaríamos mais aqueles períodos de expansão e crise, as chamadas fases cíclicas, pois adentramos numa linha declinante, onde um país ou outro ora sobe, ora decai, configurando uma crise muito mais que financeira – ainda que o seja fortemente. Tal crise não é só do capital fictício, parte do capital financeiro, mas atinge, pela fusão entre bancos e atividades industriais, a própria estrutura da acumulação capitalista. Correio da Cidadania: Em meio a essa crise estrutural, as revoltas populares estão também se espalhando mundo afora. As manifestações têm ocorrido em escala crescente nos citados países capitalistas avançados, além da África, Oriente Médio, Chile, China... Há relação direta entre estas revoltas e a crise estrutural capitalista? Ricardo Antunes: Nas ciências sociais não podemos cravar termos como ‘relação direta’, para evitar certa mecanicidade que fizesse as pessoas raciocinarem: “toda crise econômica gera crise social e política”. O que podemos dizer é que as explosões que vemos - desde 2005 em Paris, chegando a 2010 na luta dos estudantes da mesma cidade, passando por essa leva de rebeliões, que vão dos países árabes no começo do ano, os portugueses em março, os indignados na Espanha semanas depois; antes disso, as explosões em profundidade, com conflagrações e rebeliões abertas, na Grécia, e mais recentemente na Inglaterra -, todas elas, têm múltiplos indícios e singularidades. Mas é evidente que marcam o momento em que a população trabalhadora, pobre, os imigrantes, os jovens, os não brancos, desempregados, que não participam da ciranda financeira, estão se rebelando. Apesar de suas singularidades, essas revoltas têm traços de gênero, geração, de trabalho, de não-trabalho, são contra concepções xenofóbicas e racistas. Todas se manifestam também como descontentamento à ordem social. No caso grego, isto é claro, a sublevação foi contra o governo e suas medidas, que, seguindo o receituário destrutivo do FMI, impuseram ao país uma pragmática que só pode levar a uma destruição ainda maior. Os cortes de salários, empregos, a perda de equipamentos coletivos e públicos levaram à explosão da revolta. Fica evidente que se trata da população trabalhadora e estudantil se rebelando contra a receita capitalista e sua incidência segundo parâmetros do FMI. E a rebelião grega vem desde o ano passado, inclusive com levantes mais aguçados e paralisações. Correio da Cidadania: Ainda que haja um clamor conjunto por democracias mais verdadeiras em todos estes países submetidos à lógica de acumulação capitalista e à ciranda financeira, muitas análises têm sido feitas quanto às singularidades de cada uma destas revoltas que estão sacudindo o planeta, especificamente no que diz respeito às suas origens, ao seu grau de organicidade e consciência política e ao seu enraizamento social. Você considera relevante ressaltar estas singularidades? Ricardo Antunes: Se olharmos as revoltas árabes, começando por Egito e Tunísia, que aconteceram primeiro, é claro que elas têm singularidades muito próprias. Todas elas são contrárias às ditaduras das famílias que saqueiam esses povos há décadas. Na Tunísia, essa revolução democrática teve forte apoio dos sindicatos, que conseguiu canalizar as lutas. No Cairo, a praça Tahrir se tornava o espaço por excelência de majestosas manifestações de massa, que diminuíram, mas não cessaram após a queda de Mubarak. Como se sabe, no Egito a resolução da crise veio pelo alto, feita pelo núcleo duro das forças armadas, pagas e sustentadas pelo governo estadunidense. Por isso ainda ocorrem muitas manifestações de massa no país, porque a revolução democrática se estancou nas forças armadas, sob influência dos EUA. Mas podemos dizer que nesses países árabes há uma combinação explosiva entre miserabilidade, pauperismo e ditadura. Na Europa, o quadro é diferente. A democracia formal está sendo questionada pelos levantes populares dos jovens, por serem democracias formais cada vez mais dos ricos, em que os parlamentos estão a cada dia mais dissociados das ruas e lutas populares, completamente corroídos e dominados pelas corporações, mercado e sistema financeiro, de modo que os governos são fantoches desse sistema financeiro internacional e suas corporações. E como detonadores principais do movimento, temos a combinação explosiva de precarização estrutural do trabalho – venho dizendo desde 2008 que adentramos em nova era de precarização estrutural do trabalho em escala global -, cujo traço mais visível é a demolição, erosão, até dos empregos dos imigrantes. Eles são tratados nos países do norte, que os recebeu há 20, 30 anos pra fazer o trabalho sujo, como concorrentes, pois agora os ingleses, espanhóis, portugueses, franceses, estão querendo o trabalho sujo. E assim se amplia a onda xenofóbica, começando um processo de repressão e expulsão dos imigrantes. Nesse sentido, podemos citar Portugal, março de 2011: o grande movimento da “geração à rasca” é de uma geração encalacrada, enrascada, sem perspectiva; imigrou, mesclou-se com o jovem português e sabe que o seu futuro imediato, estudando ou não, na melhor das hipóteses, é o emprego precário, na mais plausível, o desemprego. Ele olha para o pai e a mãe, estudados, e vê todos precarizados. E quando lá estive pude presenciar duas manifestações importantes: uma da chamada geração à rasca, convocada pelos imigrantes, com mais de 200 mil pessoas em Lisboa, além de outras cidades; e poucas semanas depois, uma das centrais sindicais, que protestaram contra a precarização dos trabalhadores(as) que ainda têm alguma estabilidade. Ou seja, as duas pontas da “Classe-do-trabalho”. Já na Espanha, a partir de 15 maio, começaram rebeliões em Madrid, Barcelona, de norte a sul. Na Espanha de hoje, o jovem de 18 a 23 anos tem índice de desemprego oficial de 46%. E lembremos ao leitor que, há 6, 8, 10 anos, se citava o país como novo colosso europeu, o “inchamento” do rabo europeu, com o engordamento da cauda ibérica. Resultado: o jovem espanhol sabe que, se estudar, é um candidato forte ao desemprego ou, na melhor hipótese, a um emprego precário, e ainda vê seus pais perdendo a saúde, a previdência e os direitos coletivos que tinham no passado. Logo, rebela-se contra uma sociedade capitalista destrutiva que penaliza os jovens em fase de trabalho – com 18, 20, 22 anos, quando termina seu ciclo de estudos. Por quê? Porque as políticas recessivas são impostas pelos governos ventríloquos do sistema financeiro internacional dominante. Dessa forma, é claro que há um traço anticapitalista nessas manifestações. Muitas pessoas dizem que são movimentos sem projeto. Ora, o que a contra-revolução capitalista, de amplitude global, fez nas últimas quatro décadas? Tentar destruir a todo custo o projeto político alternativo de esquerda. Isso foi o neoliberalismo e sua bárbara prática. Assim, é evidente que não estamos em época de grandes projetos alternativos; estamos presenciando a explosão das lutas sociais, dadas por essa nova polissemia do trabalho, das lutas sociais, pela nova morfologia dos organismos representantes desses movimentos sociais. Por isso, na relativa travagem ou limitação de muitos partidos e sindicatos, os jovens foram às ruas, utilizando-se de vários instrumentos, entre eles a internet, uma forma explosiva de comunicação. Você pode ter um potencial de mobilização que no passado os sindicatos e partidos levavam meses para promover. E, na Espanha, os indignados têm uma certeza: não conseguem estudar, e, se o fazem, não têm trabalho. É uma geração rebelde pela negação. Portanto, trata-se manifestações de muita singularidade. Os movimentos que defendem os direitos da sexualidade livre repudiaram a presença do papa na Espanha por ele ser uma expressão grotesca de uma concepção que recusa o direito das mulheres ao aborto, veda o sexo livre aos homens e mulheres, de acordo com a vontade de cada um. Enquanto a igreja, com aquela carapaça grotescamente medieval – que na Espanha é das mais duras, conservadoras, bárbaras, nefastas –, sofreu o repúdio também na figura do papa, que precisou mobilizar a sociedade conservadora, conseguindo reavivar gerações ligadas ao franquismo, que não estão mortas. Correio da Cidadania: E o que dizer da tendência de revoltas na América Latina? Ricardo Antunes: No caso da América Latina, podemos ir ao Chile. Estamos vivendo um majestoso movimento estudantil, de massa, com professores e pais de alunos. Há anos atrás, recebi um convite para fazer uma palestra em Santiago. Quando lá cheguei, lembrando do governo de Allende e a primeira e bela experiência de um governo de inspiração não capitalista, ainda que num processo mais reformista que revolucionário, imaginava que ainda tivessem preservado algo de suas universidades públicas. Perguntei se a universidade em questão era da província ou federal e, qual não foi minha surpresa, os professores me disseram que era privada. Fiquei pasmo de constatar que, no Chile, o ensino público superior tinha sido destruído e, quando a universidade é pública, cobra tão caro quanto as privadas. Hoje, o que acontece é uma família remediada, pobre, ter que vender uma casa comprada em 30 anos pra subsidiar o estudo dos filhos. É uma tragédia. E depois do fim do Pinochet, a chamada Concertação, a esquerda entre aspas, a esquerda que a direita gosta, foi incapaz de tocar na situação. E temos de olhar para o Chile porque o futuro da universidade pública latino-americana passa por essa luta enorme dos estudantes de ensino médio e superior, pais e professores chilenos, comprometidos com o resgate de uma escola pública, fora dos marcos do privatismo. Marx já nos alertava que não havia diferença entre um empresário que monta uma faculdade e outro que monta uma fábrica de sapato. Aliás, na Alemanha, o fabricante de salsicha foi muito mais competente que o fabricante de diplomas privados. No Chile, temos uma experiência rica de luta e ocupação de praças públicas, uma repressão violenta de um governo de direita, lembrando que Bachelet também reprimiu, com a diferença de que o movimento atingiu uma escalada excepcional agora. E esses movimentos mostram a transversalidade nas questões de classe. Não há nenhum levante no qual os ricos estejam protestando. Quando os brancos estão presentes, são os brancos pobres, com os negros, imigrantes, asiáticos, latinos... A primeira manifestação completa do dia 1º de maio nos EUA foi feita pelos imigrantes. Isso porque, por triste curiosidade, o país que gerou o 1º de maio como dia de luta dos trabalhadores não celebra a data em 1º de maio. E alguns anos atrás, os chamados chicanos, os imigrantes, pararam as ruas de várias capitais para dizer “nós produzimos para os EUA, e não queremos ser tratados como cidadãos de terceira, quarta, categoria”. Correio da Cidadania: A Inglaterra tem sido palco de um dos mais intensos movimentos na Europa nesse cenário de protestos, não? Ricardo Antunes: Nesse cenário, chegamos à Inglaterra. Veja como é sintomático. No primeiro dia de protestos, a mídia tratou as pessoas como manifestantes. A partir do terceiro dia, a mídia mundial começou a chamar os atos de vandalismo. É impressionante. E ainda dizendo que, da direita à esquerda, todos condenam as ações ocorridas na Inglaterra. Isso não é verdade. Alguém pode considerar o New Labour como esquerda na Inglaterra? É grotesco! Não é a esquerda da Inglaterra e é tão ‘esquerda’ quanto os governos Lula e Dilma. Lá é até pior, porque o New Labour não tem mais nada a ver com o velho Labour Party, que era trabalhista e reformista autêntico. Esse atual, do Tony (ou “Tory”, conservador, de alma) Blair, o Partido Democrata inglês, partido dos grandes capitais da Inglaterra, tal como a oposição de direita daqui ou os liberais. O que levou a essa explosão na Inglaterra? Em primeiro lugar, o assassinato de um taxista negro por uma polícia branca, asséptica e perversa. Podemos citar a morte do Jean Charles para lembrar a perversidade dessa polícia, que o matou como se fosse um militante da Al-Qaeda, assassinado brutalmente e sem defesa. É uma polícia virulenta e, como disse o Tarik Ali recentemente, seria importante contabilizar quantos negros morreram após serem presos, no caminho do carro da polícia até a delegacia. Há uma belíssima gravação, colocada no ar pela TV Cultura, de uma entrevista da BBC londrina, na qual se queria induzir um senhor a se posicionar contra as manifestações. Ele respondeu: “Mas o meu filho é negro! Ele já foi parado pela polícia pra explicar que não tinha feito nada. Temo pelo filho e pelo meu neto recém-nascido, que vai passar pelo mesmo”. Depois, a repórter, muito idiota, como manda o tom da mídia internacional dominante, perguntava: “Mas os vândalos...”. Correio da Cidadania: Na Globonews, brasileira, houve tentativa idêntica de ‘debate’, desses que partem das ‘conclusões a priori’, com o sociólogo Silvio Caccia Bava. Ricardo Antunes: Exatamente. O que a repórter da mídia inglesa, a exemplo de outras, não entende é que se vive uma insurreição popular na Inglaterra. É um levante que começa com o assassinato de um negro, em um bairro periférico de Londres, não por acaso onde os negros e imigrantes são maioria, e a partir disso se expande. E aí dizem, espantados, “mas os jovens vão roubar coisas das lojas, de grife!”. Mas queriam que fossem roubar o que? Não vivemos na sociedade que cultua as marcas, as grifes? Esse culto ocorre diuturnamente, na TV, no rádio, na propaganda, em mensagens subliminares, nos valores culturais, na divisão entre quem tem o carro ou a roupa de tal marca e quem não tem, determinando se a pessoa é ou não “bem sucedida”... Numa explosão dessa, é natural que os pobres, especialmente jovens, que também são influenciados por tais valores, queiram tirar sua casquinha daquilo que eles são diuturnamente instigados a ter e que a vida real os impossibilita de realizar. Correio da Cidadania: Além do mais, não parece absurdo imaginar que parte deles visou tais lojas e marcas exatamente para externar sua contrariedade a esse modelo de sociedade que os faz ver tudo apenas pela vitrine. Ou seja, aquilo que já se viu em bancos e Mcdonalds e nem é tão inédito. Ricardo Antunes: É verdade, é um bom ponto de vista. Tal como já se atacaram outros símbolos. A sociedade do século 20 pode ser caracterizada como a sociedade do automóvel. Há poucos anos, vimos um incêndio de automóveis que chegou à casa de 30 mil veículos na França. Agora, vemos carros sofisticados sendo queimados na Alemanha. Por quê? Porque são símbolos de riqueza, que criam essa sensação em relação aos pobres, que não têm saúde, não têm mais “welfare state”, se precisarem de uma cirurgia (o que constatei ao morar um ano na Inglaterra) têm de esperar até um ano, pois o sistema de saúde pública não funciona como antes... Ao mesmo tempo em que os ricos... Murdoch, seu executivo do News of the World, jornal que fechou após os escândalos das escutas, também era assessor do Cameron! A população se dá conta. O assessor de um magnata corrupto da imprensa está no governo, está mandando! Uma hora tem uma explosão. E vem gente dizer que a esquerda é contra. A esquerda não é nada contra essas revoltas. Ademais, vão falar que o Guardian é jornal de esquerda? Espera um pouco, por favor! Há jornais mais e menos conservadores, mas tudo dentro da ordem. Se quisermos saber da esquerda inglesa, temos de olhar as publicações dos movimentos populares, ambientalistas, o Socialist Workers Party, um partido pequeno, mas de esquerda, dos pequenos núcleos de trabalhadores, que repudiam a tragédia que é esse governo branco e nada brando, elitista, perverso, excludente, e que critica as ditaduras do Oriente Médio. Mas o que fez o governo do branco Cameron? Repressão nas ruas, judiciário instrumentalizado para punir até quem mandou uma mensagem por internet que talvez nem fosse séria... E por que se destaca o Mcdonalds? Porque é o exemplo da sociedade “fast-food”. Tal como os carros no século 20 foram símbolos da sociedade tayloriana-fordista, o Mcdonalds é exemplo típico da sociedade do “fast-food”, do supérfluo, do involucral, do fenomênico, combinando péssima alimentação, péssimo cuidado em saúde coletiva etc. etc. Correio da Cidadania: As revoltas continuam tendo caráter classista, porém, no contexto dessa nova morfologia do mundo do trabalho? Ricardo Antunes: Claro. E o contexto de fundo é uma crise estrutural, com precarização também estrutural do trabalho assalariado, em escala vista somente em 1929, 1930, 1931, 1932, no mesmo contexto da crise de 1929. Ou seja, há uma nova morfologia das lutas sociais, que cria também uma nova morfologia nos organismos de representação de tais lutas sociais. E novas formas de manifestação. É tão verdade que as greves ocorrem intensamente em vários países do mundo – a China é hoje o país com as mais altas taxas de greve do mundo –, como também há várias outras formas de lutas, das quais as rebeliões que vemos são expressão. Outra: elas sinalizam a transversalidade, que mescla classes, de maneira dominante. Repito, não há brancos ricos em nenhum desses levantes. Classe média sim, porque a classe média européia, pra não falar da árabe, está empobrecida e sem perspectiva futura. Mas não há ricos brancos saqueando nem quebrando nada. Estão em seus bairros fechados, com sua segurança privada. É uma transversalidade que mescla a dimensão de classe com a de gênero. Por exemplo, quando os dois jovens negros parisienses foram mortos eletrocutados ao fugir da polícia, houve aquela enorme rebelião, formada por jovens da periferia, sem documentos, predominantemente homens. Nas manifestações de hoje, como na Espanha, a mescla entre os dois sexos é enorme. No Chile, também são estudantes homens e mulheres lutando por algo melhor. Dessa forma, há uma transversalidade que aglutina classe, gênero, geração, etnia, sexualidade, entre tantos elementos clivados. E todos eles expressando mais ou menos explicitamente toda a lógica destrutiva da sociedade atual. Em maior ou menor dimensão, exibem coágulos, mesmo que pontilhados, de uma intuição anticapitalista. Em outros setores é mais que isso. Nas manifestações na França contra a reforma da previdência, chegaram a colocar 3 milhões de pessoas nas ruas das grandes cidades – com muitos jovens, estudantes, militantes da CGT, o PC francês, CSCT, o Novo Partido Anticapitalista. Dependendo da realidade, é maior ou menor a presença de setores líderes nas mobilizações. Mas o tom dominante é a alta dose de espontaneidade e o descontentamento visceral com a ordem estrutural. Correio da Cidadania: Você poderia falar um pouco mais especificamente da China nesse contexto? Ricardo Antunes: Talvez o único quadro “diferente” seja o chinês. Imagine que a China, antes da crise de 2007-08, vinha crescendo a 12% ao ano. Ela tem quase 1,5 bilhão de habitantes. Hoje a população é pouco superior a 1,3 bilhão. Sua força de trabalho ativa logo chegará à casa de um bilhão! Quando o país caiu de 12% para 7% de crescimento, foi uma hecatombe social, pois é isso que significa a diferença de 5% a menos de crescimento na China. Lembro que em fevereiro de 2009 a imprensa chinesa falava em 26 milhões de trabalhadores rurais que migraram para as cidades e perderam seus empregos. O que eles vão fazer, voltar pra comuna rural? Lá não tem mais lugar pra ele. Além disso, o trabalhador jovem, quando migra do campo para a cidade, se ressociabiliza. Ele passa a viver as vantagens e desvantagens das cidades, sua urbe, os valores urbanos, a internet, os cafés, os bares, as festas populares. Como vão dizer, 10 anos depois, pra ele voltar pra comuna rural? Não volta. Até porque não tem o que fazer lá, pois aquele lugar não tem mais nada a ver com a sua nova subjetividade, florescida nas cidades, no que Mike Davis chama de ‘Planeta Favela’. Ele prefere viver no Planeta Favela a voltar à calmaria rural. Por tudo isso, a China tem hoje as mais altas taxas de greve do mundo. O país sequer tinha uma legislação social protetora do trabalho. Quando o PC chinês abriu o país para a exploração do capital privado transnacional, aí que vieram mesmo pra esfolar a pele, o couro e a alma do trabalhador chinês. Depois, imagine uma dessas transnacionais escalpelando o trabalhador chinês, chegando e falando: “Olhem, vou fechar a fábrica, porque a crise me obriga”. As rebeliões aumentaram. Na época, a internet até mostrou uma assembléia de trabalhadores chineses em que, no desespero, um operário decapitou o gestor que anunciara o fechamento da fábrica. Na França, há dois, três anos, tivemos as chamadas greves selvagens, em que os sindicatos fechavam as fábricas com os gestores dentro e exigiam novas negociações. Há um cenário muito heterogêneo de lutas. E ainda há as greves na Coréia, Japão, Filipinas, países africanos, ou seja, estamos diante de um cenário muito variado. Mas é fundamental perceber como o Habermas estava equivocado, quando em 1980 concluiu e publicou seu livro Teoria da Ação Comunicativa, afirmando que o proletariado europeu tinha se integrado e vivíamos uma era de pacificação das lutas sociais. Eu queria ver o Habermas agora. Alguém pode imaginar que a Europa vive uma “era de pacificação das lutas sociais”? O termômetro social aumentou, isso sim. Correio da Cidadania: Com a tônica no longo prazo, acredita que a atual crise mundial, circundada por maciças revoltas populares, possa ensejar perspectivas de surgimento de medidas e movimentos organizados anticapitalistas? Em outras palavras, sementes de uma possível sociedade socialista podem estar em gestação? De que forma? Ricardo Antunes: Eu venho dizendo, há muito tempo, que o século 21 tem uma semelhança com o século 20. No início do século passado, as placas tectônicas se mexeram – refiro-me às movimentações e embates sociais, não geológicas. No século 20, tivemos a revolução russa, húngara, levante na Itália; pelo campo da extrema-direita, o fascismo italiano, o nazismo alemão. Ou seja, as placas em convulsão; revolução e contra-revolução. No século 21, cuja primeira década já se foi, as placas tectônicas se mexeram. Mas com uma nova morfologia societal, com um novo desenho de lutas sociais, combinando lutas novas com antigas, mecanismos usados pelo movimento operário no século 20 com revoltas de novo desenho social. Na América Latina, por exemplo, a Bolívia não é mais a mesma coisa. Os indígenas e camponeses bolivianos vivem processo de auto-organização, que vem sendo conquistado nos últimos anos. O movimento popular na Venezuela também avança no sentido de se reconhecer como agente autônomo, que tem direitos e deve lutar por eles. Na Argentina temos as chamadas ‘fábricas recuperadas’, e já existem mais de 200 dessas no país. Fui conhecer 4 ou 5 delas e vi como são experiências importantes. Na mesma Argentina, tivemos a crise de 2001 e dos anos seguintes, com uma explosão dos movimentos piqueteros, cortando as estradas. E se você faz isso nas estradas que levam a Buenos Aires, não há circulação nem de mercadorias nem de pessoas. É evidente que o movimento piquetero tem traço de oposição à circulação de mercadorias; conseqüentemente, traços anticapitalistas. É muito importante compreendermos esse desenho todo, pois ele mostra que adentramos numa era de muita ebulição social. Anote aí, estamos só no começo. Afirmo isso desde que escrevi a primeira edição de “Adeus ao Trabalho”, de 1995, reeditado em 99: “adentramos em uma nova era de conflagração social, de tal modo que o trabalho social concebido no sentido amplo – mesmo incluindo os desempregados, precarizados e imigrantes – se contrapõe às forças do capital. O capitalismo se mundializou e, nesse processo, se mundializaram as lutas sociais. Correio da Cidadania: Até mesmo economistas que se mantêm no status quo da ordem capitalista, mas com uma visão mais progressista, dentre eles Paul Krugman, o Nobel da Paz de 2001, Joseph Stiglitz, e o guru da crise de 2008, Nouriel Roubini, descrevem um cenário catastrófico a decorrer das medidas anti-crise que vêm sendo forçadas pelo mercado nos países ricos. Cortes orçamentários tão somente reforçarão uma recessão global, quando a origem da crise passaria justamente pela percepção da falta de perspectivas de crescimento nos países ricos, especialmente nos EUA. Neste sentido, estes economistas deixam antever que existem medidas possíveis e urgentes que deveriam e poderiam ser tomadas diante da dramática conjuntura atual, amortecendo, em um primeiro momento, os impactos mais deletérios. O que teria a dizer sobre este enfoque? Ricardo Antunes: Claro que é possível tomar tais medidas. Se vivemos uma era de explosão e novos levantes sociais, isso é muito positivo. Mas ainda estamos aquém de projetos de longo fôlego, que possam, digamos assim, colocar na mesa outro projeto societal com força orgânica. Por exemplo, os movimentos a que me referi têm uma atuação pujante e depois refluem. Assim, uma pergunta importante é: como avançar na organicidade, na aproximação e confluência de tantos movimentos, de modo que não sejam presas da sociedade dita democrática, mas de fato ditatorial, e das sociedades dos partidos únicos, como são no fundo as sociedades estadunidense e européia? Existem os liberais, os conservadores, os democratas e não tem mais conversa. Quadro, por sinal, muito semelhante ao brasileiro, com o PT e seu arco de forças que vai até a extrema-direita, setores da esquerda reduzidos, o PSDB e o ex-PFL (já que chamar de Democratas é provocação aos democratas) e a centro-direita. Em suma, um setor vai da esquerda à extrema-direita e o outro vai do centro à extrema-direita, de modo que os projetos ficam muito assemelhados. Porém, que alternativa se pode imaginar? É claro que uma alternativa importante aos movimentos de agora é aproveitar esse processo. Quando digo que adentramos em nova era de pracarização estrutural, em escala global, quero expressar que os capitais e suas corporações estão anunciando o seguinte: “daqui pra frente, os direitos do trabalho vão ainda mais para o ralo”. Portanto, trata-se disso: impedir a destruição dos direitos do trabalho. Seja na Argentina, no Brasil, no México, onde, por exemplo, há um movimento de 40 mil eletricitários que lutam há mais de um ano porque a empresa foi privatizada e eles perderam tudo. A empresa é privatizada e o trabalhador perde tudo, elementar. Estive no México três vezes no último ano e vi movimentos de trabalhadores de várias localidades do país na praça do Zócalo, na Cidade do México, denunciando tudo isso, lutando para impedir que seus empregos desapareçam. Assim, essas lutas pelos direitos do trabalho são vitais. Segundo ponto: a luta pela redução da jornada de trabalho em escala global também é vital. Porque, ao se reduzir a jornada, juntam-se as duas pontas que compõem a classe trabalhadora: os que estão empregados e os que estão desempregados. Reduzindo-se a jornada dos empregados, inclui-se uma parcela importante de desempregados e aumenta-se o tempo de vida fora do trabalho. É uma bandeira fundamental. Hoje, poderíamos trabalhar duas, três horas por dia, três ou quatro dias por semana, se a produção não fosse decidida e voltada também para a acumulação destrutiva do capital. Poderíamos trabalhar muito menos horas, todos teriam uma jornada pequena e um tempo fora do trabalho que poderia ser efetivamente livre se houvesse rompimento com as amarras do capital e seu mercado. E ao lutar pela redução da jornada de trabalho, você começa a se perguntar: “quem controla meu tempo de vida, no trabalho e fora dele?”. Depois: “produzir o que e para quem?”. Quando os movimentos populares, sociais e de trabalhadores começaram a se fazer essas duas perguntas puseram o dedo na ferida. Claro que governos que, mais ou menos timidamente, ensaiam medidas anti-neoliberais devem ser incentivados, mesmo que tais governos estejam longe de significar algo substancialmente progressista. No entanto, como a maioria esmagadora dos governos pratica a pragmática neoliberal, a força que pode realmente erigir barreiras para impedir uma erosão maior dos direitos sociais vem dos movimentos oriundos da classe trabalhadora ou sociais. Como o MST, os movimentos contra a privatização da água na Argentina, Uruguai, Bolívia, contra, por exemplo, as siderúrgicas e mineradoras que devastam o norte da Argentina, em Mendoza, com essas ‘Vales do Rio Perdido’ que saqueiam mundo afora, tirando populações de seus habitats, empurrando-as para longe pra abrir buracos na terra, extrair minérios (commodities) e vender no mercado internacional, enriquecendo brutalmente grupos restritos, antros de bilionários que saqueiam povos e países de dada região por interesses estritamente privados e corporativos. Essas são bandeiras importantes. Em alguns casos, as lutas estão mais avançadas. Em outros, em um patamar ainda inferior. O Brasil, nos anos 80, já foi linha de frente em lutas sociais; agora está na retaguarda. Enfrentar um governo como o de Lula não foi fácil, porque, para muitos movimentos populares, o Lula ainda é “alguém como nós”, mesmo que já tenha mudado de lado há muito tempo. O Lula hoje escolhe onde faz palestra por 400 mil reais, cobra em dólar e ainda deixa o FHC furibundo porque o seu cachê é três vezes maior! Esse é o cenário. E tivemos outros movimentos, como o dos zapatistas, no México, em 1994, depois a Comuna de Oaxaca, ainda que hoje o país viva uma situação mais difícil. Em compensação, temos avanços no Equador, Bolívia, Venezuela e Argentina. Digo avanços das lutas populares, dos movimentos concretos. Em vários países da Ásia também, onde, por exemplo, há uma organização importante dos trabalhadores na Coréia do Sul. Não há um dia em que estudantes ou trabalhadores coreanos não infernizam o patronato e a polícia, porque eles reivindicam e são vigorosos em sua luta. Esse é o cenário que, como venho dizendo, representa o aumento da temperatura social. Estamos perante um traço do capitalismo que temos de viver, analisar e compreender. Correio da Cidadania: Pra não deixar de fora o Brasil, vemos que, afora o vai e vem das Bolsas, interlocutores oficiais, mídia comercial, ambos reforçados pela percepção popular média, transmitem a noção de sermos uma ilha de efervescência com alta dose de imunidade, à espera de sediar dois grandes eventos globais! Como está e como deverá caminhar, de fato, nosso país nesta conjuntura? Ricardo Antunes: É, o Brasil será o escape para toda essa crise, sendo um ótimo espaço para abrir caminho à continuidade da expansão e acumulação capitalista, nos marcos que temos acompanhado e comentamos aqui. Mas indo ao ponto, por que o Brasil ‘cresceu’ nesses últimos anos? Não foi o Brasil que cresceu, foram os BRICs, ou seja, a China, Índia, Rússia, África do Sul, e vários países latinos como Venezuela, Bolívia, Argentina, entre outros. Como dito, essa é uma crise do norte. A partir de 2008, com a retração da economia, o governo brasileiro tomou medidas de aceleração do mercado interno e desoneração de setores produtivos. Isso criou uma acumulação no mercado interno, que foi a nossa grande diferença em relação à economia global. Entretanto, a devastação ainda será grande na periferia. Tanto que já podemos notar que os governos têm discursos prontos para medidas impopulares, de contenção. É óbvio isso. Como já discutimos em muitas ocasiões, os governos FHC, Lula e Dilma, cada um a seu modo, foram agudamente pró-capitalistas, não tocaram em nenhum dos pilares da tragédia social brasileira. A economia fica de joelhos para o agronegócio, as corporações demitem no primeiro espirro de crise, a desindustrialização é enorme. E quando vier a crise, não será mais Lula no poder, mas Dilma, que, apesar do capital político que herdou, não tem nenhum lastro social. Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista. |
Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
sexta-feira, 16 de setembro de 2011
Luta pelos direitos do trabalho é hoje vital diante da crise cabal do capitalismo
Miles Davis - Birdland 1951 (2004)
Créditos: LOOOLOBLOG
Canciones tomadas de las retransmisiones radiofónicas desde el club Birdland de Nueva York en las fechas indicadas.
Salud!
Move (2 de Junio , 1951)
Half Nelson (2 de Junio 2, 1951)
Down (2 de Junio 2, 1951)
Out Of The Blue (17 de Febrero , 1951)
Half Nelson (17 de Febrero , 1951)
Tempus Fugit (17 Febrero , 1951)
Move (17 Febrero, 1951)
Move (29 Septiembre 29, 1951)
The Squirrel (29 de Septiembre , 1951)
Lady Bird (29 de Septiembre, 1951)
Half Nelson (2 de Junio 2, 1951)
Down (2 de Junio 2, 1951)
Out Of The Blue (17 de Febrero , 1951)
Half Nelson (17 de Febrero , 1951)
Tempus Fugit (17 Febrero , 1951)
Move (17 Febrero, 1951)
Move (29 Septiembre 29, 1951)
The Squirrel (29 de Septiembre , 1951)
Lady Bird (29 de Septiembre, 1951)
Miles Davis - Trompeta
Sonny Rollins - Saxo Tenor
Big Nick Nicholas - Saxo Tenor
J.J. Johnson - Trombón
Kenny Drew - Piano
Billy Taylor - Piano
Charles Mingus - Piano
Tommy Potter - Bajo
Art Blakey - Batería
Planeta com dois sóis remonta a ficção de ‘Guerra nas Estrelas’
CORREIO DO BRASIL
Por Redação, com agências internacionais - de Washington
Um planeta com dois sóis é a descoberta do telescópio espacial Kepler que a agência espacial norte-americana (Nasa, na sigla em inglês) divulgou, nesta quinta-feira, e mostra como é o novo astro, com tamanho similar a Saturno. O novo corpo celeste fica no sistema estelar batizado de Kepler-16, na região da constelação da Lira. Suas duas estrelas mães têm tamanhos diferentes; uma possui massa equivalente a 70% o tamanho do Sol e a outra, menos brilhante e de espectro mais avermelhado, de 20%.
Sistemas binários, como são conhecidos esses pares de estrelas, são comuns na nossa galáxia e teóricos já havia postulado a possibilidade de planetas orbitarem ao seu redor. Esta, porém, é a primeira vez que astrônomos descrevem isso sem margem de dúvida. A descoberta do novo planeta foi possível porque o telescópio Kepler observa sua órbita de perfil, e é capaz de perceber a tênue queda de luminosidade cada vez que o planeta eclipsa uma das duas estrelas. O planeta, porém, está longe demais para que os astrônomos consigam enxergar seu contorno diretamente.
Batizado de Kepler-16b, o planeta faz a luminosidade do sistema sofrer uma queda de 1,7% durante o eclipse da estrela maior e de 0,1% durante o eclipse da estrela menor. O Kepler, que monitora mais de 150 mil estrelas na região, é o único telescópio com sensibilidade suficiente para detectar variações tão pequenas e capaz de acompanhá-las sem interrupções. O novo planeta foi observado em todo o seu “ano” e cientistas conseguiram determinar que o raio médio de sua órbita é de aproximadamente 100 milhões de quilômetros, dois terços da distância entre o Sol e a Terra.
Para confirmar a descoberta, porém, astrônomos precisaram encarar um desafio bem mais complexo, pois não tiveram de estudar apenas a órbita do novo planeta, que dura 229 dias. As estrelas A e B também exercem força gravitacional entre si e mudam de posição o tempo todo em relação ao centro do sistema. Isso fez com que os períodos de órbita detectados pelos cientistas em um primeiro momento variassem entre 221 dias e 230 dias, um dado difícil de interpretar.
Três no espaço
A relação gravitacional entre três objetos celestes – desafio conhecido pelos físicos como o “problema dos três corpos” – ainda é um problema para o qual não existe solução geral. Quando se estudam apenas dois objetos interagindo no espaço, a exata posição de cada um deles pode ser prevista no futuro simplesmente por meio da medição de sua trajetória e aplicação de uma fórmula. A inclusão de um terceiro corpo na equação, porém, torna tudo imprevisível.
“A atração gravitacional de cada estrela ao terceiro corpo varia com o tempo em razão das mudanças de posição dos três corpos”, escrevem os cientistas em estudo publicado na última edição da revista Science. O trabalho foi coordenado pelo astrônomo Laurance Doyle, do Centro Carl Sagan para Estudos da Vida no Universo. Para lidar com o problema de medir a configuração orbital de um planeta mais duas estrelas, os cientistas tiveram de criar uma simulação do movimento dos astros. Usando um computador e um modelo matemático complexo para prever o comportamento do sistema de maneira aproximada, os pesquisadores conseguiram reproduzir a dança celeste em Kepler-16 com grande precisão.
O cenário que inicialmente se apresentou como desafio aos cientistas, afinal, acabou se apresentando como vantagem: um número maior de interações gravitacionais permitiu aos pesquisadores calcular com grande precisão a massa e o tamanho das estrelas, algo que nem sempre é possível em sistemas binários sem planetas. Os astrônomos, por fim, conseguiram determinar a massa do planeta como sendo similar à de Saturno. Kepler-16b, porém, é um pouco mais denso, sendo composto provavelmente metade de gás e metade de elementos em forma sólida. (Saturno tem 2/3 de sua massa na forma de gás).
Ficção vira realidade
Os fãs da série de filmes Guerra nas Estrelas deve estar se perguntando se a recente descoberta não seria uma materialização de Tatooine, planeta ficcional com dois sóis onde o personagem protagonista da série, Luke Skywalker, cresceu. Kepler-16b, porém, teria uma atmosfera muito mais espessa e escura do que a de seu companheiro imaginário, e temperaturas gélidas que chegam a -100 ºC. Provavelmente incapaz de abrigar vida e em nada parecido com o deserto ensolarado de Tatooine.
quinta-feira, 15 de setembro de 2011
Turquia, na vanguarda da Primavera Árabe
Finalmente. Cristalinamente claro. Alguém, afinal, disse o que todo mundo – exceto Washington e Telavive – sabe no fundo do coração coletivo mundial: o reconhecimento de um estado palestino “não é escolha, é obrigação”.E foi prodigioso que o homem que o disse tenha sido o primeiro-ministro da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, no Cairo, para a Liga Árabe, à frente de todos os ministros árabes de Relações Exteriores, com virtualmente todo o mundo árabe de olhos colados às telas de televisão conectadas por satélite, e cada palavra de Erdogan sob cerrado escrutínio.O atual tour de Erdogan pela Primavera Árabe – como noticiou a imprensa turca – passando por Egito, Tunísia e Líbia, já o havia catapultado ao status de equivalente geopolítico de cruza de Bono, do U2, com o argentino Lionel Messi, superstar da equipe de futebol do Barcelona.Erdogan teve recepção de estrela do futebol/rock no aeroporto do Cairo – completada com faixas e “Erdogan Herói” brandidas pela Fraternidade Muçulmana. Até falou em árabe à multidão (de “Saúdo a juventude e o povo do Egito. Como vão vocês?” até “Que a paz esteja com vocês”).Erdogan repetiu várias vezes que “Egito e Turquia andam de mãos dadas”. Mas o subtexto foi ainda mais incendiário. No momento em que dois bons ex-amigos de Israel, Egito e Turquia andam de mãos dadas, Israel foi deixada isolada, de cara para um muro. Não poderia haver desenvolvimento mais radicalmente redemarcador em todo o Levante – coisa que jamais se viu desde os acordos de paz de Camp David, entre Israel e o Egito, em 1978.Divulgador militante modeloO tour de Erdogan é lição magistral de realpolitik. Está posicionando a Turquia como vanguarda do apoio à causa dos palestinos. Também está posicionando a Turquia no núcleo duro da Primavera Árabe – como apoiador e modelo inspiracional, apesar de, até agora, ainda não ter havido revolução às veras. Está enfatizando uma sólida unidade turco-árabe – planejando, por exemplo, um conselho de cooperação estratégica entre Egito e Turquia.Além do mais, a coisa toda faz bom sentido em termos de business. A caravana de Erdogan inclui seis ministros e quase 200 empresários turcos – interessados em investir pesadamente em todo o norte da África. No Egito, talvez não igualem os bilhões de dólares já prometidos pela Casa de Saud à junta militar liderada pelo marechal-do-ar Mohammed Tantawi. Mas em 2010, o comércio turco com o Oriente Médio e Norte da África já era de quase $30 bilhões, 27% das exportações da Turquia. Mais de 250 empresas turcas já investiram $1,5 bilhão no Egito.Crucialmente importante, Erdogan disse ao canal Dream da televisão egípcia: “Não desconfiem do secularismo. Espero que haja estado secular no Egito.” Erdogan referia-se sutilmente à constituição secular da Turquia; ao mesmo tempo, cuidadosamente, lembrava aos egípcios que o secularismo é compatível com o Islã.O atual modelo turco é enormemente popular na rua egípcia, com partido islâmico moderado no poder (o partido Justiça e Desenvolvimento, AKP); constituição secular; militares – embora fortes – na caserna; e florescente boom econômico (a Turquia foi a economia que mais cresceu, em todo o mundo, no primeiro semestre de 2001).[1]Esse modelo não é exatamente o que deseja a reacionária Casa de Saud. Prefeririam governo pesadamente islâmico controlado pelas facções mais conservadoras da Fraternidade Muçulmana. Pior: no que tenha a ver com a Líbia, a Casa de Saud adoraria ter lá um emirado amigo, ou, pelo menos, governo salpicado com islâmicos fundamentalistas.Erdogan também destacou que a “agressividade” de Israel “é ameaça ao futuro do povo israelense”. É música aos ouvidos da rua árabe. O presidente palestino Mahmoud Abbas encontrou-se com Erdogan no Cairo – e confirmou que levará adiante o pedido para que a Palestina seja reconhecida como estado pelo Conselho de Segurança da ONU ainda nesse mês de setembro.A Palestina será definitivamente aceita como estado membro sem direito a voto pelo plenário da Assembleia Geral da ONU. O problema é o Conselho de Segurança extremamente não representativo – ao qual compete sancionar o direito dos membros plenos, que votam. Claro que Washington vetará. A União Europeia fraturada, fiel ao próprio caráter, ainda não decidiu se votará como bloco. Há forte possibilidade de que Grã-Bretanha e França também vetem o pedido dos palestinos ao Conselho de Segurança.Mas mesmo que só alcancem o prêmio de consolação de tornar-se estado membro sem voto, ainda assim os palestinos alcançarão uma vitória moral – alinhada com o que deseja a opinião pública mundial. Como estado membro, e mesmo sem o direito a voto, a Palestina poderá tornar-se estado membro da Corte Criminal Internacional, indispensável para processar Israel até o Juízo Final, por violação serial da legislação internacional.Seguir o chefeO jogo da Turquia vai muito além de algum ‘neo-otomanismo’ – ou nostalgia de reviver dias de superpotência dos séculos 16 e 17. É desenvolvimento natural da política de “zero problemas com nossos vizinhos” do ministro Ahmet Davutoglu das Relações Exteriores – que se move para criar vínculos mais profundos com a maioria desses vizinhos e consolidar o que o próprio Davutoglu define como destino estratégico da Turquia[2].A Turquia, há alguns anos, abandonou decididamente uma deriva isolacionista do nacionalismo turco. O país parece ter afinal superado o trauma associado ao sonho de unir-se à União Europeia; para todas as finalidades práticas, o sonho foi destruído por França e Alemanha.Quanto à aliança Israel-Turquia, de fato afastou o mundo árabe e confinou a Turquia a um papel passivo, de marginal sem qualquer ação efetiva no Oriente Médio. Já não é assim. Erdogan pode agora enviar várias mensagens simultâneas a Israel, EUA, União Europeia, a um sortido de líderes árabes e, sobretudo, diretamente à rua árabe.Davutoglu tem sido relativamente magnânimo em relação a Israel, dizendo que “está sem contato com a região e incapaz de ver as mudanças que estão acontecendo, o que impossibilita que [Israel] mantenha relações saudáveis com os vizinhos”.Poderia ter acrescentado que com ‘amigos’ como aqueles – Benjamin Netanyahu, como primeiro-ministro; o ex-leão-de-chácara na Moldávia Avigdor Lieberman como ministro de Relações Exteriores; colonos judeus fanáticos ditando políticas – Israel não precisa de inimigos ou, então, que produz inimigos em massa. Foi o próprio governo de Israel que acelerou a aproximação entre Turquia e Egito – o que está deixando Israel totalmente isolada.O toque de gênio de todo o processo é que Erdogan representa uma democracia em país de maioria muçulmana, fortemente apoiado tanto pelos palestinos quando pelos verdadeiramente pró-democracia na Primavera Árabe. Assim se gera uma conexão direta entre a tragédia dos palestinos e o espírito da Primavera Árabe (que nada tem a ver, vale destacar, com a Organização do Tratado do Atlântico Norte, OTAN, bombardear a Líbia, ou com uma junta militar governar o Egito).Será crucialmente decisivo observar o que acontecerá com o partido AKP, de raízes islâmicas, de Erdogan. É praticamente certo que, nas próximas eleições no Egito, a Fraternidade Muçulmana aparecerá jabeando. É também praticamente certo que a Fraternidade pressionará na direção de relacionamento minimalista com Israel, inclusive com revisão completa dos acordos de Camp David. Teoricamente, a Turquia apoiará tudo isso.E há ainda o front líbio. No primeiro discurso em Trípoli, o presidente do sinistro Conselho Nacional de Transição, Mustafa Abdel Jailil, destacou que a lei islâmica, Xaria, seria a principal fonte da legislação. Mas acrescentou, rápido: “Não aceitaremos nenhuma ideologia extremista, à esquerda ou à direita. Somos povo muçulmano, por um Islã moderado.”Não há qualquer sinal ainda, sequer, de que o Conselho de Transição consiga manter a integridade do país, para nem falar de ter condições para promover “Islã moderado”. Os abutres (estrangeiros) continuam rondando. O secretário-geral da OTAN, Anders Fogh Rasmussen, andou avisando que a Líbia corre o risco de cair em mãos de extremistas islâmicos, que podem “tentar explorar” o atual vácuo de poder. Não se sabe com clareza que papel terá a Turquia – membro chave da OTAN – numa OTAN plenamente implantada na Líbia.Dores heavy metal do partoE tudo isso, enquanto as petromonarquias do Golfo Persa – horrorizada com a Primavera Árabe – propuseram ajuda direta anual de $2 bilhões à Jordânia, que assim se integraria ao Conselho de Cooperação do Golfo, também conhecido como Clube Contrarrevolucionário do Golfo. Como clube monarquista, o CCG quer a Jordânia e o Marrocos como novos membros. Mas a cereja do bolo seria, isso sim, uma Líbia monárquica.Em trilha paralela, os contrarrevolucionários foram forçados pela Turquia a garantir – pelo menos verbalmente, apoio à Palestina. Até o rei Abdullah da Jordânia, sólido aliado dos EUA e único “amigo” de Israel que sobrou no Oriente Médio, já disse que “os futuros palestinos são mais fortes que Israel é hoje”.Ora, Israel procurou por isso – depois da invasão do Líbano em 2006, do massacre de Gaza, em 2008 e do ataque à flotilha turca em 2010. Em termos de opinião púbica, Israel está frita – e até a contrarrevolução árabe teve de perceber.Inclui-se aí a Casa de Saud. Ninguém menos que o ex-supremo da inteligência saudita, o príncipe Turki al-Faisal, publicou coluna no New York Times em que diz claramente, “líderes sauditas serão forçadas por pressões domésticas e regionais a adotar política exterior muito mais independente e assertiva”[3] se os EUA vetarem o pedido dos palestinos no Conselho de Segurança.O príncipe Turki também destacou que tudo deve evoluir em torno de uma solução de dois estados baseado nas fronteiras de antes de 1967 – o que todos os grãos de areia do Sinai sabem que Israel jamais aceitará.No caso de os EUA vetarem, o príncipe Turki ameaçou que a Arábia Saudita “fará oposição ao governo do primeiro-ministro Nuri al-Maliki no Iraque” e “se separará de Washington no Afeganistão e também no Iêmen”.Imaginem, então, a Casa de Saud financiando prodigamente uma dupla guerra de guerrilhas por todo o “arco de instabilidade” do Pentágono – sunitas contra xiitas no Iraque, mais os já super hiper turbinados Talibã no Afeganistão –, ao mesmo tempo em que fazem lobby a favor de governos islâmicos no Egito e na Turquia; e, isso, enquanto Egito e Turquia, por sua vez, unem-se plenamente contra uma isolada e furiosa Israel. É. São essas as tais “dores do parto do novo Oriente Médio”.
NOTAS
[1] “Robust private sector gives Turkey fastest H1 growth worldwide” Zaman, 12/9/201.
[2] Ver “Turkey: the sultans of swing”, Pepe Escobar, 7/4/2011, Asia Times Online, em inglês, e “Fazer andar outra vez o fluxo da história”, Ahmet Davutoglu, Al-Jazeera, 16/3/2011, em portuguê [NTs]
[3] 12/9/2011, New York Time.
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‘Chutamos a bunda dos policiais!’
Uma operação da Polícia Federal foi frustrada hoje por um cordão de estudantes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) que impediu a entrada dos agentes. Segundo estudantes, a PF entrou no campus à paisana e sem mandado judical para levar equipamentos de uma rádio comunitária organizada por alunos. A Rádio Muda, alvo da operação, é um dos principais meios de comunicação usados pela comunidade acadêmica na Unicamp, segundo Carolina Filho, estudante de Ciências Sociais e coordenadora do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade.
A operação ocorreu às 11h30 da quinta-feira 15. Segundo a estudante, não foi a primeira vez que a polícia tenta fechar a rádio, que não é oficializada. “Para os estudantes, é sempre mal vista a entrada da polícia no campus”, diz Carolina. Como o episódio já havia acontecido outras vezes, os alunos já estavam em alerta quanto a possíveis abordagens de policiais à paisana – provavelmente com intenção de sondar o ambiente.
Quando perceberam a aproximação, alunos da rádio se uniram para impedir a passagem. Estudantes que passavam pelo local se uniram, formando um aglomerado de cerca de 30 pessoas. Os policiais foram embora, mas indicaram que retornariam com o mandado.
A Rádio Muda existe há mais de 10 anos e foi criada pelos próprios estudantes. Atualmente, conta com mais de 200 programadores, que tocam uma programação de hip-hop, MPB, reggae, rock, heavy metal, samba, hard-core e noise e falam sobre “futebol, esperanto e movimentos sociais” , segundo o site da instituição. Surgiu a partir de uma iniciativa de estudantes da Física e Engenharia Elétrica em 1994 e desde 1999 sua transmissão atinge diversos bairros da zona Norte de Campinas.
No site da emissora, há relato de operações anteriores, em que equipamentos foram levados. Sobre o episódio desta quinta-feira, postaram: “Chutamos a bunda dos policiais!” e “Rádio Muda 4 X 1 PF+Anatel”. A rádio divulga também uma campanhas contra os grandes conglomerados da comunicação e pela democratização da radiodifusão. Conhecidas por muitos como rádio piratas, a Muda autodenomina-se como rádio livre. Segundo eles, não permitir funcionamento do veículo vai contra o artigo 5 da Constituição Brasileira: “É livre a expressão da atividade intelectual, artística, cientifica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.”
A entrada de policiais (estes militares, ligados ao governo estadual) no campus da Universidade de São Paulo (USP) também mobilizou estudantes no início do ano, depois do assassinato de estudante Felipe Ramos de Paiva. Após o crime, a reitoria da instituição fechou acordo com a PM paulista que, a partir de então, pode atuar normalmente na Universidade e fazer patrulhamentos. Antes, sua entrada só era permitida se fosse solicitada em alguma ocorrência. Na época, o DCE da USP se manifestou contra a decisão.
Clara Roman
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Centro-esquerda vence eleição na Dinamarca com primeira mulher a assumir governo
Do sitio ESQUERDOPATA
A centro-esquerda venceu nesta quinta-feira as eleições gerais na Dinamarca e pôs fim a uma década no poder da direita, além de eleger pela primeira vez na história do país uma mulher para comandar o Governo: a social-democrata Helle Thorning-Schmidt.
A oposição obteve 50,5% dos votos e 89 cadeiras contra 48,7% e 86 cadeiras do bloco governamental, já com 81% das urnas apuradas. Com este resultado, a centro-esquerda ficaria a uma cadeira das 90 que marcam a maioria no Parlamento dinamarquês, que, no entanto, alcançaria se recorrer a algum dos quatro deputados dos territórios autônomos da Groenlândia e as Ilhas Faroe.
Nesse sentido, três dos quatro partidos autônomos que partem como claros favoritos para conseguir representação em Copenhague anunciaram com adiantamento que apoiarão Thorning-Schmidt. Embora os social-democratas, que dominaram a política dinamarquesa na segunda metade do século XX, tenham recuperado o poder após dez anos, conseguiram a vitória em uma situação precária. O Partido Liberal do primeiro-ministro, Lars Loekke Rasmussen, despontou como vencedor com uma ligeira vantagem na frente dos social-democratas, que além disso poderiam piorar por alguns décimos o resultado de quatro anos atrás e transformá-lo no pior em um século.
O triunfo da centro-esquerda se deve em boa medida ao resultado dos dois partidos menores: a coalizão Lista Única e principalmente o centrista Partido Radical Liberal. Porém, os radicais recuperam sua condição de "árbitros" da política dinamarquesa, que na última década tinha sido arrebatada pelo ultradireitista Partido Popular Dinamarquês, que desde 2001 impôs sua ferrenha política imigratória em troca de garantir a maioria absoluta do Governo liberal-conservador.
Thorning-Schmidt, que ocupará a Presidência rotatória da União Europeia (UE) a partir do próximo 1º de janeiro, deverá abusar da cautela para conciliar as notáveis diferenças no seio da centro-esquerda, principalmente em política econômica e de imigração. Enquanto os membros da Lista Única defendem uma linha mais aberta em imigração que a de socialistas e social-democratas, os radicais apoiam as reformas do Governo anterior do sistema de aposentadorias e pré-aposentadorias e de amplos cortes sociais, algo ao qual se opõem o resto dos partidos de centro-esquerda. As diferenças internas na centro-esquerda e na direita evidenciam o fim da ferrenha política de blocos que impera desde 2001 e apontam para o retorno a uma linha de pactos entre ambos lados do espectro político, mais de acordo com a história política dinamarquesa.
Apesar de ceder o poder, os liberais obtêm um resultado muito melhor do que indicavam as pesquisas de semanas atrás, além de manter sua condição de partido mais votado. Pior saiu o Partido Conservador, seu antigo parceiro de coalizão, que vê reduzido à metade seu apoio e se vê igualado à Aliança Liberal. Porém, o grande perdedor é o Partido Popular Dinamarquês e sua líder Pia Kjærsgaard, não só pela baixa votação pela primeira vez desde sua criação em 1995, apesar de seguir sendo a terceira força, mas porque perde toda a influência que a havia transformado na "rainha" da política dinamarquesa. Seu discurso centrado quase exclusivamente nos imigrantes, especialmente nos muçulmanos, ficou em segundo plano na campanha, dominada pelo debate sobre as reformas necessárias para superar a crise econômica e manter o modelo de bem-estar.
As eleições que consagraram o fim de uma década da direita no poder e colocaram pela primeira vez uma mulher à frente do Governo serão recordadas também por uma participação histórica da população que pode superar 90%.
Estudantes querem saber: quando é que vou ganhar dinheiro na rede?
por Luiz Carlos Azenha no VIOMUNDO
É uma pergunta frequente, nas palestras que faço por aí.
Jovens jornalistas, jovens que pretendem ser empresários ou que já são microempresários, de mídia ou não, querem que eu diga quando eles vão ganhar dinheiro na internet.
Diz-se que a rede é o grande equalizador, que basta você ter uma boa conexão de banda larga — mesmo que seja numa lanhouse — para competir em igualdade de condições.
Hoje, no Brasil, isso é uma ilusão para a imensa maioria, diria eu.
Primeiro é preciso qualificar: a existência de lanhouses não garante que a grande maioria dos brasileiros tenha acesso a internet suficientemente rápida e de forma ininterrupta que tocar um negócio através da web.
Existem, sim, algumas exceções, mas não são a regra. Frequentar lanhouse envolve um custo significativo e o mesmo vale para quem quer trabalhar em casa: é preciso pagar o equipamento e a conexão.
Sim, eu sei, as novas tecnologias de informação rebaixaram enormemente os custos para montar um negócio, jornalístico ou não.
Mas, a não ser que você tenha uma ideia genial que não envolva produção/estoque/venda/entrega e cobrança, é forçar a barra dizer que a mera existência das novas mídias cria um campo de negócios em que todos possam competir.
Acesso a capital, portanto, continua sendo tão essencial quanto antes. A não ser que você ganhe na loteria, receba herança ou seja de família rica, precisa de dinheiro para tocar o negócio. Para muitos significa dupla de jornada de trabalho.
Muito embora o acesso a empréstimos no Brasil tenha melhorado muito nos últimos anos, ainda estamos longe do ideal. Os candidatos a pequenos empresários precisam oferecer bens como garantia para obter empréstimos. O capitalismo dos ‘pequenos’ envolve, portanto, riscos relativamente muito maiores. O capitalista corre o risco de perder seu capital. Você corre o risco de perder a casa!
Se uma grande empresa tem capital para manter uma equipe de advogados e para se desvencilhar dos trâmites burocráticos — para não falar do poder de pressão — o que dizer dos jovens empresários?
Dito isso, falemos especificamente do mercado para jornalistas na rede.
Há dinheiro neste negócio que justifique tentar a sorte por conta própria?
Por enquanto, não.
A não ser pelos anúncios do Google, hoje adotados por um grande número de blogs e sites — este, inclusive –, anúncios aleatórios escolhidos pelo Google para casar com o conteúdo publicado, não há nenhuma outra forma de renda constante para um blogueiro em início de carreira, até porque os anúncios do Google dependem de um tráfego de visitantes que ele ainda não tem.
Portanto, também aqui, não há um campo equilibrado.
Como escreveu o publicitário Maurício Machado, há distorções no assim chamado ‘livre mercado’ que são responsáveis pela gigantesca concentração das verbas em alguns grandes grupos de mídia, verbas muitas vezes públicas, já que as três esferas de governo controlam as maiores verbas publicitárias do Brasil.
E os grupos que hoje recebem estas verbas, muitas vezes, exercem um verdadeiro terrorismo para garantir que tudo continue como está. Qualquer ameaça, comercial ou ideológica, ao modelo concentrador, é tratada, no extremo, com assassinatos de reputação.
Há mais um aspecto a considerar, neste caso específico para jovens jornalistas ou estudantes que querem garantir a própria sobrevivência na internet.
Se fazem isso ainda empregados, correm o risco de não ter acesso às ferramentas que poderiam utilizar para promover seus próprios negócios.
Praticamente todos os grupos de mídia exercem controle sobre o uso que seus funcionários fazem das mídias sociais, como blogs, facebook, twitter.
Como escreveu Leandro Fortes, neste texto, existe um caráter de controle ideológico nisso.
Mas há uma questão comercial, também: quem é que vai arriscar o emprego por causa de um post no blog que pretende transformar em seu futuro negócio? Qual o grau de liberdade que pode ser exercido por um jornalista sob estas condições?
Mas, sem o emprego que garante a atividade paralela, qual a perspectiva de sobreviver na rede?
Bem, se você tiver ou conseguir dinheiro privado, por exemplo, para investir em seu próprio negócio jornalístico na rede, sem que o empréstimo limite sua capacidade de produzir conteúdo — o que é, digamos, raro –, se eu fosse você investiria em um blog local ou regional, para aproveitar os buracos deixados pelas grandes mídias na cobertura local, especialmente considerando que os grupos regionais quase sempre estão conectados a um projeto político reprodutor do ‘pensamento único’.
Essa concentração regional é fortemente incentivada pela ausência de leis que limitem a propriedade cruzada, ou seja, que impeçam o mesmo dono/grupo de controlar emissoras de TV, jornais e emissoras de rádio locais.
Temos, portanto, no Brasil, mecanismos fortemente enraizados para promover e manter a concentração do poder político, do dinheiro e da mídia nas mãos de alguns, tanto na esfera federal quanto na local.
Isso não deve servir de desalento a nenhum de vocês, jovens estudantes, jornalistas ou empresários.
É apenas a constatação de que, para sobreviver exclusivamente de negócios na rede, especialmente os ligados à atividade jornalística, não basta querer, ter boas ideias e trabalhar duro.
É preciso ao mesmo tempo lutar por acesso a financiamento a custo baixo, pela pulverização das verbas publicitárias e de fomento e por limites à propriedade cruzada.
Ou isso ou vamos continuar na toada daquele antigo slogan, usado durante o governo Sarney:
Brasil, Tudo pelo Social.
Quem não couber use o de serviço.
No Fantástico, Dilma reforça política como show da vida
Francisco Bicudo no CORREIO DA CIDADANIA |
Sem tergiversar (tenho certeza que a presidenta Dilma Rousseff prefere que seja dessa maneira): fiquei incomodado e lamentei profundamente que a entrevista exclusiva de vinte minutos em horário nobre tenha sido dada a um programa de entretenimento, o "show da vida". No domingão, final de noite, depois do almoço em família e da rodada do futebol, na maioria das vezes quem senta na frente da telinha e procura narrativas como as oferecidas pelo "Fantástico" está justamente disposto a manter a cabeça desligada, prolongando ao limite do impossível mais um final de semana que insiste teimosamente em escorregar pelos dedos, anunciando a agonia de mais uma segunda-feira de trabalho, transtornos, tarefas, reuniões e tensões. Estamos quase a dizer - 'não quero pensar, sem preocupações, só amanhã, mais um pouco, por favor'. É legítimo. Mas é preciso que se trate dessa maneira - como entretenimento. A presidenta - e a assessoria dela - sabem disso. Não escolheram o Fantástico ao acaso. Não foi aleatório. Não foram obrigados. Foi feita uma opção. Antes de mais nada, depois de alguns dias em que se falou sobre propostas de regulação da mídia, seria bom mostrar afinidades, sintonias e encantamentos com a principal e mais poderosa emissora de TV do país, como a dizer "calma, nada muda, estamos no mesmo barco". A proposta da conversa também não era de forma alguma fazer pensar, mas tocar pelas sensações e emoções. Provavelmente a escolha foi mais uma peça de uma estratégia de popularização da imagem da presidenta, algo como "uma mulher como qualquer outra, informal, leve, risonha e brincalhona". As expectativas estavam explicitamente voltadas para a construção da marca de "alguém que também é comum, que tem desejos, vaidades, manias e vontades, como quaisquer outras brasileiras" - uma presidenta que cria empatias e identidades, capaz de cair no gosto popular. Não é difícil perceber que os marqueteiros (figuras cruciais da política como entretenimento) do Planalto não desgrudam os olhos dos tais índices de popularidade. Muitas das ações e das falas presidenciais têm sido guiadas por esses números mágicos de aprovação - ou trágicos de reprovação. Desde os recordes atingidos pelo ex-presidente Lula, a impressão que tenho é que se tornou uma obsessão conhecer como a opinião pública avalia ações de governo - o que obviamente tem lá sua importância, mas, ao mesmo tempo, quando elevada à enésima potência, faz dos administradores públicos reféns de institutos de pesquisas. Pensam em cada lance. Jogam para a platéia. Aguardam os aplausos. Ficam frustrados quando não os ouvem. E repensam suas ações e agendas. Egos precisam ser acariciados - sobretudo. Mais uma vez, o Fantástico cai como uma luva para dar conta dessa demanda - depois de um período difícil, com turbulências, crises e demissões de ministros, eis agora a presidenta doce e meiga, que se reencontra com seu povo, arruma tempo para brincar com o neto, não gosta de ar condicionado (sabiam?), escolhe sem ajuda as roupas e está sempre muito bem alinhada (tem até usado mais saias, vejam só), faz a própria maquiagem (que bom!) e quer muito perder alguns quilinhos extras. A pauta da entrevista, que tragédia, poderia ter sido feita por uma criança de cinco anos, quem sabe até o neto da presidenta pensasse em questões mais relevantes, como chegou a ser comentado nas redes sociais. Mas e quem estava mesmo interessado no debate político? Pois esse é justamente o ponto fundamental da discussão, o que mais me incomoda e para o qual desejo chamar a atenção - ao escolher o Fantástico e favorecer mais uma vez a lógica e a estética do entretenimento, sempre grandiosas e arrebatadoras, a presidenta faz submergir o complexo exercício de racionalidade que marca o debate político. Diante dos olhares desejosos de distração da opinião pública, em horário nobre, a política aparece banalizada, surge como frivolidade, algo secundário, curioso, superficial, simplificado, leve, quase sem conflitos, professoral - vá lá, um tema até interessante, mas não exatamente importante. Esse movimento, aliás (o que é mais preocupante e acachapante), parece ser a tendência dominante do atual governo - e também do anterior. Quais são afinal de contas as iniciativas políticas que estão sendo sustentadas e bancadas pela administração Dilma Rousseff? Para além do gerenciar a herança lulista, quais as transformações de fato que estão acontecendo na área social, por exemplo? Quais suas bandeiras e prioridades? Pois não nos disseram que o tal presidencialismo de coalizão era fundamental exatamente para garantir maiorias, a governabilidade e a implementação das ações de governo? Ah, entendi... as alianças não foram ideológicas, mas fisiológicas; não foram programáticas, mas pragmáticas. O que acontece é que a Política (com "P" maiúsculo mesmo)... não acontece. O Código Florestal aprovado pela Câmara dos Deputados não era o que Dilma queria - mas o governo também não fez força alguma no Parlamento para aprovar proposta alternativa. Temeu melindrar aliados ruralistas. Foi só a ala amiga-religiosa-reacionária gritar um pouco mais alto que o kit anti-homofobia que seria distribuído nas escolas públicas com intuito de combater o preconceito foi suspenso, sob a alegação que não é "consenso no governo". Dilma não quer a aprovação da emenda 29, diz ser contra a volta da CPMF, mas reconhece que a saúde de fato precisa de mais recursos. De onde virão, afinal? O governo não quer se comprometer. Abre mão de contrariar interesses - ou seja, de fazer política. Lava as mãos. Não quer se desgastar com a classe média (imagem é tudo, lembram-se?). Líderes de trabalhadores rurais são mortos. A presidenta não vem a público para condenar com veemência os assassinatos - e explicitar ao lado de quem está nessa disputa. Democratizar e regulamentar a mídia, quebrar monopólios da informação, cobrar impostos de grandes fortunas? Nem pensar. Podem achar que ela é muito radical, não? Sobre a abertura dos arquivos secretos, puxa vida, as mudanças de discursos já foram tantas que já nem sabemos mais o que Dilma pensa. E até mesmo a Comissão da Verdade, que era questão de honra, precisa das bênçãos do DEM (que patrocinou a ditadura militar) para ser aprovada, para "não causar traumas". Durma-se com um barulho desses. Fica difícil. Respeitados os fundamentos e princípios da democracia, política significa tensão. Divergência. Debate. Disputa. Enfrentamento. Exige escolhas. E não aceita omissão. Nem medo. Como bem lembra o poeta, escritor e dramaturgo alemão Berthold Brecht, não adianta estufar o peito e nele bater dizendo "não gosto disso". Quando nos recusamos a fazer política, há certamente alguém disposto a fazê-lo por nós. Espaço vazio é espaço ocupado. Que o diga o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, que em nome da conciliação, de afagos em republicanos e por imaginar que seus competentes discursos e belos olhos seriam suficientemente sedutores para governar o país, enfrenta atualmente a fúria fanática de um movimento chamado Tea Party. Não tenho dúvidas: lá, como cá, a desmobilização do debate que deveria marcar a esfera pública e ser a tônica da vida cotidiana, patrocinada por aqueles que tratam a política como mero produto do entretenimento, em grande medida é diretamente responsável pelo avanço do discurso e das práticas conservadoras. Francisco Bicudo é jornalista e professor de Comunicação Social. |
quarta-feira, 14 de setembro de 2011
Sobre algumas ilusões a respeito da Palestina
Idelber Avelar na REVISTA FORUM
Há uma espécie de euforia tranquilizadora de consciências em curso. A Autoridade Palestina deve solicitar em breve às Nações Unidas a sua admissão como estado membro com plenitude de direitos. Essa admissão deve ser aprovada por ampla maioria, com o tradicional voto contrário de Israel, acompanhado dos indefectíveis EUA e de algum outro país (em geral são as Ilhas Marshall). Como era previsível, há grande apoio popular à iniciativa em praticamente todo o mundo. Mas também há, me parece, uma enorme má consciência com respeito ao tema, como se a admissão à ONU fosse uma espécie de solução definitiva do problema, o tão esperado aplacador da culpa ocidental. Lamento, mas não é o caso.
Quem não acompanha de perto o problema talvez se surpreenda com a notícia de que há pouquíssimo entusiasmo na Palestina, tanto em Gaza como na Cisjordânia, com respeito a essa entrada na ONU. É evidente que a admissão às Nações Unidas muda algo no tabuleiro formal internacional, mas o que se convencionou chamar, nos processos de negociação, de “facts on the ground”, não se move absolutamente um centímetro. Aliás, muita gente se convenceu de que estamos vivendo a época do enterro definitivo da possibilidade de uma solução biestatal para a tragédia do povo palestino.
A solução biestatal sempre teve, a seu lado, a legitimidade internacional. A Resolução das Nações Unidas 242—numerozinho mágico que qualquer palestino sabe de cor—afirma a inadmissibilidade da conquista de território por guerra e exige que Israel retorne às fronteiras anteriores à guerra de 1967. Na prática, ela estabelece as atuais Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental como território legalmente palestino. Há 44 anos esse território continua sob ocupação militar israelense, no caso da Cisjordânia e de Jerusalém Oriental e, no caso de Gaza, sob bloqueio aéreo, terrestre e marítimo.
O número de colonos só cresceu durante esse período e hoje chega a 280.000, na Cisjordânia, e 180.000, em Jerusalém Oriental. A política de remoção forçada da população palestina de suas casas, especialmente em Jerusalém, continua galopante. A implantação de estradas exclusivas para colonos, checkpoints e monopólio da água só se intensificou nos últimos anos. A rotina dos espancamentos, tortura e encarceramentos extra-judiciais também. Periodicamente, reinicia-se a farsa da “negociações de paz”, nas quais não se concede aos palestinos sequer a interrupção do roubo de território. Nada nesse quadro se altera com a admissão da Palestina à ONU.
Especialmente entre os palestinos mais jovens, o atual pedido de admissão à ONU tem sido visto como instrumento para que a Autoridade Palestina faça ainda mais concessões, acelere ainda mais a sua transformação em capanga a serviço do poder colonial israelense e dissemine ainda mais ilusões sobre uma “solução” que já está, na prática, morta, assassinada pela picotagem, confisco e ocupação do território que seria palestino segundo a Resolução 242.
Uma das grandes vozes israelenses contra o Apartheid, Ilan Pappe—o primeiro historiador de Israel a escrever a história do Nakba (a catástrofe) de 1948-9 com fontes orais árabes—, recentemente escreveu um artigo que este blogue recomenda com ênfase (o link leva à minha tradução do texto ao português, publicada aqui na Fórum). Pappe se refere à entrada na ONU como o funeral da solução biestatal, a sua revelação definitiva como farsa de pouquíssimas relações com qualquer realidade existente ou possível. Um número cada vez maior de palestinos e analistas internacionais começa a ver como única possibilidade de solução a emergência de um estado plurinacional e pluriétnico, onde judeus e árabes gozassem de completa e equânime cidadania e direitos iguais. Para que isso se realize, claro, seria necessária uma revolução, nada menos que uma das mais inesquecíveis revoluções da era moderna.
Outras revoluções já tomaram seu impulso inicial de situações assim, em que uma “solução” imaginária, exatamente ao ser colocada sobre a mesa, se revela como ilusão destinada a acalmar más consciências.
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domingo, 11 de setembro de 2011
Sistema tributário progressivo
Marcio Pochmann no PORTAL CTB
Marcio Pochamann é economista e presidente do Ipea. Texto publicado no Valor Econômico.
A trajetória do desenvolvimento contempla a existência de um sistema tributário progressivo. Ou seja, a presença de impostos, taxas e contribuições que atuam em proporção maior com a elevação da renda e riqueza. Assim, a justiça tributária se manifesta logo na arrecadação do fundo público e se mantém na medida em que o gasto governamental seja proporcionalmente maior com a redução da renda e riqueza. Para se conhecer a eficiência do Estado, basta saber a forma com que tributa a sociedade e redistribui o que arrecadou para a população.
Pela tradição do subdesenvolvimento, a capacidade do Estado tributar os pobres tem sido proporcionalmente maior que a renda e a propriedade dos ricos. O inverso se estabelece na redistribuição do fundo público constituído por impostos, taxas e contribuições, uma vez que os pobres ficam geralmente com a parte menor do que contribuíram e os ricos com a parcela maior. Isso tudo porque os segmentos privilegiados demonstram inegáveis condições de pressionar o Estado a seu favor, bem mais que os demais estratos sociais, sobretudo os mais vulneráveis e desorganizados politicamente. Sobre isso, aliás, valeria aprofundar o debate acerca da eficiência do Estado.
Na virada do século XXI, o governo brasileiro demonstrou considerável interesse em elevar a qualidade do gasto social, o que permitiu melhorar o tratamento dos segmentos sociais mais vulneráveis e desorganizados politicamente. Por diversas modalidades de atuação das políticas públicas os segmentos de menor renda terminaram ampliando a absorção do fundo público. O impacto distributivo do Estado brasileiro se mostrou inegável, com queda no grau de desigualdade pessoal da renda de 9,5%, passando de 0,55, em 2003, para 0,50, em 2009 (índice de Gini, quanto mais próximo de 1 mais desigual a distribuição). Se desconsiderada a atuação do Estado sobre os rendimentos do conjunto da população, ou seja, a renda original sem incluir as políticas de transferências de renda, a redução no grau de desigualdade seria de apenas 1,7% (de 0,64, em 2003, para 0,63, em 2009).
Em síntese, constata-se uma positiva contribuição recente do Estado no tratamento da desigualdade da renda, especialmente pelo lado da redistribuição do fundo público arrecadado. Mas falta ainda, por outro lado, avançar na qualidade da arrecadação tributária, que permanece fortemente concentrada na parcela da população de baixa renda. Os ricos seguem demonstrando importante capacidade de driblar o conjunto dos tributos. Um bom exemplo disso pode ser observado na marcha da sonegação fiscal existente no Brasil. Inicialmente pela ausência de tributação nas aplicações financeiras de residentes nas operações realizadas no exterior, sobretudo nos chamados paraísos fiscais. Em 2009, por exemplo, somente os recursos aplicados em quatro dos 60 paraísos fiscais (Ilhas Cayman, Virgens Britânicas e Bahamas, mais Luxemburgo) existentes no mundo representaram mais de ¼ do total de recursos considerados investimentos diretos externos (IDE) pelo Banco Central. A intransparência e, por que não dizer, escassa regulação permite que esses recursos aplicados externamente possam retornar legalizados e com contida tributação. A ausência de uma taxação internacional faz prevalecer a sistemática de poderosos e ricos evadirem-se de suas contribuição ao fundo público.
Na sequência, podem ser identificadas diversas modalidades existentes no Brasil que facilitam a evasão fiscal. O contrabando nas fronteiras e o exercício da informalidade consagram funcionalidade à concorrência não-isonômica, ao mesmo tempo em que permitem que riqueza existente deixe de ser tributada. O resultado disso tem sido a concentração da renda e, sobretudo, da riqueza. Também nesse sentido segue inalterado o curso da tributação sobre as grandes fortunas no país, sem qualquer contribuição ao fundo público, devido à ausência de taxação específica conforme verificado nas economias desenvolvidas.
No caso ainda do favorecimento aos privilegiados e poderosos, cabe mencionar a baixa eficácia da tributação direta nas três esferas do federalismo brasileiro. Em relação ao imposto de renda da pessoa física, por exemplo, o Ipea estima que R$ 1 a cada R$ 3 deixa de ser arrecadado, ao passo que segmentos de maior renda podem financiar os seus gastos privados com educação, saúde, previdência e assistência social por meio de abatimentos na declaração anual. Só no financiamento da educação privada, o Estado brasileiro deixou de arrecadar R$ 5 bilhões daqueles que fizeram a declaração anual do Imposto de Renda em 2010.
Por fim, os tributos diretos sobre a propriedade rural (ITR) e urbana (IPTU) seguem inacreditavelmente regressivos, uma vez que sinais exteriores de riqueza concentrada manifestada por latifúndios e mansões em progressão sigam quase imunes à contribuição justa ao fundo público. Além disso, constata-se também que o imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA) permanece sem incidir sobre aviões, helicópteros e lanchas.
O adequado enfrentamento da injustiça tributária atual impõe a elevação da eficiência do Estado, seja no formato da arrecadação do fundo público como na sua redistribuição. Isso implicaria abandonar o vergonhoso peso do Estado proporcionalmente maior sobre os segmentos de menor rendimento, que transferem todo o mês praticamente a metade do que recebem por força do esforço do seu trabalho. Já os ricos, que por força de suas propriedades obtêm rendas elevadas, quase nada contribuem com o fundo público no Brasil.
Pela tradição do subdesenvolvimento, a capacidade do Estado tributar os pobres tem sido proporcionalmente maior que a renda e a propriedade dos ricos. O inverso se estabelece na redistribuição do fundo público constituído por impostos, taxas e contribuições, uma vez que os pobres ficam geralmente com a parte menor do que contribuíram e os ricos com a parcela maior. Isso tudo porque os segmentos privilegiados demonstram inegáveis condições de pressionar o Estado a seu favor, bem mais que os demais estratos sociais, sobretudo os mais vulneráveis e desorganizados politicamente. Sobre isso, aliás, valeria aprofundar o debate acerca da eficiência do Estado.
Na virada do século XXI, o governo brasileiro demonstrou considerável interesse em elevar a qualidade do gasto social, o que permitiu melhorar o tratamento dos segmentos sociais mais vulneráveis e desorganizados politicamente. Por diversas modalidades de atuação das políticas públicas os segmentos de menor renda terminaram ampliando a absorção do fundo público. O impacto distributivo do Estado brasileiro se mostrou inegável, com queda no grau de desigualdade pessoal da renda de 9,5%, passando de 0,55, em 2003, para 0,50, em 2009 (índice de Gini, quanto mais próximo de 1 mais desigual a distribuição). Se desconsiderada a atuação do Estado sobre os rendimentos do conjunto da população, ou seja, a renda original sem incluir as políticas de transferências de renda, a redução no grau de desigualdade seria de apenas 1,7% (de 0,64, em 2003, para 0,63, em 2009).
Em síntese, constata-se uma positiva contribuição recente do Estado no tratamento da desigualdade da renda, especialmente pelo lado da redistribuição do fundo público arrecadado. Mas falta ainda, por outro lado, avançar na qualidade da arrecadação tributária, que permanece fortemente concentrada na parcela da população de baixa renda. Os ricos seguem demonstrando importante capacidade de driblar o conjunto dos tributos. Um bom exemplo disso pode ser observado na marcha da sonegação fiscal existente no Brasil. Inicialmente pela ausência de tributação nas aplicações financeiras de residentes nas operações realizadas no exterior, sobretudo nos chamados paraísos fiscais. Em 2009, por exemplo, somente os recursos aplicados em quatro dos 60 paraísos fiscais (Ilhas Cayman, Virgens Britânicas e Bahamas, mais Luxemburgo) existentes no mundo representaram mais de ¼ do total de recursos considerados investimentos diretos externos (IDE) pelo Banco Central. A intransparência e, por que não dizer, escassa regulação permite que esses recursos aplicados externamente possam retornar legalizados e com contida tributação. A ausência de uma taxação internacional faz prevalecer a sistemática de poderosos e ricos evadirem-se de suas contribuição ao fundo público.
Na sequência, podem ser identificadas diversas modalidades existentes no Brasil que facilitam a evasão fiscal. O contrabando nas fronteiras e o exercício da informalidade consagram funcionalidade à concorrência não-isonômica, ao mesmo tempo em que permitem que riqueza existente deixe de ser tributada. O resultado disso tem sido a concentração da renda e, sobretudo, da riqueza. Também nesse sentido segue inalterado o curso da tributação sobre as grandes fortunas no país, sem qualquer contribuição ao fundo público, devido à ausência de taxação específica conforme verificado nas economias desenvolvidas.
No caso ainda do favorecimento aos privilegiados e poderosos, cabe mencionar a baixa eficácia da tributação direta nas três esferas do federalismo brasileiro. Em relação ao imposto de renda da pessoa física, por exemplo, o Ipea estima que R$ 1 a cada R$ 3 deixa de ser arrecadado, ao passo que segmentos de maior renda podem financiar os seus gastos privados com educação, saúde, previdência e assistência social por meio de abatimentos na declaração anual. Só no financiamento da educação privada, o Estado brasileiro deixou de arrecadar R$ 5 bilhões daqueles que fizeram a declaração anual do Imposto de Renda em 2010.
Por fim, os tributos diretos sobre a propriedade rural (ITR) e urbana (IPTU) seguem inacreditavelmente regressivos, uma vez que sinais exteriores de riqueza concentrada manifestada por latifúndios e mansões em progressão sigam quase imunes à contribuição justa ao fundo público. Além disso, constata-se também que o imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA) permanece sem incidir sobre aviões, helicópteros e lanchas.
O adequado enfrentamento da injustiça tributária atual impõe a elevação da eficiência do Estado, seja no formato da arrecadação do fundo público como na sua redistribuição. Isso implicaria abandonar o vergonhoso peso do Estado proporcionalmente maior sobre os segmentos de menor rendimento, que transferem todo o mês praticamente a metade do que recebem por força do esforço do seu trabalho. Já os ricos, que por força de suas propriedades obtêm rendas elevadas, quase nada contribuem com o fundo público no Brasil.
Marcio Pochamann é economista e presidente do Ipea. Texto publicado no Valor Econômico.
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